São Vicente de Paulo, perfeita harmonia de espírito

Fundador de Obras de Caridade, Diretor de uma Ordem Religiosa; por outro lado, insigne lutador contra o jansenismo e inspirador de uma cruzada contra Túnis. Homem ao mesmo tempo capaz de tratar com a rainha e com galerianos; de cuidar de doentes e de armar um exército contra os inimigos da Fé. Dotado de tal amplitude de espírito, São Vicente de Paulo representou a própria harmonia do espírito de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Pediram-me que comentasse uma ficha biográfica de São Vicente de Paulo, extraída do Breviário Romano.

Vicente nasceu de pais pobres em Pay, na Landae, França, no dia 24 de abril de 1581.

Desde criança guardou os rebanhos de seu pai. Mas sua viva inteligência fez com que sua família o mandasse estudar entre os “cordelliers” de Dax.

Foi depois para Toulouse a fim de conseguir grau de Doutor e, em 1600, ordenou-se sacerdote. Após ter sido cativo em Tunis, em 1616 foi incluído no corpo de capelães da Rainha Margarida de Valois. Durante algum tempo, foi cura de Clichy e de Chatillon-les-Dombes.

Nomeado grão-capelão das galeras da França pelo rei, com um zelo maravilhoso, trabalhou pela salvação dos oficiais e dos remadores.

Indicado por São Francisco de Sales para o governo das religiosas da Visitação, cumpriu essa missão durante 40 anos com tal prudência que justificou plenamente o julgamento do santo prelado, o qual declarou não conhecer padre mais digno do que Vicente.

Mas sua carreira fez-se quase que inteira ao serviço da poderosa família dos Gondi. Ele evangelizou as nove mil almas que viviam em suas terras, e diminuiu a extensão das ruínas e das misérias produzidas pelas guerras civis ou com estrangeiros.

Até uma idade bem avançada, Vicente dedicou-se a evangelizar os pobres e sobretudo os camponeses. Para isto fez um especial voto, aprovado pela Santa Sé. Preocupou-se em estabelecer a disciplina eclesiástica, dirigindo seminários para o Clero, e tendo o cuidado de multiplicar as conferências espirituais entre os padres.

Enviou evangelizadores não só através das províncias da França, mas também para Itália, Polônia, Escócia, Irlanda e Índia.

Protegido pelos reis da França, assistiu Luís XIII nos seus últimos momentos e foi chamado por Ana d’Áustria, mãe de Luís XIV, para fazer parte do Conselho de Consciência.

Lançou os fundamentos de uma nova Congregação, a dos Lazaristas, e com Santa Luísa de Marillac criou a Instituição das Filhas da Caridade, ou Irmãs de São Vicente de Paulo.

Acabado de fadiga, o chamado Apóstolo da Caridade veio a falecer em 1660. Afirma-se não ter havido miséria que ele não houvesse socorrido. Cristãos aprisionados pelos turcos, crianças abandonadas, jovens indisciplinados, moças em risco de cair no pecado, religiosas displicentes, pecadoras públicas, condenados às galés, estrangeiros enfermos, artesãos sem trabalho, os loucos e os mendigos, todos foram lembrados pelo grande Monsieur Vincent, como era conhecido naquela época.

Membro da Mesa de Consciência e Ordens

Quero chamar a atenção para dois aspectos de sua vida.

O primeiro é a quase incrível fecundidade dessa existência, tomando em consideração as várias situações pelas quais ele transitou.

Nascido de uma família pobre de camponeses, provavelmente analfabetos ou semianalfabetos, ele teve uma ascensão: dada a sua excepcional inteligência, foi estudar e ordenou-se sacerdote.

Depois, caiu como cativo dos berberes, piratas que percorriam o Mediterrâneo e às vezes até faziam incursões pelos territórios da Europa, levando católicos como escravos, os quais eram vendidos nos países do Oriente.

Maravilhosamente resgatado da condição de simples escravo, ele é logo contratado para ser capelão de uma rainha e entra numa corte. Deste alto cargo ele passa a ser vigário de duas aldeias; entra sob serviço de uma casa nobre poderosa, a dos Gondi, e parece cifrar o seu trabalho às nove mil almas que constituíam a população dos feudos ou das terras em que a família Gondi tinha restos de poderes feudais.

Mas, depois disto, ele novamente se aproxima da corte e é elevado a um dos mais altos cargos: membro da Mesa de Consciência.

A Mesa de Consciência e Ordens era uma instituição que existia em quase todas as monarquias católicas daquele tempo, e tinha uma função muito delicada. Naquela época o Estado era sempre unido à Igreja nos países católicos, e os Bispos tinham muitas vezes poderes temporais. A diocese era senhora feudal com poderes mais amplos, ou menos, destas ou daquelas terras; dessa forma o provimento das dioceses que se vagassem cabia ao Papa por princípio, porque só o Sumo Pontífice pode nomear e demitir livremente Bispos, mas mediante indicação do rei. Este propunha em geral três nomes, dos quais o Papa escolhia um.

Naturalmente, quando um nome não era adequado, o Sumo Pontífice exigia outro nome. Ele não ficava manietado, circunscrito àqueles três, mas era o rei que os indicava.

A Mesa de Consciência não era uma mesa no sentido material da palavra. Tinha esse título porque seus membros se reuniam em torno de uma mesa, e era um Conselho das pessoas de maior confiança e virtude do reino, mais perspicazes e inteligentes, para estudar quais os padres que, por sua vida e doutrina ortodoxa, cultura e atividade, saúde e influência pessoal, eram capazes de serem Bispos.

Como é sabido, toda a vida de uma diocese gira em torno do Bispo, e uma das coisas mais importantes para a vida interna da Igreja é a designação de bons Bispos. Podemos assim compreender quanto um país deve ter empenho em que seja escolhido o creme dos sacerdotes para ser Bispo.

Ele foi escolhido por Ana d’Áustria, a Rainha-Mãe, regente da minoridade de Luís XIV, para esta Mesa de Consciência e Ordens e ali exerceu grande influência para a designação dos Bispos.

Esse homem que subiu a tão alto cargo, tratando com cortesões no palácio real da França, entretanto foi capelão-geral das galés, tendo que fazer apostolado junto a criminosos, os quais eram atarraxados nos navios e passavam a vida remando. Entre um príncipe e um guerreiro há uma distância enorme; porém tal distância é menor do que a existente entre o sacerdote e o escravo. Tudo isso constituiu os vaivéns de sua existência.

Multiplicidade de atividades

Outro aspecto é a multiplicidade das atividades que ele exerceu: Obras de Caridade, Diretor de uma Ordem Religiosa que então estava apenas saindo das mãos de seu grande fundador, São Francisco de Sales; por outro lado, lutador insigne contra o jansenismo. Ele foi um dos homens que mais trabalhou contra o jansenismo na França, impedindo que essa forma péssima de protestantismo larvado penetrasse nos meios católicos. Além disso, São Vicente levantou uma cruzada contra a Tunísia; foi, portanto, chefe de cruzados.

