Il Gesù

Edificada em frente à Sede Generalíssima da Companhia de Jesus, a igreja “Il Gesù” é riquíssima em formas e cores. Contemplemos alguns de seus detalhes em companhia de Dr. Plinio.

 

Ao contemplar a famosa Igreja do Gesù, em Roma, dada a propensão que tenho pelas cores, a primeira coisa que me ocorreria seria analisar os mármores que lá estão colocados.

Altar forrado de belos mármores

Em um dos altares laterais, onde está o corpo de Santo Inácio, nota-se a distinção entre duas coisas. No altar propriamente dito, sobretudo nas duas colunas de mármore que se encontram de cada lado da imagem do santo. Cada uma delas é peça monolítica, uma pedra só de baixo até em cima. E esse mármore dá a nota dominante de todo o colorido.

Logo depois dessas colunas há uma faixa de mármore por onde as colunas das extremidades, de certo modo, se encostam à parede. E é um salpicado, um misto da cor de noz com o branco, preparando a transição para o branco total.

Depois existe um grande quadrilátero, dentro do qual se nota uma cor parecida com a das colunas; há uma transição que prepara a passagem para o marrom-claro absoluto, através do branco também absoluto. É uma coisa muito bem feita, um jogo de cores entre o marrom e branco muito bem calculado, que se repetem no próprio altar.

Harmonia entre cores e formas

Em cima do arco que serve de dossel para a imagem de Santo Inácio de Loyola, encontram-se alguns anjinhos. E mais acima algumas figuras brancas, são anjos também; e bem acima, a Santíssima Trindade: a glória de Deus, eterna, imutável e absoluta.

O jogo de cores e as formas são muito agradáveis de olhar. Todas as formas são muito definidas, proporcionadas, e fazem do altar uma obra de arte.

O altar é a glorificação de Santo Inácio de Loyola. Mas contém um pensamento sério: por mais elevado que Santo Inácio tenha sido, infinitamente acima dele, portanto em uma outra ordem de coisas, por assim dizer, além do altar, está Deus Nosso Senhor. Deus, ótimo, máximo, que brilha no mais alto da glória. Abaixo d’Ele está um santo, com os braços abertos em uma espécie de êxtase, olhando para o Céu, quer dizer, com o pensamento dele todo voltado para o Criador: Deus e seu servidor.

Vejam a diferença que há entre o servidor de Deus, o santo canonizado pela Igreja, de um lado, e, de outro lado, um simples fiel que reza ajoelhado junto à mesa de Comunhão, à grade que está colocada abaixo do altar. Observem a hierarquia das coisas. A Igreja militante, tendo acima de si a Igreja gloriosa, a qual está toda voltada para Deus e absorta na consideração e na contemplação d’Ele. Um santo é um cidadão, um membro eminente da Igreja gloriosa.

O gesto de Santo Inácio é exclamativo, como quem está em um êxtase e todo absorvido na contemplação do esplendor de Deus, de um lado; de outro lado, nota-se que é um gesto muito harmonioso, muito digno, que não tem nada de demagógico.

Seriedade do altar renascentista

Trata-se de uma peça caracteristicamente renascentista; apesar disso tem uma seriedade que não chega a ser de nenhum modo a seriedade sublime do gótico, mas é uma seriedade real. Os próprios anjinhos não são como os de Bernini; é tudo sério, pensado, bem ordenado, articulado. É o espírito de Santo Inácio de Loyola.

Se este fosse o altar-mor de uma grande igreja, nós diríamos: “Que igreja!” Mas, esse é um altar lateral…

Madonna della Strada

Entre o altar de Santo Inácio e o altar-mor, venera-se a imagem da “Madonna della Strada”.

Alguém dirá: “Mas não é esquisito que haja um altar entre o de Santo Inácio e o altar-mor? Não se compreenderia melhor que ele estivesse bem junto ao altar-mor?” Onde está Nossa Senhora todo mundo recua. E uma imagem da Santíssima Virgem não pode figurar depois da imagem de um santo. A imagem miraculosa de “Madonna della Strada” é muito venerada por todos que vão ao Gesù.

É realmente uma muito bonita imagem, muito expressiva, séria, como muito sério é também o Menino Jesus. Nossa Senhora dá vagamente a impressão de ter os trajes de uma imperatriz bizantina; a imagem é um tanto orientalizante.  E o Menino Jesus está todo vestido, cheio de pudor, diferente dessa mania de apresentar o Divino Infante nu, ou quase nu, como se Nossa Senhora fosse uma Mãe despreocupada e indolente, que não tivesse vontade nem disposição de cobrir o corpo de seu Menino.

O altar de São Francisco Xavier

Em frente ao altar dedicado a Santo Inácio há outro em honra de São Francisco Xavier, o grande apóstolo das nações de raça amarela, que evangelizou uma boa parte do Japão, e morreu numa ilha entre o Japão e a China, olhando para a China, com vontade de chegar lá e de evangelizar aquela nação.

Ele era súdito de Santo Inácio, por quem foi convertido. Mas ele era um tão grande apóstolo que mereceu ser colocado em frente a Santo Inácio, embora do lado esquerdo de quem entra na igreja. Lá está o braço incorrupto de São Francisco Xavier, encastoado em um relicário que muito vagamente toma a forma de um braço com a mão na extremidade. Eu chamo a atenção dos presentes para o lacerado da mão, como também para os dedos, que são finos, delicados, exprimindo assim um feitio de alma especialmente delicado.

Tomem em consideração que São Francisco Xavier foi um grande professor da Universidade de Paris, antes de se tornar jesuíta. Todos os dias em que dava aula, ele encontrava um seu conterrâneo, baixo, de olhos como dois sóis, coruscantes, penetrantes, pobre, malvestido, que se aproximava dele enquanto os alunos lhe prestavam homenagem. São Francisco Xavier era tão homenageado como professor que frequentemente, quando terminava a aula, os alunos — que naquele tempo usavam capas — punham suas capas no chão para que ele ao sair pisasse sobre elas. E Santo Inácio esperava a São Francisco Xavier do lado de fora da porta e perguntava: “Francisco, de que serve isto tudo se perderes a tua própria alma?” Aquilo foi tocando a alma de São Francisco, o qual afinal se converteu e pertenceu ao primeiro grupinho de jesuítas. Depois foi o imenso apóstolo do Oriente, tendo também trabalhado na Índia.

