São Bento

Por vezes na História aparecem grandes homens, e quando estes são também grandes santos, humildes e castos, deles nascem maravilhas para o mundo. São Bento foi um grande homem e um grande santo que decidiu corresponder inteiramente ao chamado divino. Por isso tornou-se o fundador da Ordem religiosa que seria a árvore de cujos frutos brotariam todas as sementes que, espalhadas, germinariam e floresceriam na cristandade européia.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 18/11/1988)

Mater et Décor Carmeli

Festejamos Nossa Senhora do Carmo, a título especial Rainha dos Profetas, “Mater et Décor Carmeli” – Mãe e Esplendor do Monte Carmelo.

Ela é a Mãe porque protege todos aqueles que lutam sob seu estandarte. E o melhor da proteção é acalentar suas almas com a esperança da vitória.

“Décor”, decoro é, propriamente, a beleza da dignidade. É o belo majestoso, distinto, diferenciador da grandeza que atrai a si as almas verdadeiramente capazes de compreendê-la.

Nossa Senhora reina maternalmente, mas decorosamente. Ela é a beleza do gênero humano.

Do alto desse monte, o cume profético por excelência, Maria Santíssima reina e sorri para o universo, governa a História e infunde terror aos demônios.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/7/1982)

Santa Marciana e o testemunho dos mártires

Nos primeiros séculos da História da Igreja, milhões de mártires deram sua vida por Nosso Senhor. Por que não reagiram contra os tiranos? A Providência chamou-os para uma forma de heroísmo que correspondia aos desígnios d’Ela naquele tempo e que não era liquidar e vencer, mas aguentar e morrer. O testemunho dos mártires é uma das grandes provas da veracidade dos fatos narrados no Evangelho.

 

Tecerei comentários sobre Santa Marciana, virgem e mártir, cujos dados biográficos foram tirados da obra do Abbé Ferrier: “La grande fleur de la vie des Saintes”.

“Ó meu Divino Mestre, vou feliz para Vós!”

Em Rouzucourt, pequena cidade da Mauritânia, Argélia de hoje, vivia em fins do século III uma jovem chamada Marciana, tão piedosa quanto bela, que consagrou muito cedo sua virgindade a Deus e deixou tudo para viver numa cela perto da cidade romana.

Ora, um dia a virgem, inspirada sem dúvida pela voz do Senhor, saiu de sua cela e veio se misturar à multidão que circulava na cidade, agitada por uma emoção porque corriam os dias sangrentos da perseguição desencadeada no mundo inteiro pelo ímpio Diocleciano.

Marciana, chegando pela porta Tipásia, viu colocada numa praça uma estátua de mármore da deusa Diana. Aos pés da deusa corriam águas límpidas num tanque também de mármore.

A intrépida virgem não pôde suportar a visão do ídolo impuro e fez o ídolo em mil pedaços. Uma multidão furiosa se lançou sobre ela e a maltratou horrivelmente. Depois a arrastaram ao pretório, perante o juiz imperial.

A altiva cristã riu-se dos deuses de pedra e de madeira e gloriou-se de adorar o Deus vivo, e O exaltou no templo, com voz eloquente.

O juiz pagão irritou-se e entregou-a aos gladiadores para que servisse de joguete a infames ultrajes. A virgem permaneceu serena e sem medo. Durante três horas, com efeito, Deus a defendeu no meio desses brutos, atacados de terror e imobilidade. Pela oração da angélica mártir um deles se converteu a Jesus Cristo.

O tirano, confuso, redobrou seu ódio ímpio e, não podendo desonrar a virgem cristã, condenou-a a ser estraçalhada por animais ferozes.

Marciana, quando chegou a hora, caminhou para a arena como para uma alegre festa, bendizendo a Jesus Cristo. Amarraram-na ao local do suplício e contra ela foi lançado um leão furioso, que logo se atirou sobre a vítima, ficou em pé e colocou suas garras sobre seu peito. Depois se afastou bruscamente e não a tocou mais.

O povo, tomado de admiração, gritou que libertassem a jovem mártir, mas um grupo misturado à multidão e sempre sedento de sangue cristão pediu que lançassem agora contra Marciana um touro selvagem. A fera aproximou-se dela e com seus chifres furiosos lhe fez no peito uma horrível ferida. O sangue jorrou e a virgem caiu agonizante na arena.

Tiraram-na de lá por um momento, estancaram-lhe o sangue e, como ainda lhe restasse um pouco de vida, o bárbaro tirano a fez amarrar ainda uma terceira vez.

Marciana ergueu seus olhos ao céu, um sorriso iluminou seu rosto marcado pelo sofrimento. “Ó Cristo! — gritou — eu Vos adoro e Vos amo. Vós estivestes comigo na prisão, Vós me guardastes pura, e agora Vós me chamais. Ó meu Divino Mestre, vou feliz para Vós! Recebei a minha alma!”

Neste momento o tirano lançou-lhe um leopardo monstruoso que, com suas garras horríveis, despedaçou os membros da heroica virgem e lhe abriu o glorioso caminho do Céu.

Desafio à idolatria numa atitude carregada do mais belo espírito épico

Esta ficha belíssima merece alguns comentários debaixo de um ponto de vista que não será, talvez, o que ocorre logo de início.

À primeira vista temos o espetáculo de um heroísmo extraordinário, que nos deixa desconcertados. Para dizer tudo numa palavra só, um heroísmo milagroso.

