Magníficos Príncipes celestes

Desde toda a eternidade, foi designado para cada homem um Anjo Custódio a velar incansavelmente, dia e noite, por seu protegido, inspirando os bons pensamentos, defendendo dos assaltos inimigos. Aos Anjos devemos rogar em todos momentos difíceis da vida.

 

Deus dispensa a água às criaturas em condições muito diferentes. Se considerarmos o globo terrestre, notaremos como a água nos é concedida aos borbotões. Em primeiro lugar o oceano, depois

todos os rios que saem de dentro da terra e correm para o mar e o enchem continuamente, além de tudo aquilo que na natureza está colocado em estado gasoso nas nuvens. Com esta criatura água quantas coisas maravilhosas Deus fez!

Uma gota de orvalho

Entretanto, Ele realizou também com a água uma pequena joia e a multiplicou indefinidamente por todos lugares onde há plantas. Quem não viu e não se encantou com uma gota de orvalho, contemplando-a tão pura, tão límpida e com um tal modo de guardar a luz que bate sobre ela, que a luz parece passear dentro da gotinha e se regalar de imergir naquela pureza?!

De tal maneira a gota de orvalho me encanta que me lembro, em pequeno – quando estava sozinho porque não queria passar por extravagante –, de que, vendo o orvalho numa folha, eu a aproximava dos lábios e sorvia uma gota. Porque, sendo menininho, não podia me convencer de que uma coisa tão linda não tivesse um sabor muito gostoso.
Quando punha aquilo nos lábios percebia que não era saboroso, mas arranjava um pretexto para mim mesmo a fim de conservar minha ilusão. E pensava: “Quando for adulto – sem essa gente que está por aí e não entende nem vê nada –, algum dia irei com um copo numa mata e o encherei de orvalho. Só essa gota não me faz sentir o inteiro sabor, mas se eu tivesse um copo cheio, que beleza e delícia seria! Mais gostosa do que o champanhe”.
Algo semelhante ocorre com relação aos discursos, às conferências, à oratória…
No momento, só tenho a oferecer uma gota de orvalho. É uma pequena reflexão sobre matéria piedosa. Embora tenha tratado desse assunto em diversas ocasiões, é um tema tão bonito, tão admirável, que merece ser aprofundado um pouco: os Anjos da Guarda.

Anjos que regem os corpos celestes

Como ensina a Teologia, os Anjos são divididos em nove categorias sobrepostas umas às outras. A mais alta é a dos Serafins, que veem Deus mais direta e plenamente, conhecem maravilhas que as categorias inferiores não chegam a ver, e lhes contam aquilo que eles contemplaram.
Muita coisa que em Deus é mistério, Ele quer, na sua bondade, que os Anjos superiores entendam e contem para os que lhes estão abaixo. E assim as noções a respeito do Criador vão descendo e chegam à categoria menos excelsa, básica, que são exatamente os Anjos da Guarda.
Entretanto, esses também são tão esplendorosos, tão magníficos, que, às vezes, os Santos aos quais aparecem pensam que eles são Deus. E os Anjos precisam dizer-lhes: “Não, Deus é excelsamente mais alto, não tem comparação!” Eles veem Deus face a face e contam um pouco a respeito do Criador.

Deus outorgou para cada criatura humana um Anjo da Guarda. Como também se admite, cada estrela tem um Anjo especial para regê-la, de maneira que se tudo anda tão certo é porque os espíritos celestes estão conduzindo aquilo a funcionar direito. Os Anjos têm meios para isto porque são puros espíritos e recebem de Deus diretamente as ordens de como fazer. Então tudo sai perfeito.
Recentemente, Júpiter foi perfurado por um outro corpo celeste. Isso sucedeu por ordem de Deus, pois tudo se dá porque o Criador quer e na medida em que Ele quer. É possível que de futuro aquilo tenha uma explicação, foi um aviso misericordioso para os homens: “Prestem atenção, aí vem o castigo, qualquer hora pode acontecer isto com a Terra!”
Nossos Anjos da Guarda, que não nos perdem de vista de dia nem de noite, pois quando dormimos eles velam por nós, veem que estamos lendo a notícia sobre Júpiter e obtêm a graça de Deus de poderem sussurrar à alma de cada um de nós – sem que percebamos que estão sussurrando, temos a impressão que é pensamento nosso – o seguinte: “Pense nisto porque, de repente, se houver um castigo, a ponta de um outro planeta poderá tocar na Terra e atingirá você; tenha medo, arrependa-se!” É o Anjo da Guarda que fala para a alma com carinho, bondade e, se diz com força, faz como o bom pai quando, às vezes, chicoteia o seu filho.
Afirma a Sagrada Escritura: “O pai que poupa a vara ao seu filho odeia seu filho” (cf. Pr 13, 24). Poupar aqui quer dizer não chicotear quando é necessário. É a palavra de Deus, ditada pelo Espírito Santo.

Sob a tutela de fiéis custódios

O Anjo da Guarda está continuamente debruçado sobre a pessoa. E quando um de nós, por exemplo, precisar andar sozinho pelas ruas das cidades contemporâneas, tão cheias de poluição e imorais, peça ao Anjo da Guarda na hora de sair de casa:
“Meu Santo Anjo, acompanhai-me, protegei-me, falai à minha alma, livrai-me dos maus olhares, evitai os inimigos que possivelmente querem me liquidar, os desastres que podem me massacrar, trazei-me todo o bem, fazei acontecer isto, aquilo e aquilo outro”.
E quando estiver caminhando, lembre-se de uma coisa reconfortante: o Anjo da Guarda nunca abandona o seu protegido. De maneira que, à medida que avança ouvindo os próprios passos ressoarem sobre o cimento da rua, pode pensar: “Meu Anjo da Guarda está me vendo”. E se alguém está tentado, diga: “Meu Santo Anjo, protegei-me, afastai esse demônio de mim!”
Sem dúvida, todos nós quereríamos muito conhecer nossos Anjos da Guarda. Sabemos que existem, a Teologia nos dá informações sobre eles, mas não os vemos. Entretanto, eles nos veem. Ao mesmo tempo em que estão velando por nós, contemplam a Deus face a face e conversam uns com os outros sobre o que eles veem na Terra, o andamento da Revolução e da Contra-Revolução e os desígnios divinos. E como Deus não lhes conta muita coisa que vai fazer, eles examinam o que o Criador realiza para ver se deduzem pela inteligência o que Ele fará, e conversam uns com os outros sobre isso mas, à maneira de um cântico, porque são superiores a nós em toda linha.
O que vou dizer agora apresento como uma impressão exclusivamente pessoal, de maneira que se a Igreja disser que não é assim, rejeito imediatamente, porque Ela é infalível, eu sou falível.
Tenho a impressão de que, desde toda a eternidade, cada um de nós foi escolhido para ser beneficiado com a tutela, a proteção de um Anjo. E cada Anjo Custódio tem uma certa parecença com seu custodiado. Se nós o conhecêssemos ficaríamos pasmos de ver como ele “sente” como nós, quer aquilo que os nossos lados bons desejam, gosta do que gostamos, a ponto de nos sentirmos um parente próximo de um Príncipe celeste tão magnífico como aquele.

 

Anjos da Excelsa Rainha

Nossa Senhora, segundo muitos místicos, foi acompanhada na Terra por milhares de Anjos que A protegiam e A defendiam. Entre as meras criaturas, não há nenhuma que tenha, debaixo de nenhum ponto de vista, nenhuma medida, proporção com Nossa Senhora.
A Virgem Maria é de uma perfeição, santidade, até de uma formosura incomparável, que ninguém é capaz de conceber. E se tal é a excelcitude de Nossa Senhora, como imaginar a estatura dos Anjos que A custodiaram e que A circundam agora no Céu? É algo a perder de vista!
Pois bem, Ela é a Rainha dos Anjos; Ela tem pena de nós, olha-nos como para filhos doentes, de uma doença chamada pecado original, e reza por nós e nos obtém o que não poderíamos conseguir por nós mesmos. Daí o fato de dizermos na Salve Rainha: “Vida, doçura, esperança nossa, salve!”
Assim, sugiro que, quando tiverem dificuldades, tentações, façam uma jaculatória rápida: “Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, já que a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, guarda, governa e ilumina”. E voltem o olhar para Aquela que é nossa e dos Anjos Rainha.
Eis a gota de orvalho que eu tinha a oferecer.v

(Extraído de conferência de 30/7/1994)

Há 27 anos entrava na Eternidade…

Um Varão todo Católico e Apostólico, Plenamente Romano

O século XX foi marcado de um extremo ao outro pela luminosa trajetória de um homem que amou tão ardorosamente a Santa Igreja, que não desejou que se colocasse em seu túmulo outra inscrição senão esta: “Plinio Corrêa de Oliveira, vir totus catholicus et apostolicus plene romanus – varão todo católico e apostólico, plenamente romano.”

Quem foi, afinal Dr. Plinio?

Dr. Plinio é o fundador da TFP.

A resposta não diz tudo.