Comungando na Igreja do Gesù 

Para encerrar, eu gostaria de narrar um fato que se deu comigo.

Fui comungar, certa vez, na Igreja do Gesù.

Ao ajoelhar-me junto à mesa de comunhão notei que ela era magnífica, toda incrustada com figuras geométricas, de mármores das mais diversas cores — aliás, sabe-se que a Itália é a terra dos lindos mármores.

Quando me dei conta, eu estava tentado a ficar prestando atenção nos mármores em vez de prestar atenção no Autor dos mármores, que Se dignava entrar dentro deste peito do qual Ele também é o Autor. Precisei fazer um solavanco violento para que o esplendor da mesa de Comunhão não afastasse o meu espírito da consideração d’Aquele que é o esplendor subsistente, em relação ao Qual todo o resto não é senão imagem ou semelhança.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 4/8/1979 e 11/11/1988)

Santa Ana e São Joaquim

Expoentes da fidelidade a Deus no Antigo Testamento, São Joaquim e Sant’Ana ansiavam pela vinda do Messias prometido, desejando ardentemente estar entre os ancestrais do Salvador.

Porém, segundo uma piedosa crença, os anos passavam, eles envelheciam e não lhes nascia um filho que alimentasse suas esperanças.

Sabiam, no entanto, que as grandes esperas são o prelúdio dos grandes dons da Providência. Continuaram a confiar e não se viram desiludidos: eis que Sant’Ana concebe em avançada idade, e dá à luz Aquela que haveria de ser a Esposa do Espírito Santo e a Mãe do Verbo Encarnado.

São Joaquim e Sant’Ana, magníficos exemplos de quem, sabendo esperar e confiar, recebe o cêntuplo das promessas divinas!

Todos serão julgados pelo que fizeram por suas nações

No Juízo Final os indivíduos serão julgados, entre outras coisas, pelo bem que poderiam realizar a favor das nações às quais pertenceram, mas por terem sido preguiçosos, ambiciosos, hereges ou cismáticos, não o fizeram. Se desejamos que os nossos países sejam grandes, queiramos antes de tudo que a Igreja Católica seja glorificada.

Há duas espécies de povos que desapareceram: uns sumiram definitivamente; outros preenchem o vácuo deles na História e a vida vai para a frente. Exemplo característico são as ruínas, que se encontram em certas partes da Ásia e da Polinésia de modo especial, de civilizações bastante desenvolvidas, das quais ninguém sabe o que foram, quando existiram e por que desapareceram. São os navios fantasmas da História!

Embarcações vazias flutuando sem rumo pelos mares

Até a navegação obter o progresso que ela tem hoje, era frequente haver mares ermos os quais passavam anos sem que um navio neles entrasse. Às vezes, quando dois navios se encontravam, costumavam se aproximar e, se não eram inimigos – pois nesse caso saía tiro! –, chegavam a se encostar para saber qual deles tinha estado em terra firme a menos tempo e que notícias trazia. Compreende-se isto perfeitamente.

Essa história de os navios se aproximarem perdurou por muito tempo. Lembro-me que quando eu tinha cinco anos mais ou menos, vinha de Gênova para Santos num navio de passageiros chamado Duca D’Aosta, quando nos chegou um telegrama passado do bordo de outro navio, parece-me que era inglês. Eles avisavam que tinham tido notícia de que o Duca D’Aosta ia passar por lá e pediam que se aproximasse, para que os passageiros pudessem se saudar, tal era a aventura de estar em alto-mar. Todos os passageiros de ambos os navios foram para o tombadilho, e as duas tripulações se saudaram, como poderiam fazer hoje dois navegantes no espaço, que se movimentam em sentido contrário.

Lembro-me de ver distintamente os passageiros do outro navio, onde, aliás, havia parentes muito chegados nossos, que sabíamos estarem viajando nele. Então nos reconhecemos, houve saudações, as senhoras trocavam beijos, etc. Não lembro se todas, mas algumas pelo menos compareciam ao tombadilho preparadas para resistir ao vento e à deslocação de ar no navio, com chapéus grandes, uns tules protegendo o rosto e ainda echarpes. Porque quando se está num alto-mar ínvio como aquele, é melhor estar preparado para tudo!

Nesses tempos, e também em épocas anteriores, encontravam-se, por vezes, navios aos quais se mandava um sinal e não se obtinha resposta. Então, o capitão do navio que não recebia resposta aproximava-se para ver o que se passava, porque podia haver casos de necessidade. E várias vezes foram encontrados navios completamente vazios, em situações muito curiosas. Num deles, por exemplo, tudo indicava que uma parte dos passageiros estivesse tomando refeição, porque foram encontrados nos pratos de sobremesa restos do que comiam. E sem nenhum sinal de luta interna – ninguém lutou, não houve começo de incêndio nem infiltração de água. O navio estava perfeito, flutuando sem rumo pelos mares.

Nações que se tornaram os navios errantes da História

Qual foi o mistério que levou a tripulação inteira – supõe-se que sejam navios de passageiros, pais, mães, filhos, enfim, parentelas e outros avulsos – a saírem do navio para irem a outra embarcação? E por que motivo os que transportaram essa gente não levaram reservas de comida? Podem imaginar que prejuízo para um navio levar bocas e não água doce, alimentos? O que houve?

Em uma revista histórica francesa li um artigo muito bem feito e cheio de casos desses, que levantava a seguinte hipótese: Tudo bem analisado, só há uma conjetura cabível, mas que não tem base científica: terem vindo entes de outros astros e levado essa população inteira para outro planeta.

Não estou opinando nem pelo sim nem pelo não, porque acho impossível opinar, mas é um mistério enormemente pitoresco, interessante, acho até atraente… Eu, por mim, gostaria de visitar um navio assim!

Há navios cujas ruínas estão em ilhas e desertos, dentro dos matos… uma população viveu lá, floresceu, morreu. E não se sabe quando e por que deixaram aquele lugar. Não foram mortos, porque não se encontraram cadáveres. Não foi guerra, porque não há sinal de combate. O que aconteceu? É pitoresco.

Pois bem, há civilizações que se tornaram os navios errantes da História.

O homem responde pela sua nação perante Deus

Nossa civilização tanto entrelaçou o mundo, que não nos passa pela cabeça de sermos algum dia um povo navio errante da História. Mas imaginem que venham os castigos previstos em Fátima, e restem uns punhados populacionais pelo mundo. Pode ser que os componentes de alguns desses punhados morram muito velhos e não tenham descendência, está acabado. Mas, há outras nações que têm contas mais severas a prestar a Deus, porque muito tempo depois de extintas as suas descendências ainda deveriam marcar a História. É uma possibilidade.