Trata-se de uma santa que é uma eremita no sentido próprio da palavra, quer dizer, ela vive inteiramente isolada, nas proximidades de uma pequena cidade da África, no tempo do Império Romano, época na qual o Norte da África era todo constituído de colônias romanas e estava tão latinizado quanto a Europa latina. Depois, a invasão dos vândalos derrubou o domínio romano e eliminou de lá a raça latina. Mas naquele tempo se tratava de uma região inteiramente latinizada. Ela era, provavelmente, uma latina; seu nome indica isso.

E como uma eremita, ela não se misturava com nada nem com ninguém.

Um dia, tocada pela graça e sem saber ela mesma por que, Marciana vai para a cidade e encontra, então, a cena típica das épocas de perseguição: uma praça pública para onde tinham transportado o ídolo de Diana, a deusa da caça. Foi colocada junto a uma fonte, cujas águas estavam represadas por um recipiente de mármore. E o povo era obrigado a ir adorar esse ídolo. Quem não o adorasse, seria morto.

Ela, tomada de um justo ódio contra esse ídolo que era a afirmação de uma religião oposta à de Nosso Senhor Jesus Cristo, revestida de uma força que não se sabe bem de onde lhe vinha — porque a imagem que dela nos dá a ficha é de uma jovem bela, graciosa, portanto frágil —, empurra o ídolo para o chão, a cabeça se separa do corpo e ele fica em pedaços.

O crime de si, debaixo do ponto de vista romano, era muito grande, principalmente se tomamos em consideração que essas estátuas não eram para eles o que são as imagens para nós. Uma imagem de Nossa Senhora, por exemplo, quem a quebra comete um sacrilégio porque rompe algo que é a figura de Nossa Senhora, mas não é Nossa Senhora em pessoa. Sabemos que essa estátua não faz senão representar a Santíssima Virgem, que está realmente no Céu em corpo e alma. Mas para os idólatras pagãos a estátua era o próprio deus. Este era um dos aspectos da idolatria deles, que acreditavam ser aquela estátua a deusa Diana. Havia várias Dianas, em diversas cidades, aquela era a deusa Diana daquela cidade.

Com uma coragem muito grande, numa atitude carregada do mais belo espírito épico, ela joga o ídolo no chão — e já entro na análise do épico do acontecimento. Vemos, então, uma virgem frágil, débil, uma eremita solitária, recolhida, reclusa, que sai do seu êremo e faz aquilo que os homens de vida ativa não realizariam, que os católicos da região, com certeza, não tinham coragem de fazer: ela vai ao ídolo, o derruba e o espatifa. Quer dizer, ela desafia a idolatria no que essa tem de mais central, de modo ostensivo. Ela não derruba apenas a imagem, mas esta se quebra em vários pedaços.

Atacada por gladiadores e animais ferozes

Marciana se encontra ali de pé, afrontando o tirano que, em nome do Imperador Diocleciano, está condenando à morte a todos os católicos. E ela enfrenta, então, a morte, com uma coragem e serenidade absolutas.

Por que ela não parte para matar o tirano? Entre outras razões porque é uma jovem e não tem forças para isso. Deus não lhe deu essa missão. Ela não é uma Santa Joana d’Arc. De momento, a sua missão é diferente. Ela deve desafiar, mostrar a força de Deus de um modo diverso.

Como Marciana mostra a força de Deus? Ela é exposta a vários tormentos e a epopeia continua. É sujeita aos ataques de um grupo de gladiadores, quer dizer, de homens da ralé, extremamente sensuais, que têm ordem de pular em cima da jovem, abusar dela como entenderem, e depois matá-la.

Então se dá este fato incrível: ela se encontra ali tranquila, e o que ela mais ama na Terra, sua virgindade, sua fidelidade a Deus, está exposta ao risco iminente, ou seja, que os gladiadores podem pular em cima dela de um momento para outro. Durante três horas esses homens estão ali imobilizados e não conseguem se aproximar dela. Uma força misteriosa vence os gladiadores.

Temos aí a primeira manifestação dos traços característicos da Idade Média: é o domínio do Direito sobre a força, do espírito sobre a matéria, da virgindade sobre a concupiscência. Na ordem natural das coisas, ela representa tudo aquilo que na Civilização Cristã é frágil. Mas ela desafia. E por uma força sobrenatural mostra que soou outra era da História: tudo quanto é frágil, reto, digno vai começar a dominar tudo quanto é turbulento e representa a força material, tudo quanto é bestial, tudo quanto, segundo a ordem natural das coisas depois do pecado original, costuma dominar, avassalar a Terra.

Ela reza tranquila, e ninguém se comove. Era normal que várias pessoas se comovessem, que o tirano se abalasse. Um gladiador se converte; os outros, não. O gladiador que se converte é ele mesmo uma prova do caráter sobrenatural do que se passava.

E mandam logo vir outro animal para saltar em cima dela: é um leão. Mais uma vez se repete o contraste maravilhoso; é épico: a virgem que está de pé e o leão que avança sobre ela e, para trucidá-la, deita a pata nela. Podem imaginar o que representa uma patada de um leão numa donzela! De repente a fera para e sai. O povo todo se entusiasma, começa a aplaudir e pede clemência para ela.

Cria-se, então, uma agitação e começam a pedir que vá um touro por cima de Marciana. Soltam o touro que avança, lhe dá uma chifrada e ela cai. E então se vê o sangue purpúreo, o sangue virginal daquela donzela, daquela mártir, que sai generosamente da horrível ferida. Mas os perseguidores não se contentam com isso. Querem de fato matá-la e soltam então um leopardo que pula em cima dela e a estraçalha. Marciana morre docemente, chamando a Deus Nosso Senhor e confessando que ela vai para o Céu.