Sua atuação pública revela um homem incomum, suscitado pela Providência para invectivar os erros de seu século e indicar os rumos dos tempos vindouros.

Quem se limitasse apenas a ler as obras escritas por Dr. Plinio não conseguiria abarcar toda a riqueza de sua invulgar personalidade, assim como aquele que contempla a fachada de uma bela e grandiosa catedral medieval não é capaz de ter ideia das maravilhas encerradas em seu interior.

É preciso subir as escadarias, atravessar os amplos umbrais repletos de hieráticas imagens de santos e anjos, e penetrar na atmosfera recolhida da nave central, à qual a luz multicolor dos vitrais dá a aparência de um portentoso caleidoscópio celestial.

Era a impressão que tinham aqueles que puderam conviver com Dr. Plinio, à medida que percebiam as virtudes sobrenaturais de sua virginal e combativa alma, entre as quais se destacavam um ardente amor a Deus, uma Fé inabalável e confiança absoluta no auxílio divino, tudo iluminado por uma entranhada e filial devoção à Santíssima Virgem.

Passou a vida fazendo o bem!

Por ocasião dos 27 anos de sua entrada na Eternidade, lembramos uma faceta de sua vida que chama especialmente a atenção, dentro do abundante tesouro da alma desse varão íntegro:

A busca incessante e ardorosa do benefício e santificação das almas (sobretudo aquelas que Maria Santíssima confiara aos seus cuidados de pai espiritual) às quais ele devotava o melhor de seu zelo, de sua benevolência e de sua compaixão pelas fraquezas alheias.

Em seu afã de encaminhar a todos nas vias da virtude, era auxiliado por um impressionante dom de perscrutar até o fundo os corações, o que lhe possibilitava, com extraordinário acerto, dar um conselho adequado a cada situação.

Sempre disposto a amparar e a oferecer a boa doutrina a qualquer pessoa que recorresse às suas orientações, vencia as barreiras que encontrasse, não levando em conta classe social, condição intelectual, formação cultural, grau de prestígio ou outra característica do consulente. Cada um se sentia tratado por ele como filho – e filho único!

Se acontecia que algum dos seus, cedendo ao peso das solicitações do mundo, deixava-se extraviar das sendas do bem, Dr. Plinio, como o protagonista da parábola, transformava-se no bom pastor que vai atrás da ovelha perdida.

Sem nada diminuir da imensa solicitude com que velava por todos sob sua guarda, punha-se ao encalço da alma tresmalhada, buscava-a no meio dos espinheiros em que se embrenhara, tratava-lhe as feridas e, com indescritível carinho, tomava-a sobre os ombros para conduzi-la de volta ao redil.

Em muitos de seus aspectos, a vida de Dr. Plinio se assemelhou, assim, a um círio que ardeu continuamente no serviço do próximo.

Desde o momento em que despertava pela manhã, até a hora de se deitar, sua existência era um incessante holocausto pelo apostolado.

Contatos telefônicos, conversas durante todas as refeições, atendimentos particulares, conferências, palestras e reuniões de estudo, as famosas “palavrinhas” (causeries, em geral com os mais jovens), qualquer atividade era tomada por ele como mais uma ocasião para sustentar, conduzir, incentivar na prática da religião Católica Apostólica Romana, e no recurso contínuo à Rainha do Céu.

“Peço que sejam sumamente devotos de Nossa Senhora durante toda a vida”

           “Tenha mais devoção a Nossa Senhora”, era a recomendação mais frequente ouvida de seus lábios.

Ainda no seu último mês de vida, preso ao leito de hospital, Dr. Plinio manteve acesa a preocupação por seus discípulos, edificando a todos pela prática ininterrupta daquela “sede de almas” que tanto aconselhava e prezava.

Não podia acontecer que, ao deixar este mundo, Dr. Plinio rompesse o liame espiritual com seus dirigidos. Pelo contrário, deveria fortalecê-lo.

Aos 27 anos da partida desse admirável católico para a Eternidade – a par de exprimir as saudades do inesquecível convívio, da direção segura e confiável, e daquele olhar paternal, bondoso e compreensivo – é dever de gratidão assinalar que Dr. Plinio solidificou esses laços de alma.

Temos certeza de que tem ele observado, rigorosa e dadivosamente, a promessa feita quando, pela primeira vez, tomou providências para a eventualidade de seu falecimento:

           “São tais os vínculos de alma que tenho com cada um que me é impossível mencionar aqui especialmente alguém para lhe exprimir meu afeto.

           Peço que Nossa Senhora abençoe a todos e a cada um. Depois da morte, espero junto a Ela rezar por todos, ajudando-os assim de modo mais eficaz do que na vida terrena.

           Aos que me deram motivos de queixa, perdôo de toda a alma. Em qualquer caso, a todos e a cada um peço entranhadamente e de joelhos que sejam sumamente devotos de Nossa Senhora durante toda a vida.

         “Por sua misericórdia inefável, quererá Nossa Senhora ter-me, depois de minha morte, aos pés de seu trono por toda a eternidade.

         Lá estarei orando por todos, até que junto a Ela o nosso número seja completo”.

(Testamento de 10/1/1978 e carta anexa)

A grande alegria de Maria Santíssima

Costuma-se representar Nossa Senhora com o Coração transpassado por sete gládios, símbolo das sete principais dores pelas quais sua alma santíssima passou.
Eu gostaria de ser pintor para representar a Mãe de Deus subindo ao Céu com seu Imaculado Coração à mostra e dos gládios saindo raios refulgentes. Porque essa era a grande alegria d’Ela: os tormentos sofridos, as lutas aceitas.
Também vai ser a nossa. Quanto mais sofrermos, mais devemos nos lembrar da glória e alegria que teremos na passagem desta Terra para o Céu e, sobretudo, na visão beatífica pelos séculos dos séculos.
Peçamos a Maria Santíssima, nesta festa de sua Assunção, que essas considerações tenham vida em nossas almas.
(Extraído de conferência de 15/8/1966)

Assunção de Maria: triunfo de Deus, glória da Criação

Os homens costumam realizar magníficas cerimônias de triunfo para festejar seus heróis. De modo superexcelente, por ocasião da Assunção, Nosso Senhor Jesus Cristo preparou para sua Mãe momentos de glória inexcogitáveis.

A Assunção de Nossa Senhora foi constituída em dogma pelo Papa Pio XII há poucos anos. Esse dogma foi ardentemente desejado pelas almas católicas do mundo inteiro, por ser mais uma das afirmações a respeito d’Ela que A coloca fora de paralelo com qualquer outra mera criatura, justificando o culto de hiperdulia que a Igreja Lhe tributa.

Suave morte seguida da ressurreição

Nossa Senhora, depois de uma morte suavíssima, qualificada com uma linguagem muito bonita pelos autores como a “dormição”, para indicar que, apesar de ter sido uma morte verdadeira, entretanto, mais pareceu um simples sono; Ela, depois da morte, ressuscitou como Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi chamada à vida por Deus e subiu depois aos Céus, na presença de todos os Apóstolos ali reunidos, e de uma quantidade muito grande de fiéis.
A Assunção representa para a Santíssima Virgem uma verdadeira glorificação aos olhos de toda a humanidade até o fim do mundo, e o prêmio que Ela deveria receber no Céu.

Momento sublime, espetáculo incomparável

 

Seria interessante se pudéssemos fazer uma recomposição de lugar para imaginarmos, à nossa maneira e de acordo com nossa piedade, como a Assunção se passou, uma vez que a respeito dela não existem descrições, havendo uma multidão de aspectos que poderiam ser representados.
Nossa Senhora subindo e, em baixo, os Apóstolos ajoelhados, rezando, com algo de inefavelmente nobre, sublime, recolhido, interior; todos eles com as expressões dos personagens de Fra Angélico. Em cima, o céu enchendo-se gradualmente de Anjos, também ao modo de Fra Angélico. O céu material tomando coloridos os mais diversos, com matizações, irradiações magníficas, de maneira tal a apresentar um espetáculo absolutamente incomparável.
Se Nossa Senhora pôde dar ao céu um colorido tão magnífico, tão diverso e produzir fenômenos tão excepcionais em Fátima, por que o mesmo não se teria dado por ocasião de sua Assunção ao Céu?
Ela, em oração, Se coloca de pé; o respeito e recolhimento tomam conta de todos os que estão ao redor; a semelhança física d’Ela com Nosso Senhor Jesus Cristo vai crescendo, vai se acentuando cada vez mais.

A glória de Nosso Senhor transfigurado vai se comunicando a Ela, cada vez mais Rainha, cada vez mais majestosa, cada vez mais Mãe também. Todo o seu íntimo se manifestando de modo supremo nesta hora de despedida. Alguns Anjos se aproximam, talvez os mais esplêndidos do Céu, e acompanham Nossa Senhora. Ela vai subindo…

Aos poucos o Céu vai se transformando, aquela maravilha vai mudando. A terra volta ao aspecto primitivo, os homens retornam às suas casas com a sensação que tiveram após a Ascensão de Nosso Senhor: ao mesmo tempo maravilhados e com uma saudade sem nome; desolados por algum lado, mas levando na retina algo que nunca tinham visto, nem podiam ter imaginado a respeito de Nossa Senhora.
É impossível pensar neste triunfo terreno, sem pensar no celeste que veio logo depois.

