Flashes com a santidade da Igreja

As graças atuais, dons divinos que iluminam nossa inteligência e auxiliam nossa vontade para realizar o bem e nele perseverar, constituem fator inestimável para a nossa santificação. Dr. Plinio nos contará a seguir circunstâncias de sua vida nas quais, à maneira de “flashes”, essas graças lhe foram concedidas a fim de compreender e contemplar verdades eternas, como a divindade da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

 

Ao dissertar a respeito dos flashes(1), procuro descrever antes o que se passa na alma dos outros, em vez de analisar os meus próprios movimentos interiores. Instado, porém, a dar um testemunho pessoal, volto-me para minhas lembranças dos vários fla­shes que tive desde menino, enriquecidos, avolumados com o passar dos anos, e conservados por mim numa espécie de síntese de todos eles.

Os meus flashes de infância são tão remotos e, naturalmente, marcados por algo de tão incipiente e pueril, que evocarei apenas dois exemplos, esperando satisfazer assim a filial curiosidade dos meus ouvintes.

O órgão, um universo de sons

Recordo-me da primeira vez que prestei atenção no timbre do órgão. Encontrava-me na Igreja do Coração de Jesus para assistir Missa e, de súbito, começaram a tocá-lo. Certamente já o tinha ouvido em outras ocasiões, mas nunca lhe dera importância. Entretanto, naquele momento recebi um verdadeiro flash, pois tive a impressão de uma plenitude de sons capaz de ser expressa pelo instrumento, de modo muito adequado, embora sintético. Não como o universo de acordes ao alcance de qualquer piano de bairro, mas cada som trazendo consigo a conotação de uma miríade de outros acentos, de maneira que um dó varia num mundo de dós, o mesmo sucedendo com o ré, o mi, etc.

Mais ainda. Com a profusão de registros, o universo sonoro do órgão é desencadeado, manipulado e posto em movimento pela pessoa que o dedilha, acompanhado da ideia de haver nele ressonâncias prodigiosamente harmônicas, pois cada som é um protótipo que se multiplica, desdobra-se, fomenta-se pelas diferentes vibrações. Esta harmonia interna em cada nota se reproduz, por sua vez, na relação de umas com as outras, e o teor desse comércio no mundo dos sons é um lindo símbolo de todos os estados de espírito, normais, dignos e bons, no convívio humano.

Logo, há uma reversibilidade entre o universo moral do homem e o dos sons. Acima de tudo, paira a ideia de que só a Igreja Católica pode ter inspirado, presidido e levado a cabo essa visão de conjunto. Daí a conclusão: a Igreja Católica é santa; portanto, divina.

Naturalmente, essa concepção não vinha ao meu espírito com essa clareza. Era um flash, como qualquer pessoa pode ter, pois é conforme à nossa natureza, quando meninos, termos essas impressões instantâneas, riquíssimas, análogas a um inopinado nascer de sol, sem aurora, surgindo direto na plenitude do meio-dia.

Não me foi difícil perceber que no flash haveria uma verdade — “il y a de vrai là dedans”, dizem os franceses — a ser escavada de modo indefinido. E no decorrer dos anos consegui explicitá-la, como acabei de fazê-lo. Não se imagine, pois, ter sido eu um menino genial, uma espécie de “Mozartzinho” da Filosofia… Minha capacidade intelectual não chegava a tanto.

Compreendendo a divindade da Igreja

Certo tempo depois, tive essa mesma sensação na Igreja de Santa Cecília, onde, pela ação do Divino Espírito Santo, discerni a santidade e a divindade da Igreja Católica, em oposição à Revolução. E compreendi como me seria concedida a graça de pertencer inteiramente à Esposa Mística de Cristo, no momento em que todas as potências de minha alma vibrassem em uníssono com aquele órgão. Então meu espírito teria alcançado sua plena realização.

Foi um flash deveras intenso, corroborado pelas vívidas impressões determinadas por alguns aspectos do edifício sagrado.  Por exemplo, os vitrais dessa igreja são autênticos, com belas policromias, e mais atraentes que os comuns dos templos da cidade de São Paulo (em geral, apenas janelas com vidros coloridos, sem maiores labores artísticos).

Na mencionada ocasião, levado por minha família para alguma cerimônia litúrgica, entrei na Igreja de Santa Cecília numa hora em que os raios do sol atravessavam os vitrais da capela-mor e também os situados ao longo da nave central, do lado esquerdo de quem olha para o altar principal. Estavam iluminados, com as suas tonalidades imersas em maravilhosa harmonia, tomando rutilância e brilho extraordinários.

Admirei aquele esplendor e pensei: “Que cores! Como seria agradável morar dentro de um desses vitrais! Se houvesse um espaço habitável, onde tudo fosse como essa apoteose de colorido, e eu pudesse passear de vitral em vitral por vários ambientes, sem qualquer empecilho, apenas me alimentando dessas cores, do ar e do perfume condizentes com elas, eu seria capaz de perceber harmonias e belezas de uma ordem do ser maravilhosa, que não pertence a esta Terra.

“Se eu pudesse morar nesse espaço, perceberia também que minha alma se sentiria completamente realizada ao fazer tal excursão através do mundo dessas cores banhadas pelo sol. Então, penetrar num verde ou azul absolutos, observar todo o percurso da luz — desde a aurora até o crepúsculo — através dessas cores que iriam mudando de tonalidades, sem ninguém me interromper nem perturbar! O tempo todo estaria ali, tecendo reflexões e contemplações baseadas nesses coloridos…”

Não é difícil entender que essas meditações seriam de caráter religioso, e que se fosse materialmente possível semelhante situação, eu me sentiria feliz ao extremo, por me ter sido franqueado o conhecimento de umas tantas coisas muito mais valiosas que aquelas pelas quais os homens têm apreço.

Compreendi, pois, o que era a santidade, a perfeição e a divindade da Igreja Católica, aplicando aos vitrais o mesmo raciocínio feito a propósito do órgão.

“Nunca me separarei da Igreja Católica!”

Num passo seguinte, corri os olhos sobre uma galeria existente na nave central, com pinturas em estilo mosaico, retratando bispos antigos do Brasil, revestidos de seus paramentos, cada um deles no seu pequeno pedestal, em atitudes convencionais, provavelmente bem diferentes da realidade histórica, mas exprimindo algo do bispo ideal.

Eu os observava e pensava: “Meu Deus, que coisa fantástica! Na ordem espiritual, esses bispos são o que as cores daqueles vitrais significam na ordem natural. Cada uma dessas almas é como um vitral da Igreja Católica. Isso é maravilhoso!”

Em seguida, vi os quadros do martírio de Santa Cecília e outros objetos de arte. Aquilo tudo encheu minha alma, tocada com um verdadeiro flash.

Ao sair de lá, concluí: “Da Igreja Católica não me separo nunca! Fui feito para ela e sem Ela a vida não tem sentido. É mesmo divina, e n’Ela creio. A apologética será útil para outros. Para mim, a prova dessa divindade está dada”.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 80 (Novembro de 2004)

 

1) Sobre a doutrina dos “flashes”, ver “Dr. Plinio” nº 55, págs. 16-20.

