Firmeza, doçura e senso do dever

Ao contemplarmos o olhar de Santo Antônio Maria Claret, não é difícil perceber, ao lado de muita firmeza, uma bondade e uma doçura incontestáveis. É um homem movido por um alto senso do dever, fundado nas mais altas concepções religiosas e metafísicas. Esse varão está profundamente persuadido de que a posição por ele tomada é a certa, a Religião que ele professa e ensina é a verdadeira, de que ele é um ministro de Deus, e prega a doutrina imutável e eterna da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/10/1987)

Santo Antônio Maria Claret, sacerdote fervoroso e pregador ardente

Florão da estirpe dos homens providenciais que Deus suscita em todas as épocas para servirem de modelo e guia aos seus semelhantes, Santo Antônio Maria Claret — cuja festa se celebra no dia 24 deste mês — reluz no céu da Igreja por seu extraordinário vigor de alma e sua destemida devoção ao Papado. Assim no-lo apresenta Dr. Plinio, ao nos evocar os principais aspectos da vida desse Santo.

Em 24 de outubro é comemorada a festa de Santo Antônio Maria Claret (1807-1870), Bispo e Confessor. Além de se destacar como insigne defensor da autoridade pontifícia, foi um grande devoto de Nossa Senhora, havendo fundado a Congregação dos Filhos do seu Imaculado Coração, conhecidos como claretianos.

Tive oportunidade de admirar o perfil de Santo Antônio ao ler uma pequena biografia dele — com a qual me maravilhei! —, a fim de reunir elementos para pronunciar uma conferência em Rio Claro, cidade do interior paulista. Não pretendo repetir aqui essa palestra, embora os extraordinários e numerosos aspectos da existência deste Santo pedissem comentários mais extensos. Limitar-me-ei, portanto, a considerar os lados mais marcantes de sua vida.

Fachada da Basílica do Vaticano

Período de tibieza na juventude

A Igreja desaconselha que se faça comparação entre os heróis da Fé elevados à honra dos altares. Não direi, pois, que Santo Antônio Claret foi o maior de seu tempo. Porém, penso que, se em cada quadra histórica alguns Santos sobrepujam os outros em importância aos olhos de Deus, nos planos da Providência um desses terá sido sem dúvida Santo Antônio Maria Claret.

Mais do que Fundador de uma congregação religiosa, ele nos aparece como um varão exponencial, dominando completamente sua época, pelo simples fato de ter existido.

Imagine-se um homem de baixa estatura, espanhol de temperamento ardoroso, catalão apimentado, filho de uma família bastante piedosa, dedicada à fabricação têxtil. Ainda jovem, morando em Barcelona, sentiu apelos divinos para algo de mais elevado, embora indefinido, pois não pensava na vocação sacerdotal. Mas, naquela cidade, envolveu-se com questões de tecelagem e se enfronhou nos assuntos práticos desse negócio, começando a esquecer o fervor da sua piedade dos tempos de menino. Passou alguns anos absorto no cuidado de máquinas, teares e coisas semelhantes.

Praça de São Pedro no dia da proclamação do dogma da Infalibilidade Papal

Praticava ainda a religião, mas, nesse período de sua vida, pode-se dizer que Santo Antônio Maria Claret — para usar a nossa expressão caseira — tendia a ser um “sabugo” 1. Continuava a frequentar a igreja, assistia à Missa aos domingos, comungava algumas vezes por ano e também recitava o Rosário. Mas, fora do cumprimento estrito dessas práticas de piedade, só tinha pensamentos para o seu trabalho na indústria têxtil.

Certo dia, indo nadar com os companheiros no litoral, o movimento muito forte das ondas o arrastou mar adentro. Apelou à Santíssima Virgem e, de forma inexplicável para ele, percebeu que flutuava na superfície do oceano, sendo levado por força misteriosa até a praia, sem ter tragado sequer uma gota de água. Salvo em terra, associou o episódio a uma lembrança que tinha tido, durante a Missa, das palavras de Jesus Cristo no Evangelho: “De que aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se finalmente perde a sua alma?” (Mt 16,26).

Padroeiro dos “sabugos”

Eis um primeiro ponto de afinidade de Santo Antônio Maria Claret conosco. Pois ele resolveu levar uma vida nova, o que, sob certo ponto de vista, foi uma recauchutagem, uma “desensabugagem”(1) de sua alma.

Algo de semelhante acontece em nosso grupo. A Santíssima Virgem atrai as pessoas as quais, uma vez fixadas, em geral entram no processo de “ensabugamento”. E se a misericórdia d’Ela não o impedir, acabam nesse lamentável estado de tibieza. A partir daí começa a segunda fase: é preciso remar até conseguir que elas se recauchutem ou se “desensabuguem”.

E quando correspondem à graça, experimentam uma espécie de nova conversão. Em seguida, inicia-se a terceira fase de sua vida espiritual. Se, com o auxílio de Nossa Senhora, não tivéssemos o cuidado de “desensabugá-las”, é de se temer que muitas dessas pessoas não perseverariam na vocação.

Então, com profundo respeito, podemos dizer que Santo Antônio Maria Claret nos aparece como o padroeiro dos “sabugos”. Por sua fidelidade à graça da conversão, tornou-se um modelo de “desensabugado”, digno de ser imitado por nós. Ele alcançou esse triunfo sobre a própria indolência espiritual porque sempre nutriu particular devoção a Nossa Senhora, e a Santíssima Virgem, que o predestinava a grandes feitos, ajudou-o a se reerguer e se “desensabugar”.

Rumo aos píncaros da santidade

Desde esse momento, com imenso fervor, ele empreendeu a marcha ininterrupta até atingir os píncaros de santidade, como veremos.

Ordenado sacerdote, tornou-se missionário. E revelou-se como o típico pregador popular (e gostaria de acentuar a palavra “popular”), com algumas características eminentes. Por exemplo, tinha voz possante, capaz de se fazer ouvir pelas multidões que enchiam as praças públicas onde ele pronunciava seus sermões, pois o espaço interno das igrejas era insuficiente para conter todos os fiéis desejosos de escutá-lo. E não raro, as mesmas praças se verificavam pequenas para reunir o público que comparecia às suas pregações.

Imaculado Coração de Maria, em homenagem ao qual Santo Antônio Maria Claret fundou a sua congregação religiosa

Quando se dirigira de uma cidade para outra, sua fama de orador sacro era tal que grande parte da população de onde falara o acompanhava, processionalmente, até deparar com os habitantes da localidade vizinha, para a qual ele falaria. Durante o encontro, o Santo fazia um sermão de despedida de uns e de saudação aos outros, comovendo a alma de todos.

Sendo um orador popular muito vivo, interessante, ardente, profundo, sólido, substancioso e dotado de carismas extraordinários, davam-se fatos espetaculares durante as suas homilias. Por exemplo, às vezes ele interrompia suas palavras, apontava para uma mulher na assistência e lhe dizia de súbito: “A senhora pensa que não morrerá tão cedo, e terá vários anos pela frente. Sua morte se dará dentro de… — suspense! — seis meses”. Naturalmente, a indicada desmaiava, caía em prantos, etc.

Noutras ocasiões afirmava: “Vou expulsar o demônio que está pairando sobre este auditório”. E em seguida pronunciava a fórmula do exorcismo. Estrépito, raio em céu sereno, caem os sinos do campanário e a população fica apavorada. Havia conversões em massa, pois bem podemos imaginar o efeito de pregações dessa natureza.