A glória da Rainha, prelúdio do Reino de Maria

 

O triunfo de Nossa Senhora começa no Céu! A Igreja Gloriosa inteira vai recebê-La, todos os coros de Anjos, São José, Nosso Senhor Jesus Cristo A acolhe, Ela é coroada pela Santíssima Trindade.
É a glorificação de Nossa Senhora aos olhos de toda a Igreja Triunfante e Militante. Com certeza, neste dia a Igreja Padecente teve uma efusão de graças extraordinárias, e não é temerário pensar que quase todas as almas do Purgatório tenham sido libertadas por Ela. De maneira que também ali houve uma alegria enorme. Assim podemos imaginar como foi a glória dessa nossa Rainha.
Algo disso se repetirá, creio eu, quando vier o Reino de Maria.
No momento em que o mundo estiver transformado e a glória de Nossa Senhora brilhar sobre a Terra, terá começado o reinado d’Ela de modo efetivo, e os dias maravilhosos de graças, como nunca houve antes, começam a se anunciar.
Antes de contemplarmos a glória de Nossa Senhora no Céu, nós haveremos de contemplá-la na Terra, certamente, com algo que poderá nos dar, com uma tal ou qual analogia, com alguma semelhança desse triunfo sem nome que deve ter sido, mesmo aos olhos dos homens, a glória de Maria.
Houve triunfos que os homens prepararam para seus grandes batalhadores, por exemplo, quando as tropas francesas, que venceram os alemães, desfilaram sob o Arco do Triunfo, depois da Guerra de 1914-1918. Quando pensamos no triunfo preparado para o MacArthur1; em tantos triunfos que os romanos preparavam para os seus generais vencedores. Assim, devemos compreender que Nosso Senhor Jesus Cristo, que é infinitamente mais generoso, deve ter premiado Nossa Senhora, no triunfo d’Ela aos olhos dos homens, de um modo incomensuravelmente maior, e que deve ter havido tudo quanto há de mais glorioso e triunfal nesta hora da Assunção de Nossa Senhora.

O senso da glória de Maria

Meditando nisso, aproximamo-nos da festa da Assunção, pensando qual virtude devemos pedir a Nossa Senhora. É claro que cada um deve pedir aquela de que mais carece. Mas não haveria demasia em pedirmos a Ela uma virtude em específico: o senso da glória d’Ela, para compreendermos bem tudo quanto representa sua glória na ordem da Criação, e o quanto esta é a mais alta expressão criada da glória de Deus. Devemos ser sedentos de afirmar e defender – por uma virtude de combatividade levada ao seu último extremo –, a glória de Nossa Senhora na Terra.
Que Ela faça de nós verdadeiros cavaleiros, verdadeiros cruzados d’Ela, lutando por sua glória na Terra. Essa me parece a virtude mais adequada a pedir nesta festa de glória, que é a Assunção de Nossa Senhora.v
(Conferência de 14/8/1964)

1) Douglas MacArthur, oficial militar norte-americano (*1880 – †1964) que desempenhou um papel preponderante durante a Segunda Guerra Mundial.

 

Mãos para confortar quem sofre e esmagar as heresias

São Pio X era para todos os que o visitavam o pai por excelência, de coração inexprimivelmente suave e compassivo. Aconselhou a Comunhão quotidiana e a das crianças, incentivou a devoção a Nossa Senhora e também condenou o modernismo. Fez ver a todos os fiéis que se as mãos de um Papa e de um Santo são maternais para cicatrizar as feridas de quem sofre, sabem esmagar os erros e as heresias.

De origem humilde e não tendo passado pela admirável escola de formação política que é a carreira da diplomacia pontifícia, o Santo Padre Pio X teve de arcar com a sucessão do Papa Leão XIII.

Igreja ameaçada por uma das crises mais complexas e graves

 

Quando este último ascendeu ao trono pontifício, encontrou a Igreja em situação delicadíssima, ameaçada de todos os lados por uma das crises mais complexas e graves de sua História. Desenvolvendo qualidades de inteligência, habilidade e zelo que assombraram o mundo inteiro, Leão XIII, durante um longo pontificado que foi uma série ininterrupta de triunfos, alterou profundamente esta situação crítica.
Com tudo isto, sua personalidade marcantíssima de tal maneira assombrou os contemporâneos que, quando o velho Pontífice expirou, era impressão unânime que o pontificado de seu sucessor ficaria irremediavelmente esmagado pelo confronto inevitável com as glórias dos dias em que reinara Leão XIII. Esta impressão cresceu de ponto quando se soube da eleição de Pio X, cuja personalidade parecia despojada de todos os predicados que em Leão XIII haviam brilhado com tão intenso fulgor. Neste sentido, a imprensa declaradamente ímpia ou simplesmente neutra explorou com uma insistência insolente o contraste entre Leão XIII e Pio X.
Na realidade, não faltavam a Pio X altos predicados de inteligência e cultura, porém, inútil tentar equipará-los ao de seu imortal antecessor. Entretanto, aos poucos, da personalidade do novo Pontífice começou a se irradiar uma luz suavíssima que atraía e iluminava o mundo inteiro. De uma bondade verdadeiramente angélica, de uma piedade que deixava transparecer o mais vivo e ardente espírito sobrenatural, Pio X era para todos os peregrinos que o visitavam, bem como para toda Cristandade, o Pai por excelência, de coração inexprimivelmente suave e compassivo, sempre disposto a acolher a expansão de todas as mágoas, de todos os sofrimentos, de todas as dores que pungem o homem neste vale de tristezas. E para cada qual encontrava sempre a palavra adequada, escolhida com uma finura de tato que só os corações de escol possuem, e revestida de uma eficácia verdadeiramente carismática.
Um rápido conselho, uma palavra, até um sorriso do Papa enchia de luz os corações mais desditosos; mais ainda: sua virtude era comunicativa aos

que dele se aproximavam. Pio X foi típica e caracteristicamente o homem de Deus descrito por Dom Chautard1, estuante de vida interior e irradiando de todos os modos, em sua maneira de rezar, de falar, de agir e até de olhar, a graça de Deus que subjugava os corações mais rebeldes. E, aos poucos, notícias singulares começavam a correr entre os fiéis. Eram curas obtidas pela intercessão decisiva do Servo de Deus. Eram atos e gestos que revelavam um conhecimento sobrenatural dos fatos. Pio X era um verdadeiro Santo. Era esta a voz corrente em toda a Cristandade.

 

Tarefa soberanamente difícil, quase inexequível

Deus governa com sabedoria infinita a sua Santa Igreja, dando-lhe para as ocasiões de crise os Pontífices adequados para o momento. Desbastando o campo doutrinário em que pululavam os erros mais grosseiros, Leão XIII, dotado de zelo apostólico admirável e relevantes virtudes, precisou e definiu os contornos da ortodoxia, ameaçados e a todo momento transgredidos por fautores de ideias novas que quereriam, entretanto, continuar a se dizer católicos. Restaurando os estudos do tomismo; refutando os erros pestilenciais do liberalismo, do socialismo e do comunismo, ele imprimiu ao pensamento católico rumos definitivos e, além disto, lhes indicou as normas de ação adequadas, na imortal encíclica Rerum novarum.
Mas isto não bastava. O erro que deprava a inteligência arrasta a vontade para o mal. A debelação radical de toda a pestilência dos erros que, desde o Humanismo e a Renascença, passando pelo jansenismo, o pombalismo ou josefismo, o filosofismo, etc., se haviam atirado sobre a Cristandade infeliz, exigia uma obra mais profunda.
Era preciso reanimar as vontades tíbias, chamar à virtude as pessoas mal-intencionadas, arrancar o pecador ao seu pecado e inspirar no homem um verdadeiro horror às veredas ímpias seguidas por seus contemporâneos. Um erro se define, se refuta e se condena. É tarefa árdua, mas francamente realizável. Porém retificar uma vontade sinuosa, dar novo calor a uma alma enregelada pela tibieza, avivar a chama do bem que bruxuleava até na alma de muitos católicos retos, eis aí tarefa difícil, soberanamente difícil, quase inexequível. Foi a obra que a Divina Providência confiou a quem com inexcedível eficácia a poderia realizar: a um Santo, a Pio X. E, por isso, disse certo historiador da Igreja que o reinado de Pio X foi dos mais gloriosos e difíceis que tenhamos visto.