Então, no dia do Juízo Final tudo isso vai se apurar? Sim e não. Porque, no Céu, não há nações. E o Juízo Final é um juízo individual, vai julgar os indivíduos. Então, o que fazem as nações dentro disso? Os homens serão julgados, entre outras coisas, pelo que eles fizeram às nações a que pertenceram. É evidente. E aqueles que poderiam ter modificado muitas nações para o bem serão julgados por aquilo que elas não receberam deles, porque foram preguiçosos, ambiciosos, hereges ou cismáticos.

Uma nação desapareceu na História, mas o homem responde pela nação perante Deus: “Por que tal país que Me deveria ter prestado tais e tais serviços não prestou? Tu tinhas na mão a possibilidade de fazer isto, aquilo, aquilo outro. Por que não fizeste?” E, sobretudo, e essencialmente o que se refere ao apostolado: “Tu poderias ter feito que tua nação espalhasse meu Nome em tais outros lugares. Isso não aconteceu.”

Tomada de Saigon pelos comunistas

Causou-me um arrepio ler a queda de Saigon1. De manhã, antes de os comunistas chegarem a esta cidade – todo mundo sabia que iam chegar –, o comércio abriu, tudo funcionava normalmente. No melhor clube da cidade, a piscina cheia de banhistas e o bar vendendo champagne e outras bebidas de luxo. Nos grandes hotéis, também de luxo, os correspondentes de imprensa, os diplomatas, etc., divertindo-se, esperando que os comunistas chegassem. Perguntam:

— Mas vocês não fazem nada?

Na piscina, um nababo que tomava champagne deu esta resposta:

— Só eu? Não é possível fazer nada mesmo. Deixe-me beber aqui a última taça de champagne!

Muito inteligentemente, os primeiros contingentes comunistas que entraram em Saigon eram compostos de rapazinhos adestrados e, naturalmente, com gente mais velha atrás para fazer a coisa trotar. Pulavam dos caminhões em que estavam e se espalhavam pela cidade. As pessoas os olhavam, achavam-nos tão jovens e inofensivos que davam risadas e os saudavam amistosamente. Eles tinham a palavra de ordem de tomar conta dos postos-chaves.

Quando as tropas começaram a entrar, toda a resistência era impossível porque elas estavam armadas e os lugares-chaves, de onde podiam desencadear alguma resistência, já estavam nas mãos desses meninos. Se matassem esses meninos havia o risco de atrair sobre si uma vingança da qual eles tinham medo. Compor com os comunistas era a coisa melhor que tinham para fazer, imaginavam eles.

Os católicos eram numerosos em Saigon e poderiam ter feito uma resistência. Mas eles tinham um arcebispo a favor da conciliação com os comunistas. E esse arcebispo trazia consigo uma série de gente que era do mesmo naipe, leigos e eclesiásticos.

Estes não vão prestar contas pelo fato de que Saigon caiu? Os homens que pregaram a rendição não entregaram irremediavelmente seu país ao inimigo, quando tinham a obrigação de defendê-lo? Então, não vai ser julgado o Vietnã, mas sim todos os homens que resistiram ou não, que amoleceram. Todos vão prestar contas por sua vida individual e pelo que fizeram de seu país.

Veneza e Florença: duas vertentes do espírito humano

Entretanto, as nações pagam nesse mundo os pecados que cometem, precisamente porque não haverá nações no Céu nem no Inferno. Logo, Deus pune com castigos terrenos os pecados das nações. Resultado: as nações se tornam infelizes, mesquinhas, sem importância, por causa dos pecados que cometeram.

Quando a nação não peca e corresponde à graça, qual a recompensa que ela recebe nesta Terra também pela sua virtude? Recebe toda espécie de grau de glória, de grandeza que Deus lhe tinha destinado. Com uma alegria especial, que é a ufania justa e razoável daqueles que pertencem a essa nação.

Então, encontramos nações que tiraram de si o que podiam. O exemplo mais característico disso talvez tenha sido a Itália. Nos séculos XV e XVI, a Itália não era uma nação, mas um conjunto de pequenas nações independentes. Florença, por exemplo, era um grão-ducado à testa da Toscana. O povo havia correspondido durante muito tempo à graça, e com isso tinha desenvolvido o seu perfil intelectual e moral extraordinariamente. E houve um pulular de grandes homens, de Santos, que faziam da vida interna da Toscana um dos ápices do acontecer do mundo. A Catedral de Florença, os monumentos, as bibliotecas, o Palácio della Signoria, mil coisas, constituem um tesouro. Todo mundo que deseja ter cultura precisa se informar um pouco sobre Florença. Ela foi ou não uma grande cidade? Foi inclusive um grande Estado.

Veneza é mais ou menos contemporânea de Florença. Vai-se de uma cidade à outra em poucas horas, mas são dois mundos completamente diferentes. Eis um lado por onde se pode ver a característica de cada uma: os artistas de Florença eram peritos, sobretudo, no desenho das figuras que pintavam, porém davam menos importância às cores, enquanto os de Veneza eram exímios pelo colorido. São dois feitios de alma: um é aberto, afável, ameno, dos que gostam mais da cor do que da forma; outro é lúcido, penetrante, inteligente, daqueles que dão mais importância à forma do que à cor.

Em Veneza os coloridos são feéricos, não só dos quadros, mas também da natureza. Aquela laguna com toda a sua beleza, os coloridos que se fazem durante o dia quando o Sol se levanta ou se põe, os palácios construídos ao longo daqueles canais onde se refletem indefinidamente, tudo é de um colorido estupendo! Vai-se para Florença e se vê uma coisa diferente: é a precisão do desenho carregado de expressão. Então, que glória: duas cidades próximas, pequenas, republiquetas, engendraram essas duas escolas de arte representando dois feitios, duas vertentes do espírito humano. É uma maravilha!

Poder-se-ia perguntar: O espírito do povo brasileiro vai mais pelo gosto das cores ou do desenho? Nos panoramas do Brasil, o que é mais bonito: o colorido ou o desenho? Procurando – não como um argumento de certeza, mas de probabilidade – um traço do espírito nacional, como seria interessante tratar disso!