Santo Antônio compreendia de modo claro ter sido destinado por Deus à vocação de missionário junto ao povo. Nunca desejou tornar-se teleólogo profundo, nem orador de alto porte, como um Pe. Antônio Vieira, um Bossuet, Bourdaloue, etc. Nascera para falar ao vulgo, e com sua oratória popular esplêndida, convertia multidões.

Compreendeu, igualmente, ser um homem feito para suscitar zelo, mais do que coordenar o zelo que suscitara. Por isso, passava pelas províncias despertando por toda parte o amor a Deus, deixando depois que outros utilizassem aquela semente e aquele fogo para melhores finalidades. Era, portanto, um modelo de desprendimento, sem a preocupação de colher para si, mas plantando para que outros colhessem.

Arcebispo em Cuba e confessor da Rainha

Depois de uma estupenda pregação nas Ilhas Canárias, afinal, foi promovido a Arcebispo em Cuba, então colônia espanhola cuja situação moral se apresentava muito decadente. Santo Antônio Maria Claret dedicou-se à conversão da Ilha, e quando começou a obter a emenda dos costumes, desencadeou uma reação intensa contra ele. Sofreu tantas e tão fortes oposições, e até atentados, que a Rainha da Espanha acabou intervindo e o retirou daquelas terras.

De volta à metrópole, Santo Antônio Maria Claret se instalou na corte, como confessor da Rainha Isabel II. Mulher de maus bofes, passou a se modificar e melhorar no contato com Santo Antônio, até que uma reviravolta política a destronou e a exilou para a França. Foi ele, portanto, quem provocou pelo seu zelo esse terremoto na Espanha, ao mesmo tempo em que desempenhava uma obra insigne, como missionário, em todo o país.

Santo Antonio Maria Claret

Defensor da infalibilidade pontifícia

Nesse período, fundou a Congregação dos Filhos do Imaculado Coração de Maria, cujo nome exprime o culto fervoroso que ele dedicava à Mãe de Deus, sob essa invocação.

Alguns anos mais tarde, durante o Concílio Vaticano I, deu-se um dos célebres episódios da vida de Santo Antônio Maria Claret. Ele já estava idoso, doente, porém aureolado pelas mais altas graças que se possa receber. Por exemplo, o Santíssimo Sacramento nunca se deteriorava dentro dele, de uma comunhão a outra, de maneira que era um sacrário vivo, assim como Nossa Senhora que tinha Jesus vivendo n’Ela durante o período da Encarnação e da gestação.

Pois bem, ao ouvir no Concílio Vaticano I pronunciamentos de alguns bispos contra a infalibilidade papal, Santo Antônio se levantou e fez um famoso sermão em que declarou: “Oxalá pudesse eu consumar minha corrida, confessando e dizendo da abundância do meu coração esta grande verdade: creio que o Sumo Pontífice Romano é infalível”.

A atitude de alguns irmãos seus no episcopado o acabrunhou e o encheu de desgosto, a tal ponto que sofreu um começo de apoplexia, pela qual viria a falecer pouco depois, na França, recolhido numa Cartuxa. Era o ano de 1870.

E assim terminaram os dias desse magnífico varão de Fé, ao qual nos honramos de tomar por patrono, como grande promotor que foi da devoção a Nossa Senhora, em especial ao Imaculado Coração de Maria, bem como por seu ardoroso amor à Santa Sé Apostólica. Além disso, é modelo para nós, pois demonstrou que, nas camadas populares, ao contrário do que pretende a Revolução, uma pregação autêntica e boa produz maravilhosos resultados.

Todas essas razões nos levam a, no dia de sua festa, confiar de modo particular no patrocínio de Santo Antônio Maria Claret, e lhe pedir que nos alcance as melhores graças do Céu.

1 ) Metáfora empregada por Dr. Plinio para exprimir o estado de espírito de quem, tendo aderido com certo ardor a um ideal, deixa-se depois arrastar pelo desânimo, a languidez e a inação. Esse perdeu o fervor com que realizava as boas obras e o entusiasmo que tinha em cumprir a vocação, assim como a espiga de milho que perde seus grãos e se transforma em sabugo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/10/1987)

(1) – ensabugar – neologismo da espiga sem o milho aplicado às almas que deixam de florescer e dar frutos.

Santo Aretas, firmeza e grandeza

A coragem e firmeza de Santo Aretas diante do martírio fazem reluzir mais uma das maravilhas produzidas pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana nos povos que se põem sob seu maternal domínio.

No livro do Frei José Pereira de Santana, “Os dois Atlantes da Etiópia”, encontramos alguns dados biográficos de Santo Aretas. Trata-se de uma prédica de Santo Aretas aos católicos da cidade de Najran, na Arábia, antes de ser martirizado pelo tirano Dun’an.

Invectiva cheia de grandeza

Ouvi-me, inumano Rei, doutores da Sinagoga, apóstatas franitas, bárbaros confederados, cortesões ilustres e esclarecidos habitantes de Najran.

Isto, sim, é saber dirigir uma apóstrofe!

“Apóstatas” é uma palavra de alta expressão. “Fulano é um apóstata!” Todo o horror da apostasia se descarrega nestes dois “tas”: “após–ta-ta”. Tem-se a impressão de que é uma coisa que caiu, que rola em dois “tas” e que se desfaz.

Um “apóstata franita” dá a impressão de ser alguém que se deu a uma das heresias mais infectas, aliciantes e, ao mesmo tempo, mais digna de rejeição.

“Bárbaros confederados” é também uma forma de ultraje; soa como se fossem bárbaros requintados, de tal maneira ligados a outros bárbaros que formam uma coesão de barbárie, uma espécie de ultra barbárie, pior do que todas as barbáries.

Então, os doutores da Sinagoga, os apóstatas franitas e os bárbaros confederados, todos juntos num conglomerado imundo, nefando e agressivo contra o Santo que está sozinho. Vai ser martirizado, mas, antes de morrer, diz o que quer. Não falta grandeza a essa introdução.

Cântico de coragem, transbordante de Fé

E continua:
Companheiros, amigos, parentes e outros quaisquer dos circunstantes, sejais nobres ou plebeus, ou católicos ou infiéis, ouvi-me todos, vos suplico, pois com todos falo. Bem vos pudera dizer que canto, se observardes que, por artifício dos anos, me converti em cisne nacional, conservada na cabeça a candura, no coração, sem temor de morte, a alegria.

Há uma lenda que diz que o cisne, quando vai morrer, canta. É o seu último canto, de uma beleza maviosa. A ideia é muito bonita. Imaginar um cisne que, antes de morrer, emite um canto suavíssimo em que vai toda a “cisnicidade” dele transformada em sons que batem na água, repercutem pelas árvores e morrem no céu. É uma coisa também à qual não falta poesia.

Este Santo diz que ele é como um cisne, que, antes de ser martirizado, dá o seu último canto. Mas é uma beleza! É preciso ser oriental para saber fazer isso.

Diz o seguinte:
Eu me converti em cisne nacional pois conservei na cabeça a candura, no coração, a alegria, embora não tenha temor da morte.

Ele vai morrer, mas é cândido, puro, é alvinitente na sua fronte, nas suas ideias e na sua alma; ele é alegre, apesar de que vai morrer. Com esta alegria e com esta candura ele vai deitar o seu canto de cisne, e esse canto é bom que todos ouçam.

