29 de novembro – Presença que emudecia os ídolos

“Vinde, a Santíssima Virgem vos espera!”

São Saturnino possuía uma ação de presença pela qual o simples fato de passar diante dos ídolos, através dos quais os demônios falavam, fazia com que os espíritos maus fugissem e os falsos deuses emudecessem. Porque em face do varão de Deus o demônio se acovarda e foge realmente, e os ídolos não falam mais. Peçamos a Nossa Senhora, por intermédio deste Santo, que nos consiga a abreviação destes dias terríveis nos quais vivemos, para que possamos ter a alegria de ver os demônios fugirem envergonhados diante dos olhos de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/11/1968)
Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

27 de novembro – “Vinde, a Santíssima Virgem vos espera!”

“Vinde, a Santíssima Virgem vos espera!”

Ao contemplar as aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, Dr. Plinio ressalta o caráter profético de suas mensagens e a afabilidade e a inocência que transparecem nas narrações da Santa.

Devemos começar agora o comentário dos fatos que se relacionam com a aparição de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré.

Ângulo de análise dos fatos precedentes às aparições

Para acompanhar bem o assunto é preciso conhecer a situação geral da França e da Europa naquele tempo, porque se trata de uma série de revelações de caráter profético, neste sentido da  palavra: elas se deram em 1830 e Nossa Senhora previu fatos — naquele tempo mais ou menos improváveis — que se dariam em 1870, quarenta anos depois, exatamente.

Os fatos tinham muita relação um com o outro e, debaixo desse ponto de vista, essas aparições interessam de um modo todo particular, porque a revolução de 1830 é apresentada por Nossa Senhora como sendo  o primeiro sinal de um conjunto de desordens na França, que haveria de culminar com uma revolução em 1870.

A revolução de 1830 foi liberal. A de 1870 foi a chamada Comuna de Paris, e talvez se possa dizer a primeira revolução comunista na Europa, se não se considerar a Revolução Francesa como uma revolução comunista.

Isso é outra questão. Habitualmente não era tida como comunista. Hoje muitos historiadores reconhecem que ela, chegando ao seu auge, tomou o caráter, o espírito comunista pelo menos.

Enfim, deixando isso de lado, é, portanto, a ideia do liberalismo gerando o comunismo que é apresentada de algum modo pelas revelações. Ideia que se relaciona tanto com a RCR e com as  preocupações habituais do Grupo, que eu não poderia deixar de realçar isto desde o começo.

Tática revolucionária de Napoleão

Qual era a situação da França e da Europa em 1830? Era a seguinte. A Revolução Francesa deve ser considerada como um grande movimento revolucionário que começou em 1789,  simbolicamente, com a queda da Bastilha e que, verdadeiramente, teve seu fim em 1815, quando Napoleão caiu pela segunda vez.

Napoleão é tido por muitos como  o contrário da revolução, porque ele impôs ordem à França quando ela estava no caos e na desordem. Mas a questão é que Revolução não é apenas desordem,   caos, é também uma ordem material na qual se impõe que as coisas fiquem de cabeça para baixo. E foi exatamente o que Napoleão fez.

Ele aproveitou a ordem que ele impôs e aproveitou o prestígio das vitórias militares que alcançou para impor à França, de modo estável, uma série de transformações que a Revolução Francesa introduziu, mas  que eram mal aceitas pelo povo. Em algumas coisas Napoleão recuou em relação à Revolução Francesa, em outras coisas ele impôs. E isto fazia parte do jogo: ceder algo, mas tornar  algo definitivo e irremediável.

Revanche da Revolução

Em 1815 se dá a Batalha do Waterloo, Napoleão é mandado para Santa Helena, e a ordem na França gira: os Bourbons são restaurados e reinam de 1815 a 1830.

A restauração dos Bourbons se deu na pessoa de Luís XVIII, um irmão de Luís XVI. Ele foi sucedido por Carlos X, que reinou de 1824 até 1830, um reinado rápido. Em 1830 houve uma revolução  de caráter liberal que destituiu Carlos X, tido como um rei reacionário e ultramontano.

Em seu lugar foi colocado um parente deles, o Duque de Orleans, que não tinha direito à sucessão ao trono e que reinaria de 1830 a 1848. A introdução de um rei ilegítimo, de ideias  conhecidamente liberais, representava uma revanche da Revolução.

Podemos dizer que a Revolução deu um grande passo para trás com a restauração dos Bourbons; fez meio passo para frente com a implantação da monarquia burguesa de Luís Felipe, e daí para a frente os fatos se foram dando até a Comuna de Paris em 1870.

Carlos X era católico, mas via uma série de coisas muito estrabicamente. Apesar disso, por causa da onda da opinião contrarrevolucionária, a Religião fez muitos progressos na França, restaurou uma porção de coisas,  de instituições que tinham caído, foi uma ocasião de recatolicização.

Nesse período os adversários da Religião também se levantaram e houve motins, agressões, um desenvolvimento grande do anticlericalismo. Isso era um bom sinal do ponto de vista religioso, porque sempre que a Igreja é atacada por seus inimigos, quer dizer que ela está fiel a si mesma.

Devemo-nos situar nessa atmosfera para compreendermos o ambiente no  qual se deram as revelações de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, religiosa de São Vicente de Paulo.

As Irmãs da Caridade

O hábito das Irmãs de Caridade era preto, como são os hábitos das religiosas, mas com uma espécie de grande gola engomada branca. A cabeça era adornada por uma toca bretã um tanto estilizada pela inspiração  e pelas mãos da Igreja. Naturalmente, um rosário pendente da cintura.

Eu não tive muito contato com essas freiras, mas conheci muitas e muitas delas. Eram, em geral, pessoas robustas, fortes e prontas para o trabalho. Algumas — isso não as desdourava em nada — um pouco  camponesas. Olhar límpido, reto, atitude despretensiosa de quem preferia passar despercebida.

Elas eram destinadas muito frequentemente a tomar conta dos hospitais, atender os doentes, e a outras obras de caridade material. Obras de misericórdia temporal, que elas aproveitavam como ocasião para obras de misericórdia espiritual: aproveitavam para chamar um padre para o agonizante, convidavam uma criança para ir ao catecismo da paróquia ou no convento delas. Se  encontravam alguém desventurado pela rua, paravam, perguntavam o que queria, ajudavam a pessoa, etc. Enfim, faziam tudo quanto pudessem para atender aos infortúnios, às carências  materiais, mas, sobretudo, às necessidades espirituais dos mais variados ambientes por onde elas costumavam se infiltrar. A elevação desse apostolado que elas realizavam era tão grande e elas eram de tal maneira admiradas por isso que uma irmã de São Vicente de Paulo costumava ser tida como o próprio símbolo da Religião numa das suas expressões mais belas e mais comovedoras.

Quando Nossa Senhora deseja…

Catarina Labouré nasceu em 1806. Era filha de um casal de proprietários rurais. Sua mãe faleceu quando tinha apenas nove anos.

Catarina pediu autorização do pai para ser freira. Este se opôs terminantemente e julgou bom, para distraí-la, mandá-la para um lugar de prazer, um emprego onde ela podia se distrair, ter  prazeres.

Paris já era, para as proporções da França e do mundo daquele tempo, uma cidade de luxo, uma cidade-turbilhão da alegria, do contentamento de viver mundano. O pai queria conduzi-la até Paris para a vocação desaparecer.

Mas quando Nossa Senhora quer, quer: Catarina acabou indo para Paris, tornou-se freira e recebeu as revelações.