Condenação da música profana nas cerimônias religiosas

Para que essa obra fosse levada a cabo era preciso, antes de tudo, que do Santuário fossem eliminadas as escórias de todas as influências meramente naturais e profanas. Pio X se imortalizou por sua obra de reerguimento dos estudos e da piedade dos fiéis acerca da Sagrada Liturgia, com o que concorreu notavelmente para o aperfeiçoamento do senso católico. A Sagrada Liturgia é a própria voz da Igreja que ora. Estudá-la, conhecê-la, amá-la, inserir-se na vida sobrenatural que ela comunica, corresponder generosamente, com a mortificação e a vida interior, às graças que ela transmite, com isto só podia lucrar imensamente a piedade dos fiéis.
Entretanto, havia um obstáculo, além do desinteresse, desconhecimento e ignorância em que em não raros lugares estavam os conhecimentos litúrgicos. Era a música profana que se associava às celebrações religiosas, roubando-lhes sua dignidade, seu caráter sobrenatural, toda a sua austeridade.

Como fazer? Atraídas por toda sorte de diversões novas, as massas fugiam ao santuário. Se a Igreja lhes tirasse a música profana, muito mais acessível ao gosto moderno do que o cantochão ou até polifônico, as igrejas se esvaziariam de vez. Não seria melhor contemporizar? É o eterno problema dos que julgam que o melhor meio de propagar verdades consiste em as diluir e ocultar, como se o mais eficaz modo de disseminar a luz fosse quebrá-la com um abat-jour…
Pio X pensou de modo radicalmente diverso. No seu famoso Motu Proprio2, condenou formalmente a música profana nas igrejas e, desembaraçando dessa floração inconveniente e às vezes até má o ambiente do santuário, reeducou os fiéis para a apreciação do verdadeiro canto sacro. O que se lucrou com isto é fácil vê-lo em nossos dias, quando já ninguém suporta de bom grado a música profana que, por vezes, tenta reintroduzir-se pertinazmente no lugar santo.
Seria preciso todo um artigo de jornal para falar a respeito dos atos pelos quais o Santo Padre Pio X, abrindo mais francamente as fontes da graça que a obstinação dos jansenistas pretendera fechar, inaugurou na Santa Igreja uma era nova de fervor eucarístico. Aconselhando a comunhão assídua e até quotidiana, o Santo Padre determinou uma admirável eclosão de espírito eucarístico, que se manifestou pelas mais variadas obras. Por outro lado, aproximando da Sagrada mesa desde os albores da idade da razão as crianças, Pio X opôs à expansão da imoralidade e da impiedade fortíssima barreira, robustecendo as vontades e as inteligências com a graça de Deus ainda na idade da inocência.
De tudo isto decorreu um aumento de piedade em toda a Cristandade, que iluminou o reinado de Pio X com uma glória inextinguível. Devotíssimo da Mãe de Deus e Senhora nossa, Maria Santíssima, o Santo Padre Pio X incentivou notavelmente a devoção para com Aquela que a Igreja ainda proclamará solenemente a Medianeira universal de todas as graças. E, por isto, foi imensa a torrente de benefícios espirituais com que se enriqueceu a Santa Igreja.

Modernismo, “súmula de todas as heresias”

 

Mas havia um grave erro, de nenhum valor intelectual é certo, pois que não consiste senão em uma indecorosa coleção de subterfúgios, de sofismas e de mentiras, que a socapa, como serpente insidiosa, se havia insinuado entre os fiéis. Era o modernismo. Ele exprimia em última análise o esforço desesperado de certos espíritos de, conservando embora certas formas e exterioridades católicas com que não ousavam romper, aceitar ao mesmo tempo todos os erros do século.
A primeira característica do modernismo era que todas as palavras que na Igreja tem um sentido definido e tradicional valiam como índices de outro sentido no vocabulário dos modernistas. Usavam a mesma linguagem que nós, mas com outro espírito e com um segundo sentido que só com habilidade deixavam entrever em seus escritos, e apenas aos poucos iam revelando oralmente aos seus adeptos. Daí uma confiança ilimitada de espíritos ingênuos, mas às vezes retos e bem intencionados, que, vendo as aparências, julgavam salvas as realidades. E o mal circulava impune.
Em uma encíclica famosa, Pio X condenou violentamente este mal e fez ver a todos os fiéis que se as mãos de um Papa e de um Santo sabem ser maternais para cicatrizar as feridas dos que sofrem, sabem ser pesadas como montanhas para esmagar erros e matar heresias.
A Encíclica Pascendi Dominici gregis, contra o modernismo, é dos documentos mais edificantes de Pio X. Suas páginas ardem e vibram de santa indignação. Tomado de um zelo sobrenatural pela Casa de Deus, o Santo Padre denuncia com palavras de fogo o veneno que escorria sub-reptício “dentro das próprias veias da Cristandade”, e com uma precisão admirável, ponto por ponto, denunciava os subterfúgios, esmagando as alegações falsas e deixando a nu toda a vileza dessa corrente que era, segundo suas expressões, a “súmula de todas as heresias”.

Heresia que defendia os regimes sociais e políticos igualitários

Um dos lances sem dúvida mais fortes da luta de Pio X contra o modernismo se encontra na condenação do “Sillon”3. Essa organização de jovens franceses tinha tomado orientações perigosas. Apaixonadamente amiga de todas as novidades , odiando sem distinção todas as tradições, partidária sistemática dos regimes sociais e políticos igualitários e condenando os aristocráticos como anticristãos (contra o expresso ensinamento de Leão XIII), inimiga de toda autoridade a ponto de não admitir que existissem professores nem cursos organizados para seus sócios, e admitindo apenas cooperativas intelectuais, inimiga de toda seleção de membros, de um interconfessionalismo tipicamente liberal, o “Sillon” gostava de se afirmar “revolucionário” e de apontar em Jesus Cristo, Senhor nosso, um grande “revolucionário”. Pode-se imaginar a indignação de Pio X contra uma tal série de erros. Ele os condenou e fustigou em uma encíclica4 que deveria estar nas mãos de todos, de tal maneira esclarece pontos doutrinários importantíssimos, que hão de interessar os fiéis até a consumação dos séculos.

O esplendor das virtudes de Pio X havia, por fim, abafado na sua totalidade o ruído estúpido dos que, inteiramente naturalistas, julgavam que o fator mais importante do apostolado está na inteligência e não na virtude. E, por isto, o ambiente criado pela admirável figura do Papa era de verdadeiro e universal enlevo.
Infelizmente, porém, veio a guerra. E como todos sabem, não resistindo ao golpe bem como às inúmeras lutas de seu árduo pontificado, Pio X morreu.
No Céu mais um Santo se sentou no número dos eleitos e na Terra sua memória continua a embalsamar todos os corações, a edificar todas as almas e a consolar inúmeras dores. Até hoje chegam ao Vaticano cartas endereçadas a Pio X em que dos mais variados pontos da Terra os fiéis pedem ao grande Papa, cujos restos mortais sabem estar ali sepultados, que reze por eles e lhes obtenha as graças espirituais ou temporais necessárias.

A cripta em que seu corpo repousa é visitada constantemente por peregrinos. E como não está sempre aberta, no lajedo de mármore da Basílica do Vaticano, exatamente sobre a lápide embaixo da qual está o lugar em que, os restos mortais de Pio X dormem no Senhor, se fixou um sinal de metal. Em torno dele rezam os fiéis nas horas em que o local não está exposto à visitação pública.

(Extraído de O Legionário n. 553, 14/3/1943)

1) Jean-Baptiste Chautard (*1858 – †1935). Abade de Sept-Fons, França, autor da obra A alma de todo apostolado.
2) Tra le sollecitudini, 22 de novembro de 1903, sobre a música sacra.
3) Le Sillon, movimento político-religioso francês que pretendia unir o catolicismo aos ideais socialistas e republicanos franceses.
4) Encíclica Notre charge apostolique, de 25 de agosto de 1910.

 

Modelada por seu Divino Esposo

O Espírito Santo é o verdadeiro Esposo de Nossa Senhora, razão pela qual São Luís Grignion de Montfort recomenda que peçamos ao Divino Paráclito o conhecimento da Santíssima Virgem.
Por aí vemos quão razoável é o pedido da jaculatória Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terræ. Enviai o vosso Espírito e todas as coisas serão criadas, isto é, restauradas, revivescidas, reconstituídas na sua situação de maior esplendor. E, fazendo isto, Ele renovará a face da Terra. Com efeito, quando os homens receberem o Divino Espírito Santo e corresponderem, serão como que recriados e a Terra terá outra face.
Para obter a abundância do Espírito Santo, a fim de possuir o espírito do Reino de Maria e nos santificarmos, parece-me fundamental crescermos e nos aprofundarmos na devoção a Ela enquanto Esposa do Espírito Santo.
Desta maneira compreenderemos bem o que é a graça do Espírito Santo no Reino de Maria, filtrada através de sua Esposa virginal, modelada à semelhança d’Ele.
Se, pois, quisermos ser pessoas válidas para a nossa vocação, devemos pedir a Nossa Senhora que, enquanto Esposa do Espírito Santo, nos conceda o espírito d’Ela em abundância.
(Extraído de conferências de
13/3/1992 e 7/9/1994)

Coração pacífico e beligerante de Jesus

O Sagrado Coração de Jesus deve ser considerado não apenas em seu caráter pacífico e amoroso para com os homens, mas também beligerante e cheio de cólera sacrossanta para com os adversários.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é uma realidade cuja história vem carregada de mistérios, muitos dos quais só o futuro nos explicará.