Portugal sobreviverá, mas precisa mudar muito

São Luís Grignion de Montfort, contemporâneo de Luís XIV, diz que no tempo dele o mundo já estava invadido por uma torrente de iniquidade, mas haveria um momento em que Nossa Senhora interviria, venceria e implantaria o Reino d’Ela. A Santíssima Virgem falou de nações inteiras que desapareceriam; serão os “navios fantasmas” da História. Com certeza, Ela já escolheu as nações que sobreviverão.

Garantia de sobreviver, a Virgem de Fátima só deu a uma nação: Portugal. Ela escolheu esse país para lá aparecer, quer dizer, foi o pedestal do alto do qual a Mãe de Deus quis falar ao mundo. No entanto, poderia perfeitamente não ter dito que Portugal, depois de todos os castigos por Ela profetizados, conservará o dogma da Fé2.

Como será Portugal no Reino de Maria? Por certo, Portugal terá que mudar muito até lá… É uma nação que se deixou semientregar aos comunistas. Aquela porcaria da Revolução dos Cravos3, poderia haver algo de mais contrário à índole de um povo guerreiro como o português, tendo o passado de batalhas que tem? Portugal daquele tamanhozinho, com um império colonial formidável! E mais ainda, nenhuma colônia de país europeu resistiu tanto a favor da metrópole quanto Moçambique e Angola em relação a Portugal. Entretanto, depois disso, Portugal ir na onda daquela Revolução dos Cravos, e por causa desses cravos acreditar nas intenções pacíficas daqueles bandidos!

Ora, Portugal conservará o dogma da Fé. Conclusão: para que haja o Reinado de Nossa Senhora é preciso que a nação lusa mude muito, porque não podemos imaginar no Reino de Maria um Portugal com o Estoril rachando de imoralidade em épocas de turismo, e daí para fora.

No Reino de Maria, as nações católicas constituirão um concerto de beleza sublime

Mas no Reino de Maria deve realizar-se a descrição famosa de Santo Agostinho, a respeito da nação católica. Disse ele: Imaginem uma nação onde o rei e o povo, os generais e os soldados, professores e alunos, esposos e esposas, pais e filhos, todos vivem em estado de graça e no cumprimento do amor de Deus; esse país sobe assim ao mais alto de sua glória.

Será que para isso acontecer vão desaparecer as características dos diversos povos, e todos se fundirão por terem a mesma Fé? Absolutamente não. Pelo contrário, as características se acentuarão, constituindo entre todas as nações católicas um concerto com harmonias de uma beleza sublime. Se víssemos o mundo assim, diríamos: “Mas isso é o Céu ou é a Terra?”

Este “sonho” viveram-no tantos povos da Idade Média. A Cristandade era a família das nações cristãs católicas, na qual se cumpria a Lei de Deus. São Pio X disse isso em uma de suas encíclicas: se a Europa estava acima de todas as nações do mundo, por causa do esplendor de sua civilização cultural, artística e material, era devido à Fé Católica.

Conclusão: preocupemo-nos, sobretudo, em que todas as nações sejam inteiramente católicas, e então se aplicará a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Procurai o Reino de Deus e a sua justiça – quer dizer, a virtude que nele se pratica – e todas as coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6, 33).

Se desejamos que os nossos países sejam grandes, queiramos antes de tudo que a Igreja Católica seja glorificada, que todas as nações pratiquem a Lei de Deus e tenham o espírito da Santa Igreja; o resto nos será dado por acréscimo e teremos o Reino de Maria.          v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 4/9/1986)
Revista Dr Plinio 257 (Agosto de 2019)

1) Nome da capital do antigo Vietnã do Sul, tomada pelos comunistas em 30 de abril de 1975.

2) Cf. IRMÃ LÚCIA. Memórias I. Quarta Memória, c. II, n. 5. 13ª ed. Fátima: Secretariado dos Pastorinhos, 2007, p.177.

3) Ocorrida em 25 de abril 1974.

Quebrai as resistências abjetas de meu coração

Minha Mãe, Vós sois Rainha de todas as almas, mesmo das mais duras e empedernidas que queiram abrir-se a Vós. Suplico-Vos, pois: sede Soberana de minha alma; quebrai os rochedos interiores de meu espírito e as resistências abjetas do fundo de meu coração. Dissolvei, por um ato de vosso império, minhas paixões desordenadas, minhas volições péssimas e o resíduo dos meus pecados passados que em mim tenham ficado. Limpai-me, ó minha Mãe, a fim de que eu seja inteiramente vosso.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 31/5/1972)
Revista Dr Plinio 257 (Agosto de 2019)

O Bem-aventurado da grande resolução

Por meio de seus Santos, Deus faz brilhar de mil maneiras a fortaleza católica. Em Santo Ezequiel Moreno y Díaz essa virtude reluz de modo enlevante, por sua vontade resoluta em cumprir a vontade divina, disposto aos maiores sacrifícios.

Mandaram-me um quadro de um Bem-aventurado colombiano, famoso por seu antiliberalismo, Ezequiel Moreno y Díaz1. Sua fisionomia me agrada muito.

Batalhador destemido contra o liberalismo

A expressão fisionômica é digna, forte, nobre, dentro de uma grande serenidade. Nota-se uma determinação e uma resolução que não precisa de fogachos para se firmar. Ele é calmo, tranquilo, mas o que ele resolveu, resolveu.

Parece-me uma fisionomia que, a seu modo, pode emular, ser colocada à altura do semblante de Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, Bispo de Olinda e Recife no tempo do Império. Com a diferença de que o Beato Ezequiel é espanhol, o que se percebe considerando algo no rosto que dá essa ideia. Dom Vital é tipicamente brasileiro, inclusive a vivacidade no olhar é do estilo de vivacidade brasileira.

Fizeram-me um pequeno relato sobre esse Bem-aventurado, que passo a ler.

O Bem-aventurado Ezequiel Moreno y Díaz foi Bispo da cidade de Pasto, que faz fronteira com o Equador, onde está o Santuário de Nossa Senhora de Las Lajas, grande devoto d’Ela e importante promotor da construção do atual santuário.

Um dado que chama especialmente a atenção é seu combate ao liberalismo que nessa época – fins do século XIX –, tanto na Colômbia quanto no Equador, estava atacando fortemente a Igreja, desapropriando os bens eclesiásticos e perseguindo o clero.