Nos subúrbios de Paris

Catarina Labouré, no ano de 1828 foi posta pelo pai ajudando seu irmão num pequeno  restaurante para operários, num dos bairros mais populosos de Paris.

Era um restaurante só de homens. Com certeza  estes homens comiam ali porque não tinham tempo de ir para casa comer. Imaginem a beberagem, as conversas imorais, as canções. E a futura santa obrigada pelo pai a servir ali. Vejam o contraste e o “rio chinês” que o desígnio da Providência percorreu nesta ocasião.

Ela tinha nessa ocasião 22 anos, uma idade inteiramente inadequada para esse tipo de serviço. Ela ficava — era a defesa dela — quieta, e durante o serviço nunca descerrava os lábios. Falassem com ela o que fosse, perguntassem o que quisesse, ela servia sem dizer uma palavra. Era o meio de, naquele ambiente, se isolar e proteger a sua própria pureza, a sua piedade.

Ela se sentia supliciada em um ambiente tão livre como esse, onde os gracejos e até os galanteios a ela evidentemente não faltavam.

O operário daquele tempo era, em geral, muito corpulento, porque a indústria era muito menos mecanizada do que hoje em dia, exigia muito mais força no trabalho manual. Imaginem um    restaurante pequeno  cheio de homenzarrões. Entra uma donzela que não tem outra coisa senão seu Anjo da Guarda para defendê-la e que acaba domando o ambiente.

Brincadeira de cá, gracejo de lá, galanteios de acolá. Ela tem apenas a defesa do repúdio e dos lábios errados. Ela domina. Vê-se a virtude dominando o vício, o espírito dominando a matéria. Que bela vitória e como isso nos ajuda a conhecer o perfil moral da santa.

Em Châtillon-sur-Seine Esse martírio durou cerca de um ano. Em 1829 Santa Catarina Labouré passou a residir com uma cunhada, que mantinha um pensionato para moças em Châtillon-sur-Seine, no departamento de Côte d’Or. Era aí que uma parte da nobreza da Borgonha enviava suas filhas.

Catarina viveu com mais liberdade e pôde melhorar algum tanto sua escrita. Mas a ortografia dela foi sempre muito irregular.

Em janeiro de 1830 ela entrava no hospital de caridade dirigido pelas irmãs de São Vicente de Paulo em Châtillon-sur-Seine.

Ela, que tinha vergado os operários do botequim, vergou também o pai. Depois de três meses de postulantado, seguiu, enfim, para Paris. E em 1830, no mês de abril, pela primeira vez entrou no noviciado da Rue du Bac, onde as aparições se deram. Ela era, portanto, noviça quando essas aparições se verificaram.

Junto ao coração de São Vicente Três dias depois da chegada de Catarina, deu-se a solene transladação dos despojos de São Vicente de Paulo para a capela da Rue du Sèvre, grande cerimônia à qual assistiam o Rei Carlos X e o arcebispo de Paris, Mons. Quélan.

Que cena linda: o arcebispo de Paris com certeza presidindo a cerimônia, é provável que o pálio cobrisse os restos mortais de São Vicente de Paulo e ali fosse o rei também. Tudo leva a crer que antecedendo e fechando  o cortejo das relíquias, havia personalidades do clero, da família real, da corte, povo em quantidade, provavelmente tropas apresentando armas, etc. Assim se deu a transladação do corpo de São Vicente de Paulo, que era o fundador da congregação religiosa para onde ela estava entrando e que era, naturalmente, venerado por todo o povo francês.

Santa Catarina, como noviça, frequentou várias vezes a capela de Saint-Lazare, onde foi colocado o corpo de São Vicente de Paulo. Conta ela:

O coração de São Vicente aparecia todas as vezes que eu voltava de Saint-Lazare. Apareceu-me três vezes de modo diferente, três dias seguidos: branco, cor de carne, o que anunciava a paz, a calma, inocência e a união; depois o vi vermelho, cor de fogo o que indicava o incêndio de caridade de seu coração; parecia-me que a comunidade devia se renovar, estender-se até as extremidades da Terra, o que de fato se deu. Por fim o vi vermelho  negro, o que indicava tristeza. Vinham-me tristezas que tinha muita dificuldade em dominar. Não sei porque nem como essa tristeza se  relacionava  com a mudança de governo que havia proximamente na França.

São Vicente de Paulo, como santo, amando a França, a civilização cristã e sobretudo a Igreja, dava a conhecer a ela, antes da queda do governo, que o rei cairia. Exprimia a sua dor profunda  fazendo ver o próprio coração nesses coloridos diferentes. Um vermelho quase preto que indicava tristeza, o que iria acontecer?

Por que é que ela sabia de antemão?

Para que nós soubéssemos, é claro. Mas também para rezar e para ir pedindo pela causa católica na França antes mesmo da causa ser golpeada, de maneira a  conseguir que o golpe não fosse tão grande e alguma coisa sobrevivesse.

Vemos a Providência que permite o golpe, mas prepara também algo que atenua. Vê-se aí a bondade e a misericórdia de Nossa Senhora.

Graças de perseverança

Certo dia uma voz interior disse à vidente: “O coração de São Vicente está um pouco consolado, porque obteve de Deus, por mediação de Maria, que suas famílias não pereceriam no meio dessas infelicidades e que Deus se serviria delas para reanimar a fé”. Quer dizer, seria normal que o ramo masculino e feminino da obra de São Vicente de Paulo desaparecessem, mas Nossa Senhora obteve e pediu antes da revolução que essas duas famílias — eu interpreto assim, sendo ramo masculino e feminino — sobrevivessem para espalhar a fé pelo mundo inteiro. O que em larga medida aconteceu.

Revolução de julho

Os mais negros e tristes pensamentos ocorreram no dia da Santíssima Trindade, 6 de junho. A revolução foi em julho. “Nosso Senhor me apareceu como um rei com a cruz sobre o peito no Santíssimo Sacramento. Isto se passava durante a Santa Missa, no momento do Evangelho. Pareceu-me que Nosso Senhor era despojado de todos os seus ornamentos, caindo tudo por terra”. Isto  se relacionava com a revolução que haveria daí.

“Foi então que tive o pensamento que o rei da terra seria despojado de suas vestes reais”. Foi o que aconteceu nos últimos dias de julho.

“Daí os pensamentos que tive, que não saberia explicar, sobre a perda que se fazia.” Como ela era uma pessoa pouco culta, não compreendia todo o alcance desse acontecimento, o que a Religião perdia com isso.

Ela estava com o espírito pouco afeito a medir os vais-e-vens da Revolução e da Contra-Revolução, mas Nosso Senhor Jesus Cristo lhe dava a entender uma profunda tristeza com esses fatos.

Aí os senhores têm uma coisa curiosa, que é o relacionamento direto… Eu não me lembro de ter visto uma coisa parecida — talvez houvesse — de uma revelação tão altamente provável, eu no meu foro interno a tomo como certa, com um fato político. Mas assim, um fato político determinado: “A fulano vai acontecer tal coisa, e por isso Deus está triste”. Eu não me lembro de uma coisa  dessas, é um fato único — único ao menos para minha memória — e que eu gostaria de ressaltar.

O sobrenatural começa a manifestar-se

Imaginemos a cidade de Paris, naquele tempo enormemente menor do que ela é hoje, silenciosa, tranquila, ainda sem motores. Os automóveis ainda não existiam, o silêncio de toda a população que dormia era  apenas de vez em quando interrompido pelas patas de um cavalo que batia sobre a pedra da rua e que ia puxando algum carrinho ou alguma carruagem depressa durante a noite
para um lugar.