Vemos assim a diferença de aspectos dessa personalidade. Um homem capaz de tratar com a rainha, mas também com galerianos. De atrair a confiança da soberana e de encontrar palavras que pusessem à vontade o indivíduo que estava remando nas galés. Um homem capaz de tratar de um doente e de armar um exército; de dirigir uma Congregação Religiosa de freiras reclusas, que passavam a sua vida em oração, mas ao mesmo tempo capaz de orientar almas de uma corte, passando todo o tempo sujeito às tentações do mundanismo.

Tinha ele um espírito amplíssimo, uma personalidade vastíssima, rica dos maiores aspectos, com a possibilidade de impressionar a fundo os homens mais variados. Ou seja, com uma faculdade de adaptação aos vários meios que de si dariam origem a um verdadeiro romance.

Há pessoas que leem com entusiasmo a vida de “Laurence of Arabia”, porque sendo inglês esteve na Arábia e se adaptou às condições de vida lá existentes. O que é isto em comparação com todas as pluralidades de papéis que São Vicente de Paulo desempenhou de um modo tão profundamente brilhante?

Se houvesse um grande biógrafo que soubesse apresentar a vida de São Vicente de Paulo com ardor, sem se distanciar em nada da realidade histórica, mas realçando os aspectos que verdadeiramente dão a chama de sua existência, tenho certeza que esta seria uma das biografias mais famosas.

Uma das figuras mais deformadas pela “heresia branca”

Parece-me que até a consumação dos séculos uma tentação para os que escrevem vida de santos vai ser de redigi-la de modo “heresia branca”(1). E a figura de São Vicente de Paulo é exatamente a que tem sido mais deformada pela “heresia branca”.

Em que sentido? A “heresia branca” gosta de apresentar este santo sempre sorrindo e com uma criancinha ao seu lado. Que ele seja apresentado sorrindo, ótimo! E com uma criancinha ao lado — se não quiserem economizar bronze, podem até pôr cinquenta criancinhas, não tenho nada a objetar contra isto —, está esplêndido. Quem pode objetar contra o apostolado junto às crianças de quem Nosso Senhor disse: “Deixai vir a Mim os pequeninos”?

Mas que se queira ver neste homem só isto! Este é o lado verdadeiramente absurdo. Por que não se faz, numa igreja ereta em louvor de São Vicente de Paulo, um quadro deste varão de Deus, na presença de Luís XIII, obtendo deste a assinatura de um edito que ordenava uma cruzada contra Túnis?

Não devemos procurar corrigir uma unilateralidade com a outra, escondendo São Vicente de Paulo caridoso, para manifestar apenas São Vicente de Paulo guerreiro, porque a beleza consiste exatamente na coexistência dos dois aspectos. Aí está a perfeição, a harmonia do espírito de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Plinio  Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/7/1971)

1) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

A Inter-relação entre os Três Arcanjos

São Gabriel, São Rafael e São Miguel, tendo sido líderes contra a Revolução chefiada por Lúcifer, no Céu, ajudam possantemente os contrarrevolucionários na Terra. Dr. Plinio discorre sobre a inter-relação das missões desses três Arcanjos com vistas ao Reino de Maria.

 

Poderíamos nos perguntar que relação existe entre as tarefas dos três Arcanjos: São Miguel, São Gabriel e São Rafael.

Primazia por natureza

Parece que eles constituem uma espécie de circuito fechado, uma totalidade, como que uma trindade.

Como essa “trindade” se prende ao conjunto do mundo angélico? Por exemplo, são eles Serafins? Tanto mais que para calcular as missões e as importâncias deles, entram duas ordens de valores distintas: uma é o que eles são por natureza; outra é a conduta deles durante a prova, porque é certo que os três se conduziram de um modo perfeito naquela ocasião.

Mas a perfeição tem graus e, por exemplo, São Miguel vê-se que foi super exímio na prova. Alguém comentou comigo que São Luís Maria Grignion de Montfort diz ter sido São Miguel aquele que teve mais amor a Nossa Senhora durante a prova, e por isso foi mais combativo. Trata-se de uma primazia por causa da atitude durante a prova, o que é diferente do primado por natureza.

Então haveria dois títulos de primazia diversos para considerar. Vamos tratar aqui apenas das relações de natureza a natureza, e não vamos considerar a primazia efetiva como ela existe no Céu, posta a reação durante a prova.

Na primazia por natureza nós poderíamos ver o que e como eles fazem, e assim entender como se completam na tríade.

São Gabriel: conhecimento amoroso

São Gabriel é aquele que comunica o conhecimento de Deus. Daí o papel dele na Encarnação. São Rafael é quem ajuda os homens nas dificuldades da vida, e São Miguel o que os auxilia na luta.

O conhecimento de São Gabriel é evidentemente todo amoroso, não é um puro conhecimento abstrativo, teórico, doutrinário.

Que relação existe, então, entre as formas de ser desses Anjos?

Deve-se notar que o conhecimento do homem a respeito de determinado ponto se completa inteiramente quando ele é capaz de dizer, de formular em palavras, escrever ou exprimir de alguma forma aquilo que ele tem na mente. Enquanto não houver a representação, o conhecimento não está acabado. E com o conhecimento não concluído, o ato de amor também não está completo.

Ademais, é só depois de o indivíduo ter completado o conhecimento essencial de algo que ele delibera agir enfrentando as maiores dificuldades, e consagrando a sua vida àquilo. Quer dizer, a consagração do trabalho e da vida é uma espécie de deliberação que provém de um conhecimento já atuante, executivo, que é o termo final do conhecimento.

E, por fim, ninguém conhece inteiramente algo se não compreende por contraste. O contraste ajuda enormemente a conhecer. Sobretudo quando o contraste existe; não notá-lo revela uma grande falta de conhecimento.

Há, portanto, um conhecimento puramente especulativo e amoroso que convida à ação, e um conhecimento que convoca à luta. Esse conhecimento especulativo e amoroso não convida à mera especulação propriamente, mas convida também a falar o que a pessoa sente. É uma contemplação da qual é próprio emanar o verbo, a conscientização que na explicitação adquire sua luz. Portanto, a palavra, a exclamação é própria do conhecimento inteiramente feito, do amor completamente adquirido que dá no cântico de louvor inteiramente desinteressado.

Por exemplo, o canto que um Santo entoaria sozinho no deserto, apenas para louvar o Criador. Existe nele a capacidade de cantar criada por Deus, pela qual ele sabe que, cantando, o Altíssimo gosta de seu canto, e que ele, portanto, deve cantar para Deus. O Criador quer isso, é de acordo com a natureza de Deus.

Então poderíamos dizer que esses três Anjos formam na ordem especulativa três maneiras de ação, sendo que esta é muito pequena naquele que é maior na ordem especulativa. E a especulação é menor naqueles que estão na ordem ativa. Há uma espécie de reverso como Maria e Marta.

São Miguel: luta, oblação e holocausto

De onde se poderia afirmar que estou preparando o terreno para a figura de um triângulo equilátero, no qual eu diria que o ângulo de cima é São Gabriel, depois embaixo, em igual posição, São Rafael e São Miguel.

Mas não é verdade porque, conforme o ângulo em que se olhe a coisa, é um triângulo equilátero no qual se pode colocar qualquer um dos três Arcanjos na ponta sem derrubar o triângulo, o que é sobretudo claro com São Miguel. Por quê?