 

Conceito de Revolução e de Contra-Revolução

 

Na literatura referente ao Sagrado Coração de Jesus encontram-se várias afirmações de personagens santos, os quais transmitiam mensagens cheias de esperança recebidas por vias místicas, no

sentido de essa devoção ser vencedora de um certo problema, de um determinado inimigo que, no fundo, é a Revolução. No entanto, dizem isso de um modo tão global e, ao mesmo tempo, difuso através de tantos temas que eles mesmos não sabiam bem como designar. Falavam em impiedade

contemporânea e outras expressões como esta, mas sem mencionarem explicitamente a Revolução e, por consequência, também a Contra-Revolução.
O mais extraordinário dentro disso é que em Paray-le-Monial1 quando Nosso Senhor Se revelou, embora se perceba bem que Ele tivesse em vista a Revolução, não há uma referência próxima a ela em suas adoráveis palavras.
Entretanto, não há dúvida de que o conceito Revolução e Contra-Revolução, estivesse incluído na temática da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, pelo caráter fundamentalmente militante da Igreja Católica e de tudo quanto ela faz para derrubar os seus adversários.
A este respeito, transmito algumas reflexões feitas em horas vagas, na oportunidade de tratar deste assunto.
Se consideramos as obras de escritores católicos do século XIX de cunho mais ou menos contrarrevolucionário, encontraremos a palavra revolução, mas de maneira tão vaga que não se sabe bem se eles distinguem a Revolução universal da Revolução Francesa, a ponto de muitas vezes não se notar bem se estão falando de uma ou de outra, ou mesclando ambas. Isso perturba a intelecção do que eles querem dizer, e creio que na cabeça deles o termo também estivesse confuso. Eles não viam, ou não sabiam dizer; não sei o que acontecia, acaba sendo um mistério.
A meu ver, este mistério se elucidará no decurso da Revolução, e nós devemos tratar disso com toda a reverência, com todo o respeito e afeto com que um assunto dessa natureza deve ser tratado.

Denúncia feita no “Em Defesa da Ação Católica”

Nos textos das revelações, as próprias esperanças na vitória do Sagrado Coração são meio indefinidas, de maneira a não ficar claro se uma convulsão mundial é condição necessária para se chegar a essa vitória, quando virá e que relação tem com a Revolução. São coisas que ficam numa espécie de penumbra mística que devemos saber respeitar.
Mais ainda. As revelações deixam entender que seria lógico imaginar que o Sagrado Coração de Jesus estaria incluído nos símbolos referentes à grande vitória que esmagará os adversários da Santa Igreja e por onde se declarará instaurado o Reino de Maria. Mas quando recorremos, por exemplo, às visões de São João Bosco sobre esse assunto, encontramos aquela imagem da embarcação – simbolizando a nau da Igreja ameaçada de procelas – que, em determinado momento decisivo da batalha, será amarrada a duas colunas as quais estão em pleno mar apoiadas sobre rochas. Em uma destas colunas tem no alto o Santíssimo Sacramento e na outra, Nossa Senhora Auxiliadora. O Sagrado Coração de Jesus não está representado, e, entretanto, julgar-se-ia ser um símbolo que poderia figurar.
Alguém me dirá: “Mas Sagrado Coração de Jesus e Santíssimo Sacramento, afinal de contas, é o mesmo tema.”
São temas distintos versando sobre uma mesma realidade adorável, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus e Redentor; não se pode dizer que é o mesmo tema.
Nesse contexto, há um fato histórico que deve ser levado em consideração. Até o momento presente, pelo menos, nessa luta do Sagrado Coração de Jesus contra a Revolução, torna-se claro que a vitória esperada por Ele não se deu porque apareceu uma força oposta: o progressismo, que varreu da Igreja esta devoção como, de um modo geral, as outras devoções particulares, conforme está denunciado no livro Em Defesa da Ação Católica.
Com efeito, está previsto nesta minha obra que essa força – a qual, mais tarde, receberia o título de progressista – queria suprimir todas as devoções privadas e, portanto, também a do Sagrado Coração de Jesus. Realmente, o grande movimento mundial de devoção a Ele desapareceu ou, ao menos, aquele impulso, aquela chama, passou a ser uma brasa, na melhor das hipóteses.
No que ficam, então, as previsões da vitória dessa devoção, quando estava no programa da Providência fazê-la vencer? Entretanto, Deus que conhece o passado, o presente e o futuro com igual clareza, ao mesmo tempo tinha conhecimento da tristíssima realidade contra a qual nós seríamos pregoeiros.

Facho de luz durante a noite

Em relação a certas devoções, quando introduzidas na Igreja, a economia da Providência é que elas entrem como o facho de luz de um farol durante a noite, mas não encontrem no seu caminho os seus traços coincidindo com algum outro facho de luz. Não podemos imaginar dois faróis colocados em posições simétricas e iluminando um ponto intermediário. Não conheço dois movimentos que tenham surgido em tempos mais ou menos simétricos iluminando a mesma área espiritual da Igreja Católica.

São Pedro Julião Eymard2, por exemplo. Se formos estudar tudo quanto ele diz a respeito do Santíssimo Sacramento, encontramos outro rio assombroso de riqueza, de força, que nos daria vontade de consagrar toda a vida apenas a essa devoção e a esse estudo.
Vão se formando, por assim dizer, áreas de piedade entre os católicos, de maneira que, no total, um católico passeando pela Igreja, como Adão passeava pelo Paraíso, vê maravilhas aqui, lá e acolá, e depois faz uma síntese de todas elas. Essas maravilhas foram postas para ele se embeber delas mais ou menos ao mesmo tempo em que essa síntese seja feita.
O bom católico dos tempos que precederam o movimento progressista facilmente podia ser membro do Apostolado da Oração, portanto devoto do Sagrado Coração de Jesus, congregado mariano, adorador do Santíssimo Sacramento, inscrito para fazer adoração noturna uma, duas ou cinco vezes por mês.
Essas coisas todas, que são fachos que partem de faróis diferentes e transitam através de áreas intermediárias diversas, acabam se fundindo na alma do bom católico comum, do piedoso vigário que as prega, como o fiel depois as toma e forma um conjunto que é a finalidade providencial disso tudo.
Não é preciso muito discernimento para suspeitar que aí esteja o verdadeiro plano da Providência e que nisso se percebe o mistério.

Uma ilha da qual o continente se desgarrou

 

Nossa tarefa nesta matéria é, sobretudo, a de, como católicos praticantes, carregar em nossas almas esse plateau3 das devoções juntas nesta mescla orgânica, vital, um pouco desordenada, mas desordenada apenas na aparência. Como, por exemplo, quando olhamos as estrelas no céu e temos a impressão de uma poeira brilhante jogada desordenadamente no espaço; sabemos que é uma impressão estulta. Assim também termos uma devoção neste gênero pela qual, entretanto, por nossa especial vocação, caminhamos por todas essas maravilhas através de Maria.
Notem bem que eu não estou inventando, mas procurando descrever. Somos uma ilha da qual o continente se desgarrou; ficamos com o que havia de bom no continente, procurando preservar, dar vitalidade a tudo. De maneira que quando chegar o Reino de Maria, por nossa ação natural e espontânea de filhos da Igreja que não disputam terreno uns aos outros, mas que se encontram e se rejubilam, tudo isso volte com essa naturalidade para os seus lugares.

Isto é um bouquet de flores incomparável trazido do tempo da glória para a nossa atual situação.
Fica aqui exposta o que seria a minha conduta diante dessa variedade de devoções as quais sempre me encantaram, por cuja manutenção lutei ferozmente no Em Defesa da Ação Católica; incumbe a nós sermos a ilha que transporta tudo isto intacto no meio das labaredas.