Não havia ainda luz elétrica e o dormitório das religiosas era iluminado por candeeiros. Todos dormiam, inclusive Catarina. Ali, completamente diferente do mundo fora, o maravilhoso sobrenatural começa a se desenrolar e Nossa Senhora faz a primeira das suas diversas grandes mensagens para o mundo no século XIX.

Vale a pena ler o próprio texto da santa contando o que se passou então. É um pouco longo, mas são suas próprias palavras. Isso fará um desenvolvimento do tema.

“A Santíssima Virgem vos espera…”

Ela diz o seguinte:

“Veio depois a festa de São Vicente.

Na véspera, nossa boa Madre Marta nos fez uma instrução sobre a devoção à Santíssima Virgem, o que me deu desejo de vê-La. Deitei-me, pois, com o pensamento de que naquela noite mesmo eu veria a minha boa Mãe. Havia tanto tempo já que eu desejava vê-La”.

A inocência e a ingenuidade desse pensamento e o caráter filial são muito bonitos.

Enfim, às onze e meia da noite… Para aquele tempo era alta noite. “…ouvi me chamarem pelo nome:

‘Irmã Labouré! Irmã Labouré!’. Acordando, olhei do lado de onde vinha a voz, que era do lado da passagem”.

Deveria ser uma passagem no dormitório.

“Corro a cortina e vejo um menino de 4 ou 5 anos que me dizia: ‘Vinde à capela, a Santíssima Virgem vos espera’. Devemos imaginar um ambiente com uma paz, tranquilidade, todas as freiras dormindo, esse menino aparece — ela depois descreve o menino — e diz: “A Santíssima Virgem vos espera”. Quer dizer, uma afabilidade de Nossa Senhora à espera dela.

“Logo me veio o pensamento: ‘Irão perceber’. O menino me respondeu: ‘Ficai tranquila. São onze e meia da noite, todo o mundo está dormindo. Vinde, eu vos espero’. Quem é esse menino que diz “eu” aí?

“Vesti-me depressa e me dirigi para o lado do menino. Este tinha permanecido de pé sem avançar além da cabeceira de minha cama. Ele me seguiu, ou melhor, eu o segui, sempre à minha  esquerda.”

“Por todos os lugares onde passamos as luzes estavam acesas, do que me admirava muito…”

Naturalmente ninguém via, era milagre. Tudo isso já é dado para causar impressão.

“Porém, muito mais surpresa fiquei quando entrei na capela. A porta se abriu mal o menino a tocou com a ponta do dedo e minha surpresa foi ainda mais completa quando vi todas as velas e   castiçais acesos, o que me  recordava a Missa de meia-noite”.

Como se fosse a Missa do Galo.

“Entretanto, nada vejo da Santíssima Virgem. O menino me conduziu ao presbitério, ao lado da cadeira de braços do senhor vigário. Ali me ajoelhei e o menino permaneceu de pé todo o tempo. Eu achava o tempo longo e olhava para ver se as vigilantes não passavam pela tribuna.”

No fundo, onde fica o órgão. Ela tinha medo que pudessem perceber, alguma coisa violasse o segredo. Seria bonita a cena. Ela ajoelhada junto à cadeira do senhor vigário, as luzes todas acesas e pensando o que diria à vigilante sobre essa completa irregularidade.

“Ali se passou o momento mais doce de minha vida”

Por fim chegou a hora. O menino  me preveniu. Ele me disse: ‘Ei-la, a Santíssima Virgem’. Ouvi como um roçar de vestido de seda que vinha do
lado da tribuna…

Era o frou-frou de quem está com um vestido de seda que, naquele tempo, ia até o chão. Produzia aquele ruído agradável e muito peculiar. … perto do quadro de São José e que passava sobre os degraus do altar do lado do Evangelho sobre uma cadeira igual à de Santa Ana. O que seria essa cadeira de Santa Ana?

“Eu estava em dúvida se seria a Santíssima Virgem. Nesse preciso momento o menino que estava ali me disse: ‘Eis a Santíssima Virgem’. “Ser-me-ia impossível dizer o que senti nesse momento, o que se passava dentro de mim. Parecia-me que não via a Santíssima Virgem.

“Então o menino me falou não mais como uma criança, mas como um homem dos mais fortes e com as palavras mais fortes.

“Nesse momento, olhando para a Santíssima Virgem, dei um salto para junto d’Ela, pondo-me de joelhos sobre os degraus do altar e com as mãos apoiadas sobre os joelhos da Santíssima Virgem”.

Nossa Senhora estava sentada na cadeira do vigário. Santa Catarina apoiou as mãos sobre os joelhos de Nossa Senhora. Vejam a afabilidade dessa aparição, uma coisa extraordinária.

Depois, para quem for São Tomé, que pôs a mão no flanco de Nosso Senhor, ela também tocou. “Ali se passou o momento mais doce de minha vida. Ser-me-ia impossível dizer tudo o que senti.

Ela me disse  como deveria me conduzir em relação ao meu diretor espiritual, e várias coisas que não devo dizer. A maneira de me conduzir em meus sofrimentos, vir lançar-me aos pés do altar, e me mostrava  com a mão esquerda o pé do altar, e ali fundir o meu coração. Aí eu receberia todas as consolações de que tivesse necessidade”.

Quer dizer, quando ela tivesse sofrimentos, não comentasse com ninguém,  fosse ao altar e desabafasse ali, mas num lugar indicado por Nossa Senhora para ela: “Aqui, nesse ponto, você venha”. Os senhores compreendem quanto ela voltou a esse lugar fisicamente indicado por Nossa Senhora. Uma verdadeira maravilha. “Então lhe perguntei o que significavam todas as coisas que eu tinha visto e ela me explicou tudo”.

Mas ela não disse o que era. Aqui não está. “Fiquei não sei quanto tempo. Tudo o que sei é que quando Ela partiu não percebi senão que alguma coisa se extinguia. Enfim, mais uma sombra que se dirigia para o lado da tribuna pelo caminho  pelo qual Ela tinha chegado”.

“Levantei-me dos degraus do altar e percebi o menino onde o tinha deixado. Ele me disse: ‘Ela se retirou’. Nós retomamos o mesmo caminho, sempre todo iluminado. O menino estava sempre à minha esquerda.

Creio que este menino era meu Anjo da Guarda que se havia tornado visível para me fazer ver a Santíssima Virgem, porque havia rezado muito a ele para que me obtivesse esse favor. Estava vestido de branco trazendo consigo uma luz miraculosa, isto é, ele era esplandecente de luz. Tinha a idade  mais ou menos de 4 ou 5 anos. De volta ao meu leito eram duas horas da manhã, pois ouvi tocar as horas.

Não tornei mais a dormir. Está terminada a revelação.

Um veludo precioso

Não me consta que lá, na Rue de Bac, se indique qual foi o lugar mostrado por Nossa Senhora a ela. Evidentemente, qualquer um de nós que ali estivesse não deixaria de rezar, oscular o chão. A cadeira está ali sobre um estradozinho e todo mundo que entra vai oscular a cadeira. Quando eu a osculei, deitei o olhar sobre o veludo e este pareceu-me novo. Fiquei desagradado, porque, se é novo, não é o veludo sobre o qual Nossa Senhora se sentou.

Na saída, perguntei à freira:

Irmã, me faz favor. Esse veludo da cadeira é o próprio no qual Nossa Senhora Se sentou?

Ela disse:

— Não. Nós, há pouco, o substituímos por um veludo novo.

Eu pensei em ficar com o veludo para mim, e disse:

— Irmã, eu não poderia ter esse veludo? Ou ao menos um pedacinho dele?