Porque o empenho da luta é algo meio destrutivo daquele que combate; mesmo quando o indivíduo não morre na luta, ou quando esta não é de morte, quer dizer, cujo desenvolvimento normal não é a morte, o combater é fazer um esforço completamente superior ao desgaste normal do organismo; de si é desgastante, tem qualquer coisa que é uma oblação.

Por exemplo, um homem que seja obrigado a trazer para um jardim zoológico uma onça na qual puseram focinheira. Ele não vai ser comido pela onça porque ela está com focinheira, mas tem que fazer uma tal força para levar aquele bicho, que esse homem é considerado um lutador. Esse lutador tem uma glória especial por causa de um quê de imolação existente naquilo.

É ele que se aproxima para ser golpeado e golpear. Digamos que a arma dele seja uma seringa com a qual dará anestésico na onça; portanto o homem não vai morrer; mas o que ele deverá sofrer tem um quê de evidente imolação.

Ora, Nosso Senhor disse que a imolação é a maior prova de amor, e que ninguém pode amar mais a outrem do que lhe dando a sua vida. Aliás, é de toda evidência, e o Redentor afirmou de Si mesmo para explicar como devíamos estar certos do amor que Ele tem por nós.

De outro lado, é verdade também que se trata da oblação na qual há maior desinteresse. Abraão com Isaac, por exemplo, mostrou um desinteresse fabuloso, foi puro amor. E pode-se lutar por puro amor, indo, por exemplo, à Cruzada, como Isaac caminhou para ser morto pelo pai; é uma coisa que é perfeitamente possível.

A oblação, nesse sentido, é a extinção da vida de uma pessoa em holocausto a outrem, a Deus, portanto.

Por aí nós vemos que, por mais bela que seja a palavra de São Gabriel, quando consideramos a magnificência da ação de São Miguel, percebemos ser um outro título, e nos resta perguntar qual dos dois títulos, absolutamente, é maior.

São Rafael: ação pensante

Acontece que cai dentro disso a ação. Esta parece muito menor do que a contemplação, e do que a luta, a oblação. Pode-se dizer que a ação é uma luta ela mesma; e nesse sentido um homem, quando vai trabalhar, afirma: “Vou para a luta”.

Ele é, por exemplo, datilógrafo da Prefeitura, e quando ele sai de casa a mulher lhe pergunta: “Para onde você vai?”, e ele responde: “Vou para a luta”.

Tudo isso se explica em vista de uma concepção muito material da ação. Com o próprio São Rafael, fica-nos na mente, ao menos a mim, o desenhozinho — aliás, encantador e bobinho — que ilustrava minha História Sagrada: São Rafael andando a pé com um bastão do qual pendia uma espécie de moringuinha, e conversando com Tobias animadamente. Então, São Rafael, o Anjo que anda, que transpõe distâncias, etc.

Não é verdade. São Rafael foi um Anjo de uma sabedoria ativa superior, que ajudou Tobias a ver o que de fato ele deveria querer na viagem, deu-lhe a força e o ânimo — esse é o sentido da companhia — bem como os meios para executá-la. O andar a pé, o aspecto material da viagem, fazer com que aquele boneco que São Rafael fabricou — e Tobias tomava como um homem — falasse, isso para o Anjo não era nada. E nem havia cansaço em fazer um boneco andar. Ora, sabe-se que ele estava animando um boneco.

Então se compreende que para se falar em São Rafael como Arcanjo da ação, deve-se escolher os mais altos graus e padrões da ação. Quer dizer, muito mais do que a ação operacional completamente ativa, a ação pensante. Para recorrer a um exemplo correntemente usado entre nós, aquela frase do Marechal Foch(1): “Ma droite est pressée, ma gauche est menacée, ma arrière est coupée… Que fais-je? J’attaque”(2). Isso é magnífico! Ou seja, “eu estou num apuro total, vou atacar”. É uma ação, se se pode dizer “rafaélica” nesse sentido da palavra, que mostra o pensamento sobre a ação, uma alta categoria.

A arte de governar, de dirigir profeticamente, a missão propriamente profética no conjunto da ação da vida, estaria com São Rafael, enquanto que com São Miguel, o profetismo da luta e do holocausto, e não da vida comum. O reinar seria com São Rafael.

E aí se compreende a beleza da distinção entre as várias coisas.

São Luís Grignion e os três Arcanjos

E São Gabriel seria mais o profeta que inspira o rei, digamos ele traça a metafísica. Quem dá a “meta-política” é São Rafael, com toda a execução da política. Quem proporciona a “meta-luta” é São Miguel.

Notem como se compreende bem o tema até o fundo, tomando em consideração o seguinte: a tarefa especial de repelir os demônios e da luta contra eles é de São Miguel.

Mais ainda: enquanto contrarrevolucionários, qual o papel dos três Arcanjos?

Eu diria que São Gabriel insufla o espírito verdadeiramente contrarrevolucionário, com todo o ideal carolíngio e, para lá de carolíngio, o Reino de Maria, com todo o desejo e a concepção das coisas altíssimas, de tal maneira que nos dá uma ideia dos lineamentos fundamentais de como uma ordem humana deveria ser.

A “metapolítica”, quer dizer, a partir dessa ordem suprema, quais são os modos executivos de organizá-la? E quais são as maneiras de levá-la a efetivar-se? Quem os indica é São Rafael. E lutar contra os adversários que se opõem é a missão de São Miguel.

Transpondo para o campo humano, vemos que em São Luís Maria Grignion de Montfort deveria haver necessariamente horas “gabriélicas”, horas “rafaélicas” e horas “micaélicas”, conforme a preponderância. Lendo o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem sente-se isso, porque há trechos em que se tem a impressão de que é São Gabriel que anuncia alguma coisa. E ele, enquanto um apóstolo que monta a argumentação para convencer um terceiro, e que acende um fogo de alma para chamá-lo, é São Rafael.

E São Luís Grignion tem movimentos de indignação, em que há de ponta a ponta do livro dele uma intransigência sublime, adamantina: essa é a hora de São Miguel. Quer dizer, existem tônicas. O que não elide o problema mais profundo que é o de saber qual dessas coisas absolutamente falando, em Deus, é a tônica.

Que aspecto angélico brilhou mais na vida de Nosso Senhor?

De outro lado, há o seguinte: poderíamos perguntar se na vida santíssima e augustíssima de Nosso Senhor, qual desses aspectos brilhou mais, e quais seriam os aspectos em que Ele se conduziu como o Deus de Gabriel, o Deus de Rafael e o Deus de Miguel.

Seria uma pergunta que daria motivo para um estudo do Evangelho muito belo. Aliás, é propriamente assim que eu gostaria que o Evangelho fosse consultado, porque o bonito é fazer perguntas dessa natureza.

Então eu diria que, por exemplo, Nosso Senhor no Tabor, a mim me parece eminentemente São Gabriel.

Na Paixão d’Ele, evidentemente São Miguel; é o holocausto e a luta, quando Ele venceu o mundo. Agonia, em grego quer dizer “a luta do atleta”; os atletas eram chamados “agonistas”.

E São Rafael é enquanto Mestre fazendo apostolado, na vida pública d’Ele.

A vida íntima d’Ele com Nossa Senhora, não era Gabriel?

Enfim, 30 anos, 3 anos, 3 dias. Aliás, o papel do número 3 aí é bastante bonito.