Conversão dos povos da bacia do Mediterrâneo

Alguém dirá: que sentido tem esse acontecimento? Ele é apenas manifestação de uma epopeia? Toda epopeia tem uma finalidade. Qual é a finalidade dessa? Era apenas mostrar que ela não queria ceder ante o paganismo? Ou somente desejava impressionar a opinião pública por meio de seu martírio?

Vê-se que foi tudo miraculoso, desde o princípio ao fim. Esse foi um dos milagres que deveriam atestar, junto ao povo ainda pagão, a veracidade da Religião Católica e com isso contribuir para a conversão da Bacia do Mediterrâneo.

A grande obra da Igreja Católica, nos séculos da antiguidade, foi a conversão dos povos da Bacia do Mediterrâneo, os quais converteram, por sua vez, os povos bárbaros que vinham do Norte. E foi porque estes se converteram também que nasceu a Europa católica, a Idade Média, a Civilização católica. As missões de todos os outros Apóstolos que partiram para outras terras — como São Tomé, na Índia, na Etiópia, etc. — foram mais ou menos, ou inteiramente, rejeitadas. No Mediterrâneo, por desígnio da Providência, a quantidade enorme de mártires e de milagres converteu os povos. E daí veio, por sua vez, toda a epopeia da Civilização católica.

Para abrir os olhos desses povos, era preciso um grande número de milagres e que, ao mesmo tempo, esses não fossem puros fatos materiais: o leão saltou em cima da virgem e não conseguiu devorá-la; os gladiadores tiveram missão de estraçalhá-la e não conseguiram avançar contra ela. Era necessário que nesses milagres se visse a beleza da Doutrina Católica, da Civilização Católica que ia jorrar daí. Era a civilização da virgindade, da castidade; a civilização dos fracos que recebem forças sobrenaturais e enfrentam todas as forças materiais; a civilização daqueles que sabem que para a alma que tem Fé nada é impossível, e que enfrentam todos os obstáculos, pouco ligando para estes, porque, Deus estando com eles, conseguem tudo. Aqui está verdadeiramente o senso de epopeia afirmado.

Argumento apologético para os séculos vindouros

Alguém dirá: “Dr. Plinio, então o senhor assinala dois pontos: milagres para converter os povos do Mediterrâneo, o perfume da Doutrina Católica e a beleza simbólica desses acontecimentos para atrair as almas a essa Doutrina. Mas por que essa santa, em vez de morrer dilacerada por um touro, não foi protegida por Deus até o fim? E o Criador não deu ordens para o touro liquidar com o governador romano? Não teria sido uma coisa muito mais bonita ver o touro, o leão, o leopardo de repente pularem, como um cavalo alado, por cima da tribuna do governador romano, matá-lo e depois fazer uma chacina e implantar ali o domínio dos católicos? Não seria então, muito antes de Constantino, uma espécie de revanche católica que nos daria as glórias da vitória? Para que tanta gente que morre praticamente sem resistir, tantos milagres que não dão numa vitória que só Constantino veio alcançar?”

Uma pessoa, com muito fundamento, muita razão, muito bom senso, dias atrás me fez essa pergunta. Eu estava apressado, não dei a resposta, mas a dou agora: Uma das provas de que Nosso Senhor Jesus Cristo existiu e de que os fatos narrados pelo Evangelho são verdadeiros — provas válidas para os homens de hoje, de quinhentos anos atrás, para os homens até o fim do mundo —, está precisamente no testemunho dos mártires. Não se tratava apenas de vencer, mas de dar um argumento apologético para os séculos vindouros. Qual era esse argumento apologético? Os fatos narrados no Evangelho se deram na presença de muitíssima gente. Por sua vez, as testemunhas desses fatos, ou os filhos delas, foram dispersas por todo o Império Romano, pela pressão de Tito à nação judaica. Os inimigos acérrimos dos católicos poderiam alegar que os fatos narrados pelo Evangelho eram falsos, dizendo: fale com esse, com aquele, com aquele outro; eles dirão que isso não existiu, que esses fatos não são verdadeiros.

Havia judeus por todo o Império Romano. De mais a mais, muitos deles que ali viviam já não eram propriamente procedentes da Judeia, mas chamados da diáspora, que se tinham dispersado antes de Jesus Cristo. Esses judeus viajavam frequentemente a Jerusalém, o ponto de atração de interesse máximo para eles, e se inteiravam das coisas que lá aconteciam.

Todos eles poderiam ter desmentido o Evangelho, o que deveria criar nas pessoas que ouvissem os Apóstolos, ou seus seguidores, uma dúvida.

Entretanto, os judeus não desmentiam fatos públicos notoríssimos, e isso confirmava os cristãos na Fé. Estes estavam tão certos de que aqueles fatos eram verdadeiros que, como Marciana, deixavam-se estrangular, eram as testemunhas vivas da veracidade da narração do Evangelho.

Isso levou um escritor não católico, Pascal, a dizer uma coisa muito verdadeira: “Eu creio no que contam testemunhas que se deixam estrangular.” E é verdade. Essas testemunhas, para provarem que a Religião Católica é verdadeira, se deixavam estrangular. Nenhuma prova melhor da veracidade da coisa do que a estrangulação.