Ela disse:

— Não.

Não me lembro se ela disse que foi jogado fora ou queimado. Eu não pude conter a minha surpresa e disse a ela:

— Mas, irmã! A senhora já pensou o que seria esse… Se a armação de madeira da cadeira se oscula, por que não oscular o veludo? Por que não guardar? A senhora já pensou que isto é uma relíquia.

— É…

Eu disse:

— A senhora já pensou quantas

pessoas viriam aqui para receber das senhoras um pedacinho deste veludo? Ela ficou assim meio surpresa e eu disse:

— Irmã, eu sou da América do Sul, sou do Brasil. Eu lhe garanto que a América do Sul desfilaria aqui para receber pedaços desse veludo! — Nous n’avons guère songé — nem sequer pensamos  nisso.

Uma promessa feita por Nossa Senhora

1830, julho. Colóquio com a Santíssima Virgem. “Minha filha, o bom Deus quer encarregar- vos de uma missão. Tereis muitos sofrimentos, mas superareis estes sofrimentos pensando que o fareis para a  glória do bom Deus. Conhecereis que é do bom Deus e sereis atormentada até que o tenhais dito àquele que é encarregado de vos conduzir. Sereis contraditada, mas tereis a graça e por isso não temais. Dizei com confiança tudo o que se passa em vós, dizei-o com simplicidade, tende confiança, não temais”.

Vemos quanto medo ela tinha do próprio confessor com o qual ela se deveria abrir.

“‘Vereis certas coisas. Prestai conta do que virdes e ouvirdes. Sereis inspirada na vossa oração. Prestai conta do que virdes em vossas orações.’”

Os tempos são muito maus. Os males virão precipitar-se sobre a França; o trono será derrubado, o mundo inteiro será transtornado por males de toda ordem — ao dizer isto, a Santíssima Virgem
tinha um ar muito penalizado  —, mas vinde ao pé deste altar; aí as graças serão derramadas sobre todas as pessoas que as pedirem.

É uma promessa magnífica. “‘Minha filha, gosto de derramar graças sobre a comunidade em particular. Eu aprecio muito. Sofro porque há grandes abusos contra a regra’”.

Nossa Senhora gostava da comunidade enquanto instituição, mas já naquele tempo havia muitos abusos no cumprimento da regra.

“‘As regras não são observadas, há grande relaxamento nas duas comunidades. Dizei àquele que está encarregado de uma maneira particular da comunidade. Ele deve fazer tudo o que lhe seja   possível para repor a regra em vigor. Dizei-lhe de minha parte vigiar sobre as leituras, as perdas de tempo e as visitas.’”

“‘A comunidade gozará de uma grande paz, ela tornar-se-á grande. Momento virá em que o perigo será grande, acreditar-se-á tudo perdido.”

É curioso que este momento não é em 1830. Por que, como vai haver uma grande paz e se corrigirá os abusos, etc., etc., quando ela já está em julho e a revolução foi em julho? Esses fatos não cabem aí, mas depois.

“‘Eu estarei convosco, tende confiança. “Mas não se dará o mesmo com as  outras comunidades: haverá vítimas — ao dizer isto, a Santíssima Virgem tinha lágrimas nos olhos. Para o clero de Paris haverá vítimas. Mons. Arcebispo —  a essa palavra lágrimas de novo”. Eu creio que não foi Mons. Quélan. Talvez aí seja uma profecia de 1870, não sei.

“Minha filha, a cruz será desprezada e derrubada por terra. O sangue  correrá, abrir-se-á de novo o lado de Nosso Senhor, as ruas estarão cheias de sangue, Mons. Arcebispo será despojado de suas vestes — aqui a Santíssima  Virgem não podia mais falar:

o sofrimento estava estampado sob a sua face. ‘Minha filha, dizia Ela, o mundo todo estará em tristeza’”.

A essas palavras pensei quando isto se daria: compreendi bem daí a quarenta anos.

Em 1870, onde realmente o arcebispo foi fuzilado abençoando os revolucionários e duas balas cortaram os dedos dele. Ele morreu abençoando. Disse-me uma pessoa, muito competente nesses assuntos de História do século XIX, que o arcebispo era de tendência liberal. Ele teve de algum modo um castigo, porque os liberais o fuzilaram. Mas vejam como Nossa Senhora sofreu com o fato porque ele era arcebispo e, na pessoa dele, era a Igreja que sofria uma violência.

Vejam como Nossa Senhora ama as instituições eclesiásticas. Ela ama tanto uma congregação religiosa na qual Ela, entretanto, denuncia graves abusos. E Ela sofre tanto com o padecimento de um arcebispo.

É a congregação enquanto congregação, o arcebispo enquanto arcebispo. Isso deve nos fazer compreender o amor que nós devemos ter às instituições eclesiásticas, por mais que as vicissitudes humanas façam com que dentro delas se passem coisas que são contrárias ao que se poderia querer.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/11/1980)

27 de novembro – Excelsas benevolências da Mãe da Divina Graça

Excelsas benevolências da Mãe da Divina Graça

Embora não seja ainda dogma definido pelo supremo Magistério da Igreja, grande parte dos católicos aceita como verdade que Maria Santíssima é a medianeira universal de todas as graças. Dr. Plinio estava convencido disto, e o comentou com fervor diversas vezes, como na conferência que o leitor agora poderá acompanhar.

 

A invocação de Nossa Senhora das Graças, cuja a festa se prende à aparição da Santíssima Virgem a Santa Catarina Labouré, em 27 de Novembro de 1830, muito fala às nossas almas de filhos devotos d’Ela, porém não diz tudo. Já o titulo de “Mãe da Divina Graças”, rezado na Ladainha Lauretana, exprime de modo extraordinário a augusta prerrogativa de Mãe enquanto medianeira e dispensadora universal dos dons de Deus.

Significados da palavra “graça”

Para melhor compreendermos e amarmos esse atributo de Nossa Senhora, todo voltado a nosso favor, devemos antes analisar os dois sentidos da palavra “graça” na linguagem católica.

Numa primeira acepção, ela quer dizer favor.

Por exemplo, se alguém sofre de uma doença, suplica ao Céu a cura e a obtém, pode afirmar: “Recebi uma graça”. É um favor que pediu e no qual foi atendido.

Outra pessoa se encontrará em grave apuro econômico, precisando de auxílio para financiar urgentes necessidades de sua família, e roga a Nossa Senhora que lhe dê a oportunidade de ganhar o dinheiro indispensável. A ocasião se apresenta, ele alcança a soma desejada e resolve seus problemas. Foi uma graça, um favor que lhe foi proporcionado pela Divina Providência.

Há contudo, um sentido muito mais elevado da palavra “graça”. Refere-se a uma dádiva tão imensa, tão suprema, que é a graça por excelência. O que vem a ser?

Na sua infinita misericórdia, e sempre a rogos de Nossa Senhora, Deus concede a todas as almas uma força espiritual que é uma participação na própria vida incriada d’Ele. Essa poderosa assistência divina é a graça santificante, que Ele infunde nas almas no momento do batismo, e que pode ser enriquecida pelo homem ao longo da vida, mediante reiterados atos de virtude, a freqüência aos Sacramentos, etc.

Recebendo essa participação na própria vida de Deus, a criatura humana é favorecida por um vigor, uma elevação e uma coragem de alma que caracterizam os santos e santas, beatos e beatas que, em grande quantidade, reluzem no firmamento da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Se procedêssemos a um recenseamento de quantos bem-aventurados existem no Céu, tomando apenas em consideração o calendário litúrgico, o resultado já seria de milhares. Na verdade, porém, o número de santos é muito maior do que o registrado nas hagiografias.