É muito ilustrativo para o espírito passear dentro desses problemas e remexê-los. Eles emitem luz ainda quando não os resolvamos. E se depois de pensarmos assim consultarmos um livro sobre Angelologia, em dez minutos está resolvido.

A meu ver, estaria dentro dos nossos métodos mentais, e eu acho que Nossa Senhora abençoa este modo de agir — não quero dizer que seja o único —, primeiro com as luzes que Ela nos deu, tratarmos de fazer as hipóteses, e depois ir estudar para ver o que a Igreja diz, num espírito de submissão, de querer aprender. Aí se entende bem o ensinamento da Igreja. Parece-me um modo de operar muito digno, muito correto.

É o que eu quis fazer um pouco nesta conferência, e também porque reputo este tema um tanto exorcístico. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/12/1976)

 

1) Militar francês que comandou as forças dos Aliados em 1914, de forma decisiva, levando-os à vitória (*1851 – †1929).

2) Minha direita é pressionada, minha esquerda é ameaçada, minha retaguarda é golpeada. O que faço?
Ataco!

Oração a São Miguel, pedindo a graça de ser um perfeito cavaleiro

Ó São Miguel Arcanjo, que desembainhastes vosso gládio no Céu para vingar contra os anjos rebeldes a glória do Salvador e de sua Mãe Santíssima, dai-me a graça de ser, neste auge do poder das trevas, um perfeito cavaleiro da Cavalaria Angélica suscitada em nossos dias para combater o demônio e seus agentes terrenos e implantar o Reino de Maria.

Para isto, obtende-me a graça de ter um espírito profundo, sério, abnegado, inebriado de fervor para com a Contra-Revolução, bem como transbordante de ódio e desprezo para com a Revolução satânica, igualitária e gnóstica.

Rei e centro de todas as coisas

Quem se dedica ao apostolado, ou qualquer outra atividade em prol da Igreja e da civilização cristã, deve compenetrar-se de que Nosso Senhor é o centro de todas as coisas e jamais poderá ser derrotado. Se tivermos sempre em vista essa verdade, compreenderemos como são pequenos os fatos que às vezes nos angustiam e nos fecham o horizonte.

 

Segundo fotografias que vi de desenhos e pinturas nas catacumbas, não há nada que indique terem os católicos daquela época uma ideia clara de como foi a face de Nosso Senhor Jesus Cristo. Seria natural que, considerada a grande importância d’Ele, houvesse alguém de seu tempo — ou cem, duzentos anos depois de sua Morte — que tivesse feito uma representação de Nosso Senhor, pintada ou de qualquer outra forma.

Arquetipização da figura de Nosso Senhor

Entretanto, apesar da carência desses documentos, de repente — não sei bem em que século da História da Igreja —, começam a aparecer imagens com a fisionomia que está no Santo Sudário.

Como foi preenchido esse hiato?

Alguém dirá: “Pela tradição.”

Sem dúvida, mas como é que a tradição se exprimiu? Como se transmite pela tradição a figura de um rosto que não se pintou, não se esculpiu, e nem sequer documentadamente se descreveu?

O Evangelho é uma espécie de autorretrato de Nosso Senhor, não feito por Ele, mas com fatos de sua vida que dão a ideia de como Ele era, entretanto não são suficientes para compor o rosto de Jesus. Depois de composta a face, lendo o Evangelho dizemos: “Não há dúvida, esse é o rosto d’Ele mesmo!” O Evangelho autentica a face, mas não dá os elementos para sua composição.

Vê-se que a graça continuou a fazer nas almas uma arquetipização(1) válida da figura do Redentor, à vista da iconografia muito insuficiente que havia, e essa arquetipização floresceu, de repente, no rosto d’Ele o qual conhecemos e que o Santo Sudário vem documentar.

Isso me parece uma prova criteriológica muito bonita do valor dessas sublimações movidas pela graça.

O Rei da glória é o vencedor

Tomando Nosso Senhor como Ele foi, com toda aquela elevação, bondade, calma, distância, intimidade e tudo o mais, deduz-se que, ou o gênero humano é uma pagodeira sinistra, uma espécie de sarabanda do Inferno prenunciativa da que lá existe, ou tem que haver no centro e no ápice uma figura em torno da qual todos os homens se ordenem.

Quer dizer, há uma espécie de senso profundo do ser que, diante da Revelação, exulta e nos leva a exclamar: “Sem dúvida, esse centro tinha que existir, não pode desaparecer; é Nosso Senhor. Ele tem que vencer, é o Rei da glória e as suas derrotas são aparentes, pois, no fundo delas, Ele é o vencedor, e sempre reaparecerá!”

O senso de que a História deve ter um futuro diferente, o porvir da ordem contrária à Revolução, vem deste senso de que Ele é o centro e não pode ser deslocado deste centro. E, como não pode ser deslocado, a vez d’Ele chegará. Por isso, quando virmos uma pessoa inteiramente fiel a Ele — ainda que seja o último ser humano que se conheça — podemos afirmar com segurança: “Vai vencer!”

A mulher que não tinha nariz

Conheci uma mulher sem nariz, uma beata da Igreja de Santa Ifigênia(2), que todos os dias, em qualquer tempo que fosse, ia lá com o guarda-chuva na mão; não sei por que ela não segurava no cabo, mas em cima, onde se reúnem as varetas. Feia, baixa, e com um lenço sempre limpo e de qualidade ordinária, cobrindo a cavidade do nariz, amarrado de tal modo que não atrapalhava a respiração ­dela. Ela andava, falava, vestia-se normalmente e tinha algum trabalho. Vivia no meio das beatas, porque era assídua em Comunhões na Igreja de Santa Ifigênia.

Humanamente falando, era uma derrotada, mas ela ia para a frente com uma firmeza, um ar de segurança da vitória que destoava de toda a melúria piedosa que a cercava e da qual ela não tinha bem noção. Ela possuía um triunfo, e andava naquelas ruas já neopagãs da São Paulinho, com ar de vencedora, pois participava dessa noção de vitória de que falei há pouco. E, por exemplo, a mim, essa mulher muitas vezes fez bem porque, olhando para ela, eu pensava: “Quem suscita almas assim, está vivo, não pode morrer e isto vai para a frente!”

Aquela pobre senhora era bem mais velha do que eu, e certamente terá morrido. Eu gostaria que no Céu, onde ela se encontra, essas palavras de saudades, de homenagem chegassem.

Ela me olhava muito, não sei por quê; eu também dirigia meus olhos a ela, mas os formalismos justos daquele tempo levavam a que, sendo ela uma pessoa de uma classe muito inferior à minha e de outro sexo, não nos abordássemos. É muito legítimo. Eu teria muita alegria de saber que fiz algum bem à alma dela.

Fonte perene que nunca deixa de jorrar a água viva

Uma vez que tivemos a graça e a alegria de poder expor esse pensamento sobre o Sagrado Coração de Jesus, creio que se não fizermos remontar todas as nossas doutrinas a isso, não compreendemos em toda a sua profundidade, exatidão, força cogente, aquilo que dizemos. Quer dizer, olhando para Ele, seriamente, compreendemos que Nosso Senhor é o centro e tem que vencer.