Falo primeiramente contigo, ó Rei. Mais que as feras, como já te lancei em rosto, és desumano. Respondendo às cem razões em que me acusas queixoso, condenas injusto: verdade é que sou, co-mo dizes, a total causa, motor e única cabeça da firmeza dos najranenses, mas não dos seus padecidos escravos.

Desprezaram o meu conselho sem advertirem que, em proporção das minhas cãs, era o mais maduro. Perigaram, pois, nesse desprezo e naquela resistência se perderam. O que sempre a todos persuadi foi que perseverassem confiantes na oposição, pois, não obstante serem tuas forças superiores às nossas, mais fortes que as tuas armas eram os nossos muros, e mais inconquistáveis que estes, os nossos corações.

Com que poder saiu, em outro tempo, a pelejar contra tantos milhares de madianitas um Gedeão? Pois se es-te, porque o Céu amparava, pôde vencer com tão poucos a tantos soldados, que razão havia para que não triunfassem também os nossos do teu poder, tendo certa, do Senhor do Céu, a proteção e mais vigorosas forças do que as daquele príncipe?

Não imagines que és do castigo que experimentamos o autor, senão um instrumento; por tuas mãos nos castiga Deus a temeridade de crermos que seria fiel ás criaturas, quem, além de ser traidor do seu soberano, era mais que laivoso rebelde ao seu Criador.

Chama-me, ó tirano, zelador da honra de Deus. A este Senhor justa-mente invoco contra ti, vendo que desprezaste a sua lei, destruíste os seus templos, profanaste os seus altares, extinguiste, finalmente, os seus sacerdotes. Sabe, pois, que eu, à imitação do mesmo profeta que a tantos reis idólatras vaticinou a morte, te asseguro que, brevemente, serás desta púrpura despojado e deposto da monarquia.

De sorte que, sem ficar dos teus domínios parte alguma isenta, a todos sujeitará Deus ao etiópico império de Elesbão. Este insigne varão e pode-roso príncipe será, da nossa derrotada Cristandade o restaurador, prevalecendo-te de tal modo em desagravo de Jesus Cristo contra ti que, por Ele, verá admirada Najran suas igrejas nova-mente recuperadas e a ti, como soberbo edifício, sem que jamais seja reedificado, aos seus pés caído.

Firmeza e resolução

Santo Aretas, depois de dizer que iria deitar o canto do cisne, diz ao Rei: “Tu, ó Rei, és pior do que as feras e, entretanto, tu tens razão quando dizes que eu sou a causa, motor e única cabeça da firmeza e resolução com que os najranenses lutam contra ti”.

Percebe-se, pelo texto, que o Rei quis tirar a Fé a esses najranenses e que eles resistiram. O Rei, então, prendeu este Santo porque ele era a cabeça da resistência. Ele diz ao Rei, como homem que não tem medo de ser condenado: “De fato, eu sou a cabeça da resistência”.

Percebe-se que os tais najranenses fizeram uma resistência excessiva. O trecho não é inteiramente claro, mas dá a impressão de que eles foram temerários na resistência e padeceram muito, e Santo Aretas, então, disse a eles que não deviam resistir tanto. Por causa disto, então, o Rei o acusava, neste ponto, de uma resistência excessiva da qual ele não era o culpado. Ele, de fato, era a favor da resistência, mas de uma resistência pacífica, de uma resistência de caráter ideológico, enquanto que os najranenses tinham feito uma resistência militar.

No entanto, ele não deixa de louvar a coragem dos najranenses com uma expressão muito bonita: que as armas dele, Rei, eram menos fortes do que os muros dos najranenses, e os corações deles ainda eram mais fortes do que esses muros. Portanto, não havia razão para eles terem perdido essa batalha, mas perderam por causa de um castigo que eles mereciam e que os fez ser derrotados pelo Rei ímpio, porque eles tinham confiado, durante algum tempo, nesse Rei. Ora, num herege não pode ser depositada confiança. Um homem que está rompido com Deus é ímpio e nele não se pode depositar nenhuma espécie de confiança. O fato de eles terem depositado confiança, durante algum tempo, no Rei — isto se refere a algum episódio anterior, que também não se conhece —, este fato explica que eles tenham, então, sido derrotados.

“Ó Rei — diz Santo Aretas —, não imagineis, absolutamente, que vencestes”. Foi Deus Quem venceu pela mão dele, para castigar o povo. Mas esse povo que tinha sido condenado por Deus por causa disso, ia ser, por sua vez, reedificado. Viria um imperador da Etiópia, Santo Elesbão, e haveria de reconstruir toda a Cristandade na Etiópia e derrubar o Rei Eretas de maneira que, de todo o seu poder, não ficaria nada.

A misteriosa economia de Deus

Vemos, então, a economia de Deus. Havia um Rei ímpio, Eretas; havia um povo mole e ordinário, mas ainda católico. Deus quis punir a moleza desse povo católico, que consentia, provavelmente, em ter um Rei ímpio, e então permitiu que esse Rei perseguisse o povo católico. Ele se serviu do ímpio como açoite para flagelar o povo mole. “Se fosses frio ou quente Eu te aceitaria” — diz a Escritura —, “mas como és morno, começo a vomitar-te de minha boca” (Ap 3, 15-16).

Esse povo morno foi açoitado por Deus, pela mão do Rei ímpio. Mas o Rei ímpio fez isto porque Deus permitiu e não porque Deus mandou. Por causa disso, ele pecou, e Deus tomou um varão de sua destra, Santo Elesbão, e conduziu-o vitoriosamente para a derrota do Rei ímpio. Com isso ficaram naturalmente derrotados os doutores da Sinagoga, os apóstatas franitas e outras abominações do gênero, e, durante algum tempo, se reconstruiu a Cristandade naquelas regiões.

Onde a Igreja entra, tudo floresce

Eu não posso deixar, ao dar este fato, de chamar a atenção para a maravilhosa beleza da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Por toda parte onde ela floresce, desde que os homens correspondam á  influência dela, nasce tudo quanto há de melhor, em toda forma, em todo grau, em todo jeito. É questão só de os homens corresponderem á  influência e á  ação dela.

A Etiópia, que depois passou séculos cortada da Cristandade por falta de comunicações, caiu na miserável heresia monofisita, mas houve tempo em que foi uma nação verdadeiramente católica. Apareceram esplendores de Fé católica na Etiópia como em qualquer outro país.

Esse episódio de Santo Aretas se-ria digno, por exemplo, da história religiosa da Espanha, nas suas melhores épocas. Ou seja, não é a Espanha que é magnífica, não é a Etiópia que é magnífica, como não é o Brasil, nem a Argentina, nem o Chile, nem o Uruguai, nem nada disso. O que é magnífica é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Onde a Igreja entra, todas as maravilhas de todo gênero, de todos os modos, de todas as espécies se multiplicam do modo mais magnífico, desde que os homens digam“amém”, digam “sim” á  influência da Igreja.

Entretanto, desde que a Igreja saia, tudo decai, tudo rola por terra, tudo dá em apóstatas franitas, em reis que não prestam, em tudo o mais. A verdadeira fonte de toda grandeza, de toda beleza, de todo bem, de toda bondade, de toda santidade, de toda ordem, de toda cultura, é a Igreja Católica. Fora da Igreja Católica as coisas podem nascer, formar-se um pouquinho, mas ou estagnam ou decaem.