O testemunho dos mártires prova a veracidade do Evangelho

Então, durante muitos séculos e até hoje, uma das melhores provas de que a Religião Católica é verdadeira e de que os fatos narrados no Evangelho são verdadeiros, é o testemunho dos mártires por toda a extensão do Império Romano. Assim, se compreende que a Providência dava a esses homens o apelo para uma forma de heroísmo que correspondia aos desígnios d’Ela naquele tempo e que não era liquidar e vencer, mas aguentar e morrer. Se eles tivessem vencido, dir-se-ia: uma seita venceu. E não se teria um argumento inteiramente seguro. Dessa forma, ficou a prova: milhões e milhões tiveram tanta certeza que eles se deixavam matar. Quer dizer, a prova do sangue foi dada exuberantemente e todas as gerações vindouras creram por causa deles. E é por causa disso que a Providência não os convidou a uma cruzada contra os pagãos, mas, pelo contrário, a essa forma de reação cujo sentido profundo hoje se percebe, e naquele tempo não se percebia.

Fica, então, patente o milagre da Providência. Se Ela deu a Santa Marciana a força para derrubar o ídolo, não lhe concederia energias para ir até a tribuna do representante do imperador, do procônsul, para esbofeteá-lo, jogá-lo no chão, apunhalá-lo, liquidá-lo? É evidente que sim. Para Deus nada é impossível. Mas que prova seria para nós a vida de Marciana, se ela tivesse ficado pro-consulesa depois? Que prova seria para os séculos futuros? Nenhuma. Era preciso que houvesse dois milagres: primeiro, da resistência contra todos os obstáculos; e depois, em determinado momento, um obstáculo que vem e a respeito do qual Deus não dá mais resistência.

Então, volto a dizer, existem três operações sobre a opinião pública: ela vai e quebra o ídolo; há a prova do milagre e a prova do martírio. Essas provas são tão boas que duram até nossos dias.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/2/1972)

São Bento

No início da Idade Média, São Bento, sendo ainda muito jovem retirou-se à gruta de Subiaco, onde passou a levar vida contemplativa. Fundou depois a Ordem beneditina a qual lhe deu grande número de filhos espirituais que se espalharam por diversas regiões, tornando-se o principal fator da conversão da Europa.

Os beneditinos fugiam das cidades porque eram centros de perdição; porém os habitantes iam atrás deles. Quando erigiam um mosteiro, a população católica se estabelecia em volta. E assim foi-se povoando a Europa. Promoveram a construção de catedrais e universidades.

Fizeram uma obra extraordinária porque visavam a glória de Deus, a conquista de coisas muito mais valiosas do que terras, cidades e tesouros: as almas. E estas almas, por sua vez, realizavam um sacrifício maior do que o de um soldado que dissesse: “Vou para a frente, morro, mas alcanço o Céu”.

Eles afirmavam: “Vou para a frente. Levo uma longa e dura vida na Terra. Mas, custe o que custar, eu me santificarei! Vencerei meus defeitos até a raiz, para pertencer inteiramente a Deus Nosso Senhor e sua Mãe Santíssima. Faço o maior dos sacrifícios; eu me dou a mim mesmo!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 10/8/1991)

Fátima, profetismo e mudança de mentalidade

A devoção a Nossa Senhora de Fátima se desdobra em duas outras invocações: Nossa Senhora do Carmo e Imaculado Coração de Maria. Assim, naquele conjunto de fatos nos quais se inserem as aparições em Fátima, a Santíssima Virgem quer ser venerada também por meio desses dois títulos. Que relação têm eles com o assunto Fátima?

Nossa Senhora do Carmo está relacionada com o Monte Carmelo e, portanto, com o Profeta Elias e toda a família de almas que, passando por São João Batista e chegando  até São Luís Grignion de Montfort, representam o profetismo dentro da Igreja. Isso representa um convite a que tenhamos o espírito profético.

Outro é o significado de Nossa Senhora apresentar-Se sob o título de Imaculado Coração de Maria. O coração simboliza a mentalidade. Essa devoção supõe a renúncia à  nossa mentalidade revolucionária para assumirmos a participação na mentalidade do Imaculado Coração de Maria. Quer dizer, é o esmagamento do orgulho e da  sensualidade que são as duas raízes da Revolução. Sem dúvida, a Virgem Maria brilhou de um modo perfeito em todas as virtudes, mas aquelas que, a justo título, os  pregadores costumam pôr mais em realce são a humildade e a pureza. Isso corresponde, portanto, a assumir uma mentalidade contrarrevolucionária.

Há, pois, um sentido profundo na jaculatória que costumamos rezar: “Cor Sapientiale et Immaculatum Mariæ, opus tuum fac – Ó Coração Sapiencial e Imaculado de Maria,  realizai a vossa obra”.

O Coração Sapiencial de Maria é a mentalidade cheia de sabedoria da Mãe de Deus, oposta à demência revolucionária. Poder-se-ia dizer: “Coração contrarrevolucionário de  Maria”. “Opus tuum fac” significa que a completa mudança da alma para assumir a mentalidade de Nossa Senhora depende de uma iniciativa d’Ela. Corresponde, portanto, a pedir à Rainha dos corações que faça a obra específica de mudar a mentalidade dos homens.

Então, se quisermos ter uma devoção inteiramente refletida, ponderada a Nossa Senhora de Fátima, devemos desenvolver essa reflexão: Nossa Senhora de Fátima  acompanhada com uma impostação de alma rumo ao profetismo representado na Rainha do Carmo, e ao Sapiencial e Imaculado Coração de Maria enquanto Aquela que age nos corações dando às pessoas a verdadeira mentalidade que devem ter.