Ele levou a luta contra o liberalismo ao ponto de escrever pastorais, nas quais chamava os católicos a se levantarem em armas contra o liberalismo, inclusive citando-lhes o exemplo dos Macabeus: Mais vale morrer do que viver numa terra devastada e sem honra (cf. I Mac 3, 59).

A prédica desse prelado deu calor aos católicos especialmente durante uma guerra havida na Colômbia entre exércitos católicos e liberais, que se desenrolou ao longo de três anos, intitulada a “Guerra dos Mil Dias”.

Outro traço da firmeza deste Bem-aventurado foi o fato de ele ter lançado uma excomunhão contra todos os pais de família que enviassem os seus filhos a um colégio, cujo diretor era uma pessoa de doutrinas liberais. O tal diretor se transladou para o outro lado da fronteira e, com a anuência de um bispo equatoriano de ideologia liberal, começou a funcionar ali uma escola.

Alguns pais colombianos mandaram seus filhos a esse colégio do Equador. Então, o Beato Ezequiel renovou a excomunhão, o que levou o bispo equatoriano a se queixar junto à Santa Sé. Resultado: a Sagrada Congregação dos Bispos desautorou o Bem-aventurado. Este foi a Roma – viagem que naquela época durava vários meses –, fez revisar todos os documentos no Vaticano e obteve que Leão XIII levantasse a condenação que havia recebido.

A correia de São Tomé, característica dos agostinianos

Isso é saber lutar bem! Notem a analogia com Dom Vital que, desautorado por uma carta de Pio IX, inspirada pelo Cardeal Antonelli, foi a Roma, obteve o julgamento do caso dele e a afirmação de Pio IX de que ele tinha andado bem. Portanto, a intriga havia subido até dentro do Vaticano.

Passo a comentar o quadro. Estamos na presença de um religioso da Ordem de Santo Agostinho. Notam-se as insígnias episcopais: o solidéu roxo, a cruz peitoral e o anel pastoral. Em seu hábito ele traz a correia característica dos agostinianos, a qual, segundo me disseram, é uma reminiscência do cinto que Nossa Senhora levava consigo e que atirou a São Tomé, enquanto Ela subia ao Céu.

Como sabemos, São Tomé foi o único Apóstolo que não assistiu à dormição e Assunção da Santíssima Virgem, no que se poderia ver uma severidade por causa daquela dúvida dele a respeito da Ressurreição de Nosso Senhor. E o que Nosso Senhor disse a ele: “Tu creste, Tomé, porque Me viste; bem-aventurados os que não viram e creram.” (Jo 20, 29); é uma censura. Santo Agostinho diz sobre essa censura uma coisa extraordinária: que a Fé de milhões de homens pelo futuro pendeu do dedo de São Tomé, porque como há muita gente com a mentalidade que São Tomé tinha antes de tocar nas Chagas de Jesus, essas pessoas se sentem tranquilizadas com tal narração.

Mais uma vez entram os desígnios ocultos, misteriosos e superiores da Providência. Em última análise, São Tomé teve um momento de dúvida, mas desta dúvida a Providência tirou uma vantagem tão grande que nos perguntamos como Ela Se teria arranjado para produzir esse efeito, se São Tomé não tivesse duvidado. Tal é a complexidade dos fatos considerados do ponto de vista da Providência.

São Tomé chegou atrasado, quando Nossa Senhora já ia subindo, e ficou naquele encantamento por vê-La. Ela sorriu, desprendeu de Si o cinto e atirou para ele. Onde, uma vez mais, entram os tais desígnios da Providência. O único Apóstolo que não esteve presente foi ele; entretanto, pelo que conste, o único a receber uma lembrança d’Ela, quando já Se destacava da vida terrena e ia subindo ao Céu, foi ele. Tem-se vontade de dizer: “Bem-aventurado Tomé!”

Distensão das grandes resoluções tomadas

Mas voltando ao quadro, o olhar do Bem-aventurado Ezequiel Moreno está fitando alto no horizonte. Esta atitude do olhar, uma pessoa romântica não tem. Porque ele está olhando para um ponto fixo, e o romântico não gosta de olhar nada de fixo, é um olhar “melado” que não se crava em nada porque fita sonhos interiores.

O rosto dele está inteiramente distendido, não se nota nele a menor contração. Entretanto, não é a distensão comum do homem que dorme, mas é aquela forma de distensão que os irresolutos não têm. Estes possuem a distensão da moleza, parecem carnudos ainda que sejam magros. Aqui ele tem a distensão das grandes resoluções tomadas, do homem que resolveu tudo, entrou rijo no caminho por onde tinha que entrar e disse: “Vi, decidi e entrei! Haja o que houver, venha o que vier e custe o que custar, eu resolvi, aquilo eu faço!”

Alguém poderia me perguntar: “Como o senhor nota isso?”

Como notaria numa fisionomia viva. Quando o homem tomou uma grande resolução, algo fica marcado no rosto, onde a musculatura é definida e rija, mas ao mesmo tempo distendida, porque as dúvidas ficaram para trás e todos os sacrifícios que esse caminho traga consigo, vê-se que de algum modo ele os mediu, aceitou e pede a Nossa Senhora que o ajude a não recuar.

Resolução absoluta do Redentor e de sua Mãe Santíssima durante a Paixão

Creio que o modelo transcendental e infinito dessa resolução deveria estampar-se na face de Nosso Senhor depois que o Anjo O consolou, considerando etimologicamente o termo, ou seja, deu-Lhe força. No Horto das Oliveiras Ele pediu: “Meu Pai, se for possível afaste-se de Mim este cálice, mas faça-se a tua vontade e não a minha” (Mt 26, 39). Veio o Anjo e O fortaleceu (cf. Lc 22, 43). Ele que nunca estivera irresoluto, entretanto estava com toda a natureza humana d’Ele posta diante da previsão terrível da Paixão, mas com a determinação: “Deus Me ajuda, Eu aguento, agora vou.”

Podemos notar essa resolução de um modo divino no Santo Sudário. Uma das notas que a Sagrada Face dá é precisamente de uma resolução absoluta: ela está machucada, cuspida, nota-se que o nariz sofreu uma pancada. Nosso Senhor morreu no auge de todas as dores, mas Ele deliberou resgatar o gênero humano e resgatou.

