Lumen honoris

A maior honra que o homem pode alcançar nesta Terra é a amizade com Deus, ou seja, o estado de graça. Partindo deste princípio, Dr. Plinio explica o que é honra e como cada nação da cristandade desenvolveu fórmulas e estilos de cortesia, respeito e honorificência

 

Honra é a forma particular de apreço que se deve àquilo que é excelente. A honra é distinta da aprovação. A simples aprovação é a declaração de que uma coisa está na altura de sua natureza, enquanto que a honra mostra a excelência de algo.

Nesta perspectiva, podemos distinguir na honra primeiramente um aspecto pelo qual a pessoa internamente percebe a sua própria excelência e tem para consigo próprio a noção do respeito que deve a si mesmo. Isso é especialmente agudo no católico, em virtude de dois pontos: o dogma do pecado original e o dogma, ou verdade de Fé, a respeito da vida da graça na alma.

Excelência e estado de graça

Só é verdadeiramente excelente aquele que está no estado de graça e a partir daí faz coisas excelentes. Quem está fora do estado de graça pode ter coisas boas, mas não é excelente. Por que razão? Imaginemos uma maçã que está quase toda podre, mas tem uma parte pequena não apodrecida. Se alguém, com uma colherinha, conseguir isolar essa parte e servir-se dela, talvez perceba que foi uma deliciosa maçã. Entretanto, dela não se pode dizer: “Que boa maçã!” Pode-se afirmar que foi, mas que é, não. Porque a podridão desnatura até aquela parte pequena, não podre, que na maçã existe. Então, o estado presente daquela maçã não é excelente.

Isso se dá com o homem, cuja natureza é muito elevada. O homem é uma síntese de todo o universo: tem o espírito como os anjos, a vida animal, vegetal e a existência mineral dentro de si. Mas entrou no homem a “podridão” do pecado original. E devido a isso ele é capaz de uma ou outra ação excelente, mas em todo o seu ser ele não será.

Assim, por exemplo, os antigos pagãos tinham uma ou outra atitude muito bonita, mas eles não possuíam toda a personalidade excelente. É como o exemplo da maçã, a qual tem um ponto em que se pode perceber que teria sido excelente, mas de fato ela não o é.

O católico é sempre auxiliado pela graça. Se ele diz “sim” à graça e se mantém na amizade de Deus, sobretudo quando está na posse habitual do estado de graça, o católico se torna bom. Se, além de possuir o estado de graça, faz alguma ação excelente, essa excelência repercute sobre todas as outras virtudes que ele possui. Ele fica excelente se tem várias disposições de alma excelentes e, mais ainda, se possui todas as disposições de alma excelentes, que é o santo.

Noção respeitosa da própria dignidade

Acontece que o católico, sabendo como é miserável por natureza, quando ele vê que se mantém em estado de graça e tem disposições de alma que vão além do que os Mandamentos exigem e entram na linha dos conselhos — relativos a atos que, mesmo não realizados, não fazem com que a alma se perca; ela os pratica por amor, sendo esses atos excelentes —, percebe que existe nele uma raiz de excelência, a qual o eleva muito acima do pecado original.

Seria mais ou menos como a maçã podre, sobre a qual Nossa Senhora pedisse a Deus que desse uma bênção e a transformasse numa maçã sadia. Ela se tornaria muito mais do que era antes de apodrecer, porque seria uma maçã “miraculada”, sobre a qual desceu o poder de Deus onipotente, como a água das Bodas de Caná: Maria Santíssima pediu e Nosso Senhor transmudou a água em vinho.

Assim também é o homem com o pecado original, que pela graça consegue praticar todos os Mandamentos. Sem a graça ninguém consegue praticar duravelmente todos os Mandamentos. Então, é uma excelência! Maior ainda é a excelência se o homem considera que, além de estar acima do nível do pecado original, habita nele a graça, uma participação criada na vida incriada de Deus.

O católico, que sente em si o pecado original — é um dos aspectos mais característicos da inocência o indivíduo sentir como ele, pelo pecado original, não vale nada —, vendo sua própria excelência, deve admirá-la, dar graças a Deus e ter uma noção respeitosa de sua própria dignidade. É semelhante ao leproso grato, a quem Nosso Senhor curou. Ele reconheceu que estava curado e se alegrou com o estado de saúde recuperado, a tal ponto que voltou para agradecer. Assim também nós, quando fazemos coisas excelentes, somos como leprosos curados. Devemos reconhecer a excelência daquilo que fazemos e, portanto, respeitar-nos por gratidão para com Deus, para com Nossa Senhora, sem A qual não teríamos obtido isso do Altíssimo, porque toda graça nos vem por meio da Santíssima Virgem.

Devemos compreender que não é por “megalice”(1) que precisamos reconhecer nossas qualidades, mas por respeito para com o dom de Deus. E esta vem a ser a primeira noção de honra: o fato de a pessoa se respeitar a si própria.

Um dos maiores ultrajes que se pode dizer a alguém é este: “Nem você sequer se respeita a si mesmo, quanto mais querer que os outros o respeitem!” Às vezes, para chamar a atenção de um homem que está fazendo uma ação indigna, pode-se dizer: “Respeite-se!”, como quem chama a atenção para razões que ele tem para se respeitar.