É, por exemplo, o pensamento que animava a Nossa Senhora na hora do “consummatum est”(3), em que Ela O teve sobre o colo, enquanto punham aromas no Corpo divino, e tudo o mais. E também A confortava durante o tempo em que Ele esteve sepultado.

Porque os Apóstolos, Santa Maria Madalena e os discípulos de Emaús tinham isso de um modo incompleto, não O reconheceram quando Jesus ressurrecto apareceu, a não ser em certo momento. Não possuíam a noção de que Ele não podia ser derrotado. E nisto estava o ponto fraco deles.

Ora, quando se conhece uma obra que resiste à Revolução e conserva, contra toda a ordem de coisas, um certo viço, percebe-se que ali a Fonte perene nunca deixa de jorrar a água viva, e que isso ninguém vence.

Se tivéssemos isto em vista, possuiríamos, por exemplo, um outro ânimo em tocar o apostolado, porque compreenderíamos como são pequenas diante dessa verdade as coisas que às vezes nos angustiam e nos fecham o horizonte.

Às vezes, vem falar comigo alguém com muito mais empenho em resolver o casinho de seu apostolado do que em tratar deste tema. É porque a pessoa perdeu de vista que a água viva é outra, o centro é outro, e todas essas coisinhas devem ser tratadas, pois têm o seu papel na vida, mas de nenhum modo podem lotar a nossa atenção.

O chinês que chega à Terra Santa à procura de um Ser perfeito

A respeito de Nosso Senhor, pode-se imaginar uma pessoa do tempo d’Ele que O conheceu em sua vida terrena e, por assim dizer, tivesse explodido de adoração a Jesus, tocada pela sua presença.

Mas seria possível dar-se um outro fato de pessoas que, levadas pela inocência, pela retidão, pelo senso do ser, fizessem um prognóstico mudo, não explicitado, de que algo como Ele deveria haver. E que se pusessem a procurá-Lo, sem saber que era a Nosso Senhor que estavam procurando. Então, por exemplo, poder-se-ia imaginar o seguinte caso irreal, mas daria um lindo conto.

Um chinês que tivesse saído da China, em linha reta, rumo ao Mediterrâneo, sem ter noção desse mar, e atravessando os mais variados povos, levado pela ideia confusa de que, à força de ver gente, ele encontraria algo que não sabia o que era, mas lhe preencheria a alma.

Chegando à Terra Santa, teria ouvido narrar os acontecimentos passados com Nosso Senhor, enquanto seu Corpo sagrado estivesse sepultado. E o chinês, numa explosão de Fé, houvesse dito: “Esse Homem não pode ficar na sepultura, Ele tem que aparecer!” E tivesse cantado o “Hosanna”, no próprio momento em que Nossa Senhora estava na soledade.

Essa alma teria feito esse outro caminho para encontrar a Nosso Senhor: levada por um misterioso sentimento de que Ele era o Rei e o centro de todas as coisas, sem saber explicitar, procuraria a Ele. E, encontrando-O morto, veria que o caso não poderia se liquidar assim.

Não é verdade que essa alma mereceria ter assistido à Ressurreição?

Movimento metafísico fortíssimo

Em pequeno, tive a felicidade indizível de ser batizado, conhecer Nosso Senhor, de ser tocado pela graça da devoção a Ele, especialmente na atitude de mostrar o seu Coração. Foi como um encontro pessoal que me fez conhecer coisas as quais eu não conheceria se não tivesse encontrado a Ele. Isso é verdade.

Mas também é verdade que Nossa Senhora obteve que fosse posto em minha alma, pela inocência, um movimento metafísico fortíssimo para buscar o centro de todas as coisas, e que quando encontrou a Ele, de algum modo já estava aberto para ver isso n’Ele.

Não sei como agradecer à Santíssima Virgem de ter pedido e obtido isso para mim! Mas vejo bem que se esta devoção a Ele vingou em mim, de um modo tão profundo e tão pouco vulgar para um menino daquela idade, foi porque já havia em minha alma um movimento para um maravilhoso, um absoluto, para uma coisa que a inocência me dava. E houve um encontro.

Seria, portanto, um pouco o homem que encontrou Nosso Senhor, e um pouco o chinês levado por aquele movimento metafísico. E, se não me engano a esse respeito, uma pessoa que queira me conhecer, deve notar esses dois movimentos na minha alma.

E daí ela mesma pode, através do conhecer-me, ser estimulada para uma e outra coisa. Não direta e exclusivamente para ver isso n’Ele, mas perceber a Contra-Revolução. No ver a Contra-Revolução, contemplar a Ele; e no ver a Ele, contemplar a vitória da Contra-Revolução e concluir: “Isso não pode ser derrotado!”

Contaram-me que no maremoto o mar recua, recua, e depois a fúria com que ele volta e a força de invasão é proporcionada ao poder de retração.

Podemos comparar isso à ausência de Deus no panorama moderno. Também Nossa Senhora faz assim com seus seguidores perseguidos, chamados à bem-aventurança de sofrer perseguição por amor à justiça: Ela recua, recua… Tomem cuidado, porque Ela deixa aqueles a seco, como um navio parado que ficou fazendo o papel ridículo de fantasma no meio de uma terra árida; mas quando o mar voltar, deve chegar onde nunca atingiria numa época comum!

Consideremos que Nosso Senhor disse o “Eli, Eli, lamá sabactâni”(4) depois de ter previsto a glorificação d’Ele ao Bom Ladrão: “Hoje estarás comigo no Paraíso.” 5 Portanto, no meio daquela dor, Ele sabia que iria para a glória do Paraíso, e levaria São Dimas.

Ele foi, como Rei do Céu, abrindo as portas, absolvendo, perdoando o Bom Ladrão. Assim, a primeira canonização que houve na Igreja foi do alto da Cruz, feita por Nosso Senhor diretamente. Depois veio a Ressurreição, e todo o resto. 

(Extraído de conferência de 14/12/1985)

 

 

1) Termo cunhado por Dr. Plinio para significar a procura da perfeição em todas as coisas.

2) Localizada no bairro de mesmo nome, na região central de São Paulo.

3) Do latim: “Está consumado” (Jo 19, 30).

4) Mt 27, 46.

5) Lc 23, 43.

Imaculado Coração de Maria: lições de santidade

Refletindo a respeito de uma piedosa invocação da Ladainha do Imaculado Coração de Maria, Dr. Plinio não se prende aos esquemas devotos tradicionais, mas tira conclusões inesperadas a  respeito do materialismo que pode nos escravizar…

Como em geral acontece com as ladainhas compostas ao longo dos tempos pela piedade católica, as jaculatórias da Ladainha do Imaculado Coração de Maria sugerem, cada uma, desdobramentos  e considerações que muito enriquecem nossa vida espiritual e nossa devoção à Santíssima Virgem.

Procuremos analisar, por exemplo, a invocação “Cor Mariae, in quo Jesus sibi bene complacuit”, que em português poderíamos traduzir assim: Coração de Maria, no qual o Coração de Jesus bem se compraz.