Algo disso se deveria notar também em Nossa Senhora, no momento e depois do consummatum est: “Eu resolvi, Ele é meu Filho, Eu O ofereci ao Padre Eterno para isto. Aconteceu que meu oferecimento foi aceito e Ele morreu. Era o que Eu queria. Vamos para a frente!” É indizível isso, mas é assim. Esta é uma das razões pelas quais, sem ter nem de longe o atrevimento de negar o valor artístico da Pietà de Michelangelo, nego o valor religioso. A Pietà é um conjunto lindo; entretanto, o jeito de Nossa Senhora olhar para Ele não é aquela compaixão de quem contempla o fruto doloroso de sua própria resolução. Há qualquer coisa de mole, que não corresponde a quem acaba de beber a derradeira gota de fel e ver a última consequência da resolução tomada: “É terrível, é trágico, porém é o que Eu queria!” Compaixão é ter dor, sem dúvida, mas é participar da intenção sacrifical d’Ele.

Diversidades de brilho da graça nas almas dos Santos

Na fisionomia do Beato Ezequiel Moreno y Díaz notamos algo que eu poderia dizer que está à altura de alguém que adorou e se embebeu profundamente do consummatum est. Vê-se que ele está para além dos sacrifícios, das resoluções e das dúvidas. A atitude dele é de como quem diz: “Já sofri muito e talvez tenha muito por padecer, mas resolvi sofrer isso para atender à vontade de Deus. Nossa Senhora obteve d’Ele esta força, e eu sigo até o fim.”

Percebe-se isso na postura do corpo. A cabeça não está nem um pouco numa atitude de galo de briga; é uma posição normal, mas alta, não tem nada de cabeça “heresia branca”2, de nenhum modo. O corpo não está arqueado nem é preguiçoso, mas tem qualquer coisa de quem diz: “Não estou sequer fazendo força, porque todas as forças foram feitas. Está tudo consumado, chegarei até o fim.”

Ele poderia se chamar “o Bem-aventurado da grande resolução”.

É bonito compararmos um Santo com outro, não para saber qual é o maior, mas para ver as diversidades de brilho da graça conforme a alma. Considerem este Santo em face de seus adversários. A atitude dele é: “Eu vos combato, mas estou muito além de vós! Meus olhos pousam em outros horizontes e minha alma ama outras grandezas.”

Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, o Bispo de Olinda e Recife, é diferente. Ele olha para o adversário como quem diz: “Atrevido, que ousaste levantar-te contra o Senhor Deus dos Exércitos e contra a Imaculada Conceição de Maria. Eu te enfrento! Estou te combatendo e tenho o gáudio de estar te derrotando.”

O Beato Ezequiel polemiza, mas paira acima das polêmicas. Dom Vital não. Ele entra na polêmica como um tufão que leva tudo consigo. É outro modo de ser.

A Igreja se exprime assim, e ainda de muitos outros modos. Por exemplo, a face triste, inabalável, resoluta e angelical de São Pio X; a fisionomia batalhadora, desconfiada, férrea e dulcíssima de Santa Bernadete Soubirous. E assim poderíamos ir comparando as mil maneiras de brilhar a fortaleza católica. A do Bem-aventurado Ezequiel Moreno y Díaz é uma maneira altamente enlevante.    v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/11/1980)
Revista Dr Plinio 257 (Agosto de 2019)

1) Canonizado em 11/10/1992.

2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na arte e na cultura em geral. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

Brado de guerra

São Tiago foi o Santo que exerceu grande atração na Idade Média, e o seu nome foi usado como brado de guerra pelos heróis da Reconquista espanhola.

Para uma alma combativa, nada mais bonito do que imaginar que, quando ela já não fizer parte do número dos vivos, sua memória ficará, não como um sinal de conciliação, mas como um brado  de guerra! E que os bravos, no momento de arriscarem tudo, até a própria vida, pela causa católica, terão nos lábios esse nome como um símbolo de luta e de vitória, a ponto de ser este o último  nome que muitos deles pronunciarão, cheios de entusiasmo, antes de se apresentarem à glória de Deus e ao sorriso de Maria.

Para muitos, este nome foi o de “Santiago!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/7/1967)

Santo Inácio de Loyola

O grande Santo Inácio, fundador da Companhia de Jesus, à qual se deve a primeira e talvez a mais gloriosa e mais eficaz das Contra-Revoluções, que é a Contra-Reforma, tornou-se famoso pelo seu espírito pugnaz, pela sua penetração política, sua psicologia finíssima e pela capacidade que possuía de pregar extraordinários exercícios espirituais.

Homem capaz de guardar segredo, de fazer no silêncio uma longa, complexa e subtil trama política, dotado de um espírito de autoridade invulgar, Santo Inácio exercia sobre os seus religiosos um mando total, que fez da Companhia de Jesus o próprio símbolo da obediência.

Entretanto, esse mando que Santo Inácio exercia sobre os outros, ele começou por praticar sobre si mesmo: é um homem que tem o completo domínio sobre si.

Ao contemplar sua fisionomia, tem-se a impressão de que se estourasse uma bomba nas proximidades, ele não se assustaria.

Se tivesse que pegar uma espada para combater, ele não mostraria sanha, mas deveria ser um combatente excelente. Entretanto, ele possuía não o hábito de esgrimir com a espada, mas sim com argumentos. E, por nobre que seja esgrimir com espadas, é mais nobre ainda esgrimir com argumentos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/1/1986)

A confiança produz grandes acontecimentos

São Joaquim, esposo de Sant’Ana, provavelmente seria desprezado por não ter filhos, devido à esterilidade de sua esposa. Naquele tempo, isso constituía uma tristeza, pois o casal estéril estava privado de ser da ascendência do Messias.

Por meio deste sofrimento aceito com confiança, Deus preparava a vinda do Salvador, do qual São Joaquim foi o avô.

É assim que Deus prepara os grandes acontecimentos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/8/1968)

Pedido a Maria assunta aos Céus

Na vossa Assunção, ó Maria, vossa Pureza, vossa Fé e vossa Fortaleza encontraram, por fim, o prêmio merecido.

Fazei-me puro, cheio de fé e forte para lutar convosco na Terra e vencer a Revolução, de modo a contemplar-Vos eternamente no Céu.

Do alto da glória de onde reinais, sede para mim a Mãe de Misericórdia, apoiando-me em todas as minhas defecções, reerguendo-me em todas as quedas, perdoando-me em todas as faltas e amando-me em todos os instantes, de maneira que em tudo Vos ame, ó Rainha santa, que deveis ser o enlevo de toda a minha vida.