A realeza de Nossa Senhora, fato incontestável em todas as épocas da Igreja, veio sendo explicitada cada vez mais a partir de São Luís Grignion de Montfort, até aquele 13 de  julho de 1917, quando Maria anunciou em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. É uma vitória conquistada pela Virgem, é o seu calcanhar que outra vez  esmagará a cabeça da serpente, quebrará o domínio do demônio, e Ela, como triunfadora, implantará seu Reino. Portanto, devemos confiar em que Maria já determinou atender as súplicas de seus filhos contrarrevolucionários, e que Ela, Soberana do universo, pode fazer a Contra-Revolução conquistar, num relance, incontável número de almas. Nossa Senhora Rainha haverá de expulsar desta Terra os revolucionários impenitentes, que não querem atender ao seu apelo, de maneira que um dia Ela possa dizer: “Por fim o meu Coração Imaculado triunfou!”

Plinio Corrêa de Oliveira

Auxiliadora até dos mais miseráveis

Minha Mãe, eu, sucumbindo ao peso da tentação, não andei bem.

Pequei. Tenho o receio de me habituar ao pecado e de nele me embrutecer. Por outro lado, imensa é a minha vontade de me regenerar.

Sei que não mereço a vossa proteção, mas, porque sois a auxiliadora de todos os cristãos, não apenas dos bons, porém até dos mais miseráveis, peço-Vos: vinde e auxiliai-me.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 24/5/1965)

Onipotência Suplicante

Mediante a Encarnação do Verbo no seio puríssimo de Maria, Deus, por um ato de sua infinita bondade, criou os vínculos que O ataram ao gênero humano e Nossa Senhora, tornando-Se Mãe d’Ele, passou a ser também a Mãe espiritual de todos os homens.

Em vista disto, quando Ela pede a seu Divino Filho por nós, é como uma mãe que intercede junto a um filho em benefício de outro irmão deste. É impossível não atendê-la. 

Por isso os teólogos atribuem a Nossa Senhora o título de Onipotência Suplicante. Em virtude de suas insondáveis perfeições, Ela é sempre ouvida por Deus em suas preces a nosso favor, e d’Ele nos obtém aquilo que, por nós mesmos, não mereceríamos.

Quantos exemplos atestam essa incansável solicitude de Maria para com os homens! Compreende-se, assim, a importância da intercessão de Nossa Senhora, como ela  alivia a nossa penosa existência e enche de júbilo nossas almas. Como seria soturna a vida de um católico se não fosse a proteção da Virgem. Ao contrário, como ela é leve, cheia de esperança, de perdão e de afeto materno, com a contínua assistência de Maria, a Onipotência Suplicante!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/9/1991)

A procura de um superior

Todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer título. A existência de superiores é uma condição natural para a inteira prática da virtude da religião. O maior crime que se pode cometer contra uma civilização é a supressão dos superiores, de maneira que as almas fiquem numa terrível orfandade.

 

Do ponto de vista natural, prescindindo, portanto, da graça para efeitos de estudo, o que vem a ser a força da presença de Deus e no que isto sustenta o homem?

Um jovem que deseja ser cavaleiro e vê passar ao longe Carlos Magno

Tenho a impressão de que, assim como dos elementos somados de uma paisagem resulta o panorama — o qual é muito mais do que o elenco de seus elementos constitutivos —, assim também, de várias influências conjugadas resulta o fato de que o verdadeiro superior dá para o inferior uma impressão de alguém que é uma resposta a uma pergunta, que é a pergunta da vida dele e o preenchimento de algo de que sua alma está vazia.

Nesse sentido, todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer título.

E o maior crime que se pode cometer contra uma civilização é a supressão dos superiores, de maneira que as almas fiquem nessa orfandade, terrivelmente péssima, de não sentir que o superior aparece e que preenche o horizonte da vida.

Esse anseio por um superior corresponde a algo por onde a pessoa, melhor do que nunca, nota o conjunto todo da Criação reunido num ponto panoramático, a partir do qual ela capta melhor aquele panorama que explica a sua alma até o fundo, dando respostas às perguntas sem as quais o viver dela não tem sentido.

A título de exemplo, poderíamos imaginar um rapaz do tempo de Carlos Magno que tem o desejo de ser cavaleiro, mas nem tem noção clara de cavalaria. Está cavalgando pelos Pirineus, e numa volta de caminho vê passar ao longe Carlos Magno e seus cavaleiros. Ele fica encantado, vai correndo, presta ao soberano uma homenagem e pede licença para entrar naquela coorte. 

Esse é um momento sagrado, pois o que há de mais semelhante, mais adequado a ele, por onde ele explica a vida e encontra o caminho para Deus, aparece de repente diante dele, e é como que um encontro com o Criador.

Distâncias majestosas, intimidades paternas 

O que está dentro do homem bramindo, gemendo, sob a forma de aspirações implícitas que a realidade contingente não satisfaz; o que há de nobre em certos desejos, que o homem não conhece, mas que gemem dentro dele à procura de uma explicitação, de uma realização, de uma conexão para se tornarem mais elevados; tudo quanto é o próprio impulso na vida do homem; tudo quanto há de nobre na alma enquanto alma; tudo isso nesse momento se coloca em posição porque encontrou seu superior que lhe explica tudo.

Nisso o homem vê Deus que Se explica a ele por uma espécie de semelhança, que passará a orientar e a interpretar sua vida até o fundo. E estabelece-se um comércio entre Deus e o que a alma tem de mais delicado, e ao mesmo tempo de mais forte. De maneira que todas as ternuras e também todos os vigores se instalam naturalmente nesse comércio.