Plenitude de satisfação

Devemos começar por observar que este “bem” salienta a ideia do inteiro e perfeito comprazimento de que nos fala a jaculatória. Ou seja, o Coração de Maria possui uma tal excelência que, tanto quanto é possível à natureza criada, nada lhe falta, e por isso nele Nosso Senhor encontra uma satisfação completa, que não conhece névoa, que não tem limites nem máculas. Excetuando o fato de que o contentamento infinito de Jesus é e só pode ser com o próprio Deus, em tudo o mais Ele acha total alegria no coração e na pessoa de sua Mãe Santíssima.

Quer dizer, Nosso Senhor fita a Santíssima Virgem, olha-A, e ao vê-La, ao contemplá-La, ao analisá-La, experimenta o maior dos prazeres, um deleite indizível, que sobrepuja todas as outras delícias que Lhe proporciona a consideração de suas demais criaturas. Não poderia ser diferente, em se tratando d’Aquela que foi escolhida, desde toda a eternidade, para engendrar em suas  entranhas virginais o Filho de Deus; d’Aquela, portanto, em que tudo haveria de ser absolutamente puro e perfeitamente magnífico.

Em todos os momentos de sua vida terrena, Ela não deixou de crescer em santidade, de um modo inimaginável. Cada graça que Deus lhe concedeu para se adiantar na virtude era correspondida com tal excelência que todo o progresso feito  por Ela é insondável para a mente humana.

Assim, em todos os instantes da existência de Nossa Senhora neste mundo, Jesus teve com Ela um contentamento completo.

Mesmo nas ocasiões mais difíceis como, por exemplo, quando Ela se viu chamada a consentir na morte de seu Divino Filho, e através de uma anuência inteira, heroica, da qual não sobrasse nenhum resíduo, mesmo em situações como essa o procedimento de Maria foi perfeito, no sentido mais exato da palavra. Porque Ela era, enquanto mera criatura, absolutamente exímia. E, como  reza a Ladainha, Nosso Senhor encontrou n’Ela a sua complacência.

Uma lição da sabedoria divina

Do fato desse comprazimento podemos tirar uma bela lição que Deus dá aos homens. Com efeito, criou Ele magnificências materiais extraordinárias. Quantos mistérios haverá por todas as  galáxias do universo? E quando nos detemos na análise dos micro organismos, dos seres pequenos, quantas novidades imensas se descobrem ao nosso maravilhamento! Todo esse fabuloso  conjunto, incluindo os homens e os Anjos, constitui para Deus o objeto de uma eterna contemplação.

Ora, tendo Ele tanto a apreciar, todavia coloca acima de tudo, como fonte do supremo gáudio que pode tirar de suas criaturas, a consideração de Nossa Senhora. Ela que, enquanto ser criado, não  é o mais alto — pois na ordem da natureza o homem vem abaixo do espírito angélico —, porém, do ponto de vista graça, virtude e santidade, não só está acima de todos os Anjos, como é deles Rainha. 

É essa incomparável santidade, portanto, que Deus se compraz em considerar, e em auferir dela uma especial e completa felicidade. Qual a lição que daí devemos colher?

É um ensinamento que combate o nosso fundamental materialismo. Infelizmente, a grande maioria dos homens está imbuída da ideia de que o verdadeiro prazer nesta vida consiste na posse de  bens materiais, de qualquer natureza que seja: dinheiro, saúde e uma série de outras coisas que estão fora das vias da verdadeira felicidade do homem nesta terra. Com efeito, sem engano  podemos dizer que, nesta vida, encontra a felicidade autêntica quem é capaz de seguir o exemplo de Deus e fazer a sua alegria da consideração das outras almas e da virtude que nelas exista.

O   homem que passa pelo mundo procurando a virtude e a santidade para admirá-las, amá-las e servi-las, onde ele as encontra, aí se detém e põe seu prazer e seu júbilo. De maneira tal que ele tenha mais satisfação em estar numa choupana ou num leprosário conversando com um verdadeiro santo, do que no local mais magnífico em meio a pecadores.

Por quê? Porque o santo representa um particular reflexo, uma transparente manifestação de Deus. A alma de um santo possui uma perfeição que nenhuma beleza criada tem, e, por causa disso,  aquele que sabe procurar os verdadeiros valores da vida, vai atrás da santidade, da perfeição moral dos seus semelhantes.

E quando a encontra, ele dá graças a Deus, eleva sua alma a Nossa Senhora e agradece também a Ela, porque é pelo seu maternal auxílio e intercessão que aquela santidade existe numa alma, e foi por meio d’Ela que ele, homem humilde e admirativo, teve a alegria e a honra de encontrar essa alma virtuosa. Ele teve a glória de experimentar um antegozo do céu, que é o conhecer, nesta vida, um verdadeiro santo.

Sigamos o exemplo de Nosso Senhor

Tratemos, então, de imitar a Deus, que se compraz na alma perfeitíssima de Maria. Devemos procurar, em nossa existência terrena, as almas honestas, conhecê-las, amá- las e saber discernir nelas o esplendor do bem. Devemos nos alegrar com essa bondade, até mesmo comparando-a e contrastando-a com o que há de mal em torno dela. Devemos ter genuíno comprazimento ao ver que  Nosso Senhor recompensa a virtude dessas almas que Lhe são tão diletas, assim como importa que compreendamos e aceitemos a reprovação que Ele, em sua infinita justiça, reserva à maldade  impenitente. É o Deus três vezes santo, absolutamente puro e superior, que condena o que é errado, porque não é conforme a Ele.

Quantos ensinamentos a se tirar de apenas uma das mencionadas invocações! Essa é a beleza inexcedível de tudo o que é de Deus, é a insondável formosura de Nossa Senhora, é o maravilhoso  tesouro dos princípios da doutrina católica!

Embora muito houvesse ainda por se aprender com as preciosas verdades contidas nessa jaculatória, creio não poder deixar de ressaltar o seguinte e importante aspecto: o enlevo de Jesus em  relação à sua Mãe Santíssima, infinitamente inferior a Ele e por Ele amada com amor inexprimível, mostra-nos bem como devemos procurar ver a santidade até naqueles que são inferiores a nós.

Amar essa perfeição, enlevar-se com ela, é, mais uma vez, imitar o exemplo de Deus olhando para Nossa Senhora. E no fim dessas breves considerações, só nos resta elevarmos uma prece filial e  confiante ao objeto da inteira complacência de Jesus: “Ó Coração Imaculado de Maria, fazei o meu coração sem mancha, cheio de fé, de força, de heroísmo e santidade, como o vosso!”

Plinio Corrêa de Oliveira

São Miguel Arcanjo

Ao lançar pelas vastidões celestiais o seu brado magnífico de “Quem como Deus?”, São Miguel Arcanjo afirmou a primazia da admiração, da qual nasce o amor, sobre a inveja, da qual nasce o ódio. 

Porque muito admirava o seu Criador, muito O amou. E assim, na hora da grande prova da raça angélica, mereceu capitanear as legiões dos Anjos fiéis contra Lúcifer e seus revoltosos seguidores.

Ele é o Príncipe da Milícia Celeste, o Paladino daquele que é infinitamente superior a tudo e a todos, Deus Nosso Senhor.

Plinio Corrêa de Oliveira

São Miguel, São Gabriel e São Rafael Arcanjos

A Igreja Católica, no seu conjunto, é a sociedade de Deus com os anjos e os homens fiéis. Durante toda a eternidade ela subsistia em Deus, ou melhor, era o próprio Deus: sociedade inefável de três pessoas numa mesma essência. Agora, ela transpõe os séculos, passa sobre a terra para associar-nos à sagrada unidade universal e perpétua, e retornar conosco à eternidade de que proveio.