Com efeito, por santo deve-se entender não só aquele que a Igreja proclamou como tal, elevando-o à honra dos  altares, mas também todas as almas que, embora desconhecidas, praticaram em vida a perfeição heroica.

Passaram pelo mundo de maneira humilde e apagada, não deixaram vestígios pelas veredas da terra. Contudo, ao chegar ao Céu, brilham com luz extraordinária, porque observaram  a  virtude de um modo igualmente extraordinário.

Esses santos serão por todos conhecidos no dia do Juízo Final, e muitos deles nos aparecerão como estrelas de primeiríssima grandeza. Talvez surpreendidos pela formosura de algum deles, perguntemos ao nosso Anjo da Guarda:

Mas, aquele admirável que está lá, quem é?

Ah,  aquele?  Foi   um   lixeiro   na   Terra. Porém, teve tanta resignação carregando o lixo, desempenhou tão bem sua missão de limpar  a cidade em que trabalhava, era tão atencioso para com as pessoas com quem tinha de tratar, e de tal maneira fazia isto só por amor de Deus, que toda vez que punha uma carreta de lixo no caminhão da limpeza era como se acendesse uma estrela no Céu. Ou seja, colecionava méritos para a eternidade…

Outro terá sido um homem cheio de poder, riquezas, talentos e posições, recebendo a todo momento elogios e referências às suas grandes qualidades, e a todo instante exposto à tentação do orgulho e da vanglória. Era-lhe fácil tornar-se ébrio de tanto entusiasmo por sua pessoa e posição, Assim, se era preciso debelar uma peste que assolava certa região de seu país, ele mandava procurar os melhores médicos, conhecedores das melhores técnicas, a fim de que combatessem com toda a rapidez possível aquele mal. Era um homem, enfim, possante em idéias e realizações, mas, sobretudo, em amor de Deus e em caridade fraterna. Virtuoso, ele passou por esta terra sem sujar-se com enlevos e comprazimentos consigo mesmo, faleceu santamente e subiu para o Céu como uma estrela. E ali refulgirá por toda a eternidade.

Dr. Plinio, num momento de distensão, durante uma reunião de trabalho feita sob o celestial olhar de Nossa Senhora das Graças

Como um enxerto da vida divina no homem

Todos esses santos, canonizados ou não, todas essas vitórias do espírito sobre a carne, da virtude sobre o pecado, todos os atos meritórios que qualquer fiel pratica, são frutos desta participação criada na vida incriada de Deus, ou seja, da graça. Uma participação altíssima, que poderia ser comparada, vagamente, a um enxerto.

Tome-se uma árvore comum, na qual é enxertada a muda de uma outra árvore que dá frutos preciosíssimos. Quando chegar a hora da frutificação, esses valiosos rebentos nascerão na árvore que recebeu o enxerto. Assim também é a graça, um como que enxerto da vida incriada de Deus em cada um de nós. Se lhe correspondemos, ela frutifica em nós, elevando-nos a inimagináveis alturas.

todavia compreendeu que o homem nada possui do que se orgulhar: tudo o que lhe pertenceu, recebeu de Deus e se destinava a servir a seu Eterno Benfeitor. Se não tivessem sido empregados em vista deste fim supremo, seus dotes e tesouros não teriam valido coisa alguma. Por isso, aceitando essa verdade, ele nunca consentiu num movimento de presunção e de amor-próprio, levando toda a sua existência na mais perfeita humildade e no desprendimento dos bens terrenos. Santificou-se.

Um terceiro foi, digamos, um governante magnífico. À passagem dele, as multidões se desatavam em cânticos e entusiasmos por suas realizações e seus triunfos. Ele venceu batalhas nas quais lutou pelo bem, pela justiça; construiu cidades, socorreu populações castigadas por inundações, epidemias, e as mais diversas catástrofes. A isto era levado não só pelo fato de ser o chefe da nação, com meios de fazê-lo, mas também porque o movia um intenso amor ao próximo e uma grande sabedoria.

A santidade, fruto da correspondência à graça

Essa correspondência à graça significa praticar a virtude, significa evitar a todo custo o pecado. Não deve nos preocupar, neste mundo, se somos muita ou pouca coisa. O único que importa é saber se cumprimos ou não os Mandamentos de Deus, e os desígnios d’Ele a nosso respeito.

Ainda há alguns anos, a Igreja inteira celebrou a glorificação de mais uma heroína da Fé: Santa Ana Maria Taigi. Quem foi ela? Uma distinta senhora, conceituada na sociedade em que viveu, generosa nas esmolas que distribuía? Não. Foi uma cozinheira, uma modesta doméstica no palácio dos príncipes Colona de Roma, no século XIX. Desempenhou de modo perfeito as suas humildes funções, trabalhou incentivada por um ardente amor a Deus, e teve uma vida semeada de dificuldades e sofrimentos pois ninguém vai para o Céu sem padecer santamente suportados. Carregou de modo admirável a sua cruz, tornou-se santa e hoje está na bem-aventurança eterna. Uma simples cozinheira, diante de cuja alma, se lhes fosse dado contemplá-la, se poriam de joelhos os maiores potentados da terra…

Tal é o valor e tais são os frutos de nossa correspondência à graça divina.

O excelso papel de Nossa Senhora das Graças

E aqui se faz notória a gloriosa prerrogativa de Nossa Senhora que hoje recordamos.

Como acima entendida, a graça é um imensíssimo favor de Deus que nos é outorgado a todos, desde o momento do batismo, e que não nos é negado ao longo de nossa existência inteira. Até o derradeiro instante do homem, na hora de ele exalar seu último suspiro, a graça o acompanha, o convida, chama e atrai. Mesmo no fundo dos piores pecados, ainda lhe é dado ouvir o solícito apelo da graça, incitando-o à conversão.

Ora, a recepção desse grandíssimo favor e nossa correspondência a ele, não nos é possível sem que nos venha pelas maternais e misericordiosas mãos de Maria.

Ela é a Mãe da Divina Graça, porque Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, fonte, princípio e autor de toda graça. Além disso, por disposição da Providência, Ela é também a dispensadora dos dons e favores celestiais, cuja totalidade constitui inexaurível tesouro que Deus confiou à gerência d’Ela. Nossa Senhora é, portanto, a tesoureira das riquezas divinas.

Esse magnífico predicado mariano nos faz desfrutar, junto a Deus, de uma privilegiada posição. Pois temos a interceder por nós, continuamente, aos pés d’Ele Aquela que detém a chave de todas as graças, Aquela que é a onipotência suplicante e sempre nos obtém aquilo que, por nossos próprios méritos, jamais alcançaríamos. O valor de Nossa Senhora é tal que todas as nossas orações feitas por meio d’Ela são atendidas, de modo particular as preces e os pedidos que se referem à nossa santificação.

Por outro lado, Ela é especialmente Mãe dos que necessitam das preciosas dádivas do Céu. Mãe dos que pugnam sob o estandarte da fé, Mãe dos que se debatem contra as tentações, Mãe dos miseráveis, Mãe dos pecadores, Mãe dos desamparados, Mãe daqueles que quase perderam a esperança da salvação eterna e para todos, sem exceção, obtém Ela o poderoso auxílio dos dons de Deus.

Essa é Nossa Senhora das Graças, essa é a Mãe da Divina Graça, que tem para com cada um de seus filhos solicitudes e bondades inimagináveis!         