Nossa Senhora das Graças

Santa Catarina Labouré encontrou Nossa Senhora no presbitério, sentada numa cadeira que até hoje se pode venerar na capela da Rue du Bac. E chegou a falar com Ela, apoiando seus cotovelos nos joelhos de Maria Santíssima!

Que deve ter restado na alma de Santa Catarina durante a vida inteira, por aquilo que ela viu, nem sei dizer. Mas certamente Nossa Senhora comunicou-lhe uma grandeza de alma e uma obediência cada vez maior. Quando ela era agraciada, nas sucessivas visões, Santa Catarina Labouré ficava mais obediente. Cada vez mais ela compreendia aquele universo de santidade que havia no Coração da Mãe de Deus e, portanto, lhe ficava mais claro o absurdo de desobedecer à Santíssima Virgem.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/3/1995)

Porte régio e virginal

Certa noite, uma belíssima imagem de Nossa Senhora das Graças, de tamanho natural, foi transportada para o auditório onde Dr. Plinio fazia conferências aos membros do Movimento por ele fundado. Diante dessa imagem, ele teceu as considerações que a seguir reproduzimos.

Não me lembro de quando vi, pela primeira vez na minha vida, uma representação de Nossa Senhora das Graças. Mas na minha mais tenra infância — oito, nove, dez anos — já esse sorriso expresso na imagem me acompanhava. Não como algo no qual eu pensasse de modo ininterrupto, mas à maneira de uma recordação: alguma coisa que vi e ficou na minha memória, na minha veneração, no meu afeto, sem que constituísse objeto contínuo de minhas cogitações. De vez em quando, vejo essa invocação, encontro uma imagem, uma estampa, uma medalhinha, ou alguma outra coisa que me fala de Nossa Senhora das Graças.

Revelações a Santa Catarina Labouré

Não tenho palavras para lhes exprimir com que cuidado tomei conhecimento das revelações de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, cujo texto li com uma atenção com que um tabelião não leria uma escritura pública. Quer dizer, palavra por palavra, pormenor por pormenor, procurando entender, observar e compor bem o conjunto de fatos que caracterizaram aquelas revelações. Evidentemente, não houve uma ocasião em que, estando em Paris, eu não fosse mais de uma vez à Rue du Bac, onde se deram as aparições.

Tudo isto está presente em meu espírito, mas, como dizia, não é objeto de uma cogitação contínua. Entretanto, nunca aconteceu que, olhando para uma imagem, estampa, figura de Nossa Senhora das Graças, ou simplesmente para o verso da Medalha Milagrosa — onde tem aquele “M” com o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria —, eu não sentisse, de modo muito distante, muito vago, ou muito próximo, o que a imagem a qual estamos contemplando diz de um modo tão esplêndido.

Como sinto e como se me afigura a imagem de Nossa Senhora das Graças?

Descrição da imagem

Há nela dois aspectos que se completam: Ela está simplicíssima, seu traje não comporta um adorno. A imagem foi concebida de tal maneira que as dobras de seu manto são todas muito bonitas, caem muito bem, mas é o traje de uma dama, de uma mãe de família qualquer, de Belém, de Nazaré, de Jerusalém, naquele tempo, apresentando-se na simplicidade de sua vida cotidiana. Ela possui uma túnica e sobre esta um manto; e outro manto que cobre a cabeça e os ombros. Tudo o mais simples possível.

Entretanto, há qualquer coisa que incute um profundo respeito e nos faz notar que a pessoa representada veio de muito alto. De uma altura que é o Céu, mas do ápice do Céu; acima d’Ela está apenas Nosso Senhor Jesus Cristo.

Além do respeito, a imagem incute uma veneração que não se sabe como exprimir! Será a virginalidade do rosto? A fisionomia é indiscutivelmente virginal, todo o porte é virginal. Será o régio? Não houve rainha que tivesse tanta majestade. Para fazer uma comparação inadequada: a encantadora Maria Antonieta fica reduzia às proporções de uma boneca de pano perto d’Ela.

Mas, de outro lado, tão presente, tão íntima, tão afagante! Tem-se a impressão de que se Ela nos olhasse, algo do Céu apareceria.

Benignidade, benevolência, doçura

Ela está na atitude de quem olha para a pessoa que estivesse aos seus pés, rezando. E estende as mãos, como quem diz: “Persuada-se! Sou Eu mesma, estou aqui para ajudá-la, favorecê-la e cumulá-la de graças”.

Fica-nos também a impressão de que as mãos acabam de entregar presentes magníficos, e a pessoa foi beneficiada com dons não provenientes desta Terra, e que, evidentemente, são graças. Da imagem se evola uma benignidade, uma benevolência, uma doçura à maneira de um sorriso. Ela propriamente não sorri, mas tem um comprazimento que eu chamaria de “trans-sorriso”.

Alguém que fosse sorrir não estaria em condições de exprimir tudo quanto há nesta imagem. É, ao pé da letra, um “trans-sorriso”, algo que vai além de toda expressão.

E o gesto das mãos parece nos dizer: “Vinde, pedi mais, desejai mais, Eu vos darei tanto quanto pedirdes! Aproximai-vos, não tenhais medo, sou Eu mesma que vim aqui para estar convosco!”

Em meio às mil batalhas, preocupações e aflições, pormenores e providências, e ao fragor — não recuo diante da palavra — das angústias de que nosso caminho está cheio, não é possível termos um repouso melhor do que parar, olhar para a imagem de Nossa Senhora das Graças e, compreendendo tudo isso, pensar: “Ah, então nessa guerra onde é preciso realizar o irrealizável, vencer o invencível, ter forças que não sabemos de onde vêm, necessitamos ter uma enorme confiança porque, nas horas oportunas, Nossa Senhora virá, nos sorrirá e nos ajudará!”

Virá, não necessariamente à maneira de uma visão. É uma grande graça ter uma visão, mas notar numa imagem essas coisas, ter conhecimento de uma graça que nos toca nessas horas e sentir esse orvalho dentro da alma, isto já é tudo.

Graças sobrenaturais e auxílios de toda espécie

Creio que, neste sentido, a invocação é muito acertada: “Nossa Senhora das Graças”. Quer dizer, Nossa Senhora que concede graças. Mas o que quer dizer “graças”? O termo tem dois sentidos: um é o sentido da graça sobrenatural, que é o favor dos favores, o dom gratuito ao qual não temos direito, mas que Nosso Senhor Jesus Cristo nos conseguiu do alto da Cruz, e que Ela esparge, por ser a Medianeira de todas as graças. É graça sobrenatural por onde temos Fé, Esperança e Caridade, e as virtudes cardeais.

Mas são também auxílios de toda espécie, por vezes favores pessoais, personalíssimos, terrenos, os quais desejamos muito em ordem a Ela, para fazer sua vontade, para servir a Causa d’Ela, para lutar por Ela, pedidos por nós com insistência, e que Maria Santíssima acaba concedendo de modo, muitas vezes, inesperado. Na curva de um caminho, na dobra de uma angústia, de repente, surge o favor. Às vezes, não vem automaticamente, demora, e parece suceder o contrário. Mas no fim percebemos que, quando vem, vem mesmo, e com tanta plenitude que somos recompensados de modo superabundante.