Os primeiros chamados a essa união divina foram os anjos. Tendo sido criados bons, porém livres, Deus os põe à prova, tal como fez conosco. Desde então houve cisma e heresia. Em lugar de tomarem como única regra a si próprios. Foram excluídos da comunhão de Deus, mas não da sua providência.

Divididos em nove coros subordinados um ao outro, os anjos que se conservaram fiéis foram um exército invencível. Seu número é incalculável.

Quando o altíssimo está sentado no seu trono, mil anjos o servem, e dez mil vezes cem mil compõe a sua corte. Ele denomina a si próprio o Deus dos deuses. Há anjos encarregados de governar os astros, os elementos, os reinos, as províncias; outros, o comportamento dos indivíduos.

Como filhos da Igreja, constituímos com eles uma única sociedade. Pois, diz São Paulo, aos cristãos da raça de Jacó: “não vos aproximastes como aqueles que receberam a antiga lei de uma montanha sensível e terrestre, de um fogo ardente e de uma nuvem escura e tenebrosa, de tempestades e raios, do som de uma trombeta, e do clamor de uma voz formidável. Mas vos aproximastes da montanha de Sião, da cidade de Deus vivo, da Jerusalém celeste, de inumeráveis miríades de anjos, da assembléia e da Igreja dos primogênitos que estão inscritos no céu, de Deus que é o juiz de todos, dos espíritos dos justos que estão na glória, de Jesus que é o mediador da nova aliança, e daquele sangue por nós derramado e que fala mais proveitosamente do que o de Abel.

Desde o início existiu o ministério dos santos anjos. Depois de ter lançado a sua sentença sobre nossos dois primeiros antepassados, Deus colocou os querubins às portas do paraíso terrestre com uma espada flamejante, incumbidos de guardar-lhe a entrada. Eram provavelmente os quatro querubins citados várias vezes nas profecias de Ezequiel, e no Apocalipse de São João, e que apareciam como as quatro principais potências pelas quais Deus governa o universo material, o gênero humano, e a Igreja cristã. Seu conjunto forma uma espécie de carro sobre o qual o Altíssimo avança através dos mundos e dos séculos; um trono onde está sentado, e do qual ele lança suas sentenças sobre os reis e as nações. Do centro do trono partem os trovões e os raios que executam as sentenças. Será essa, talvez, a significação da espada de fogo brandida à entrada do paraíso. Deus que a princípio tratara o homem com a familiaridade  de um pai, quer fazer-lhe suceder, segundo parece, o formidável aparato de um senhor e soberano juiz.

Com Abraão, inicia-se uma era de misericórida. Três anjos ou personagens, nos quais os Padres da Igreja reconheceram as três pessoas divinas, lhe aparecem sob o carvalho de Mambré, e lhe anunciam um filho em que serão abençoados todas as nações da terra. Dois anjos salvam Lot e sua família, antes de começarem a destruição de Sodoma e Gomorra. Vê-se a providência ministerial do anjo em relação a Agar e Ismael, pai dos árabes: o anjo de Deus no episódio do sacrifício de Isaías na montanha de Moriah, mais tarde do Calvário: os anjos de Deus subindo e descendo a escada de Jacó, em Bethel: a luta de Jacó contra um anjo que o abençoa e lhe dá o nome de Israel: os anjos perante Deus, e satã entre eles, na história de Jó: o anjo do Eterno na sarça ardente, confiando uma missão a Moisés: o anjo de Deus que guiou o povo de Israel: o anjo aparecendo a Balaam: o anjo de Deus dando ordens a Josué, a fim de introduzir o povo na terra prometida: o anjo aparecendo a Gedeão e designando-o para salvar o seu povo: o anjo anunciando o nascimento de Sansão, que libertaria o povo do jugo dos filisteus. Depois de ter pregado a penitência no reino de Israel, o profeta Elias diante do trono de Deus e recebe uma missão. Os querubins são avistados pelo profeta Ezequiel.

Só há três anjos cujos nomes próprios as Escrituras Sagradas nos dão a conhecer.

Miguel é o grande capitão do exército celeste. Seu nome Mi-cha-el significa, quem é igual a Deus?

Quando Lúcifer, cego pelo orgulho, quis igualar-se ao Altíssimo, Miguel exclamou com voz trovejante: “Quem é igual a Deus?” E acompanhado pelos anjos fiéis, precipitou do alto dos céus a tropa rebelde dos apóstatas. Assim se tornou o generalíssimo do incontável exército dos santos anjos. Vê-se, nos profetas, que era o protetor do povo de Israel; agora o é da Igreja. Rejubilemo-nos por estarmos sob o comando de tão destemido chefe; mas também imitemos a sua fidelidade.

A grande batalha iniciada no céu prossegue sobre a terra, Batalha cujo objeto somos nós. Satanás e seus demônios h=gostariam de arrastar-nos com ele para o inferno; Miguel e seus anjos gostariam de levar-nos com eles para o céu. Com quem permaneceremos eternamente? Com quem estamos agora? Necessariamente devemos estar com um ou com outro: não é possível nos conservarmos neutros. Ao lado de quem combateremos? De quem seguiremos as inspirações? Do anjo de Deus ou do anjo de Satã? Se morrermos no estado em que nos encontramos, seria um anjo ou um demônio, que nos apresentaria ao tribunal de Deus? Com efeito, será que, ao morrermos, nos reconhecerá São Miguel como fiéis companheiros de armas?

Se me deixar derrotar pelo demônio nessa batalha, a culpa será unicamente minha. Deu-me Deus um defensor para o corpo e para a alma, meu anjo bom. Ser-me-á bastante escutá-lo: combaterá comigo e por mim. No fundo, só há um inimigo a temer: eu mesmo.

Gabriel, cujo nome significa Força de Deus, anuncia ao profeta Daniel a época da grande obra de Deus, a época do Filho de Deus feito homem, Cristo condenado à morte, a remissão dos pecados, o Evangelho pregado a todas as nações, a ruína de Jerusalém e de seu templo, a condenação final do povo judeu. É o mesmo anjo Gabriel que prediz ao sacerdote Zacarias,  no templo, no santuário, junto ao altar dos perfumes, o nascimento de um homem que será chamado João, ou cheio de graça, e que não mais anunciará a vinda do Salvador, mas que o apontará: “Eis o Cordeiro de Deus! Eis quem tira os pecados do mundo!” É o mesmo arcanjo, sempre enviado para anunciar grandes coisas, que irá à humilde casa de Nazaré anunciar à Virgem Maria a maior de todas as coisas; comunicar que, sem deixar de ser virgem, ela daria à luz ao Filho do Altíssimo, que seria chamado Jesus ou Salvador, porque seria o Salvador do mundo. É esse glorioso arcanjo que nos ensina a dizer tal como ele: “Ave-Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres!”