Um cavaleiro assim seria capaz de confessar os seus pecados para um homem desses, embora sabendo que não se trata de uma absolvição. Ato de suma intimidade e ao mesmo tempo de ternura. Sentir-se-ia, ademais, cheio de alegria ao contemplar esse homem num trono, ainda que ele se mantivesse afastado do trono a uma distância enorme. E ao presenciar uma ação solene diante deste homem, por exemplo, coroando-o, o cavaleiro sentiria todas as distâncias majestosas e todas as intimidades paternas em relação ao superior, fundidas num todo só, o que representaria para ele algo que é a figura de Deus.

É como nós veremos, no Céu, a Deus Nosso Senhor. Infinitamente transcendente a nós, mas na realidade o centro de nossa própria vida.

Entre superior e inferior há, pois, uma relação pela qual o superior está continuamente dando ao inferior toda essa corrente de “deiformidades”, que penetram nele e o vão modelando.

Às vezes, quando o pai é bom, é um mero precursor, porque o chefe o indivíduo vai encontrar em outras circunstâncias da vida.

Abstraindo de superiores, não podem existir verdadeiramente as condições naturais próprias para uma inteira prática da virtude da religião. Porque é só em função disso bem constituído que a virtude da religião se estabelece de um modo completamente adequado.

Quando esse fenômeno é irrigado pela graça — creio que normalmente o é —, então entra qualquer coisa que toma a graça do Batismo e dá a ela um fluxo especial.

Má influência exercida sobre a criança em muitos colégios

Algumas crianças têm certa noção da nobreza de sua própria alma — eu excluo aqui, completamente, a ideia de aristocracia terrena —, por onde elas, olhando no fundo de si mesmas, percebem a existência de algo muito elevado e nobre, que já habita ali. E acrescento, sem vacilação: percebem algo de muito santo. Quer dizer, muito conforme também à ordem sobrenatural, em que uma criança discerne em si mesma a própria graça de Deus que pousa sobre ela, mas especialmente sobre aquilo por onde é especialmente ela mesma e difere de todo mundo.

Isso dá à criança uma experiência interna de ser participante da natureza divina, chegando até a notar, em termos católicos, algo de divino em si mesma.

Quando a criança é fiel a isso, ela está ordenada, muito mais facilmente do que outras, a desenvolver tudo aquilo por onde tem em si radicalmente a semelhança de Deus. E, por isso, procurar com mais empenho, analisar com mais finura e encontrar com maior certeza o superior de sua vida.

Lamentavelmente, a maior parte das crianças perde isso no colégio, se não antes. Na vida da escola aparece, com o agarra-agarra e o empurra-empurra, o problema da comparação: esse veio com um automóvel mais bonito, o outro com não sei o quê… E isso no meio daquela folia e da zoeira do colégio, que se prolonga cabeça adentro até quando a criança dorme.

A criança é violentamente arrancada dessa ordem de cogitações e lançada no desenrolar da vida. Ela deixa de se perguntar quem ela é — interrogação através da qual encontra o seu superior — e passa a se perguntar como sobrepujar este ou aquele; surgem apegos, amizades e inimizades…

Aí entram as paixões desordenadas que calcinam a alma, na qual o ambiente procura incutir a ideia de que aqueles sentimentos interiores imbecilizam o homem, e são fatores negativos quando ele se põe na luta pela vida dentro do colégio: tornam-no menos capaz de berrar e de correr.

Ou seja, a criança era um Jacó em meio aos Esaús. E, para se redimir daquela situação, ela se joga naquela “esausada” e perde esse senso inicial incomparável.   v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/7/1984)

Revista Dr Plinio 220 (Julho de 2016)

 

Florença e a perfeição das formas

A arte florentina se caracteriza pela perfeição das formas e seu estilo despojado. Embora alguns monumentos de Florença causem respeito e admiração por seu grande valor artístico, a mania do despojado — hoje tão difundida — parece uma censura a Deus que não fez um universo sem ornatos.

 

Em certo sentido, podem-se considerar como sendo três as metrópoles de irradiação do espírito renascentista a partir da Itália: Florença, Veneza e Roma. Cada uma delas teve um papel determinado na difusão desse espírito.

Palácio da Senhoria: exemplar típico do espírito florentino

Do ponto de vista artístico, enquanto Florença prima pela busca na perfeição das formas, Veneza procura realçar a supremacia das cores sobre o desenho. Roma, por sua vez, é a síntese dos vários aspectos da Renascença, onde os Papas procuraram recolher obras-primas de todas as fontes e formas de beleza.

O espírito florentino é muito raciocinante e amigo de ver nas coisas principalmente o aspecto resultante do silogismo. Essa é uma posição quase ascética dos renascentistas, que recusa à imaginação muitas invenções, e ao sentimento um papel muito grande na elaboração do conjunto do pensamento humano. Pelo contrário, vive de cálculos, proporções, perspectivas realmente bem elaborados. Tendência da qual, a meu ver, nasceria o racionalismo.

É o que principalmente notaremos nos edifícios florentinos que analisaremos a seguir.

O palácio dito da Senhoria de Florença foi durante muito tempo a sede do governo de um pequeno Estado, que ocupou na cultura e no pensamento humano um lugar enorme, constituindo uma grande potência do pensamento.