Essa é a impressão comovedora que esta imagem me causa. De um modo mais intenso, até, do que tive na própria Rue du Bac, onde, entretanto, encontram-se relíquias tão preciosas: ali está sepultada Santa Luísa de Marillac — fundadora da Congregação religiosa à qual pertenceu Santa Catarina Labouré —; estão os restos mortais desta Santa para quem Nossa Senhora apareceu; a capela da aparição na qual está exposta à veneração dos fiéis a cadeira na qual a Santíssima Virgem sentou-Se para falar com Santa Catarina Labouré, que permaneceu tão perto da Mãe de Deus a ponto de apoiar os cotovelos sobre os joelhos d’Ela.

Será algum predicado natural da escultura? Meramente natural não pode ser, porque aquilo que é ocasião de um ato de amor a Nossa Senhora não pode ser meramente natural. Pode haver algo de natural ali que sirva de ocasião, mas o amor a Ela é sobrenatural, vem de uma graça. Sem uma ação sobrenatural da graça, não seríamos capazes sequer de pronunciar piedosamente os nomes de Jesus e de Maria. Tudo quanto diz respeito à Fé e à vida da Fé, vem do sobrenatural.

A alvura da imagem

Há algum desígnio de Maria Santíssima por onde Ela torna mais sensível essa graça, quando se olha para esta imagem de Nossa Senhora das Graças? Não um intuito arbitrário, pois a palavra “arbitrário” aqui toma a má conotação de “caprichoso” — a Rainha da Sabedoria não tem nada de caprichoso —, mas algo que é um desígnio d’Ela, que nós não conhecemos. É possível; e se for realmente, eu agradeço muito.

O fato positivo é que não tenho possibilidade de olhar para esta imagem sem que, de um modo mais intenso ou menos, não me sinta enormemente propenso a lutar ainda mais, mas com uma forma de refrigério, de luz e de tranquilidade que são peculiares. E que me vêm da ideia de que Ela acaba de distribuir muitas graças e oferece ainda mais.

Eu não posso deixar de ligar isso à alvura extraordinária da imagem. Esse branco corresponde à cor da alma de Nossa Senhora. A inocência da Sancta Virgo Virginum — que é inocente sem comparação com nada e com ninguém, acima de tudo, exceto de Nosso Senhor Jesus Cristo — se exprime nesse branco de um modo maravilhoso. Mas também a generosidade, a bondade. Ela dá tudo porque tem as intenções mais alvas possíveis, em relação a todo mundo. Ela quer conceder, quer ser generosa. É verdadeiramente magnífico!

Anéis com pedras preciosas

Não poderíamos encerrar este comentário sem uma palavra a respeito dos anéis. Em suas revelações, Santa Catarina Labouré conta que Maria Santíssima tinha em seus dedos muitos anéis, como usavam as senhoras daquele tempo. Ela quis aparecer assim. E os anéis eram dotados de diversas pedras coloridas, das quais partiam raios de luz. Entretanto, algumas pedras, embora luminosas, não ejetavam luz.

Então Santa Catarina Labouré, com a liberdade que possuía com Nossa Senhora, perguntou-Lhe por que algumas daquelas pedras não reluziam. E Ela deu esta resposta que me impressionou muito: “São as graças que não me foram pedidas. Se pedirem essas graças, Eu darei. Então o reluzimento dos anéis aumentará”.

Poderíamos nos perguntar: para nós, quantos anéis estão por reluzir ainda, e quantos já reluziram? O “thau”2 que anel será? Existem anéis com uma pedra preciosa em torno da qual estão cravejadas outras pedras preciosas. Quantas pedras preciosas cercarão o “thau”? Que anel soberbo será ele? Nós o contemplamos o bastante para que ele reluza com toda a sua plenitude? Ou seja, pedimos muito a Maria Santíssima para que realmente o “thau” nos venha na abundância que desejamos?

Pedir, pedir, pedir, suplicar, implorar! “Pedi e recebereis, batei e a porta vos será aberta…”3 Isso se aplica à imagem; Nossa Senhora, a bem dizer, está com as portas abertas, como quem diz: “Meus filhos, vós não pedistes do lado de fora, não batestes na porta; então Eu a abri e aqui estou. Aqui estão meus anéis. Vinde, meus filhos, e aproximai-vos!”

Ao cabo de um dia com dificuldades, um refrigério incomparável

Imaginem, assim, qual foi a minha impressão, entrando neste auditório, ao encontrar de um modo inteiramente inesperado esta imagem. E me perguntei: “Por que eu estava tão longe de pensar nisso?” E vieram-me à mente várias pequenas razões: em primeiro lugar, o peso e o risco do transporte, que é a menor das razões: “Se esta imagem se danifica, se quebra um dedo ou um pouco do manto, que coisa perigosa!”

Mas, depois, também a ideia de que a imagem representa a Rainha, a qual não se move. Ela atrai a Si; dir-se-ia que a Rainha não vai atrás de ninguém.

Sem dúvida, entrou algo de meus hábitos mentais. Eu sou muito estático e imagino as coisas como sempre permanecendo, não se movendo. Sou bastante contínuo, e a ideia de transportar uma imagem assim, parece-me qualquer coisa difícil de conceber.

Tudo isso junto concorreu para que a mim fosse uma verdadeira, enorme e agradabilíssima surpresa encontrar aqui esta imagem. Uma surpresa que veio ao cabo de um dia com dificuldades, problemas e perspectivas de toda ordem, dando-me esse refrigério que é incomparável, e uma emoção que eu não quis esconder. Fiquei realmente gratíssimo!

O Paraíso de Deus

Depois, pensando melhor, será que a Rainha não vai atrás de seus súditos? Ela não é Mãe do Bom Pastor, que deixa noventa e nove ovelhas e sai à procura de uma? Por que não supor que a imagem d’Ela seja deslocada por filhos muito devotos para que um outro filho a veja? E, assim, todos A amarem, A festejarem, A glorificarem e A celebrarem juntos? Isso é tão adequado, tão magnífico!

Eu rezo frequentemente, sobretudo no momento da Comunhão, pedindo a graça de levar minha devoção a Nossa Senhora absolutamente tão longe quanto a Doutrina Católica permita. Não desejo ir um milímetro além disso, mas quero levá-la até o último ponto onde caiba dentro da Doutrina Católica. E isso representa um céu, porque o homem não consegue sondar com o olhar o firmamento da devoção a Ela.

Tomemos em consideração que Ela é chamada por São Luís Grignion de Montfort “o Paraíso de Deus”. Quer dizer, na felicidade eterna e perfeitíssima que Deus tem em Si mesmo, quis ter Maria Santíssima como seu Paraíso. Compreendemos, assim, qual é a elevação e quais são os dons d’Ela, e até onde deve ir a nossa admiração e nosso amor Àquela a Quem, num certo sentido da palavra, o próprio Deus admira, e que Ele criou para ter o gosto de admirar.

Imagens existentes no quarto de Dona Lucilia

No oratório de minha mãe em minha casa, colocada sobre uma peanha, há uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. À frente, em um nível mais baixo, há três imagens: uma de marfim, dada a ela por um padrinho de casamento, que por coincidência era também juiz, e a quem mamãe chamava de “meu juiz”. Não conheci este homem e nem sei seu nome. E tampouco ela sabia de que santa era aquela imagem. Mas a conservava por respeito, por saudades.