Por exemplo, a cultura da China, do Egito, culturas, afinal de contas, extraordinárias. Levantaram-se, chegaram a um certo teto, não progrediram. É a imobilidade do Oriente parado e por dentro apodrecendo.

Tomemos a cultura católica. Ela se levanta como um chafariz no meio das águas estagnadas, só ela é água límpida; e mesmo depois da Fé católica ter sido praticamente extirpada do Ocidente pela Revolução, o Ocidente, naquilo em que ainda progride, floresce na velocidade adquirida pelo fato ter havido a Fé católica. Razão pela qual nós devemos compreender que amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor de Deus, isto importa em amar a Santa Igreja Católica Apostólica Romana sobre todas as coisas, e amar o nosso próximo na medida em que ele está unido à Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Graça de admirar somente o que é segundo Deus

Em conversas particulares, eu inculco tantas vezes a necessidade da graça da admiração única que é, a meu ver, um elemento integrante da graça do amor de Deus. É a graça de só admirar aquilo que é segundo Deus. Esta graça da admiração única em relação a Deus, na ordem concreta dos fatos, dá na admiração única à Igreja Católica. Tudo quanto é tocado pela Igreja e recebe a influência dela é admirável; tudo quanto está fora disso, quando merece admiração, merece com tantas reservas, com tantas restrições, com tantas condições, que praticamente não dá em nada.

Então compreende-se esse enlevo, essa paixão que se deve ter pela Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, verdadeira pátria de nossas almas, verdadeira prefigura da Igreja gloriosa, à qual nós devemos pertencer no Céu.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/10/1967)

Deus é admirável nos seus santos!

“A santidade torna o homem capaz de multiplicar-se por si mesmo, excedendo os limites de suas capacidades naturais.” Este princípio comentado por Dr. Plinio no presente artigo está muito presente na vida de São João de Capistrano: assistido por milagres, convertia multidões; com autêntica austeridade, contundia os desvios de sua época.

A figura de São João de Capistrano é simplesmente admirável. Ele representa a imagem por excelência do asceta franciscano.

Comentemos alguns dados biográficos a seu respeito(1):

Pelo fervor de suas prédicas, São João de Capistrano podia ser comparado a um leão que rugisse, ou a uma trombeta celeste. E seus exemplos confirmavam suas palavras. Viajava sempre a pé, carregando aos ombros os livros que utilizava. Após longos e veementes discursos, exausto de fadiga, acreditava nada ter feito. Tomava logo seu alforje e ia mendigar seu pão de porta em porta. Suas mortificações eram extremas: alimentava-se apenas uma vez ao dia.

Em compensação, Deus fazia acompanhar a palavra de seu servo por milagres extraordinários. Ele não se bastava para satisfazer todas as populações que reclamavam seu ministério.

Aonde chegava, auditórios imensos de até 150 mil pessoas se reuniam para ouvi-lo.

Os frutos de seu apostolado foram incalculáveis: restabelecia a paz em cidades divididas e convertia os pecadores irredutíveis.

Certa vez, o povo de certo lugarejo obstinava-se a não dar ouvidos aos convites do santo. Repentinamente o território da cidade foi invadido por uma multidão incrível de ratos, que devoravam os arbustos e as ervas.

Noutra ocasião, pregava numa praça pública: 60 mil pessoas estavam suspensas às suas palavras e nessa multidão havia numerosos endemoninhados. Em sua fervorosa improvisação, o homem de Deus, dirigindo-se a eles gritou: “Em nome de Jesus, respondei-me e repeti comigo três vezes: Ó Nome todo-poderoso, ó Nome terrível, ó Nome todo divino!” Os pobres possessos repetiam isso. Mas o mais admirável é que todos os demônios espalhados na região, ao redor de 8 milhas, o repetiram juntamente, como se tivessem ouvido a abjuração do santo.

Quando pregava contra a vaidade das mulheres, fazia-o com tanta energia que, após o sermão, elas lhe levavam suas joias e adornos, lançando-os publicamente na fogueira.

Durante os seus sermões, São João detinha a chuva nos céus e impunha silêncio aos pássaros que perturbavam sua pregação.

Um historiador assim descreve um dia desse santo, quando pregava em Nuremberg:
“Levantava-se antes da aurora a fim de recitar o Ofício e preparar-se para a Santa Missa. Dirigia, então, ao povo um sermão em latim, que um intérprete traduzia no idioma do lugar. Voltava ao convento, rezava Sexta e Nona. Boa parte da tarde era consagrada à visita aos doentes. Depois concedia audiência àqueles que tinham necessidade de lhe falar. Recitava Vésperas e voltava ao serviço dos doentes até à noite. Após as Completas e a oração da noite, concedia algum repouso a seu corpo, embora roubasse ao sono vários momentos para rever a Sagrada Escritura. Tal era a eficácia de suas palavras, que ele fazia chorar mesmo aqueles que não compreendiam sua língua.”

Com autêntica austeridade, São João contundia os desvios de sua época

A espiritualidade de São Francisco de Assis apresenta dois aspectos diversos: de um lado, a doçura, da qual nos dá exemplo o próprio São Francisco; de outro lado, a severidade.

A severidade dos capuchinhos da grande época tornou-se famosa na História da Igreja. Homens austeros, que praticavam a pobreza levada aos extremos limites, e que combatiam a infidelidade, a imoralidade, as heresias dos grandes e poderosos de um modo verdadeiramente admirável.

São João de Capistrano viveu numa época em que os efeitos do Concílio de Trento ainda não se tinham feito sentir, onde o amor exagerado ao luxo tinha invadido os ambientes eclesiásticos — fato que foi aproveitado como pretexto pelos pseudo-reformadores do protestantismo.

Os sacerdotes daquele tempo davam-se com o que era antigamente a classe dominante, a nobreza; por isso, tanto quanto podiam, aspiravam levar uma vida de luxo e de pompa, imitando os grandes senhores feudais.

Por outro lado, muitos ingressavam no estado religioso sem possuir vocação autêntica e, com isso, degradavam o estado sacerdotal.

Também os nobres daquele tempo levavam uma vida repleta de delícias, de opulências, uma vida de gozo sensual, oposto à austeridade evangélica.

Contra essa forma da Revolução, os religiosos capuchinhos e franciscanos aparecem como contra-revolucionários por excelência.

Por onde passava, São João de Capistrano aparecia como a personificação da austeridade.

Em estradas percorridas por magníficas carruagens, atravessadas por homens a cavalo ricamente ajaezados, viajadas por burgueses em cômodas liteiras, via-se também a figura austera de um franciscano todo ele sobrenatural, num passo veloz e decidido, recolhido em oração, varonil, forte, saudável, carregando às costas um saco cheio de livros de oração.

Isso constituía um tremendo contraste com toda aquela moleza, com toda aquela efervescência de sensualidade e de orgulho que já estava produzindo seus frutos e que os ia produzir intensamente mais adiante.

Assistido por milagres, o santo austero convertia multidões

Quando esses franciscanos ocupavam o púlpito faziam sermões tremendos, dizendo as verdades a todo mundo, increpando a moleza de vida, a sensualidade, o orgulho, a luxúria em que estavam se afundando.

Vemos na história de São João de Capistrano auditórios de até 150 mil pessoas ouvindo-o. Podemos imaginar o que era a vontade de ouvir descompostura — porque era descompostura grossa que vinha! — que aquele povo manifestava.