O que mais prejudicou a vitória do Sagrado Coração de Jesus

 

Há um ponto sem o qual esse conjunto não pode ser tratado: é a nota militante.
A devoção ao Sagrado Coração de Jesus teve suas formas sentimentais, com abusos de toda a ordem que poderiam ser objeto de um histórico.
Tratar, por exemplo, de algo sobre o Coração militante de Jesus arrepiaria todos os devotos formados – não teologicamente, mas pela prática ordinária – na identificação entre o Coração Sagrado de Jesus e a ternura. De maneira que qualquer coisa que excluísse a ternura seria contrária à devoção considerada perpétua e exclusivamente terna do Sagrado Coração de Jesus.
Essa concepção conduziu a uma das consequências mais funestas na Igreja no período pré-conciliar. Muito antes de ser convocado o Concílio Vaticano II, a temática sobre o Inferno tinha quase desaparecido da pregação comum da Igreja. Ela se encontrava em alguns exercícios espirituais, mas assim mesmo tratava-se do Inferno uma vez ou duas, quando muito!
Por quê? Porque Deus, Criador de todas as estrelas, de todos os corações de mãe, de todas as formas de beleza e de ternura, não poderia ser visto como o Criador do Inferno, aplicando sua sabedoria infinita em estabelecer formas de tormento infinitas, no sentido de que não cessarão jamais. Portanto, uma espécie de militância que deverá continuar depois do Juízo Final. Isso silenciado preparava a condenação das Cruzadas.
Tudo isto constitui um bloco inserido no tema do Sagrado Coração de Jesus, das suas promessas, esperanças, dos seus adoráveis mistérios, das suas demoras e do seu perfeito amor a nós.
No meu modo de entender, o que mais prejudicou a vitória do Sagrado Coração de Jesus foi o fato de determinadas pessoas piedosas, afeitas à “heresia branca”4, adotarem uma linguagem certamente muito ortodoxa, mas acentuando uma só nota.
Isso determina no espírito das almas que se consagram uma espécie de unilateralidade que, a meu ver, prejudica muito a presença combativa da Igreja no grande prœlium para o qual ela está chamada.
O Sagrado Coração de Jesus é o símbolo físico, material, do que são as disposições, o ânimo, a mente d’Ele vista, certamente, no seu sentido amoroso. Mas Ele não contém apenas o caráter pacífico na acepção corrente da palavra, é também beligerante.
O amor é pacífico e procura evitar o combate tanto quanto possível, mas traz necessariamente consigo o desejo da luta, quando ela é irremediável para alcançar a vitória justa e deter o mal nos limites em que seja indispensável contê-lo. Para isto é necessário um ódio sagrado ao mal e aos que o promovem.

De onde haver uma espécie de necessidade de que essa devoção abranja tanto as disposições amorosas, no sentido até de carinhosas, do Sagrado Coração de Jesus para conosco, mas também a ira d’Ele contra os seus adversários. E, portanto, despertando em nós uma posição de ira, de quem já não tolera de braços cruzados a situação e, caso todos os meios persuasivos se tornarem ineficazes, está disposto a fazer andar os acontecimentos para frente, de qualquer maneira justa e santa. Isso era algo que, de ponta a ponta, faltava na mentalidade das associações promotoras da devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

 

Espírito de Cruzada

Se consideramos a presente situação, com católicos moles que não combatem, em grande parte isso vem de uma certa unilateralidade da linguagem sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e que abrange depois outras formas de devoção, por onde o espírito dos cruzados verdadeiramente parece ter naufragado nos meios católicos.

Ora, admitir que o espírito de Cruzada naufragou na Igreja seria afirmar que a Esposa de Cristo errou, em determinado momento ela andou mal, o espírito de Cruzada não é próprio a ela, e a devoção ao Sagrado Coração de Jesus representa uma estimável retificação desse espírito.
Ora, em face disso nossa posição não é de fazer silêncio sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus – isto nunca! –, mas de reparar essa lacuna, de maneira a tornar essa devoção atraente para aqueles a quem a graça chama para a luta.
Se tivesse tempo para isso, eu me deliciaria em pegar toda a literatura sobre o Sagrado Coração de Jesus e analisar debaixo desse ponto de vista: a ira no Sagrado Coração de Jesus. O que se faria não só procurando alguma repercussão disso na linguagem das aparições, mas também colhendo no Evangelho os exemplos dessa cólera sacrossanta. Com efeito, quem vibrou de indignação ao enxotar os vendilhões do Templo foi o Sagrado Coração de Jesus, que sofria, recebia a repercussão do que a mente d’Ele conhecia e execrava no grau que sabemos.

Mas esta seria uma retificação respeitosa, sem nada de panfletário ou capaz de desviar. No fundo, é apenas o preenchimento de um vazio no mosaico que torna o quadro completo.
Vindo o Reino do Coração Imaculado de Maria, uma de nossas preocupações deve ser a de mostrar que esse exílio da ira santa representou, em última análise, uma das principais causas da ineficácia crônica das coisas católicas.v

(Extraído de conferências de 19/2/1995 e 5/3/1995)

1) Cidade da França onde Jesus apareceu diversas vezes a Santa Margarida Maria Alacoque, no convento das irmãs da Visitação.
2) Sacerdote francês Fundador da Congregação do Santíssimo Sacramento (*1811 – †1868).
3) Do francês: bandeja, tabuleiro.
4) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.v

Mãe da filha primogênita da Santa Igreja

À maneira da flor do cacto que desabrocha entre os espinhos, Santa Clotilde, do meio de um povo pagão e bárbaro, faz germinar nas fontes batismais de Reims a nação primogênita da Igreja, conferindo a ela sua graça, beleza e fé.

Em 3 de junho comemora-se a festa de Santa Clotilde. Sobre ela há uma referência tirada da obra L’Année Liturgique de Dom Guéranger.

Grande vocação nascida entre infortúnios

Santa Clotilde foi aureolada pela glória de uma maravilhosa maternidade espiritual, pois foi graças a essa rainha que, numa noite de Natal, nascia nas fontes batismais de Reims, a nação primogênita da Igreja. Clotilde foi preparada pelo sofrimento para o grande destino que Deus lhe reservava. A morte violenta de seu pai, destronado por um usurpador fratricida, seus irmãos massacrados, sua mãe afogada no Ródano, seu novo cativeiro na corte ariana do carrasco que trazia consigo a heresia ao trono dos borguinhões, desenvolveram nela o heroísmo do martírio e a fizeram mãe de um povo.

Santa Clotilde foi aureolada pela glória de uma maravilhosa maternidade espiritual, pois foi graças a essa rainha que, numa noite de Natal, nascia nas fontes batismais de Reims, a nação primogênita da Igreja. Clotilde foi preparada pelo sofrimento para o grande destino que Deus lhe reservava. A morte violenta de seu pai, destronado por um usurpador fratricida, seus irmãos massacrados, sua mãe afogada no Ródano, seu novo cativeiro na corte ariana do carrasco que trazia consigo a heresia ao trono dos borguinhões, desenvolveram nela o heroísmo do martírio e a fizeram mãe de um povo.

 

Vocações cujos méritos vêm de Nossa Senhora

Dom Guéranger mostra muito bem o contraste havido no começo da vida dessa rainha e o fim. No início opressa, perseguida, etc. De repente, sobe ao trono, mas de um rei pagão e bárbaro, o qual se converte. Ele se convertendo surge daí uma nação católica. Vemos assim a linda vocação que ela possuía.

Todas as vocações muito bonitas começam de um modo tremendo.

São contragolpes, dificuldades, coisas impossíveis, etc. É desses espinhos que germina a vocação bonita. Fala-se muito da beleza da rosa, mas há uma flor que rivaliza com ela em formosura e talvez seja mais bonita: a flor do cacto.
O cacto é uma planta horrenda: geralmente grossa, espinhada, sem perfume nem forma definida, uma espécie de animal antediluviano no reino vegetal. Pois bem, disso brota essa beleza de flor.
Assim também são as grandes vocações. Elas nascem de sofrimentos inenarráveis, decepções tremendas, revezes que se entrecruzam, derrocadas inesperadas.
No meio disso tudo, à maneira da flor do cacto que desabrocha entre os espinhos, vai surgindo uma maravilha que é a vocação, cujo êxito não se deve a nenhum mérito humano, mas a Nossa Senhora.
Em uma de suas epístolas São Paulo diz: “Quem lhe deu primeiro, para que lhe seja retribuído?” (Rm 11, 35) Quer dizer, primeiro Deus nos dá algo, depois fazemos algo por Ele e premia em nós o próprio dom concedido. Essa realidade convém muito termos em vista.
E aqui está Santa Clotilde, sob essa interpretação. Desde pequena preservada e guiada para isso, não porque ela tenha feito algo, mas porque a Providência quis e ela foi correspondendo. Aí está a santidade e o mérito dela. Mas no início foi todo ele de Deus.

“Felizes os povos aos quais foi dada uma mãe, pela divina munificência”

 

Em seguida a ficha diz:

Deus quis que o homem saindo de suas mãos ainda sem poder contemplar diretamente seu autor, encontrasse como primeira tradução de seu amor infinito a ternura de uma mãe. Isso dá às mães essa facilidade única de completar, pela educação, na alma do filho, a reprodução completa do ideal divino que deve nele imprimir-se.
O pensamento de Dom Guéranger é belíssimo. Como o Criador faz o filho nascer de sua mãe, ela tem uma intuição especial para completar nele a obra divina. Isso é real em relação à mãe terrena, mas se refere muito mais a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, na qual somos gerados e que te

m, portanto, uma intuição materna para completar em nós a obra de Deus. E essa verdade se aplica também de modo insondável a Nossa Senhora.

Continua o texto:
E se tão grande é a maternidade na ordem da natureza, muito mais sublime ainda o é na ordem da graça. É o exemplo da Santíssima Virgem, Mãe de Deus e, como decorrência, Mãe de todos os homens. E toda maternidade não foi, desde então, num verdadeiro sentido, senão uma decorrência da de Maria, uma delegação de seu amor e a comunicação de seu augusto privilégio de dar aos homens que devam ser seus filhos. A dignidade de mãe cristã foi acrescida por

Maria a um ponto em que a natureza nunca poderia suspeitar.