Plinio Corrêa de Oliveira

Admiração: suprema alegria!

Deus colocou uma nota de admirável em tudo quanto fez, porque quis incutir nos homens a convicção de que seu espírito deve estar voltado para o mais alto, através da admiração. Essa admiração supõe dois graus: um é por aquilo que a pessoa tem diante de si; outro é o de reportar tudo a Deus Nosso Senhor.

 

Ouvimos a descrição da investidura de um cavaleiro, tão bem apresentada por Léon Gautier(1). Não é verdade que achamos muito agradável presenciar toda essa cena? Por quê?

Uma alegria que somente as almas admirativas possuem

Sem dúvida, devido à beleza da cena, mas também porque essa pulcritude nos trouxe uma determinada forma de alegria que o mundo hoje em dia não conhece mais. É um modo de alegria ligado à admiração. Nós admiramos tudo isso, mas num enfoque, numa luz tal que nos produziu a alegria. E enquanto o mundo atual só concebe a alegria no deboche, na desordem, no extravagante, no grotesco, no ridículo, no dissipado, nós tivemos exatamente um júbilo que pudemos tocar com as mãos, sentimos em nossa própria alma, e que foi decorrente da contemplação de um ambiente e de uma cerimônia, e de pessoas vivendo nesse ambiente todas elas cheias do sentimento de admiração e de respeito pelo que faziam. Pareceu-nos agradável ser esse cavaleiro, e por certo houve aqui pessoas diante de cujo espírito passou a ideia: “Como eu gostaria de ser armado cavaleiro!”

Ser armado cavaleiro é algo que o mundo de hoje detestaria, porque leva a se preparar para o contrário da vida securitária oferecida aos homens pela sociedade atual. Não é inscrever-se num instituto de aposentadoria e pensões, nem conseguir um direito à promoção para poder comprar um automóvel melhor. Pelo contrário, é expor-se ao risco sem ganhar dinheiro, pelo mero amor ao heroísmo, à virtude, à Igreja Católica; expor-se a morrer transpassado por uma lança num deserto, ou naufragado num barco que conduz cavaleiros para a Terra Santa e que, numa procela do Mediterrâneo – diminuta para os transatlânticos de hoje, mas considerável para os pequenos barcos daquele tempo –, afunda repleto de cavaleiros; ou morrer numa luta contra albigenses ou mouros no próprio território europeu.

A perspectiva do risco trazia para os homens daquela época a admiração ao heroísmo, com a ideia de um grande destino. A esperança de vencer ou morrer na realização dessa obra magnífica e, por esta forma, dar à sua vida um grande sentido, a admiração pelo que significa viver para consumar esse holocausto é a causa dessa alegria. Daí a cena tão alegre do jovem que inicia a vida de sacrifício e vai para ela jubiloso, satisfeito por causa do grande holocausto de sua vida. Ele conhece o sentido de sua existência, ama, admira o sacrifício e tem aquela forma de alegria especial que só as almas que admiram possuem.

 Tudo quanto é admirável incute nos homens a convicção pelo que há de mais elevado

Deus colocou pelo menos uma nota de admirável em tudo quanto fez, e sem nenhuma exceção. Essa nota de admirável, ora se mostra evidente de maneira a encantar os homens, ora aparece no fundo de uma longa e árida pesquisa científica. Em certo momento o homem encontra o admirável. Se o Criador pôs o admirável em tudo é porque Ele quis incutir nos homens, de todos os modos e de todas as formas, essa convicção de que seu espírito deve estar voltado para o mais alto, para algo que lhe causa admiração e que a luz de sua vida é a admiração das coisas verdadeiramente admiráveis.

Tudo quanto Deus fez é admirável e Ele quer que vivamos numa contínua admiração das criaturas, para admirarmos a Ele que se reflete nelas. Por essa admiração feita de veneração, de adoração, deseja que nós O sirvamos heroicamente a nossa vida inteira.

Então, essa admiração supõe dois graus: um é a admiração próxima por aquilo que a pessoa tem diante de si; outro grau é reportar a Deus Nosso Senhor, de maneira a estar no termo final da admiração. O Criador, que é o Autor disso que estou admirando, tem essa maravilha de um modo infinito. E quando algum dia, pela misericórdia d’Ele e pelo mérito do preciosíssimo Sangue que Nosso Senhor derramou por mim, pelas lágrimas e pelos rogos da Mãe d’Ele, eu chegar ao Céu e admirá-Lo face a face, isso que estou vendo agora vou contemplar diretamente n’Ele por toda a eternidade.

Isso se verifica nas menores coisas. Por exemplo, sou muito sensível ao belo das pedras; é uma peculiaridade individual. Outro será mais sensível ao pulcro das aves, da música, etc. A mim me agrada, enquanto estou fazendo esta conferência, olhar para a superfície deste molhador de dedos que tenho diante de mim, adornado com uma pedra verde. Sei muito bem não se tratar de uma esmeralda maravilhosa, e não seria posta na coroa do Xá da Pérsia, nem de longe. Entretanto, é um verde que me agrada olhar. Mas não fico no agrado puramente sensitivo de um bicho que olha para uma coisa verde, e abana bobamente a cabeça sem saber por que, pois Deus fez-me homem e, muito mais do que isso, fez-me católico, apostólico, romano; batizado na minha infância, nasci na Igreja pela misericórdia d’Ele.

Devo, então, perguntar por que esse verde me agrada, pois não existe apenas um motivo sensitivo, mas uma razão de caráter mental, uma afinidade de temperamento e de modo de ser, por onde o fato de eu gostar dessa cor exprime algo de minha pessoa. Mas há uma consideração infinitamente superior: se algo de minha pessoa se exprime porque eu olho para esta pedra e gosto, algo da Pessoa que a criou se exprime pelo mesmo princípio. Logo, Deus considerou isto belo e digno de exprimi-Lo, e pôs este objeto diante de mim para, desde que eu reflita um pouco a respeito d’Ele, dizer-me esta verdade fundamental:

“Meu filho, você que vê e gosta disto por haver nisso uma afinidade com sua personalidade, saiba que minha perfeição infinita tem também uma expressão aqui, e que você e Eu nos encontramos na consideração dessa pedra. É misterioso, mas é verdade. Vendo-a e gostando dela, você de fato nota algo que é um lampejo de Mim. Contemple-a, um dia você Me verá face a face.”