Ele falava contra o luxo das mulheres, contra os vícios do povo. Era dito tudo e o povo acorria em grande quantidade para ouvir. Naturalmente, isso causava impressão. Mas entre causar impressão e causar conversão, a distância é grande. E São João de Capistrano muitas vezes não conseguia o resultado visado.

Porém, esta era ainda uma época onde os milagres se multiplicavam. Então, quando ele falava, os ratos vinham roer as plantas; a terra que tremia; endemoninhados repetiam aquilo que ele exigia. Vemo-lo, portanto, alcançar enormes resultados no púlpito.

Pequeno repouso depois do fatigante labor cotidiano

Terminado o trabalho apostólico, o que fazia São João?

Retirava-se calmamente para o recolhimento de sua cela.

Ele — que acabava não só de abalar cidades, mas de arrancar milagres da própria misericórdia de Deus — dormia, então, no seu cantinho. Depois, enquanto a cidade ainda estava imersa no sono, ele começava longas orações.

Podemos imaginar a edificação de alguém que, voltando para casa às três, quatro horas da manhã, passando perto de um convento, vê uma luzinha acesa, e comenta: “É Frei João de Capistrano, um santo, que já está acordado. Um dos primeiros na cidade a acordar, enquanto a cidade ainda dorme. A esta hora o santo varão reza, ele lê o seu livro de Horas, ele se prepara para a Missa”.

Só de imaginar a oração de São João de Capistrano, um calor sobrenatural nos enche a alma.

Depois disso ele vai visitar os doentes, vai atender às pessoas. Come uma única vez ao dia. No final de contas, vai se deitar exausto. Mas no momento em que se deita, ele revê um pouco a Sagrada Escritura.

A santidade torna o homem capaz de multiplicar-se por si mesmo e exceder os limites de suas possibilidades naturais

Vemos, em São João de Capistrano, como Deus é admirável nos seus santos! Nele vemos bem o que é a santidade.

Trata-se de uma graça excelente que toca a alma no que ela tem de mais profundo, proporcionando-lhe dons magníficos que excedem a simples natureza.

A graça a completa de tal maneira que o homem, como que, multiplica-se por si mesmo e fica muito superior a uma pessoa comum: ele torna-se quase um Anjo; mas não somente um Anjo, ele fica uma figura do próprio Deus.

“Christianus alter Christus”. É Nosso Senhor Jesus Cristo dizendo as verdades, sacrificando-se, fazendo penitência, orando continuamente, visitando os pobres e produzindo milagres.

Temos, portanto, a figura de um grande contra-revolucionário em função dos aspectos da Revolução naquele tempo; um santo cuja biografia nos enche a alma.

Que São João de Capistrano reze por nós.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/3/1967)

1) Infelizmente, não possuímos a fonte da ficha utilizada por Dr. Plinio nessa ocasião.

A oração da manhã

Por vezes, pondera Dr. Plinio, sentimos aspirações legítimas, frutos da graça que opera de modo diferente nos corações. Assim, pela manhã nos vem o desejo de dizer alguma coisa especial a Nosso Senhor e a Nossa Senhora. Devemos, pois, seguir essa aspiração e variar nossa primeira prece do dia.

 

Uma importante questão que alguém chamado a uma vocação especial deve se pôr é esta: como fazer a oração da manhã mais conforme à missão para a qual lhe escolheu a Providência?

Compreende-se a pergunta, posto que um religioso — beneditino, franciscano, jesuíta, etc. — precisa iniciar seu dia elevando a Deus uma prece segundo a espiritualidade própria da ordem à qual pertence.

O mesmo princípio se aplica às outras vocações. Por exemplo, um apóstolo que, por determinadas circunstâncias, exporá sua vida pela causa da Igreja e de Nossa Senhora, não pode fazer a oração da manhã de um tabelião católico, pois este passa o dia todo lendo e escrevendo…

As variações de uma boa oração da manhã

Porém, ao invés de apresentar uma fórmula de oração matutina, parece-me de maior interesse indicar os fundamentos que devem norteá-la.

Primeiramente, julgo preferível que ela seja mutável, porque a perpétua repetição de um mesmo texto acaba ocasionando aridez e cansaço para um incontável número de almas. A fim de obviar esse inconveniente, há uma série de critérios que podem ser adotados, também variáveis de acordo com as pessoas.

Às vezes sentimos aspirações legítimas, frutos da graça que opera de modo diferente nos corações. Assim, pela manhã nos vem o desejo de dizer alguma coisa especial a Nosso Senhor e a Nossa Senhora: devemos seguir essa aspiração e, procurando evitar a padronização, variar nossa prece.

Contudo, se durante anos uma fórmula corresponde inteiramente aos nossos anseios, não convém alterá-la.

Por outro lado, quando começamos a ter dificuldades em prestar atenção num texto que há tempos utilizamos, não raro essa desatenção é motivo suficiente para modificá-lo.

Cumpre acrescentar, entretanto, que essa mudança não se faz de modo simples: possui matizes, diversidades segundo cada indivíduo, como tudo que é próprio à vida espiritual.

Atos de culto e de oferecimento

Tendo em vista esses pressupostos, passo a apresentar alguns critérios que podem servir para a oração da manhã.

Em primeiro lugar, é plausível que façamos a Deus um ato de culto que se desdobra em três partes: adoração, ação de graças e petição.

Na adoração, a pessoa poderia dizer: “Considerando que Vós sois meu fim último, minha alegria, sois quem sois, logo que me levanto quero vos manifestar minha adoração, minha admiração total, meu amor e meu temor inteiros”.

E na ação de graças: “Eu vos dou graças por me terdes concedido uma noite tranquila”.

Por fim, na petição deve-se rogar as graças espirituais e os favores temporais de que necessitaremos durante o dia.

Vemos, assim, como essa oração da manhã não possui fórmula fixa, mas precisa ser articulada todos os dias.

Além disso, convém que nela haja um ato de oferecimento. O Altíssimo nos deu a vida e tem direito sobre o que é nosso. Donde lhe oferecermos tudo quanto faremos naquele dia, segundo determinadas intenções.

Particularidades da oração de quem se consagrou a Nossa Senhora

Vale acrescentar que, para quem se consagrou como escravo de amor a Nossa Senhora segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, o mais perfeito é oferecer o dia à Santíssima Virgem, para que Ela disponha de nós como Lhe aprouver ao longo daquela jornada.

Sobretudo devemos ter em vista nossa vocação específica: cada um de nós foi suscitado para servir à Igreja e colaborar na vitória da Contra-Revolução.

Em outros termos, por meio das ações que praticaremos durante o dia, por nossos desejos e orações, contribuiremos para apressar o momento em que o demônio seja derrotado e se instaure no mundo o Reino de Jesus por Maria.

Sendo assim, devemos pedir a Nossa Senhora graças próprias ao nosso chamado, tais como: um espírito voltado para os imponderáveis e os inverossímeis(1); o desapego das coisas opostas ou alheias à nossa missão; o pensar, querer e agir em função de nosso apostolado; e os dons inerentes ao fato de sermos católicos militantes, aos quais é necessária uma particular virtude da fortaleza.

Portanto, implorar a Maria Santíssima que nos alcance forças para lutarmos contra o que há de ruim em nós e em torno de nós, para amarmos o bem e rejeitarmos toda forma de mal.