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 32 (Novembro de 2000)

27 de novembro – Mãe da Divina Graça

Mãe da Divina Graça

Como esse título diz tudo! Nossa Senhora é a dispensadora de todos os dons e favores celestiais. As graças de Deus constituem inexaurível tesouro, confiado por Ele à sua Mãe Santíssima. Ela é, portanto, a tesoureira das riquezas de Deus.

Por outro lado, Ela é a Mãe dos que necessitam dessas preciosas dádivas. Assim, o título de “Mater divinæ gratiæ” exprime, de modo magnífico, a função maternal de Nossa Senhora em relação aos  homens. Nessa invocação sentimos o quanto Ela é nossa Mãe, e Mãe na ordem da graça, tendo para conosco solicitudes e bondades inimagináveis!

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 20 (Novembro de 1999)

27 de novembro – Mãe da Divina Graça e da perseverança

Mãe da Divina Graça e da perseverança

Estreitamente unido a Maria Santíssima por meio da escravidão de amor, segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, tinha Dr. Plinio grande devoção à invocação “Mater Divinæ Gratiæ” — Mãe da Divina Graça —, neste mês comemorada na festa da Medalha Milagrosa.

Sobre a efígie impressa na Medalha, cuja confecção foi pedida pela própria Mãe de Deus, abaixo reproduzimos um profundo comentário de Dr. Plinio(1), relacionando-a à Contra-Revolução, à realeza de Maria e à graça da perseverança que deve ser almejada por cada um dos filhos da Santa Igreja: Nós temos, numa das faces da medalha, Nossa Senhora pondo os pés sobre o mundo, na afirmação de sua realeza sobre toda a Terra. É exatamente essa a doutrina da realeza de Nossa Senhora que vem lembrada em Fátima e afirmada com uma vitória sobre a Revolução.

Ela calca também uma serpente, o que está inteiramente coerente, concludente, porque desse lado está escrito: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”.

Quer dizer, é a Imaculada Conceição. Mas não é pura e simplesmente a Imaculada Conceição, porque há aqui um atributo que não se encontra nas imagens da Imaculada Conceição como tal: Nossa Senhora está com as mãos abertas em sinal de aquiescência, de atendimento, e de suas mãos partem fachos luminosos imensos, simbolizando as graças e os favores que pelas mãos d’Ela — quer dizer, pela ação e por meio d’Ela — descem sobre o mundo.

Essas graças são concedidas para a conversão dos pecadores, dos hereges, mas também para o castigo dos irredutíveis e proteção daqueles que se mantiveram fiéis até o fim. São graças para a perseverança dos fiéis. Tudo isso sai das mãos de Nossa Senhora como de um manancial.

Ela está afável, risonha, acolhedora, para todos aqueles que tendo em vista esse conjunto de fatos, de símbolos, de atributos, de noções, se dirigem confiantes a Ela, pedindo as graças de que precisam.

Vamos pedir a Nossa Senhora que pelas graças da Medalha Milagrosa, Ela apresse o dia de sua vitória, de um lado. E de outro lado, também nos ajude a sermos fiéis durante todas as tormentas que se aproximam. Porque devemos nos lembrar bem disso: a perseverança é uma graça inestimável. Do que adianta ter virtudes, se depois cair no pecado?

Essa perseverança não é fruto de nossas qualidades pessoais, mas da graça que se trata de pedir humildemente, de implorar com insistência, e à qual se trata de corresponder. Portanto, precisamos pedir as graças que nos assegurem a perseverança.

Essa invocação de Nossa Senhora das Graças — ou de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa — é particularmente eficiente na luta contra o poder das trevas, que tanto e tanto nós devemos conduzir nos dias de hoje.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 212 (Novembro de 2015)

1) Conferência de 27/11/1964.

27 de novembro – Mãe de misericórdia

Mãe de misericórdia

A invocação de Nossa Senhora das Graças quer dizer que Ela tem em suas mãos todas as graças, porque é a depositária de todos os tesouros de Deus. Mas também significa Nossa Senhora dadivosa, misericordiosa, que tem as mãos abertas para mostrar que Ela quer dar tudo.

Ela é a Mãe de misericórdia, que deseja tocar todas as almas, inundá-las de benefícios, encher o mundo inteiro das manifestações soberanas e celestes de sua bondade e de seu poder.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 176 (Novembro de 2012)

(Extraído de conferência de 26/11/1970)

25 de novembro – Santa Catarina de Alexandria, virgem heroica e grandiosa

Santa Catarina de Alexandria, virgem heroica e grandiosa

Enfrentou a morte com grande Fé e serenidade. Após seu martírio, os Anjos levaram o seu virginal corpo para o Monte Sinai, a montanha mais augusta que há na Terra, depois do Gólgota.

No dia 25 de novembro, comemoramos a festa de Santa Catarina de Alexandria, virgem e mártir. Sobre sua morte, o Abbé Darras, em sua obra Vida dos Santos, traz a seguinte narração:

”Lavai minha alma no sangue que vou derramar”

Maximiliano, Imperador, ordenou a morte de Santa Catarina. Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte. A virgem caminhava com grande calma. Antes de morrer, fez a seguinte oração:

“Senhor Jesus Cristo, meu Deus, eu Vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da Fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação. Abri agora vossos braços feridos sobre a Cruz, para receber minha alma que eu sacrifico à glória de vosso Nome.

“Lembrai-Vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância, e lavai minha alma no sangue que vou derramar por Vós.

“Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam.

“Baixai vosso olhar sobre este povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.

“Enfim, Senhor, exaltai, em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito.”

Em seguida, mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe.

Era o dia 25 de novembro. Numerosos milagres logo foram constatados. Os Anjos, como ela o desejara, transportaram seu corpo para a santa montanha do Sinai, a fim de que repousasse onde Deus escrevera sobre a pedra sua Lei, que ela guardara tão fielmente escrita em seu coração.

Contrastes da graça: lágrimas das companheiras e serenidade da mártir

Este é um trecho de tal elevação, que até lamentamos ter de comentá-lo. Ficar-se-ia mais satisfeito deixando o texto assim, brilhando ao céu, no horizonte, suspenso e emitindo luzes. Mas já que é preciso comentar, vamos aos pormenores.

Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte.

Chama a atenção o fato de se tratar, principalmente, de senhoras de alta condição as que constituem o séquito da Santa mártir. Quantas possibilidades de salvação tem ainda um país onde as senhoras de alta condição acompanham ao lugar do suplício, solidarizando-se e chorando junto a ela, uma mártir fulminada pela cólera do Imperador! Um monarca onipotente, o qual pode mandar matar todos aqueles que se desagradarem de alguma atitude dele. Entretanto, todas essas damas seguem Santa Catarina, e vão chorando.

Vejam a diversidade dos dons do Espírito Santo e dos efeitos da graça: é bom e belo elas irem chorando. Contudo, esse dom das lágrimas manifestado nas mulheres nesse momento contrasta, pela sublimidade, com o fato de Santa Catarina não chorar. Ela permanecia quieta e com uma grande calma, caminhando de encontro à morte, inundada de graças do Espírito Santo, de outra natureza, por onde a mártir não derramava por si as lágrimas que a graça queria que as outras vertessem por ela.

Como deveria ser impressionante este cortejo de damas andando entre os soldados, e ela no meio, a única calma, a aconselhar todas a manterem a tranquilidade, consolando-as até chegar o momento em que ela deveria morrer.

Palavras que se projetam como raios de luz

Então, no fim da vida, ela emite uma oração com uma forma especial de beleza: um conjunto de afirmações e pedidos que se projetam como raios de luz, e brilham no horizonte com um encanto próprio.