Há também uma imagem do Menino Jesus, e depois, correspondendo à mão direita da imagem do Sagrado Coração de Jesus, uma imagem de Nossa Senhora das Graças.

Por seu estilo, esta última parece ter sido feita antes de meu nascimento, pois é da mesma escola da imagem do Sagrado Coração de Jesus, que é certamente anterior ao meu nascimento. Portanto, desde a minha primeira infância foi uma das imagens de Nossa Senhora das Graças para a qual olhei.

Eu vi Dona Lucilia rezar muitas vezes para essas imagens, com muita devoção, muita atenção, muita confiança. Sem acontecer nada de milagroso ou de extraordinário, eu notava uma consonância entre ela e a imagem do Sagrado Coração de Jesus, mais ou menos como se Ele estivesse refletindo-Se nela. E havia também uma consonância, quando mamãe rezava para a imagem de Nossa Senhora das Graças. E cada vez que ela a osculava, eu tinha a impressão de que toda essa doçura se refletia também em mamãe. E, no modo de ela rezar, punha aquilo ao nosso alcance.

Alguém poderia me perguntar: “Mas se é assim, por que o senhor não tira aquela imagem daquele oratório e a põe ao alcance dos seus olhos continuamente?”

A resposta é: Não se deve estar a provocar coisas de modo contínuo. Quando minha mãe morreu, a imagem estava lá. Inúmeras vezes, durante minha vida, eu a olhei. Mas acho que não a devo tirá-la de lá. Ela está onde mamãe a deixou quando faleceu, tendo ali passado grande parte de sua vida. Eu nunca vou ao quarto sem olhar para a imagem e rezar um pouco. Mas não seria homem de, por assim dizer, forçar a continuidade da graça, pondo uma imagem de Nossa Senhora das Graças diante dos meus olhos, e dizendo: “Agora eu Vos agarrei”. Não é do meu gênero. Há imponderáveis que levam a uma outra atitude. É o que eu teria a dizer.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/10/1981)

Na vossa luz veremos a luz

Ó minha Mãe, Medianeira de todas as graças, na vossa luz veremos a luz.

Mãe, antes ficar cego do que deixar de ver vossa luz, porque  vê-la é viver. Na sua claridade contemplaremos todas as luzes; e sem ela, nenhuma luz refulge.

Não considerarei vida os momentos em que ela não brilhar; e eu, da vida, não quererei ter mais nada do que a mente banhada por essa luz.

Ó luz!, eu vos seguirei custe o que custar: pelos vales, montes, desertos e ilhas; pelas torturas, pelos abandonos e olvidos; pelas perseguições e tentações, pelos infortúnios, pelas alegrias e triunfos. Eu vos seguirei de tal maneira que, mesmo no fastígio da glória, não me incomodarei com ela, porque só me preocuparei convosco.

Eu vos vi, e até o Céu não desejarei outra coisa, porque, uma vez, vos contemplei!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Nossa Senhora das Graças

A invocação de Nossa Senhora das Graças quer dizer que Ela tem em suas mãos todas as graças, porque é a depositária de todos os tesouros de Deus. Mas também significa Nossa Senhora dadivosa, misericordiosa, que tem as mãos abertas para mostrar que Ela quer dar tudo.

Ela é a Mãe de misericórdia, que deseja tocar todas as almas, inundá-las de benefícios, encher o mundo inteiro das manifestações soberanas e celestes de sua bondade e de seu poder.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/11/1970)

Mãe da Divina Graça e da perseverança

Estreitamente unido a Maria Santíssima por meio da escravidão de amor, segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, tinha Dr. Plinio grande devoção à invocação “Mater Divinæ Gratiæ” — Mãe da Divina Graça —, neste mês comemorada na festa da Medalha Milagrosa.

Sobre a efígie impressa na Medalha, cuja confecção foi pedida pela própria Mãe de Deus, abaixo reproduzimos um profundo comentário de Dr. Plinio(1), relacionando-a à Contra-Revolução, à realeza de Maria e à graça da perseverança que deve ser almejada por cada um dos filhos da Santa Igreja: Nós temos, numa das faces da medalha, Nossa Senhora pondo os pés sobre o mundo, na afirmação de sua realeza sobre toda a Terra. É exatamente essa a doutrina da realeza de Nossa Senhora que vem lembrada em Fátima e afirmada com uma vitória sobre a Revolução.

Ela calca também uma serpente, o que está inteiramente coerente, concludente, porque desse lado está escrito: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”.

Quer dizer, é a Imaculada Conceição. Mas não é pura e simplesmente a Imaculada Conceição, porque há aqui um atributo que não se encontra nas imagens da Imaculada Conceição como tal: Nossa Senhora está com as mãos abertas em sinal de aquiescência, de atendimento, e de suas mãos partem fachos luminosos imensos, simbolizando as graças e os favores que pelas mãos d’Ela — quer dizer, pela ação e por meio d’Ela — descem sobre o mundo.

Essas graças são concedidas para a conversão dos pecadores, dos hereges, mas também para o castigo dos irredutíveis e proteção daqueles que se mantiveram fiéis até o fim. São graças para a perseverança dos fiéis. Tudo isso sai das mãos de Nossa Senhora como de um manancial.

Ela está afável, risonha, acolhedora, para todos aqueles que tendo em vista esse conjunto de fatos, de símbolos, de atributos, de noções, se dirigem confiantes a Ela, pedindo as graças de que precisam.

Vamos pedir a Nossa Senhora que pelas graças da Medalha Milagrosa, Ela apresse o dia de sua vitória, de um lado. E de outro lado, também nos ajude a sermos fiéis durante todas as tormentas que se aproximam. Porque devemos nos lembrar bem disso: a perseverança é uma graça inestimável. Do que adianta ter virtudes, se depois cair no pecado?

Essa perseverança não é fruto de nossas qualidades pessoais, mas da graça que se trata de pedir humildemente, de implorar com insistência, e à qual se trata de corresponder. Portanto, precisamos pedir as graças que nos assegurem a perseverança.

Essa invocação de Nossa Senhora das Graças — ou de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa — é particularmente eficiente na luta contra o poder das trevas, que tanto e tanto nós devemos conduzir nos dias de hoje.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 212 (Novembro de 2015)

1) Conferência de 27/11/1964.

Uma porta do céu se abriu para o mundo

Neste ano a Capela da Rue du Bac celebra o jubileu das aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré. Como melhor modo de associar esta revista e seus leitores a data tão significativa, estampamos a seguir um eloquente comentário de Dr. Plinio sobre aquelas visões de alcance inapreciável para todos os homens.

Quem visita a Capela da Rue du Bac, em Paris, onde Nossa Senhora apareceu a Santa Catarina Labouré e lhe pediu a cunhagem da Medalha Milagrosa, sente-se envolvido por uma intensa impressão de paz, de calma, de céus abertos, como se não existissem obstáculos entre a Terra e a feliz eternidade. No íntimo de sua alma, o fiel ouve a voz de Nossa Senhora, exorável, disposta a atender todos os nossos pedidos, com sua maternal benignidade transpondo distâncias incontáveis para se tornar acessível a nós. Tudo isso faz daquela capela um lugar de serenidade realmente privilegiado.