Se sou capaz dessa reflexão, eu digo: “Que mistério! Quando, meu Deus, chegará esse dia em que, afinal, poderei ver-Vos face a face e descobrir o mistério que pusestes por detrás dessa pedra?”

Assim, essa pedra não é um objeto para o qual olhei de qualquer jeito, calculei o preço, verifiquei se é adequada para conter esponja com água, e avaliei apenas mercantilmente. Ela deve ser até considerada mercantilmente, porque tem o seu preço, mas não é essa a razão mais alta para eu avaliar a pedra. Nela encontrei uma espécie de ângulo de incidência por onde o Criador e eu nos encontramos. Eu admirei e, ao admirar, fiz uma reflexão que me elevou até Deus.

Meditar a partir de um ato de admiração

Isso que se dá com uma pedra, passa-se evidentemente ainda mais em relação a um animal. Por exemplo, um leão rugindo, magnífico, com aquela força, aquela juba, aquele domínio, aquela capacidade de ataque, se quisermos olhá-lo do ponto de vista sobrenatural, presta-se a considerações verdadeiramente de primeira ordem. Estou olhando o leão, vejo aquele furor magnífico e pergunto: “Mas, afinal de contas, contra quem esse furor? Contra mim? O leão ainda nem me viu, está lá longe furioso com o quê?”

Se me reporto à cólera divina contra o pecado, vejo como é lindo o furor da majestade, do direito, da força contra aquilo que é errado, torto, sujo, revoltado, arrogante. Um rugido do leão não tem alguma coisa da beleza do rugido da cólera de Deus por todos os espaços celestes? E quando eu vejo tanto pecado, tanta impiedade, tanta tibieza pútrida e asquerosa que se espalha em torno de mim, desejo uma retificação disso e uma punição, e me lembro do furor do leão, compreendo por que a Escritura chama Nosso Senhor Jesus Cristo de “Leão de Judá” (cf. Ap 5, 5). O Redentor, embora morto, derrotado, quando ressuscitou implantou a derrota de tudo aquilo que se pôs contra Ele. Foi o vencedor e sobre todo o mundo suas catedrais magníficas levantaram as suas torres. É verdadeiramente o rugido do Leão de Judá.

Compreendo que Deus, ao criar os leões, quis, sobretudo, que nós, católicos, à vista do leão fizéssemos uma meditação sobre a magnificência da cólera d’Ele. E nunca, ainda que víssemos todos os leões do passado, do presente e do futuro, veríamos algo de tão magnífico, tão divinamente leonino como no momento em que Deus, no Juízo Final, se voltar para os réprobos e mandar todos para o Inferno. São palavras de rugidos que aos réprobos deixarão horrorizados e enfurecidos.

Creio que eu desmaiaria de encanto vendo o furor do Leão de Judá. “Afinal Vos vingais, afinal afirmais a vossa glória! Ah, como Vos aplaudo, ó Deus, terrível perseguidor dos vossos adversários! Adoro o vosso direito, a vossa cólera e a vossa força!”

Não é bom, pensando num leão, elevar assim meu espírito? Não se faz, deste modo, uma boa meditação? É um ato de admiração por onde admirei o leão em tudo quanto Deus de Si quis simbolizar nele. Mas depois admirei no leão fatos da História no passado ou preditos para o futuro sobre as relações de Deus com os homens, para compreender toda a História da humanidade e, atrás dela, Deus Nosso Senhor. Assim fiz uma meditação a partir de um ato de admiração.

A admiração deve estar presente em todas as atitudes da alma

Eu poderia fazer o mesmo ato de admiração, por exemplo, em relação a uma pomba para ser comida. Com que suavidade e inocência ela está nas mãos daquele que a mata! Como ela é linda, pura no momento em que vai ser morta!

Lembro-me de um padre jesuíta que, durante uma aula, pôs o seguinte problema: Todo ser se alegra quando realiza o seu fim. Ora, ao criar a galinha, Deus tinha como uma de suas finalidades que ela servisse de alimento para o homem. Portanto, transpondo o exemplo para a pomba, se esta pudesse entender que vai ser morta em holocausto a um homem, ela se alegraria por cumprir com sua finalidade. Então, devemos imaginar a frustração da pomba velha que morre sem ter sido devorada, porque ela não realizou a sua finalidade natural; ou, pelo contrário, o instinto de conservação, que faz o ser sentir pavor de sua própria destruição, a levaria a não querer ser destruída?

Disse o sacerdote que tanto uma hipótese quanto outra é admissível, pois ambas partem de um pressuposto absurdo, isto é, um ente irracional pensar. Com efeito, de si, repugna à inteligência a ideia de um ser racional feito para o holocausto a outro ser criado.

A meu ver, o padre respondeu muito bem. Mas eu gostava de pensar como resolveria a coisa se fosse o animal imolado. Alegando a favor da alegria de se deixar imolar, o sacerdote imaginava o animal olhando para um homem e pensando: “Como esse homem é superior a mim, e me alegro em saber que daqui a pouco a minha carne vai ser carne dele! Que honra e promoção para mim ser devorado por ele! Ó momento como que de êxtase a hora em que eu sentir minha vida se exalar, mas sabendo que, de algum modo, vou ser humanizado e promovido”.

O raciocínio do padre me parecia evidentemente claudicante, e ele o apresentava como tal, pois era um bom professor e sabia bem o que dizia. Mas tinha um lado bonito que apresento aqui para compreendermos a beleza da pomba que se imola, representando algo de infinitamente mais alto do que isso: Nosso Senhor Jesus Cristo, Vítima que Se deixou imolar por nós, o Cordeiro de Deus que lavou os pecados do mundo inteiro com o seu preciosíssimo Sangue. Como é bonito, estando junto a um tabernáculo e vendo pintado um cordeiro imolado, pensarmos que ali está o Cordeiro de Deus realmente presente! Que coisa magnífica é admirar o cordeiro para adorar o Cordeiro de Deus, Nosso Senhor!

Por aí percebemos como em absolutamente tudo deve estar presente a admiração, em todas as atitudes da alma humana e de um modo preponderante. Essa admiração assim presente, nós a devemos considerar não apenas para com seres inferiores a nós – portanto, um animal, uma planta, uma pedra –, mas, sobretudo em relação aos seres iguais e superiores a nós.    v

(Continua no próximo número)

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/2/1977)

Revista Dr Plinio 256 (Julho de 2019)

 

1) Cf. Revista Dr. Plinio n. 255, p. 31.