Como Clotilde, frequentemente a esposa, preparada pelo divino sofrimento, ver-se-á dotada de uma fecundidade mil vezes maior do que a terrena. Felizes os homens nascidos, pelo favor de Maria, dessa fecundidade sobrenatural, que resume todas as grandezas. Felizes os povos aos quais foi dada uma mãe, pela divina munificência.
Ele faz aqui uma linda comparação. O que Santa Clotilde foi para os franceses, Nossa Senhora o é para todo o gênero humano. Ela é a mãe de todos os católicos.
E assim como da graça, da beleza e da fé de Santa Clotilde originou-se a nação, outrora da fé, da graça e da beleza, assim também nós ao nascermos de Maria Santíssima. Ela nos comunica a sua beleza espiritual, a sua graça e sua fé. Somos seus filhos porque tudo recebemos d’Ela, e por Ela somos gerados.v

(Extraído de conferência de 3/6/1969)

Combateu os vícios propulsores da Revolução

São João Batista disse a Herodes aquilo que hoje ninguém tem coragem de dizer à Revolução: “A ti não é lícito!”
Aquele que era o modelo da penitência foi chamado a preparar as almas para receber Nosso Senhor, abatendo as colinas, isto é, quebrando o orgulho, e preenchendo os vales, ou seja, eliminando a impureza. Portanto, suprimindo os dois vícios que são as causas da Revolução: orgulho e sensualidade.
Quem de tal maneira calcou aos pés a soberba e a luxúria foi também uma magnífica manifestação do destemor.
Sem dúvida, o homem que abateu o orgulho, lutou contra a impureza, disse as verdades e cortou o caminho à impiedade, era digno de ser o precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Deveríamos nos inspirar nesse modelo para ser varões sérios, altaneiros, intrépidos, corajosos, que falam em nome de uma verdade eterna e, por isso, não se sentem intimidados nem diminuídos diante de ninguém.
Rezemos a São João Batista pedindo-lhe que nos obtenha o ódio aos dois vícios propulsores da Revolução e a coragem de dizer a verdade integral em face de quem quer que seja.

(Extraído de conferências de
24/6/1965 e 20/9/1965)

Auxílio dos Cristãos, solicitude maternal concedida aos homens

 

Ao comemorar a festa de Nossa Senhora Auxiliadora a Santa Igreja evoca o auxílio maternal dispensado pela Santíssima Virgem a todos os homens. Considerando cada um como se fosse filho único, Maria se desdobra em desvelo e atenções, realizando assim sua missão de Medianeira de todas as graças.

No dia 24 de maio a Santa Igreja comemora a festa de Nossa Senhora Auxiliadora. Essa invocação foi introduzida na Ladainha Lauretana por São Pio V, em comemoração da vitória alcançada contra os turcos, em Lepanto. A festa foi instituída por Pio VII, em ação de graças por sua volta à Roma depois de ter sido preso por Napoleão.

Lepanto, um dos fatos mais gloriosos da história da Civilização Cristã

Temos para comentar uma ficha a respeito da Batalha de Lepanto. Convém sempre relembrar as glórias da Civilização Cristã e, portanto, trazer à memória esse acontecimento, o qual é um dos mais gloriosos dentro dessa história. No entanto, será a respeito de Nossa Senhora Auxiliadora que teceremos considerações.

A ficha é tirada do livro sobre Lepanto, de Garnier1:
Agostinho Barbarigo, capitão veneziano, era o chefe da ala esquerda das galeras, na batalha de Lepanto. Soldado famoso, era aceito

como verdadeiro líder da armada de Veneza.

Em Lepanto, em meio à luta, foi cercado habilmente pelos generais Siroco e Uluç Ali.
Pelo menos cinco adversários o contornaram e seus navios lançavam nuvens de flechas que cobriam a popa da nau capitania de Barbarigo. Durante uma hora inteira ele sustentou o assalto turco. Depois, com o auxílio de outras galeras conseguiu, finalmente, passar à ofensiva. Na confusão desse ataque furioso, conseguiu aprisionar o capitão Siroco.

Sempre hábil na manobra e corajoso até a audácia, Barbarigo abordou depois a galera de Uluç Ali, cujo mérito guerreiro era bem conhecido e o fez prisioneiro também. A batalha prosseguiu violentamente. Em dado momento, Barbarigo percebeu que não era bem entendido pelos seus comandados, porque seu capacete cobria-lhe o rosto. Lançou-o então fora para ser melhor ser ouvido. Nesse momento, os inimigos intensificaram o lançamento das setas.

Preveniram então o capitão do perigo de lutar sem capacete. Respondeu ele: “É menor o perigo de correr tal risco do que ser mal compreendido em tal momento”. Logo foi atingido por uma flecha no olho e entregou o comando a seu imediato.
No dia seguinte, o excelente Barbarigo ouviu dizer que a vitória coubera aos cristãos. Ele levantou as mãos aos céus, pois não podia abrir a boca para pronunciar uma palavra; sua ferida o impedia. Ele exprimiu sinais de alegria e reconhecimento a Deus.
O episódio é muitíssimo bonito, quer pela audácia de Barbarigo, quer pelo espírito de fé, integridade e inteireza de alma com que ele aceitava esse ferimento o qual deveria ser terrível. Uma flecha no olho, que chega a impedir a pessoa de falar, podemos imaginar as profundidades atingidas por ela e quais os efeitos causados.

Como crianças, abandonados aos cuidados de Maria Santíssima

Passo a comentar Nossa Senhora sob o título de Auxiliadora dos Cristãos. Por mais evidente que seja, há ocasiões em que as coisas óbvias devem ser lembradas.
Auxiliadora dos Cristãos é a invocação de Nossa Senhora enquanto tendo a missão, a vontade e o hábito de socorrer os cristãos. Cada um desses conceitos: missão, vontade e hábito, merece um comentário.
Primeiro, a missão. Maria Santíssima foi criada para ser Mãe de todos os cristãos, de forma especial, e de todos os homens, de modo geral. Ela tem essa incumbência, entregue pela Providência a todas as mães, de velar por seus filhos. Esse encargo não deve ser visto como o da mãe junto ao filho crescido. Por mais respeitável e dileta que seja a figura materna em todas as idades do homem, há uma fase na qual ele carrega a responsabilidade de seu próprio destino, inclusive protege a sua mãe mais do que é protegido por ela. Porém, nós devemos ver as nossas relações com a Santíssima Virgem não como a de um adulto com sua mãe, mas como a de uma criança. Porque o papel d’Ela junto a nós é este.

Como explicar isso sendo algo tão contrário à piedade moderna, da concepção antipaternalista, do indivíduo evoluído, amadurecido, “desalienado”? O que estou dizendo, do ponto de vista hodierno e revolucionário, é uma barbaridade. Entretanto, é o melhor suco da piedade católica nesse gênero de assuntos.
O ser humano está nesta Terra em estado de prova e de luta, no qual sua alma vai se desenvolvendo para a maturidade plena a ser atingida no momento da morte. Vistos do Céu, somos como crianças em formação. A nossa verdadeira idade adulta é aquela na qual Deus colherá a nossa alma, pois aí teremos alcançado – se formos fiéis à graça – a perfeição para a qual fomos criados. De maneira que, desde o aspecto sobrenatural, a vida terrena é um educandário, e a maturidade é a morte. Nossa Senhora nos vê, por conseguinte, como espíritos em evolução.
Coloquemo-nos na perspectiva da sociedade contemporânea, com todos os desastres, as desordens, os desregramentos morais e o caos nela existentes, e perguntemo-nos qual a impressão transmitida por ela ao ser analisada por um bem-aventurado, o qual vê Deus face a face e está confirmado em graça. É tal a precariedade, a incerteza, a debilidade e o desatino do gênero humano, que, considerado pelos Anjos e Santos, ele é uma criança de maus bofes, mal encaminhada.
Compreendemos, portanto, que a Virgem Maria tenha para conosco a missão que se tem para com um filho bem pequeno, dando uma assistência inteira, ajudando em todas as horas, protegendo de todos os modos.
Do alto do Céu Maria Santíssima tem constantemente presente a existência de cada um daqueles que estão na Terra, no Purgatório, como também dos que se encontram na morada celeste. A cada instante Ela tem conhecimento simultâneo e perfeito de todos.