Serenidade, calma e paz autênticas, ou seja, toques de sobrenatural que afagam nossa alma com verdadeira unção, verdadeira consolação e verdadeira confiança, e nos infunde a plena certeza de que, em última análise, Nossa Senhora nos alcançará as graças tão desejadas por nós.

A época das aparições da Rue du Bac

As aparições da Santíssima Virgem se deram em 1830, sendo a mais importante delas no dia 27 de novembro, quando revelou a Santa Catarina os tesouros de dádivas celestiais destinados ao mundo com a difusão da Medalha Milagrosa.

Cumpre recordarmos que, naquela época, a par de um grande reflorescimento da prática da religião Católica, havia também fortes manifestações de laicismo e ateísmo hostis à Igreja, de maneira que um fosso abismal separava o catolicismo do anticlericalismo. Ecos dessa animosidade eu mesmo conheci, no Brasil dos anos 20. Portanto, quase um século depois das aparições da Rue du Bac.

Tão profundo era esse valo divisório entre as coisas da Igreja e as da sociedade civil que, ao se transpor os umbrais do ambiente profano e ingressar no religioso, era como se deixássemos um país para entrar em outro. Lembro-me de quando comparecia à bênção do Santíssimo Sacramento na Igreja do Coração de Jesus, após a qual, saindo do templo, observava o edifício daquilo que então era o internato do Liceu, desdobrado em duas alas em torno de todo o quarteirão.

As janelas dos andares inferiores permaneciam fechadas e protegidas por grades. Ao contrário daquelas dos andares superiores através das quais, no lado onde eu sabia situado o dormitório dos meninos, podia-se ver algumas luzes azuis acesas: sinal de que as crianças já dormiam. E o relógio da torre ainda não marcava nove horas da noite…

Recordo-me da impressão que causava em mim o entrar na sociedade profana — insisto, dos anos 20 — e perceber o contraste entre o coruscante, o assanhado, o divertido daquele mundo, e o dormitório extenso, onde um grande número de meninos repousava sob a supervisão de um padre pronto a acordar ao menor sinal de perturbação, para restabelecer a ordem e a tranqüilidade!

Encantava-me saber que aqueles meninos dormiam placidamente, aos cuidados de um sacerdote que representava ali a eterna tradição da Igreja ordenativa, moralizante, disciplinadora. Alegrava-me ver que, enquanto todos se achavam imersos no sono noturno, as luzinhas azuis simbolizavam a maternalidade da Igreja a envolver seus filhos em brumas amigas; a vigilância de quem sabe sorrir sem fechar os olhos, sempre ciente do que se passa. Tudo isso me dava a impressão de haver naquele ambiente uma austeridade, uma sacralidade, uma ordenação que o mundo fora não conhecia. Era outro universo.

Pois bem, numa atmosfera análoga a essa tiveram lugar, na Paris de 1830, as revelações de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré.

O sobrenatural se desenrola numa modesta capela

Era esta uma freira da congregação das Filhas da Caridade, fundada por Santa Luísa de Marillac e São Vicente de Paulo. Essas religiosas se distinguiram sempre por sua extrema e abnegada solicitude cristã, dedicando-se ao cuidado dos pobres, órfãos, e enfermos nos hospitais e Casas de Misericórdia. Até há pouco eram conhecidas pelo seu hábito característico: túnica escura com gola branca engomada, a cabeça adornada por uma touca bretã, estilizada pela inspiração e pelas mãos da Igreja. Essa cobertura se desdobrava em duas abas largas, lembrando vagamente as asas de uma gaivota em voo. Na cintura, como é natural nos hábitos religiosos, pendia um grande rosário.

Não tive contato assíduo com essas freiras, mas encontrei-me com muitas delas. Em geral pessoas robustas, fortes e prontas para o trabalho. Olhar límpido, reto, atitude despretensiosa de quem preferia passar desapercebida. Realizavam obras de misericórdia temporal como ocasião para obras de misericórdia espiritual. Ou seja, elas aproveitavam a ocasião de cuidar de um paciente terminal para trazer um padre junto a ele, para convidar uma criança a ir ao catecismo da paróquia, ou se encontravam uma pessoa desventurada na rua, procuravam ajudá-la em todo o necessário, etc. Enfim, faziam tudo quanto pudessem para atender aos infortúnios, as carências materiais e, sobretudo, as espirituais, nos mais variados ambientes por onde costumavam se infiltrar.

A elevação desse apostolado das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo era tão grande, e as admiravam tanto por isso, que costumavam ser tidas como o próprio símbolo da religião numa de suas expressões mais belas e comovedoras.

O seu principal convento situa-se num antigo e aristocrático bairro da capital francesa, o Faubourg Saint-Germain, e se tornou conhecido pelo nome da rua em que foi edificado: Rue du Bac.

Devemos imaginar a cidade de Paris nos idos de 1830, bem menor e menos populosa do que é hoje, silenciosa, tranquila, ainda sem ruídos de motores e luzes de néon. Podemos pensar na rua calçada com pedras, sobre as quais, vez por outra, o eco das patas de um cavalo ou das rodas de uma carruagem interrompia a longa calada da noite. No dormitório das freiras de São Vicente, não havia luzinhas azuis, mas talvez alguns candeeiros acesos. Todas as religiosas repousam, entre elas Santa Catarina Labouré.

Nesse ambiente modesto, puro e elevado, completamente diverso do mundo exterior, o maravilhoso sobrenatural começa a se desenrolar.

Colóquios com a Rainha do Céu

A primeira aparição ocorreu na véspera da festa de São Vicente de Paulo, em 18 de julho de 1830, como que preparada por uma atitude da vidente repassada de ingenuidade, inocência e caráter filial muito bonitos. Ela ouvira no dia anterior uma exposição sobre a devoção a Nossa Senhora, e sentiu um ardente desejo de vê-La. E foi se deitar com o pensamento de que, naquela mesma noite, encontrar-se-ia com a Santíssima Virgem.

E foi o que aconteceu. Como nos relata a própria Santa Cataria Labouré, por volta das onze e meia da noite, ela ouve alguém lhe chamar. Corre a cortina de seu leito e vê um menino de 4 ou 5 anos que lhe diz: “Vinde à capela, a Santíssima Virgem vos espera”.

A santa demonstra um pouco de receio, temendo que as outras religiosas a surpreendessem fora da cama, mas o menino a tranquiliza, ela se veste e começa a segui-lo pelos corredores do convento. Detalhe curioso, registrado pela vidente que muito se admirou do fato: por todos os lugares onde passaram as candeias estavam acesas.

Ela entra na capela e sua surpresa é ainda maior ao notar todas as velas acendidas nos candelabros, como se estivessem preparados para uma Missa do Galo. O menino a conduz até o presbitério, ao lado da cadeira em que se sentava o vigário. Santa Catarina se ajoelhou, enquanto a criança permaneceu de pé. Ela, sempre com o receio de que alguma freira passasse por ali e os encontrasse, pedindo-lhe explicações que não saberia dar…

Afinal, o menino lhe advertiu: “Eis a Santíssima Virgem”. A vidente ouviu um “frou-frou”, um roçagar de vestido de seda, mas ainda não distinguia Nossa Senhora. Então o menino insistiu — já não com voz de criança, mas em tom vigoroso — que a Rainha do Céu estava presente. Nesse momento Santa Catarina viu a Mãe de Deus sentada na cadeira do vigário, deu um salto para junto d’Ela e, genuflexa, apoiou suas mãos nos joelhos de Maria.