Senhor Jesus Cristo, meu Deus…

Com isso Catarina afirmava ser Jesus Cristo seu Deus, e que ela não reconhecia outra divindade senão Ele. Em seguida, o primeiro pensamento, a primeira palavra, a primeira graça mencionada por ela, no momento de morrer, qual é?

…eu Vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da Fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação.

Como quem diz: “Eu Vos agradeço por ter pertencido a Vós, que sois a fonte da minha salvação, o ponto de partida de todo o bem que possa haver em mim. Eu sou boa porque Vós sois bom e me destes a bondade. Eu Vos agradeço a Fé que me doastes e a firmeza que me concedestes nessa Fé. Eu Vos agradeço o amor à virtude que me destes e a firmeza que Vós me outorgastes no amor a essa virtude. É esse o primeiro benefício que Vos agradeço, reconhecendo que tudo quanto em mim há devo à vossa iniciativa.”

Sacratíssima e augustíssima familiaridade com o Divino Redentor

Abri agora vossos braços feridos sobre a Cruz, para receber minha alma que eu sacrifico à glória de vosso Nome.

Pode haver uma imagem mais bonita do que essa? O Divino Crucificado que desprende da Cruz seus braços sangrando para acolher a alma dessa Santa, que sai também inundada do sangue do martírio, para ser recebida por Ele.

Que maravilhosa intimidade nesse encontro do Mártir dos mártires com uma mártir heroica e grandiosa! Que bela ideia a do sangue dela misturando-se ao Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo! Que elevada e profunda noção do Corpo Místico de Cristo há nisso! Que sacratíssima e augustíssima familiaridade com o Divino Redentor!

Santa Catarina possuía de tal maneira a convicção de estar sua alma unida à d’Ele, e de que a morte selava essa união, que Lhe pedia a abraçasse tão logo ela entrasse na eternidade. Tal era sua certeza de ir para o Céu!

Depois acrescentava:
Lembrai-vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância, e lavai minha alma no sangue que vou derramar por Vós.

Ela temia ter cometido, por ignorância, algum pecado. Era isso o que essa alma tinha para acusar contra si própria. Então suplica a Nosso Senhor o perdão das faltas, como se dissesse: “Antes de derramar o meu sangue por Vós e de ir para o Céu, quero que Vós laveis a minha alma no vosso Sangue”.

Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam.

Monjas contemplativas, no alto do Sinai, velam seu corpo

Tendo pensado em sua alma, suplicando que esta fosse lavada das faltas e recebida por Nosso Senhor, Santa Catarina cogita, então, no corpo dela, e pede que ele não seja deixado em mãos de seus inimigos, daqueles que a odeiam porque têm ódio a Ele.

Vejam o respeito que devemos ter pela santidade do próprio corpo, o qual constitui um todo com nossa alma na prática da virtude.

Também, que atendimento magnífico dessa oração! Foi só ela morrer, os Anjos vieram e levaram o seu corpo para a montanha mais augusta que há na Terra, depois do Gólgota, do Monte Calvário: o Sinai, onde a Lei de Deus nos foi dada.

Até hoje os restos mortais desta virgem mártir encontram-se no Monte Sinai, onde há um mosteiro de monjas contemplativas que guardam esse corpo e meditam sobre a Lei de Deus, ali concedida aos homens.

Baixai vosso olhar sobre este povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.

Ela já não pensa em si, mas nos circunstantes.

Enfim, Senhor, exaltai, em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito.

Portanto, ela intercede desde já junto a Deus para atender todo mundo que por meio dela venha pedir alguma graça.

Pedir a graça da serenidade diante dos riscos

Em seguida, mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe.

A calma e a resolução. Feita a oração, nenhum tremor, nenhum desejo de contemporizar um pouco. Também nenhuma precipitação de quem tem medo de enfrentar a morte, correndo em direção a ela. Não! Ela diz tudo quanto tem a dizer e, terminado isso, entrega-se às mãos de Deus. Os soldados a matam e a oração dela é atendida.

Qual o efeito, de caráter espiritual, que a consideração dessa grande Santa mártir nos leva a desejar?

Devemos pedir a ela que, quando surgirem circunstâncias nas quais tivermos de enfrentar riscos, ou talvez até perder a vida, na luta contra os adversários da Santa Igreja, tenhamos aquela serenidade que só a graça dá perante a morte.

A morte, essa dissolução da unidade entre a alma e o corpo, é uma coisa tão tremenda, que só se compreende a serenidade diante dela quando o homem está dominado pela graça divina. Vamos pedir, então, que em todas as ocasiões da vida nós tenhamos, diante dos riscos, essa calma levada até o sacrifício extremo, caso seja esta a vontade de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/11/1965)

25 de novembro – Santa Catarina de Alexandria

Santa Catarina de Alexandria

Na antiga Alexandria, num período em que os cristãos se deixavam tomar de tibieza e excessiva acomodação diante da idolatria pagã, Deus suscitou Santa Catarina para que — segundo narra uma vidente — com sua luz interior e seu zelo inflamado, reanimasse neles o fervor católico. As palavras, o exemplo e o glorioso martírio de Santa Catarina converteram a muitos que, talvez, de outro modo não se teriam salvado.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

25 de novembro – Santa Catarina de Alexandria

Santa Catarina de Alexandria

Sobre a morte da Santa Catarina, virgem e mártir,  o Abbé Daras, na “Vida dos Santos”, tem essa narração:

“Maximiliano, imperador, ordenou a morte de santa Catarina. Foi ela conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte.

A virgem caminhava com grande calma. Antes de morrer, fez a seguinte oração: ‘Senhor Jesus Cristo, meu Deus, eu vos agradeço terdes firmado meus pés sobre o rochedo da fé e terdes dirigido meus passos na via da salvação. Abri agora vossos braços feridos sobre a cruz, para receber minha alma, que eu sacrifico à glória de Vosso Nome. Lembrai-vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância e lavai minha alma no sangue que vou derramar por vós. Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam. Baixai vosso olhar sobre esse povo e dai-lhe o conhecimento da verdade. Enfim, Senhor, exaltai em vossa infinita misericórdia aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que Vosso Nome seja para sempre bendito’.

“Em seguida mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe. Era o dia 25 de novembro. Numerosos milagres logo foram constatados. Os anjos, como ela o desejara, transportaram seu corpo para a santa montanha do Sinai, a fim de que repousasse onde Deus escrevera sobre pedra sua Lei, que ela guardava tão fielmente escrita em seu coração.”

Esse trecho é de uma tal elevação que quase se lamenta ter que comentá-lo. Ficaria mais satisfeito deixando assim o texto brilhando no céu, no horizonte, suspenso, sem apoio nenhum na realidade, emitindo luzes. Mas já que é preciso comentar, vamos aos pormenores.

“Ela foi conduzida ao lugar do suplício em meio a uma multidão, sobretudo de mulheres de alta condição, que choravam a sua sorte.”

Se os senhores pensarem que são sobretudo as senhoras de alta condição que encabeçam as extravagâncias hoje em dia, os senhores vêem como as situações têm mudado. E quanto ainda tem de possibilidades um país onde as senhoras de alta condição acompanham, ao lugar do suplício, solidarizando-se com ela, chorando junto com ela, uma mártir que foi fulminada pela cólera do imperador. Um imperador onipotente, que pode mandar matar todos aqueles que se desagradarem de alguma atitude dele. Entretanto, essas damas vão todas, com Santa Catarina, e vão chorando.