Amor à vocação, castidade e obediência

Mais. É necessário também rogarmos a Nossa Senhora a graça de amarmos nosso movimento e, neste, aqueles que devem ser nossos modelos. Que Ela nos obtenha o dom de uma castidade ilibada e de uma obediência perfeita aos superiores dispostos por Deus em nosso caminho; e nos assista em cada ação por nós praticada, a fim de multiplicar sua eficácia e provocar a efetiva queda da Revolução, bem como para que contribuam na formação de almas conformes ao Coração Imaculado d’Ela.

Compreende-se que alguns ou muitos não terão tempo para formular tantas intenções numa oração da manhã que não se deve prolongar. Não precisamos rezar diariamente tudo isso acima considerado. Basta termos anotados esses pontos e dizermos, com simplicidade e confiança, a Nossa Senhora: “Minha Mãe, peço-vos tudo o que aqui está escrito, especialmente tal coisa”, ou: “consagro-vos meu dia particularmente em tal intenção”, etc.

 Oferecer os reveses e as cruzes

Certos dias, ao nos levantarmos de manhã, já nos deparamos com algo desagradável à nossa espera. Devemos então dizer: “Está bem. ‘Sit in nomine Domini benedictum’ (seja bendito em nome do Senhor)! Trata-se de uma pequena cruz que oferecerei de boa vontade a Nossa Senhora”.

Como se sabe, conforme o ensinamento da pequena via de Santa Teresinha, o bom aproveitamento das diminutas coisas desagradáveis redunda num fator extraordinário para o progresso na vida espiritual. Portanto, não percamos nenhuma oportunidade de oferecê-las à Santíssima Virgem, que delas colherá os melhores frutos.

Pelo auxílio mútuo dos que galgam a montanha da vocação

Nesse rol de intenções não poderia faltar uma que me parece sobremodo importante. Com efeito, nosso movimento pode ser comparado a um grupo de pessoas que, sob raios caídos do céu, escala uma montanha escorregadia, e nessa ascensão a cada momento surgem riscos e dificuldades diversos. Cumpre, então, pensarmos nessa espécie de drama que é a luta individual e interior de cada um de nós, esforçando-se para alcançar o alto do monte, ao mesmo tempo que procura auxiliar o irmão de vocação para juntos subirem até o topo. Considerando não apenas os riscos, mas também todas as glórias e belezas que tal ascensão traz consigo, peçamos a Nossa Senhora que nos ajude a empreendê-la.

E outro ponto importante: quantos dos que hoje me ouvem, ainda ontem perambulavam pelo mundo, expostos a quantos riscos, incertezas, dificuldades! Foram resgatados do caminho extraviado pelo qual andavam e conduzidos às sendas da vocação. Lembremo-nos disso, e rezemos de modo particular pelas almas chamadas a pertencer ao nosso movimento, para que elas não se desviem e percorram seu itinerário até nós. Eis uma intenção das mais meritórias e aconselháveis, a ser incluída na oração da manhã.

Reiterar as intenções ao longo do dia

Concluo, ponderando que todas essas intenções podem ser colocadas ao longo do dia em nossas práticas de piedade: na ação de graças após a Comunhão, na recitação do Rosário, nas visitas ao Santíssimo, etc. Claro está, postas de manhã, têm elas o mérito de projetar uma luz sobre o dia inteiro, além da beleza especial e intrínseca própria a essa primeira homenagem da alma que “acorda” e se volta para Deus.

Beleza esta, aliás, muito conforme à natureza das coisas. O primeiro brilho da aurora, o primeiro voo de um pássaro, enfim, todos os primeiros acontecimentos se revestem de uma forma de graça natural e de glória peculiar, que é uma imagem desse primeiro e matutino movimento da alma se dirigindo ao seu Criador.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 10/8/1965)

 

1) Dr. Plinio empregava tais palavras para designar especialmente as ações sobrenaturais que não têm peso físico (imponderáveis); e os fatos cuja realização não se explicam através da mera razão, mas sobretudo pela fé (inverossímeis).

 

Abraão e Isaac

Para a alma que confia na Providência, as grandes esperas são o prelúdio dos grandes dons de Deus, o prenúncio da realização das grandes promessas que lhe fez o Altíssimo. Disso nos é exemplo o patriarca Abraão: quando já centenário, Deus lhe prometeu uma descendência incontável, da qual brotaria o Messias. Nasce-lhe um filho, e o Senhor determina que o sacrifique. Abraão confia. E na hora do seu supremo heroísmo, depois de tão longa espera, recebe afinal a certeza do juramento divino: “Multiplicarei a tua posteridade como as estrelas do céu e como as areias na praia do mar” (Gn 22, 17).

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 23/3/70 e 17/5/1972)

Rumo as maiores belezas

Nunca nos cansamos de considerar como Deus é grande em suas obras, grande na sua Igreja, grande nas nações que existem dentro dessa Igreja. Como Ele é magnífico, e que realizações magníficas existiriam no mundo se todos os povos correspondessem às infinitas perfeições divinas que foram chamados a refletir! Que maravilha seria a face da Terra se cada país, cada indivíduo, fosse tudo aquilo que deveria ser, e a Santa Igreja pudesse desdobrar seus fulgores, de meio-dia em meio dia, sem nunca anoitecer!

Esse mundo seria possível ou é um sonho? Se toda essa multidão de homens tivesse correspondido à graça, como encontraríamos hoje a fisionomia do universo terreno? É-nos possível, de leve ao menos, conceber tamanha beleza?

Nisto penso amiudadas vezes quando contemplo monumentos em estilo gótico. Os gregos e romanos alcançaram um auge ao construir seus templos imponentes, seus arcos e colunas célebres. Sim, atingiram um ápice, porém viram surgir algo mais elevado nos horizontes da civilização ocidental ao reluzir o esplendor dos vitrais, a magnitude das catedrais, o arroubo dos sons dos órgãos, do aroma do incenso, da liturgia católica, das pompas temporais desenroladas nos edifícios sagrados, templos da Igreja Católica, nas grandes ocasiões da Cristandade!

Pergunto-me, mesmo, se Homero, Cipião, Marco Aurélio ou então o próprio Constantino entenderiam toda a magnificência do que veio depois deles, engendrado pela alma católica da Idade Média. Creio que não. Os da Antiguidade não compreenderiam aquilo que, durante séculos, comoveu o coração dos reis e dos simples, encantou a qualquer homem e mulher, ricos e pobres, camponeses que vinham das hortas em torno das cidades medievais, para ver e admirar, por exemplo, o relógio da torre da igreja ou da municipalidade dar as horas, e toda uma oficina de figuras mecânicas se deslocar e bater os sinos, enquanto os pombos esvoaçavam… Isso enchia a alma dos simples como as dos maiores.

Povos houve, naquela quadra histórica, que corresponderam à graça, disseram “sim” ao chamado divino; houve povos nos quais a distribuição da Eucaristia se fez abundante e bem acolhida; houve povos que se constituíram em nações da Civilização Cristã, e nessas, tais maravilhas se ergueram.

E quando analiso a história do estilo gótico, vendo sua última expressão que é o “flamboyant”, tão risonho, tão triunfal, tão seguro de sua grandeza, tenho impressão de um itinerário terminado. Atingiu, ele também, o seu ápice, e ali ficou. Não esgotado de cansaço, nem de moleza ou extenuação. É como um extraordinário cantor cuja laringe deu tudo o que poderia ter dado. Diante dele fica-se extasiado, admirado, mas entende-se que aquela música acabou, a partitura está cantada. O que virá depois?