O Palácio da Senhoria de Florença é um exemplar típico do espírito florentino. O que há de cor neste palácio? Do lado de fora, nada. Um tijolo de um aspecto agradável, mas nada mais do que isso. Uma torre bonita com um relógio que lembra o de Siena(1). Notam-se em algumas das janelas ainda certo sentido ogival; outras, porém, constituem meros furos realizados na parede sem sentido de beleza especial nenhum.

A torre não está no meio do edifício. Na ótica moderna, a torre deveria estar bem no centro, segundo um princípio elementar do traçado artístico razoável, desejável. Mas neste palácio a torre fica empurrada um pouco para o lado, e o relógio posto na raiz da torre, quando normalmente o colocaríamos na parte de cima daquelas ameias, para ser visto pelo maior número possível de pessoas.

Há embaixo, nos dois ângulos do edifício, dois ornatos extrínsecos ao palácio, mas que ajudam a ter uma ideia da harmonia total dele. São duas estátuas monumentais, de estatura maior do que a de um homem. Não lembro bem o que as estátuas representam. Elas são de um mármore bem alvo, e contrastam bastante, portanto, com a cor do prédio.

Edifício sério, altivo, lógico

No meu modo de entender, esse edifício é lindo, extraordinário enquanto sério, altivo, lógico em tudo. O modo pelo qual essa torre se ergue altaneira no monumento é formidável.

Mas não se pode negar que ele nos leva a perguntar se não poderia ser um pouco mais coerente em alguns de seus aspectos. Por exemplo, não vejo o objetivo funcional daquelas quatro janelinhas numa primeira fileira; depois uma embaixo da quarta, colocada ali, onde tudo levaria a crer serem necessárias pelo menos algumas das janelas do estilo das três que estão mais ou menos na mesma linha, continuando para a direita. Por que isso é assim? Não se entende.

Por outro lado, um aspecto que exprime, no meu modo de entender, a secura do estilo é a repetição dessa disposição de janelas em baixo. Depois, surgem de repente duas ou três janelinhas muito mais curtas, sem arcos em cima, colocadas ali não se sabe por quê. Por fim, no andar térreo, duas portinhas.

Dir-se-ia que são elementos de feiura. Entretanto, o conjunto agrada enormemente. Por quê? Porque a boa ordem da fachada — indiscutivelmente há uma bela boa ordem aí — faz esquecer os defeitos dessas janelinhas. Ou, pelo contrário, essas janelinhas entram meio subconscientemente no espírito como elementos dessa boa ordem. Sou mais propenso à segunda ideia.

De uma dessas janelas parte um balcão. Não se diria que um palácio monumental comportaria um balcão mais bonito, mais elegante? Entretanto, é esticadinho e sequinho. Não obstante, o palácio é de uma beleza mundialmente elogiada. No mundo inteiro encontram-se estampas, postais, álbuns apresentando esse edifício deste ângulo.

Se o comparamos com certos palácios de Veneza, que parecem descidos de um céu empíreo, das nuvens, notamos uma diferença colossal de psicologias. Esta é a psicologia florentina.

Vê-se ali o emblema de Florença: a flor de lis vermelha que caracteriza, na heráldica, a cidade.

Uma palavra sobre a arcada. São três arcos só, entretanto, pela suavidade deles — eu quase diria pela doçura séria, hierática, agradável dos arcos — a arcada completa e atenua um pouco o que o palácio tem de seco. São três arcos famosos, que constituem uma parte do “décor” da Praça do Palácio da Senhoria. 

Duas atitudes de alma face ao Palácio da Senhoria

Antes de passar adiante, eu queria apenas apanhar uma impressão que me vem de um prédio localizado ao fundo, em um dos lados da arcada. É um edifício comum, provavelmente construído no século XIX. Mas imaginem uma pessoa que tenha um escritório naquele prédio, onde ela exerce uma função muito absorvente. Vamos dizer que, por exemplo, no primeiro andar desse edifício, esteja instalada uma grande agência internacional de notícias, na qual informações chegam a toda hora e que precisam ser difundidas a cada instante. É necessária uma vigilância muito grande, para distinguir as notícias verdadeiras das falsas, da boataria, para condensar e enviá-las para o maior número de pessoas possível, responder às perguntas que vêm, etc.; é um contato com o mundo inteiro que se dá ali.

Quando chega a hora de encerrar o expediente, a agência de notícias fecha e o indivíduo, que esteve ali o dia inteiro em contato com o que há de mais moderno no acontecer do mundo contemporâneo, sai. Ele deixou um automovelzinho qualquer encostado ao Palácio da Senhoria. Chove, ele sai com uma capa de chuva, fumando um cigarrinho, cansado, chega até lá e toma seu automóvel.

Ele está com o pensamento, com o temperamento e todo o modo de ser dele completamente voltado para o mundo contemporâneo. O Palácio da Senhoria, com essa “loggia” e esses três arcos, ele vê todos os dias e não tem nenhuma providência a tomar a respeito disso.

Podemos imaginar esse homem com dois modos de ser distintos: um é o indivíduo atolado no mundo moderno do qual gosta, e que passa perto disso como uma coisa importuna. Se ele olhar para ela, tira o espírito dele dos gonzos do seu ganha-pão para considerações com as quais ele não tem nada o que fazer. Então, o Palácio da Senhoria, para ele, é uma coisa com a qual ou sem a qual o mundo vai tal e qual.