Rafael, cujo nome significa Médico ou cura de Deus, dá-se a conhecer a Tobias: “Quando oráveis, vós e Saram vossa nora,  ou apresentava o memorial de vossas orações diante do santo; e quando sepultáveis os mortos, estava presente junto de vós. Quando não vos recusáveis a levantar-vos da mesa e deixar vosso jantar para amortalhardes um morto, o bem que praticáveis não permanecia oculto; pois eu estava convosco. E por que éreis agradáveis a Deus, foi necessário que fosseis provados. Agora, porém, Deus enviou-me para curar-vos, a vós e a Sara, esposa de vosso Filho. Sou Rafael, um dos sete anjos que apresentam as orações dos santos, e que podem defrontar a majestade do Santíssimo!

Feliz Tobias! Diremos nós. Teve um anjo como companheiro de viagem! Mas cada um de nós não tem um  anjo de Deus que o acompanha por toda a parte? … Pensamos nisso com a necessária freqüência?

(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XVII, p. 126 à 132)

São Cosme e São Damião

A origem do culto de São Cosme e São Damião localiza-se em Ciro, cidade da Síria do Norte. Teodoreto, que foi bispo daquela cidade, no século V, fala de São Cosme e da basílica dos dois santos irmãos.

São Gregório de Tours assim se refere aos dois (In gloria mart., XCVIII): “Dois gêmeos, Cosme e Damião, médicos, tornaram-se cristãos, e pelo mérito das virtudes e intervenção das orações, expulsavam as enfermidades dos doentes. Depois de diversos suplícios, reuniram-se no céu e fazem milagres pelos compatriotas. Se um doente for à tumba dos dois santos e alo orar com fé, imediatamente obterá remédio para os males que o afligem. Diz-se que eles apareciam em sonho aos enfermos e que lhes indicavam o que fazer. Uma vez despertos e executadas as ordens, curavam-se prontamente”.

Procópio assevera-nos que Justiniano, no século VI, construira em Ciro um grande templo, que dedicou aos dois santos. Teodósio, o peregrino, em 530, observa que, in Quiro São Cosme e São Damião foram supliciados.

O resumo do martirológio diz:

Em Egéia, a morte dos santos mártires Cosme e Damião, irmãos: durante a perseguição de Diocleciano, depois de terem sido carregados de ferros e encarcerados numa estreita prisão, foram atirados ao mar, depois do fogo, em seguida pregados na cruz, lapidados e trespassados de flechas, Tendo a tudo suplantando, foram, afinal, decapitados. Contam que com os dois também sofreram e morreram seus três irmãos, Ântimo, Leôncio e Euprébio.

No Oriente, ambos os irmãos são comemorados a 1 de Novembro, 1 de Julho e a 17 de Outubro. Uma Paixão grega situa-lhes a morte a 25 de Novembro. Os nomes de Cosme e Damião aparecem no cânon da missa romana.

Adon e os martirólogos subseqüentes juntam Ântimo, Leôncio e Euprébio aos dois santos mártires.

(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XVII, p. 101-102)

O Doce nome de Maria sempre em seus lábios

A Igreja venera na sua liturgia do dia 12 de setembro o Doce Nome de Maria. Dr. Plinio costumava lembrar com saudade e emoção as estrofes do hino que entoava com os Congregados Marianos, ao final dos Salmos do Nome de Maria:

“Si quaeris caelum, anima Mariae nomen invoca Mariam invocantibus Caelestis patet ianua”.

Se procuras o Céu, ó alma, invoca o nome de Maria; para os que invocam Maria, abre-se a porta do Céu.

Na verdade, o doce nome da Rainha jamais abandonou seus lábios. “Jesus” e “Maria” foram as duas primeiras palavras que aprendeu de Da. Lucília, antes mesmo de saber falar “Papai” e “Mamãe”. Maria…. Ele pronunciava esse nome incontáveis vezes por dia: nos mistérios do Rosário, nos já mencionados salmos que começam com as letras desse celestial Nome, no Lembrai-vos, nas jaculatórias… Quantas e quantas vezes o utilizava para ensinar a seus filhos espirituais a via de ouro que conduz ao Coração de Jesus, que é a devoção a Maria!

Na conclusão de sua momentosa Encíclica sobre o Rosário, João Paulo II cita o belo trecho do Bem aventurado Bartolo Longo: “E a última palavra dos nossos lábios há-de ser o vosso nome suave, ó  Rainha do Rosário de Pompéia, ó nossa Mãe querida, ó Refúgio dos pecadores, ó Soberana consoladora dos tristes. Sede bendita em todo o lado, hoje e sempre, na terra e no céu” (“Rosarium  Virginis Mariae”, n. 43).

Quatro dias antes de enaltecer o Nome de Maria, a Igreja celebra a Natividade da Santíssima Virgem. Que misericórdia para o mundo, seu nascimento! A esse respeito comentava Dr. Plinio: Nossa Senhora trazia consigo todas as riquezas naturais que dentro de uma mulher possam caber. Nosso Senhor deu a Ela, segundo a ordem da natureza, uma personalidade riquíssima, preciosíssima, valiosíssima. E a esse título, a presença d’Ela entre os homens representava um tesouro verdadeiramente incalculável!

A denúncia profética, publicada neste número, reproduz uma conferência de Dr. Plinio por ocasião de uma celebração da festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro). A Cruz, que marcou  profundamente a vida de Nosso Senhor é o símbolo que distingue o cristão, é sua condecoração, seu prêmio e sua glória, e não algo do qual ele se envergonha ou do qual deva fugir…

No dia seguinte à festa da Exaltação da Santa Cruz, o calendário celebra Nossa Senhora das Dores. Os comentários de Dr. Plinio sobre essa data concluem o itinerário litúrgico de setembro que nos  propusemos nesta edição. A liturgia é o alimento dos fiéis, e nosso intuito é de fomentar, como de costume com textos plinianos, a atitude tão louvada pelos Papas, de viver as datas da Igreja como parte integrante de nossa vida.

Continuamos neste número a série de narrações auto-biográficas de Dr. Plinio relativas a sua infância e primeira juventude. No número de agosto, nos despedíramos dele numa praia de Santos, olhando o mar e pensando…

Sentado no extremo da amurada de pedras que penetrava mar adentro, em meio ao murmúrio incessante das ondas que a investiam e eram rechaçadas, o menino Plinio contemplava e meditava sobre as belezas da Criação e de seu autor, contrapondo-as aos erros e horrores de sua época. Encantava-se com a Igreja… e esse amor à esposa de Cristo lhe infundia luzes e critério para julgar todas as coisas com sabedoria. Ela era a sua bússola no mar tempestuoso do século XX.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 66 (Setembro de 2003)

Natividade de Nossa Senhora

Se o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo já representava a aurora da salvação do gênero humano, o mesmo se pode afirmar, de certo modo, da natividade de Nossa Senhora. Com efeito, tudo quanto Jesus trouxe ao mundo, começou a nos chegar com o nascimento d’Aquela que seria sua Mãe Santíssima.

Compreende-se, pois, todas as esperanças de salvação, de indulgência, de reconciliação, de redenção e de misericórdia que se abriram, afinal, para os homens, naquele bendito dia em que Maria surgiu nesta terra de exílio. Feliz e magnífico dia, marco inicial de uma existência insondavelmente perfeita, pura, fiel, e que seria a maior glória da humanidade em todos os tempos, abaixo daquela que devemos à Encarnação do Verbo.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 66 (setembro de 2003)