Provavelmente, será gerado pela fé um estilo ainda superior, mais belo, mais magnífico. Pois, acreditamos, está na ordem das coisas postas por Deus que o bem prepara o caminho para um bem maior, a beleza prepara as vias para uma beleza mais requintada, e a verdade, para uma verdade mais profunda ou mais alta. É este o itinerário das coisas de Deus.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Perfeita humildade

Alma profundamente sapiencial, Maria Santíssima é o vaso de eleição no qual pousou o Espírito Santo, para nele gerar Nosso Senhor Jesus Cristo. E o único hino que conhecemos como proferido por Nossa Senhora em sua vida terrena — o Magnificat —é uma verdadeira maravilha de sabedoria: “Minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus meu Criador; porque considerou  a humildade de sua serva, por isso todas as gerações me chamarão bem-aventurada”.

É a escrava que se encanta de ser escrava, de ser pequena, de ver como Deus é infinitamente superior a Ela, e do fundo de seu nada glorifica o Senhor. É o pequeno que reconhece, com agrado, a  sua posição. O escravo não tem direitos, e está colocado abaixo da condição comum dos homens. Pois bem, Nossa Senhora se proclama escrava de Nosso Senhor Jesus Cristo, precursora de todos  os escravos espirituais que Ela mesma iria ter ao longo dos séculos. É o modelo perfeito de humildade, que ama seu lugar inferior, adorando a grandeza que a eleva.

Plinio Corrêa de Oliveira

Oração para pedir a graça do holocausto incondicional

Concedei-nos, Mãe e Senhora nossa, que assim como o guerreiro não escolhe o teatro de batalha e está disposto a fazer, em qualquer campo, o holocausto de sua vida, assim também saibamos lutar contra os inimigos — velados ou declarados — de vosso Nome e da Santa Igreja, onde quer que sejamos mandados: tanto no anonimato quanto na glória, tanto no heroísmo invisível e como que impalpável da existência prosaica de todos os dias, quanto nos lances trágicos dos acontecimentos que vossa mensagem de Fátima prenuncia.

Essa graça nós Vo-la imploramos como favor do qual não somos dignos; e se não estremecemos diante de tudo o que ela significa, é que sabemos poder confiar, com confiança sem limites, no vosso Coração Imaculado, força dos fracos, esperança dos desvalidos, refúgio e consolação dulcíssima dos humildes. Amém.

Plinio Corrêa de Oliveira (Oração composta por Dr. Plinio na década de 1960)
Revista Dr Plinio 211 (Outubro de 2015)

Sagrado Coração de Jesus:: Desejo de admirar e contempla

Revelando aspectos íntimos de seu relacionamento com o Sagrado Coração de Jesus e com Maria Santíssima, Dr. Plinio manifesta o caráter anti-igualitário dessas devoções em sua alma e na de sua extremosa mãe.

 

Outro dia veio-me ao espírito a seguinte ideia: Há pessoas que, ao rezarem, têm toda a impressão de que estão falando com um Santo, ou com Nossa Senhora, ou com Nosso Senhor Jesus Cristo, e que eles estão ouvindo e considerando, como um de nós, o que dizem. Outras têm a impressão de que há um vidro entre elas e os Santos, e que não se podem pôr propriamente na presença deles.

Profunda humildade ao rezar a Nossa Senhora

Comigo dá-se uma coisa curiosa: sinto uma superioridade muito grande dos seres celestes. E com Nossa Senhora nem se fale! Eu A sinto como no alto de uma ogiva a uma distância colossal de mim, e que assim mesmo existe certo atrevimento de minha parte em me aproximar. Aquilo que São Luís Maria Grignion diz, “petit vermisseau et misérable pécheur”(1), é bem a impressão que eu tenho.

Estou certo de que Ela me ouve, mas numa impassibilidade de ícone, e aquilo que eu digo chega lá por um eco amortecido, fraco, distante. Maria Santíssima toma conhecimento completo, mas da parte d’Ela não procede nada para mim porque não sou digno disso. É a impressão. Eu sei, teologicamente, que não é assim, e rezo com a certeza de que não é, mas a impressão é esta.

Numa ou noutra rara ocasião tenho a sensação de que Nossa Senhora, daquela distância, sorri com uma afabilidade muito grande. Mas não sei bem se sou eu que subo ou Ela que baixa. Mas sinto que a distância diminui e é como se eu falasse muito de perto com Ela. Mas é de relance. Depois restabelece aquela distância…

Não é uma distância in oblíquo, mas como se houvesse um vidro grossíssimo entre a Santíssima Virgem e eu.

Contudo, gosto muito dessa distância, porque satisfaz o meu desejo de admirar e contemplar.

Alegria em sentir-se insignificante

A tendência de minha piedade é de imaginar Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus, Nossa Senhora, todos os Anjos e Santos enormes, com distância extraordinária, por assim dizer fabulosa. E, sentindo-me muito pequeno, de algum modo nessa separação sinto uma união. É o prazer de me sentir insignificante. Aquilo me enche de contentamento, de uma alegria, de uma dedicação, de espírito filial que corresponde a um modo de ser.

Sei, teologicamente, que não há essa distância. Ela é Mãe de misericórdia, e se eu tivesse uma dúvida neste ponto, me desintegrava na hora; então nada é nada na terra de ninguém. Mas, enfim, é o modo de ser de cada um.

Por exemplo, confiança. Quando eu falo da confiança, e até de senti-la, é como se partisse daquele alto nicho um verão suave, perfumado, mas a distância continua a mesma.

Isso pode ser visto de modos diferentes, mas creio que para mim, provavelmente, é uma via.

Tudo o que estou dizendo é muito natural, não tem nada de extraordinário, é comum. Mas outro dia eu estava rezando o Rosário e isso sobreveio assim: pela primeira vez ocorreu-me rezar os mistérios do Rosário como quem estivesse junto a Nossa Senhora, comentando com Ela o que eu pensava de cada um daqueles fatos que se passaram. E um pouco como quem pergunta o que Ela teria sentido naquela ocasião. Mas achei que essa era uma situação diferente das habituais. Rezei até muito bem o Rosário assim.

Digo isso para mostrar como é uma coisa individual, que não deve ser tomada como padrão.

Desde então tenho rezado o Rosário assim, com proveito. Neste caso, vem certa impressão de proximidade d’Ela, fazendo contraste com o que acabo de dizer.

A vida consiste em cumprir os desígnios de Deus

Um corolário saudável disso é a ideia preconcebida e preestabelecida de que Deus, Nossa Senhora têm o direito de nos tratar — se pudéssemos nos exprimir assim, sem blasfêmia — do modo mais “despótico” que se possa imaginar, permitindo que nos aconteçam as coisas aparentemente mais irracionais, mais arbitrárias e mais pungentes. Isso é inteiramente natural, porque corresponde a essa desproporção. Portanto, não temos que reclamar, nem estranhar, nem alegar direitos, nem nada disso.

Um aspecto que me impressionava em mamãe era notar como se davam os acontecimentos mais imprevistos e, debaixo de certo ponto de vista, mais ilógicos, e ela os tomava como se fossem a coisa mais natural do mundo.