Quer dizer, uma cena fabulosa, uma aparição cercada de afabilidade extraordinária. Compreende-se, pois, que Santa Catarina tenha registrado esse instante como o mais doce de sua vida, impossível de ser descrito em palavras. Recebeu ali diversos conselhos e orientações de Nossa Senhora, os quais preferiu manter em sigilo.

A Medalha Milagrosa

Podemos bem conceber como Santa Catarina se sentiu após esse encontro com Nossa Senhora, e como seu coração latejava de um intenso desejo de revê-La. Alguns meses depois, ela seria largamente atendida. O segundo e mais importante encontro se deu na tarde do sábado 27 de novembro de 1830. Assim o relata um cronista das diversas aparições de Maria:

“Na sua capela da Rue du Bac, as Filhas da Caridade — Irmãs e noviças — se reúnem para a meditação vespertina. Recolhimento e religioso silêncio. De repente, em meio à sua piedosa contemplação, Catarina Labouré julga ouvir o roçar de um vestido de seda… A Santíssima Virgem, ali!

“Qualquer pensamento é impossível diante da inconcebível beleza de Maria. Ela usa um vestido de seda alvíssima como a aurora. Da mesma cor é o véu que Lhe desce da cabeça até os pés. Estes repousam sobre volumoso globo, que parece fixo num ponto do espaço. As mãos, elevadas à altura do peito, sustentam graciosamente um outro globo, menor que o pedestal e encimado por uma cruz. A Virgem tem o olhar voltado para o céu. Seus lábios oram. Ela oferece o globo ao Mestre, seu Filho.

“De súbito o globo desaparece e as mãos permanecem estendidas. Os dedos se cobrem de anéis guarnecidos de cintilantes pedrarias, que emitem raios deslumbrantes para todos os lados. Mil fulgores preciosos se fundem num só brilho transcendente. Mil irradiações circundam a santa figura.

“A Virgem pousa os olhos sobre Catarina em contemplação, abismada num mundo de sensações, de sentimentos, de descobertas, de revelações inexprimíveis. No fundo de seu coração, a noviça ouve uma voz que lhe diz:

“— Este globo representa o mundo inteiro, e especialmente a França, e cada homem em particular.
“— A chuva de raios redobra em força, em magnificência.
“— Eis o símbolo das graças que Eu derramo sobre aqueles que mas pedem. As pedras que permanecem na sombra (dirá ainda, uma outra vez, a Santíssima Virgem) simbolizam as graças que se esquecem de me pedir…”

Segundo narração de Santa Catarina, formou‑se em torno de Nossa Senhora um quadro de forma ovalada, no alto do qual estavam escritas em letras de ouro as seguintes palavras: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós” . E novamente ela ouviu uma voz que lhe mandava cunhar uma medalha conforme aquele modelo. E a promessa: Todos os que a usarem, trazendo-a ao pescoço, receberão grandes graças, que serão abundantes para quem a portar com confiança”.

Em seguida, diz a vidente, o quadro pareceu girar e ela viu o reverso da medalha: no centro, o monograma da Santíssima Virgem, composto pela letra “M” encimada por uma cruz, a qual tinha uma barra em sua base. Embaixo, os Corações de Jesus e de Maria, o primeiro coroado de espinhos, e o outro, transpassado por um gládio.

Era o desenho da Medalha Milagrosa, como esta seria amplamente conhecida e difundida pelo mundo inteiro, alcançando graças e favores celestiais para incontável número de pessoas, milagres de ordem física, como a cura de doenças, e também de ordem espiritual, reformas de vida e conversões das mais inesperadas.

Desígnios de alta misericórdia para o mundo

Por exemplo, célebre se tornou a conversão de um prelado apóstata, o arcebispo francês Mons. Duprat. Ele abandonou a Igreja Católica e se tornou secretário de finanças de outro famoso bispo renegado, Talleyrand.

Conta-se que Mons. Duprat, sabendo chegado aos seus últimos dias, relutava em se confessar e emendar. Algum zeloso parente ou conhecido, preocupado com a salvação eterna dele, prendeu a Medalha Milagrosa no travesseiro do arcebispo. Foi o bastante para que a graça o tocasse. Dias depois ele pedia que lhe trouxessem um padre: “Mudei de ideia, desejo me confessar”. O sacerdote se apresentou, e o filho pródigo fez as pazes com Deus, com a Igreja e com a sua consciência. Não se passou muito tempo, e morreu readmitido no seio da Esposa mística de Cristo.

Casos como esse se multiplicaram ao longo dos anos e ainda hoje se verificam pelo mundo afora. Assim como tantas outras formas de amparo e benefício oriundos do uso da Medalha.

Lembro-me, aliás, deste outro fato. Uma senhora da aristocracia francesa mantinha no salão nobre de sua residência, magnificamente decorado, um quadro com a Medalha Milagrosa, manchada e amassada no centro. Os visitantes que ela recebia em casa, estranhavam aquilo exposto com tanta evidência num recinto esplêndido, em meio a objetos de alta categoria, e perguntavam a razão disso. A senhora respondia:
“— Guardo esta medalha porque meu filho era um estroina, e estando num mau lugar, levou um tiro. A bala acertou diretamente na medalha, e em vez de perfurá-la, de modo inexplicável apenas a danificou, como para autenticar o fato extraordinário, e caiu no chão. Diante do prodígio, meu filho se converteu e hoje é um católico modelar. Eu desejo, então, que minhas visitas conheçam este favor recebido de Nossa Senhora e saibam agradecer. Por isso esta medalha está aqui.”

É simplesmente incontável o número de episódios semelhantes, onde foram obtidas graças preciosas através da Medalha Milagrosa. Motivo pelo qual ela é objeto de tanta devoção, tendo sido destinada por Maria Santíssima a ser um maravilhoso meio de se realizarem desígnios de sua alta misericórdia para o mundo.

Expressão do carinho materno de Maria

É interessante frisar, ainda, que essa particular proteção da Virgem Santíssima em relação a nós transparece muito na sua prerrogativa de Mãe da Divina Graça.

Quantos já não nos sentimos, ao aproximarmos de uma imagem sob essa invocação, recebidos por um sorriso d’Ela, envolvidos por uma espécie de doçura que nos prometia compaixão, pena, a convicção de sermos atendidos e favorecidos por um ato de inesgotável bondade?

É a certeza de que Nossa Senhora sempre se acha disposta a nos socorrer e amparar com sua clemência, seja em nossas carências materiais e físicas, seja marcadamente em nossas lacunas espirituais, ajudando-nos a vencer nossos defeitos, as tentações e o pecado. Portanto, Nossa Senhora das Graças podia se dizer Nossa Senhora da Misericórdia, que nunca, nunca, nunca nos deixará desamparados.