O bonito, para verem a diversidade dos dons do Espírito Santo e dos efeitos da graça, é que elas vão chorando e está bem que elas vão chorando. Mas contrasta, pela sublimidade, com isso, com esse dom das lágrimas que as mulheres tiveram nesse momento, o fato de que Santa Catarina não chorava. Ela permanecia quieta, e com uma grande calma. Ela caminhava de encontro à morte, inundada de graças do Espírito Santo de outra natureza, por onde ela não chorava para si aquilo que a graça queria que as outras chorassem para ela. E como deveria ser impressionante esse cortejo de damas, andando, no meio dos soldados, e ela no meio, a única calma, a aconselhar a todas que tivessem tranqüilidade, que tivessem consolação, até chegar o momento em que ela devia morrer.

Aí, no fim da vida, ela faz uma oração. Essa oração é muito bonita e tem aquela forma especial de beleza que tem certas coisas muito bonitas quando não são inteiramente consequentes na sua lógica. São um conjunto de afirmações, como raios de luz que procedem de um mesmo foco, mas que brilham com uma beleza própria no horizonte. Então, os senhores vêem aqui a ideia dela:

“Senhor Jesus Cristo, meu Deus”…

… é para afirmar que Ele era o Deus dela e que ela não reconhecia outro Deus senão Ele. Então, a primeira coisa que ela diz, no momento de morrer, a primeira graça, a primeira palavra, o primeiro pensamento dela é para essa primeira graça:

“Eu vos agradeço por terdes firmado meus pés sobre os rochedos da fé, e terdes dirigido meus passos na via da salvação.”

Quer dizer, eu vos agradeço por ter pertencido a vós. Vós que sois a fonte de minha salvação, Vós que sois o ponto de partida de todo o bem que pode haver em mim, Vós que, se eu sou boa, é porque Vós sois bom e porque Vós me destes o ser boa: eu vos agradeço a fé que me destes e a firmeza que me destes na fé; eu vos agradeço o amor à virtude que me destes e a firmeza que vós me destes no amor à virtude. Isso é o primeiro que vos agradeço, reconhecendo que tudo que em mim há, à vossa iniciativa eu devo.

“Abri agora vossos braços feridos sobre a cruz para receber minha alma que eu sacrifico à glória de Vosso Nome.”

Pode haver uma coisa mais bela do que isso? O Divino Crucificado, com os braços todos sangrando, que os desprende da cruz para receber a alma dela que sai também inundada do sangue do martírio, para ser recebida por Ele. Que maravilhosa intimidade! Que encontro do Mártir dos mártires com uma mártir heroica e grandiosa! Que ideia do sangue dela misturando-se ao Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo! Que noção do Corpo Místico de Cristo há nisso! Que sacratíssima e augustíssima intimidade com Nosso Senhor! Ela tinha de tal maneira a ideia de que a alma dela estava unida a Ele, que a morte selava essa união, que ela pedia que Ele a abraçasse, logo que ela entrasse na eternidade. Que certeza de ir para o Céu!

Depois dizia:

“Lembrai-vos, Senhor, que somos feitos de carne e sangue. Perdoai-me as faltas …” – ou seja, que somos feitos os dois! – “Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância e lavai minha alma no sangue que vou derramar por vós”.

Quer dizer, ela tinha medo de, por ignorância, ter cometido alguma falta: era o que ela tinha para se acusar. Então, lavai a minha alma no vosso Sangue. Antes de ir para o Céu, antes de derramar o meu sangue por vós, eu quero que vós laveis a minha alma no vosso Sangue.

“Perdoai-me as faltas que cometi por ignorância… Não deixeis meu corpo, martirizado por vosso amor, em poder dos que me odeiam. Baixai vosso olhar sobre esse povo..Agora outro pensamento. Ela, depois de ter pensado em sua alma – pede que seja recebida por Nosso Senhor, que seja lavada das faltas que tenha, – pensa no corpo dela. Então pede que o corpo dela não seja deixado em mãos dos inimigos dela, daqueles que a odeiam porque odeiam a Ele.”

Vejam que respeito pelo corpo próprio! Que respeito pela santidade do corpo que foi um conosco na realização da virtude! Também, que atendimento magnífico dessa oração! Foi só ela morrer, que os anjos vieram e levaram o seu corpo. Para onde? Para a montanha mais augusta que há na terra, depois do Gólgota, depois do monte Calvário, e que é o Sinai, aonde a Lei de Deus foi dada aos homens. A coisa mais bela do Sinai é, certamente, a Lei de Deus, e para ali seu corpo foi levado. Os senhores sabem que até hoje o corpo dela está lá, e há um mosteiro de monjas contemplativas, no deserto do Sinai, que guardam esse corpo, e que meditam sobre a Lei de Deus que ali foi concedida aos homens.

“Baixai vossos olhos sobre esse povo e dai-lhe o conhecimento da verdade.”

Ela já não pensa em si, mas nos circunstantes.

“Enfim, Senhor, exaltai em vossa infinita misericórdia, aqueles que Vos invocarão por meu intermédio, para que vosso Nome seja para sempre bendito”.

Ela pede desde já a Deus que atenda a todo mundo que por meio dela pedir alguma coisa.

“Em seguida mandou que os soldados cumprissem as ordens, e sua cabeça foi decepada de um só golpe. Era o dia 25 de novembro.”

A calma e a resolução! Feita a oração, nenhum tremor, nenhum desejo de contemporizar um pouco. Também nenhuma precipitação de quem tem medo de enfrentar a morte correndo em direção a ela. Não, ela diz tudo quanto tem que dizer. E terminado isso, ela se entrega às mãos de Deus. Os soldados a matam e a oração dela se atende.

“Era o dia 25 de novembro. E numerosos milagres foram logo constatados..

Fala dos anjos que foram lá. E assim nós temos as considerações dessa grande santa, mártir, para algum efeito de caráter espiritual em nós.

Qual é o efeito que nós devemos pedir? Devemos pedir a ela que se, na luta ideológica contra o comunismo, contra outros adversários da Igreja, tivermos que sofrer riscos, ou talvez perder a vida, tenhamos aquela serenidade perante a morte que só a graça dá.

Porque perante a morte só há duas espécies de pessoas serenas: o cretino ou o homem movido pela graça de Deus. A morte é uma coisa tão tremenda – a separação entre a alma e o corpo, a liquidação do ser, o aparente afundar no nada -, que a gente só compreende a serenidade diante da morte ou do cretino, que está cronicamente habituado a não medir a importância do que lhe vai acontecer, ou então do homem que está dominado pela graça.

Vamos pedir, pois, que em todas as ocasiões da vida, tenhamos essa calma diante do risco; e calma que seja levada até o sacrifício extremo, caso essa seja a vontade de Nossa Senhora.

Plínio Corrêa de Oliveira (extraído da conferência de 24 de novembro de 1965)

21 de novembro – A Eleita de Deus

Como jóia no seu escrínio…

Débil é a nossa imaginação para conceber o enlevo com que Nossa Senhora penetrou na Casa de Deus e o jubiloso cântico celestial dos Anjos guardiães do Templo, ao acolherem aquela Virgem de quem nasceria o Salvador, a futura Mãe do Messias.

Débil também para imaginar o gáudio que sentiram as almas boas, que perceberam naquela Menina toda a grandeza da criatura eleita pela Trindade Santíssima, ao vê-la atravessar os corredores do Templo, ao contemplá-La nos seus afazeres quotidianos, ao se sentirem consonantes com Ela, a ponto de viverem com Maria, em Maria e por Maria — um modo antecipado de viver em Cristo, com Cristo e por Cristo Senhor Nosso.

 

Plinio Corrêa de Oliveira