Se, pelo contrário, ele tem um grande espírito, distancia-se um pouco e, apesar da chuva, pensa: “Deixe-me descansar um pouco, olhando essa beleza. Vou tomar um “banho” de alma pensando nisso, contemplando um pouco isso”. Entra no automovelzinho, dá um giro, recua o veículo e, enquanto acaba de fumar o seu cigarro, ele fica olhando pela enésima vez em sua vida o Palácio da Senhoria. Aquilo entranha na alma dele, a qual fica rica de um depósito de arte que é uma coisa incomparável.

Homens como este último são incomparavelmente mais raros do que os do primeiro tipo.

A Ponte Vecchio

Gostaria de chamar a atenção para a cor desse rio. Tem-se a impressão de um cristal colorido, de um verde um pouco dado a certo tipo de musgo, que se tornou líquido e está correndo lentamente. Trata-se do famoso Rio Arno de Florença, de águas lindas, e em cujas margens se sucederam fatos históricos extraordinários.

Sobre ele passa a conhecidíssima Ponte Vecchio. Para compreender a constituição dessa ponte, precisamos nos reportar às condições militares da cidade de Florença na Idade Média, com muralhas de todos os lados para se defender contra as agressões de fora. Naturalmente, havia uma grande vantagem para os florentinos em morarem dentro do espaço protegido pelas muralhas, porque quando havia cercos, a família, com seus pertences, estava a salvo do incêndio e do saque dos adversários que, muitas vezes, a primeira coisa que fazem quando investem sobre uma cidade é arrasar as construções localizadas do lado de fora e tocar fogo, para as muralhas ficarem atingíveis de alto a baixo.

Acontece que, sendo muito caro aumentar as muralhas, os habitantes se espremiam dentro da cidade. Assim, por falta de lugar onde colocar as pessoas, certas casas foram construídas em cima da ponte. E algumas até suspensas, meio com base na ponte, e meio no ar, com uma suspensão muito sólida, sem qualquer perigo de ruir. Compreendo que isso deixasse apreensivo a algum de nossos contemporâneos. Eu, entretanto, dormiria ali completamente despreocupado.

Vemos, assim, de um lado e de outro, ao longo da ponte, prédios suspensos por meio de apoios fixados na própria ponte, o que indica uma falta de espaço tremenda! No andar térreo funciona algum comércio e, em cima, habitações.

O “Lungarno degli Archibusieri”

Lembro-me de que, em uma das vezes que estive em Florença, jantei em um restaurante instalado sobre um tablado posto sobre estacas no Rio Arno. E exatamente no lugar onde eu estava havia uma espécie de fresta na madeira — pedacinhos de madeira tinham caído no rio —, e pela fresta se via passar o Arno. Este é tão bonito, que para mim a atração do jantar foi ficar o tempo todo olhando pela fresta.

Eu me recordo de que nos hospedamos em um hotel que era uma antiga torre talvez medieval, adaptada inteiramente para hotel, e dando para uma avenida ao longo do Arno, que se chamava “Lungarno degli Archibusieri”. O arcabuz é uma arma de fogo do período inicial desse tipo de armas ainda na Renascença. O arcabuzeiro era o soldado que portava essa arma. “Lungarno” quer dizer “ao longo do Arno”, e as várias partes ao longo do Arno chamavam-se “Lungarno” disso, “Lungarno” daquilo; o local onde eu estava era “Lungarno degli Archibusieri”, uma verdadeira beleza. O nome é lindo e, estando deitado na torre, tem-se a impressão de ouvir a marcha cadenciada dos arcabuzeiros que caminhavam para alguma guerra de conquista de um terreninho com quatro ou cinco galinheiros, que iam arrancar da cidade vizinha.

O comércio existente no andar térreo dos prédios dessa ponte é riquíssimo, magnífico. Creio já ter contado que, numa das vezes em que estive aí, eu procurava uma lembrança para Dr. João Paulo e Da. Lucília e entrei numa loja de antiguidades, no andar térreo. Entrei um pouco para ver a loja e, entre os objetos expostos, observei um par de castiçais para se colocar em criado-mudo. Precisamente faltava arranjar uma peça bonita desse gênero para o quarto deles. Perguntei quanto custava. Era um preço fabuloso. Aí prestei mais atenção; os castiçais tinham me encantado, mas eu não tinha feito o raciocínio muito simples de que tudo que encanta é caro e, portanto, eu deveria desconfiar do preço. Mas era um cristal com tais e quais qualidades, cujo preço eu não podia pagar. Os castiçais, em vez de irem para a Rua Alagoas, 350, onde eu residia com meus pais, ficaram na Ponte Vecchio não sei por quanto tempo. Talvez ainda estejam lá…   

(Continua)

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/11/1988)

 

1) Ver Revista Dr. Plinio n. 219, p. 32.

 

Obra-prima da misericórdia divina

Para honrar a Esposa do Espírito Santo e Mãe do Verbo Encarnado, a Santíssima Trindade coroou Nossa Senhora como Rainha do Universo: todos os Anjos e Santos, todos  os homens vivos, todas as almas do Purgatório, assim como todos os réprobos e demônios, devem obedecer à Celeste Soberana. De sorte que Maria, além de medianeira das graças, é igualmente a do poder de Deus. É por intermédio de sua Mãe que Ele executa todas as suas obras e realiza todos os seus desígnios.

Mais ainda. Nossa Senhora não é somente o canal por onde o império divino passa e se manifesta na criação, mas é também a Rainha que decide por uma vontade própria,  consoante os desejos do Rei. Ela é, na verdade, uma obra-prima do que poderíamos chamar a habilidade de Deus de ter misericórdia em relação aos homens.