E creio jamais ser suficiente insistir nesta verdade: Mãe da Divina Graça significa a tesoureira de todas as graças de Deus. As dádivas celestiais constituem um tesouro inexaurível, posto nas mãos de Nossa Senhora e por Ela difundido àqueles que recorrem à sua intercessão.

Maria é a dispensadora de todas as graças e também a Mãe dos que Lhe suplicam favores. Mãe dos miseráveis, dos aflitos, daqueles que quase perderam a esperança, aos quais Ela reanima, e faz reacender em seus corações a chama da Fé.

Basta considerarmos uma imagem de Nossa Senhora das Graças para compreendermos o quanto esse título exprime o carinho materno de Maria em relação a nós. Acolhe-nos de braços abertos, o sorriso nos lábios, repassada de um convite amorável para nos aproximarmos e convivermos um pouco com Ela. Envolve-nos com uma afabilidade e uma promessa de perdão sem limites, insondável. E nos faz ouvir no fundo da alma a sua voz carinhosa: “Tendes a Mim, sou inteiramente sua. E por causa disso, todos os caminhos para o Céu lhe são franqueados…

Plinio Corrêa de Oliveira

Movimentos do mar… …e da alma humana

O movimento das águas do mar, ora tempestuoso, ora calmo, deixa transparecer uma série de gamas de beleza, todas elas extasiantes. Do mesmo modo, a arquitetura religiosa parece simbolizar os diversos aspectos da alma humana ao louvar seu Criador.

 

Vendo o mar — objeto perpétuo de meu enlevo, de meu encanto, de meu entusiasmo! — eu seria capaz de passar uma tarde inteira sozinho olhando-o, quieto, inteiramente entretido, contemplando-o…

Beleza do mar e o “pulchrum” de sua movimentação

No mar me chamava muito a atenção o seguinte: ele — na minha ótica; compreendo que outro sinta de um modo diferente, depende de cada um — apresentava para mim dois pontos extremos, com todas as gamas intermediárias. Ao contemplá-lo era-me agradável ver tantas formas de beleza que Deus tirava fazendo o mar passar de um extremo a outro através das gamas intermediárias. Ou, de repente, interromper a sequência em qualquer gama intermediária, dar um giro e passar para o outro lado.

Quer dizer, o ordenado, bonito, quando avançam aquelas grandes ondas, em ofensiva para a terra, mas são ondas que não são descabeladas fazendo tumulto — o descabelado não me agrada —, mas são grandes ondas em ordem, um ataque em regra de uma cavalaria nobre. É a maré montante de certos dias, que vai cobrindo a praia. É uma coisa bonita. É a “bataille rangée”, em fileiras. É até bonita a variedade, porque às vezes as ondas não chegam a arrebentar, quase arrebentam, formam assim aquelas eminências e vão adiante.

Outras não, pelo contrário: arrebentam e há um gáudio de gotas pelo ar que depois caem e seguem na sua ofensiva, parando um pouco antes de chegar à terra para saltitar pelo ar, antes de se entranhar nas profundidades das areias; e até aquilo virar água de novo é um processo enorme. Elas então bailam um pouco pelo ar, jubilosamente; são guerreiros que antes de dar o ataque definitivo dançam a dança da vitória. Uma coisa bonita, que me agrada ver.

Mas também agrada ver quando o mar está inteiramente calmo, quase imóvel. Diríamos que está de tal maneira absorto na contemplação do céu, que nem pensa em si mesmo. Eu falo o céu, não o Céu celeste, mas a abóboda celeste, que se vê com os olhos.

De repente, de um lugar qualquer, notamos que a surpresa vem, algo começa a se mover. É um vagalhão, é uma bagunça aquática, é um assalto contra a terra, porém os vários elementos do mar não vêm em “bataille rangée”, mas parecem se empurrar uns aos outros para tomar a dianteira e conquistar a terra mais depressa. É a beleza da variedade, do inesperado, do quase susto, do imprevisto, que tem, a meu ver, seu encanto próprio. E a sucessão das coisas torna o mar muitíssimo entretenido.

Esses vários modos de ser do “pulchrum”… Esse é mais um “pulchrum” do movimento do que do mar. Quer dizer, se o mar fosse feio, o movimento dele não seria bonito. A dança é bela quando o que dança é belo. Um exército que avança é muito bonito quando é composto de homens fortes, robustos; pelo contrário, um exército de capengas que se arrasta em certa ordem não vale dois caracóis. Do mesmo modo, o mar é belo, mas a movimentação está à altura dele.

Depois, os mistérios que ele contém; é outro mundo que se move nas entranhas dele, que ele oculta, não se vê um polvo, é raro um peixe, é raro ver qualquer coisa, há um mundo que vive aí dentro, um mistério. Não sei se sentem como eu. Eu tenho, assim, entusiasmo pelo mar!

Élans da alma expressos na arquitetura

Agora, a arquitetura, e a arquitetura religiosa, diante dos movimentos da alma humana, tão parecidos com os do mar, parecem se assemelhar. Há homens cujo pensamento avança em “bataille rangée”, cuja oratória, cuja argumentação, cuja dialética aperta, estala. Mas há homens que não são do gênero do famoso general de Luís XIV, Turenne, mas são “condeanos”(1): pulos de vitória em meio de raios de luz, aventura! Captam uma coisa e liquidam uma situação. Há feitios de inteligência assim, espíritos assim, há formas de beleza assim.

Por exemplo, Notre-Dame. Ela é irrepreensível, ordenada, perfeita, lindíssima! Tudo lógico, mas de um lógico com poesia; são as lógicas não do filosofastro, mas as lógicas da mãe de família, do pai, da vida, é essa lógica verdadeira. É isso que às vezes a arquitetura apresenta.

Às vezes a arquitetura borbulha e apresenta coisas meio inesperadas. E é o próprio movimento da alma religiosa, nos seus entusiasmos, nos seus êxtases, nos seus impulsos, na sua generosidade, nos lances à la Santa Teresa de Jesus, por exemplo, enormes, que deixam a alma desconcertada diante da grandeza daquilo.

E isso se exprime mais na arquitetura religiosa da Igreja grega, do tempo que estava unida à Igreja Católica. Daí vem o jogo das várias cúpulas que borbulham, como o mar se move, e que se notam na Basílica de Santo Antônio na cidade de Pádua.

Eu queria, então, mostrar um pouco a descrição daquilo que em Pádua me agradou…

Continua no próximo número.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/11/1988)

Revista Dr Plinio 224 (Novembro de 2016)

 

1) Luís II de Bourbon, 4º Príncipe de Condé (*1621 – †1686). Sobre o estilo “condeano”, ver Revista Dr. Plinio n. 213, p. 30.

Símbolo da Jerusalém Celeste

A catedral é figura da Cidade de Deus, da Jerusalém Celeste, imagem do Paraíso, como afirma a liturgia da sagração das igrejas.

As paredes laterais são símbolos do antigo e do novo testamento. Os pilares e as colunas são os Profetas e os Apóstolos que sustentam a abóbada, representação de Cristo, a sua chave.  As janelas translúcidas que nos separam da tempestade e derramam sobre nós a claridade, são os Doutores da Igreja. O portal é a entrada do Paraíso embelezada pelas imagens em pedra, pelos baixos relevos pintados e dourados e pelos suntuosos batentes de bronze.