Nossa Senhora ama a cada um como sendo filho único

De outro lado, Ela ama a cada um como nunca uma mãe terrena amou seu filho. Não conseguimos medir as solicitudes da Santíssima Virgem, como Ela acompanha, reza, obtém graças e guia a vida de cada um. E faz isso de maneira tal como se aquele fosse o único a existir; e sobre esse ponto eu gostaria muito de fazer uma insistência.
Quando rezamos para Nossa Senhora, temos a impressão de que Ela olha para todos, como para uma multidão e, assim sendo, mal discerne a cada um. Quando chega de nossa parte um brado muito angustiado, Ela pode prestar um pouco mais de atenção. Mas fora disso, aquilo se perde no tumulto da humanidade e dos séculos.
Essa visão é completamente antiteológica e falsa, a ponto de quem sustentasse isso não poderia lecionar Catecismo, de tal maneira o contrário é elementar. A impostação de alma que deveríamos ter ao nos dirigirmos à Virgem Maria é, antes de tudo, nos lembrarmos disso: Ela me vê, conhece e ama como se existisse só eu.
Suponhamos que aparecesse nosso Anjo da Guarda e nos dissesse: “Nossa Senhora irá parar, durante uma hora, de atender as orações do mundo inteiro, para olhar só para você. No universo inteiro se fará silêncio. E vai ser apenas a sua súplica que subirá a Ela e as graças d’Ela descerão para você”. Em primeiro lugar, nós ficaríamos para lá de comovidos. “Como é possível isso? Que honra! Eu não mereço! Eu tenho medo…! Mas, de outro lado, que maravilha!” Enfim, produziria inúmeras reações.
Todavia, isso se dá sempre. Quando rezamos em conjunto, é como se cada um o fizesse sozinho e o universo inteiro tivesse parado, e Ela estivesse prestando atenção só em um. Eu acho indispensável termos isso bem fincado na alma, do contrário não há piedade mariana viva e sincera. Fica-se apenas no esquema pseudoteológico, limitado, sem voo nem realidade.
De fato, se Nossa Senhora, durante uma hora, abandonasse tudo para olhar só para um, o universo ruiria nessa ocasião, porque ele todo vive do olhar e da proteção d’Ela, sendo Ela a Medianeira de todas as graças de Deus, papel central e contínuo. Essa é a missão.

Completo desinteresse do autêntico amor materno

Discorramos agora sobre o conceito vontade.A Virgem Maria não é infinita, é mera criatura, mas insondavelmente perfeita. Não temos ideia de como é a excelência d’Ela. Ora, uma pessoa perfeitíssima ama com amor perfeitíssimo sua própria missão. Basta Deus ter mandado para Ela querer por inteiro. Mas não é só isso. Nossa Senhora quer bem a cada um de nós individualmente, do modo como nós somos. Com aquela espécie de desinteresse do amor materno autêntico, no qual a mãe não ama o filho por causa da carreira, nem do auxílio, nem de nada disso, mas porque ele é ele.

Tudo quanto uma mãe dedica de bom em relação ao fruto de suas entranhas, Maria Santíssima tem de modo inimaginável por nós. Ela gosta de nos olhar, de nos querer bem e de ser querida por nós. Em Deus, é claro. Ou seja, na medida em que formos conformes ao Divino Artífice ou possamos nos converter para Ele. É assim que Ela nos quer.
Quando nos ajoelhamos diante de uma imagem, ou até mesmo quando oramos interiormente, devemos ter a convicção de que esse ato é grato a Ela. Isso é assim mesmo se estivermos em estado de pecado, pelo desejo que Ela tem de nos tirar dessa via. Por tudo isto Ela tem a vontade de nos amparar. Quando uma mãe tem esse desejo em relação ao filho, ela quer assisti-lo de todo jeito, de qualquer modo, e a todo momento.

Liberdade filial, característica do verdadeiro devoto da Santíssima Virgem

Por fim, Maria tem o poder de nos ajudar a todo instante, nas coisas grandes, sobretudo na vida espiritual, para nos santificarmos, para servirmos a Igreja, a Causa Católica. Ela nos favorece também em nossas necessidades, inclusive pequenas. Portanto, um comprovado devoto de Nossa Senhora pede-Lhe qualquer coisa, as menores que queira, por exemplo, estando à espera de um táxi, pedir que este venha logo. Ele deve estar continuamente implorando tudo, desde que convenha para sua salvação e santificação.
*_*_*
A Santíssima Virgem é tão boa, que podemos até dizer o seguinte: “Minha Mãe, dai um jeito de tal coisa convir à minha santificação, porque eu a estou querendo muito”. Pois devemos possuir uma total liberdade filial para com Ela, sem nada de hirto. Se Ela não nos atender é porque nos dará outra coisa melhor do que a pedida.
Conto um episódio da vida do grande Dom Chautard. Ele encontrou-se certa vez com Clemenceau, político francês, de muitíssima personalidade, muito inteligente, contudo, muito anticlerical.
Sabe-se que os anticlericais odeiam de modo peculiar os contemplativos, por os acharem inúteis. Com base nesse pressuposto, podemos conceber o contato entre ambos: Clemenceau, chamado “o Tigre” pelo jeito e pela força de personalidade, e Dom Chautard, que hipnotizava até leões, sendo isso histórico na vida dele.
No encontro, começaram a conversar e Dom Chautard contou todas as suas ocupações. Então, Clemenceau lhe disse:
— Mas o senhor precisa me ensinar como encher tanto o tempo, porque eu não consigo pôr todas as minhas ocupações dentro do dia e o senhor consegue dispor tantas dentro do seu.
Dom Chautard respondeu:

 

— Senhor Ministro, é muito fácil: se o senhor acrescentar a todas as suas ocupações o rezar todo dia, quinze minutos, um terço bem rezado, dará tempo para tudo, como dá para mim.

Isso pareceria uma afronta. Pois bem, o Tigre engoliu a provocação do domador. Não disse nada. Para propor a um anticlerical de rezar o terço todo dia… Não se pode cogitar algo de mais ousado, sobretudo se considerarmos como era o anticlericalismo do tempo de Clemenceau: um devora-frades horroroso.
Nesse desafio, o qual tinha qualquer coisa de hercúleo, entrava uma realidade: todo mundo vive no corre-corre, com falta de tempo. Se rezar mais, sobra mais tempo para os afazeres; os problemas se resolvem com menos enguiço, menos encrenca, se arranjam melhor. Para tudo se consegue tempo por sermos sustentados por Nossa Senhora até nas coisinhas. É questão de pedir com empenho.

O melhor de seu amor, Maria reserva para os lutadores da Fé

Aí está Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos. Entretanto, o que significa a palavra “cristãos”?
Há uma tese de Teologia da História, famosa e admitida por todos os autores: o mundo existe para os bons e os outros existem pela intenção de Deus que eles acabem sendo bons. No entanto, o centro da História, por onde ela é governada, são os eleitos.Por conseguinte, a Virgem Maria é sobretudo Mãe dos cristãos, e por cristão devemos entender o católico apostólico romano. Em relação aos outros, Ela é Mãe para os trazer à Igreja ou para os salvar. Mas o melhor de seu amor materno é para os católicos, para os que professam a verdadeira Fé.
Se isto é assim, o que dizer do afeto d’Ela para com aqueles que dedicam a vida ao serviço da Religião? Sobretudo em uma época de apostasia universal, inclusive dentro da Igreja? Já não é uma prova de predileção ter recebido esse chamado, mesmo não merecendo? E, além disso, ser conservado nessa epopeia, dádiva que desmerecemos de tantos modos? Entretanto, Ela nos deu isto.
Consideramos um privilégio o fato de São João Evangelista ter estado ao pé da Cruz. Pois bem, ser filhos inteiramente ortodoxos dentro da Igreja, sem pacto nenhum com a Revolução, em luta contra ela, perseguidos por ela, é estar ao pé da Cruz numa hora de abandono como nunca houve desde que Nosso Senhor morreu, visto que nunca a Fé foi tão negligenciada como em nossos dias. De maneira que, quando dirigimos preces a Nossa Senhora, nós deveríamos nos considerar ao pé da Cruz, com o Divino Redentor agonizante e sua Mãe Santíssima tendo nos atraído para aquela solidão e para a participação naquela dor.
Quanta coisa nos atreveríamos a pedir nessa circunstância! Quanto perdão, quantas graças! É assim que devemos nos ver.

Recorrer é corresponder à solicitude de Deus

Uma última consideração: O bom ladrão, como diz Santo Agostinho, roubou o Céu. Foi o primeiro Santo a ser canonizado. Como ele obteve essa indulgência? Teologicamente é certo: pela oração de Maria Santíssima. Por ser Ela a Medianeira universal, só recebemos graça por meio d’Ela. Se ele conseguiu isto, quanto mais nós alcançaremos para a Santa Igreja, para nós e tudo o mais!
Isto devemos guardar e tomar o hábito de lembrar antes de rezar a Ela. Preparar o espírito e passar o dia inteiro suplicando. Quando não estivermos recitando as orações diárias, façamos jaculatórias. Então nossa alma encontrará a paz e teremos correspondido, de algum modo, à solicitude de Deus ao nos ter outorgado a Santíssima Virgem como auxílio. Com isso terminamos nossa meditação sobre Nossa Senhora Auxiliadora.v

(Extraído de conferência de 24/5/1969)

1) GARNIER, François. Journal de la bataille de Lepante. Éditions de Paris, 1956.