Mamãe não tinha direitos a alegar perante Deus. Ele era Senhor dela, como de todas as criaturas, podendo fazer o que bem entendesse. Ela sabia que isso correspondia a desígnios de misericórdia d’Ele. Mas existe aquele mistério: Nosso Senhor Jesus Cristo pediu para se afastar o cálice d’Ele “se possível”. Ora, para Deus tudo é possível! É um mistério, porque Deus quis que o holocausto fosse até lá. E da parte do Divino Redentor, a plena submissão, como quem dissesse: “Diante de vossos desígnios absolutos, de vossos direitos, de vossa sabedoria Eu Me dobro. Dai-Me apenas forças”. Isso eu notava em Dona Lucilia muitíssimo.

Ela rezava com muito afeto, e sua devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a Nossa Senhora, era muito impregnada de ternura. Mas ela rezava com muito empenho quando queria obter as coisas. Entretanto se não as obtivesse, era com uma naturalidade, uma paz de alma, a maior do mundo!

Naquela fotografia em que mamãe tem aproximadamente 50 anos de idade, ela está cheia disso. Encontra-se na voragem da dor, mas não pergunta a Deus por quê. É assim e deve ser assim. Há um desígnio de Deus e a vida consiste em cumprir os desígnios de Deus. E, portanto, se é assim não se discute. O que é uma posição fundamentalmente anti-igualitária.

Estado de espírito de Dona Lucilia em relação a Deus

Mas eu tenho visto gente que é protuberantemente o contrário disso, e em quem percebo laivos de atitudes deste gênero: “Eu peço a Deus, mas Ele, lá nas coisas d’Ele, a mim não atende. Atende a todo mundo, mas não a mim. Ele comigo faz o contrário do que eu queria que acontecesse”.

Não era esse, absolutamente, o estado de espírito de Dona Lucilia. Esse estado de espírito de um terceiro em relação a Deus, que cobra, invectiva, alega direitos, não está naquela fotografia, em nada!

Mais ainda: no fundo, essa paz que vemos no Quadrinho(2), sob o qual se poderia escrever a frase: “Ite vita est”, é como quem diz: “Eu fiz a vontade d’Ele até o último elemento, bebi todo o cálice de fel, até a última gota. Mas está bebido, e agora chegou minha hora de ajudar os outros”.

Sem dúvida, uma das coisas mais tocantes para mim naquela fotografia, em que mamãe tem cerca de 50 anos, é essa resignação dela no meio da dor. Vê-se que ela não entende e há qualquer coisa de uma pergunta ansiosa: “Como será, por que será?”, mas sem o menor laivo de revolta, de inconformidade, nem nada. É como alguém que adora o mistério do sofrimento que está tendo.

Isso partia de uma ideia altíssima que mamãe tinha de Deus.

Aliás, uma coisa curiosa: ela nos ensinou o Pai-Nosso de um modo um pouquinho diferente da fórmula corrente. Não sei se no tempo dela se tinha introduzido, talvez no hábito brasileiro ou pelo menos de Pirassununga, um acréscimo que era: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje, Senhor…” Este “Senhor” não está na oração dominical. Durante algum tempo eu rezei o Pai-Nosso assim. Depois, por conformidade com a Igreja, suprimi o “Senhor”. Mas a minha alma se regozijava de poder dizer este “Senhor”. O “Senhor” calha ali com uma precisão, no ritmo da oração, muito bem. Suprimi, porque a Igreja ensina de um modo diferente. Quando mamãe rezava alto, conosco, nas Sextas-feiras Santas, não saía o “Senhor”. Eu acho que ela, em certo momento, se deu conta também e suprimiu.

Mas era a ideia do “Dominus” cheio de bondade, de misericórdia, de carinho, que estava no espírito dela. Ela tinha muito isso, mas muito!

Doçura dentro na majestade

No tocante ao meu relacionamento com Nosso Senhor, com Nossa Senhora, eu sempre tive e continuo a ter aquela certeza, que a graça de Genazzano(3) corroborou, de ser atendido diante de problemas que envolvem a Causa Católica. Por exemplo, quando recebi a graça de Genazzano, eu me lembro perfeitamente da impressão que tive de Nossa Senhora tomando aquela atitude, fazendo-me entender o que Ela quis que eu compreendesse. Ali sim, não tenho dúvida nenhuma de que foi uma graça, uma promessa.

Depois me contaram que o provincial dos agostinianos do Santuário, a quem haviam narrado o fato, disse que esse tipo de graça era característico da Mãe do Bom Conselho de Genazzano. Para mim, não tem dúvida nenhuma: Nossa Senhora me concedeu essa graça.

Lembro-me de que o quadro d’Ela como que se animou. Não tive nem um pouco a impressão de que Ela estivesse falando comigo. Mas o quadro como que adquiriu uma vida dulcíssima, revelando um interior d’Ela, mas com uma suavidade inexprimível. Porém, conservando sempre essa superioridade. De maneira que era um sorriso materno dentro do esplendor e da majestade.

Segundo meu modo de ser, essa doçura que se manifesta dentro da majestade é mais doce do que fora da majestade.

Naquele hino a Nossa Senhora do qual gosto muito, “Si quæris cœlum, anima, Mariæ nomen invoca…”, há uma estrofe que é assim: “Pelo nome d’Ela fogem as culpas e as trevas, as dores da doença e as úlceras. Aos vencidos se desatam os pés, e para os navegantes as águas se tornam mansas.”

Acho muito bonito! Aliás, toda essa cançãozinha é linda! “Se tu queres o Céu, ó alma, invoca o nome de Maria. Pois aos que invocam Nossa Senhora as portas do Céu se abrem”.

São grupos de quatro estrofes. É como se houvesse asteriscos entre elas:

“Glória a Maria, Filha do Padre e Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Esposa do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos, amém.”

“Pelo nome de Maria os Céus se alegram, os Infernos estremecem. O céu, a terra e os mares, o mundo inteiro se rejubila.”

Tem muita candura.

Por exemplo, estou falando disso, mas não se dissocia de Nossa Senhora no Céu, altíssima, puríssima e, por causa disso, exercendo sobre a Terra essa ação benfazeja, enorme! Não há mares, não há trevas, não há coisas que Ela não domine, em razão de ser tão boa e estar tão alta.

Sensibilidade eucarística diante do Santíssimo Sacramento exposto

Já minhas Comunhões não costumam ser sensíveis. Aliás, tenho, por assim dizer, mais sensibilidade eucarística quando estou diante do Santíssimo Sacramento exposto do que quando comungo.

Em geral, quando estou diante do Santíssimo Sacramento, fico muito, mas muito tocado. A noção da presença d’Ele me comove muito. Mas na Comunhão, paradoxalmente, de um modo habitual, menos sensível. O que predomina é a presença de um Visitante desmedidamente grande, a Quem se trata de pedir. Daí calhar inteiramente, no meu modo de ser, o método de Comunhão sugerido por São Luís Maria Grignion de Montfort: pedir que Nossa Senhora venha à minha alma para recebê-Lo. E Ele encontrando-A como dona desta casa e fazendo-Lhe as honras por mim, tenho então muito comprazimento. Donde dirigir a Ele, por meio d’Ela, os atos de adoração, reparação, ação de graças e petição. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/7/1985)
Revista Dr Plinio 211 (Outubro de 2015)

 

1) Do francês: vermezinho e miserável pecador.

2) Quadro a óleo, que muito agradou a Dr. Plinio, pintado por um de seus discípulos, com base em uma das últimas fotografias de Dona Lucilia. Ver Revista Dr. Plinio n. 119, p. 6-9.

3) Ver Revista Dr. Plinio n. 21, p. 16-23.