A casa de Deus deve ser iluminada pelos raios do sol resplandecente da caridade como o próprio Paraíso, porque Deus é a luz, e a luz dá beleza às coisas. Assim também se deve aumentar a iluminação interior da catedral, abrindo janelas tão amplas quanto o permitam os vértices das grandes arcadas e as próprias abóbadas.

Belo, semeado de poesia, esse texto de um ótimo medievalista francês nos faz degustar, de modo intenso, a noção de símbolo.

Trata-se de considerar as magníficas catedrais góticas, não apenas como um recinto fechado onde se presta culto a Deus sem riscos de se expor às intempéries, mas, muito além desta finalidade prática e indispensável, como uma grandiosa imagem do Paraíso celestial. Algo que nos lembra a bem-aventurança eterna e dela nos oferece consoladora prelibação.  Desse modo, as catedrais são verdadeiras obras-primas de simbolismo, cada um de seus ricos aspectos encerrando significados e conceitos que nos remetem para as realidades do Céu.

Então, o templo majestoso e imenso é a figura do lugar onde Deus vive, cercado das almas dos justos. É a cidade do Altíssimo, a Jerusalém Celeste, como no Antigo Testamento a Jerusalém terrena foi a urbe santa, ela mesma representação da futura Igreja Católica, da Civilização Cristã, da sociedade temporal organizada de acordo com os princípios do Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo.  De tudo isto a catedral é um extraordinário símbolo.

E os detalhes de sua construção acrescentam belezas e expressões diversas nessa simbologia. Por exemplo, a linda ideia de se ver as paredes laterais como evocações do Velho e do Novo Testamento, ou de admirar aquelas esguias e sólidas colunas como se fossem os severos Profetas da Antiga Lei e os compassivos Apóstolos da era cristã. Mais ainda. Contemplar a vastidão da elevada abóbada e pensar que lá está a chave da Igreja, Nosso Senhor Jesus Cristo, sobre o qual tudo repousa e em honra de quem tudo foi edificado!

O pórtico imponente recorda a entrada do Céu. São portas de bronze, de carvalho, entalhadas e lavradas com requintes de perfeição e candura, emolduradas por centenas de imagens de santos e figuras históricas dispostas em esplendorosa ordenação. Ao transpô-las, devemos nos lembrar de que um dia — pela infalível intercessão de Nossa Senhora — as portas da catedral celeste se abrirão para nós e penetraremos na glória de Deus, unindo-nos aos Anjos e aos bem-aventurados que ali nos precederam.

A nota de poesia é dada pela claridade que inunda o interior do templo através das amplas janelas translúcidas, pelas refulgências policromadas dos vitrais tocados de sol. São os Doutores da Igreja esplendendo sua sabedoria, são os raios da caridade com os quais se ilumina o próprio Paraíso.

Como Deus é a luz, convém que a catedral tenha luz, e a tenha no pleno jorro da fulguração do sol, e na aconchegante, espetacular matização dos vidros coloridos.

Toda a arquitetura do gótico se desenrolou à procura das janelas cada vez maiores, sem prejuízo da estabilidade do edifício, até chegar a uma Sainte-Chapelle de Paris, verdadeiro escrínio cujas paredes são vitrais… É uma caixa de cristal onde todas as cores de luz brincam e folgam, constituindo desenhos maravilhosos que nos lembram a luz eterna do Paraíso.

Assim, ao entrarmos numa catedral, levemos conosco esse pensamento: “Graças à misericórdia infinita de Deus e à insondável bondade de Maria, passarei um dia pelas portas do Céu; verei os Profetas, os Apóstolos e os Doutores, como vejo aqui estas colunas. Sobretudo, serei inundado pela luz divina, como agora me envolve essa luminosidade que, de todas as partes, invade o recinto sagrado”. E então a nossa presença na igreja aumentará em nós a alegria e a esperança dos grandes triunfos do Céu.

Quanto mais nos sentirmos opressos, perseguidos nesta Terra, tanto mais devemos nutrir essa nossa apetência pelo Paraíso, onde as misérias presentes se extinguem por completo, dando lugar apenas à perfeita e eterna felicidade, sem que nada a possa perturbar. Pois ali não teremos somente todas as alegrias possíveis, mas o fundamento de todos os gáudios — Deus Nosso Senhor e o olhar indizivelmente afável de sua Mãe Santíssima.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 80 (Novembro de 2004)

Luzes e ecos…

Certas palavras, por vezes insuficientes, adquirem superior significado quando lhes acrescentamos alguns prefixos, quando as transformamos em neologismos. É o caso, por exemplo, do que poderíamos chamar de “trans-esfera”. Ou seja, algo que vai além da esfera comum, terrena, palpável, voltada para o inefável, indizível, intraduzível pelos vocábulos conhecidos.

Vem-me ao espírito esse recurso linguístico, quando admiro alguns interiores de grandiosas igrejas, de algum imponente edifício, e procuro “ouvir” os ecos dos sons que ali um dia reboaram. Pois, no meu modesto entender, determinados ecos são as “trans-esferas” de qualquer som. Nos recintos sagrados, o prolongamento das sonoridades do órgão, do cântico litúrgico, são esse cântico e esse órgão multiplicados por eles mesmos.

Lugares há nos quais o homem pisa e o ressoar dos seus passos é a glória do que ele realizou; nos quais sua voz se desdobra, esvoaça, se distancia, assumindo ares de fantasia… Na verdade, toda voz foi feita para ­ecoar: sem o eco, dir-se-ia não ter vivido inteiramente.

Nos majestosos conjuntos de altas abóbadas e colunatas góticas, imagino ecos augustos de liturgias estupendas. Imagino luzes magníficas, cujo genuíno valor se prende ao fato de virem acompanhadas de alguma penumbra. A sombra sugestiva é o eco adequado da luz.

Pensando nesses lugares onde se nos apresentam esses ecos, essas luzes, essas penumbras, penso em algo ideal que é a síntese de todas as catedrais e de todos os castelos que me foi dado considerar. Portanto, permanece no fundo do espírito, uma imagem ideal — talvez não realizável neste mundo — a qual excede as maiores produções artísticas ou intelectuais do homem.

Tenho para mim, então, não ser necessário grande inteligência nem eminentes qualidades naturais para nos distinguirmos no concerto da humanidade. Basta conservarmos em nosso espírito um recanto culminante qualquer, onde essa imagem ideal esteja presente, produza sentimentos e disposições que não sabemos sequer exprimir, e que são o segredo de nossa alma, o que ela possui de tão alto, de tão magnífico.

Isso se aplica a todos, ao menor dos homens, se corresponder aos toques da graça no seu coração. Eleva-se até o mais alto, e essa elevação, por sua vez, produz em sua alma reflexos que o tornam a multiplicação e o eco terreno dessas maravilhas inefáveis. Este é o tesouro de cada um de nós, encerrado em nossos imponderáveis, em nosso “trans-pensamento”. Não encontraremos palavras para revelá-lo a ninguém. É o nosso eco, nossa própria luz no seu maior fulgor, que apenas contaremos a Deus, a Nossa Senhora e aos santos, quando os encontrarmos na eternidade…

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 92 (Novembro de 2005)