Admiração, respeito, benquerença

Então, a honra é um estado de excelência, o reconhecimento interno dessa excelência, com o agradecimento a Deus, por meio de Nossa Senhora. E também o reconhecimento que outro faz do que temos de excelente, por onde ele mostra uma admiração e um respeito especiais. E eu ponho exatamente em ordem: primeiro admira-se e, em razão disso, respeita-se; porque só se respeita aquilo que se admira; depois querer bem, porque a quem se admira e respeita, deve-se querer bem, ter carinho. E vou dizer mais: só se tem carinho verdadeiro por quem se admira e se respeita.

Então, numa civilização cristã e, sobretudo, no Reino de Maria — aonde, como diz São Luís Grignion de Montfort, os santos vão ser tão grandes, em comparação aos antigos, como os carvalhos em relação aos arbustos — o grau de excelência vai ser incomparavelmente maior do que conhecemos agora. E a noção que cada um terá de sua própria honra e do respeito para consigo mesmo será muito maior. Crescendo essa noção de respeito, cresce também a ideia que os outros têm do respeito a nós devido. Em consequência, no Reino de Maria o trato e o ambiente, serão impregnados de honra.

O que quer dizer “impregnado de honra”? Significa que se aproveitarão todas as ocasiões e todos os pormenores para dar a cada um a honra que merece. Será uma civilização eminentemente cerimoniosa.

O que é cerimônia? É um conjunto de palavras e de gestos por onde a pessoa exprime respeito. Portanto, uma civilização impregnada da ideia de honra é pervadida(2) de cerimônia e de cerimonial, é toda ela cerimoniosa. E a atitude das pessoas, o modo de se portar, de olhar, de se tratar, reproduzirá isto. De que forma? Com as antigas fórmulas de respeito, usadas neste ápice da respeitabilidade que houve no mundo, que foi a Idade Média? Ou com outras fórmulas ainda acrescidas? Que fórmulas?

Um problema bonito para se tratar é o seguinte: as fórmulas inventadas na Idade Média — algumas das quais decaíram no “Ancien Régime”(3), mas outras, pelo contrário, se requintaram até ao “delicioso” — são arbitrárias, podem variar ou estão de acordo com a natureza das coisas e são invariáveis? Algo de invariável elas têm, e isso devem conservar.

Relações entre o Papado e o poder temporal

Lembro-me de uma iluminura medieval representando uma cena que, tanto quanto eu saiba, não se deu; portanto, é uma cena imaginária. Era um Papa celebrando Missa, acolitado por dois coroinhas: o Imperador do Sacro Império e o Rei da França.

Tal iluminura exprime inteiramente a ideia que o católico deve ter das relações do Papado com os poderes terrenos, e o altíssimo e supremo grau de honorificência que reside no Papado, mas também no poder temporal. Sendo o Papa tão elevado, entretanto o poder temporal é digno de acolitá-lo; é uma honra ser coroinha. E um imperador que escrevesse para seu país relatando o fato, deveria redigir assim: “Tive a honra de servir de acólito na Missa celebrada pelo Vigário de Jesus Cristo na Terra, Pedro vivo em nossos dias, Sua Santidade, o Papa. Comigo acolitou o augusto Rei da França.”

O Rei da França deveria escrever: “Tive a honra etc., e também a honra de ser co-acólito com Sua Majestade Imperial.” Porque, como o Imperador é mais do que o Rei da França, é também para este uma honra ficar colocado numa situação análoga à do Imperador. E isso ele precisaria reconhecer.

E o último barão da Cristandade que estivesse presente na cerimônia deveria dizer: “Não cabia em mim de entusiasmo e de respeito. O Vigário de Cristo, o Imperador do Sacro Império Romano Alemão, o Rei da França participaram da Missa. O Imperador acolitou e o Rei também!”

São os vários graus de respeito devidos a cada um.

Origem dos Grandes de Espanha

A civilização ocidental, na Alemanha, na França, na Espanha, destilou manifestações de honorificência e de respeito, próprias à índole de cada país.

Por exemplo, um Grande de Espanha é uma coisa fenomenal!

A Espanha de si é grande, independente de ter ou não ter colônias ou grandes extensões geográficas. O grande império colonial foi um episódio de sua grandeza. Ela é grande por causa da grande alma que possui e do consórcio comum da alma do espanhol com o que há de maior, posto nas maiores proezas — às vezes, com um pouquinho de exagero.

Saint-Simon(4) narra a origem dos Grandes de Espanha. Havia naquelas primitivas monarquias espanholas, existentes antes da fusão dos vários reinos católicos, uma porção de outros reinos que foram se unindo, se aglutinando em dois grandes blocos: Aragão e Castela. Mas continuavam existindo aqueles vários pequenos reinos, cujos monarcas possuíam pouco poder.

Esses reis tinham em suas terras grandes vassalos, grandes senhores feudais, que por sua vez tinham sob a sua dependência grande número de trabalhadores manuais. E eram chamados “ricos homens”, e não condes ou barões, porque eram anteriores a esses títulos. E as mais antigas famílias espanholas e portuguesas descendem dos “ricos homens”, que chefiaram a rebelião do povo contra a invasão dos árabes.

Os “ricos homens” não possuíam títulos dados pelo rei, pois eram senhores naturais daquelas terras. E há uma beleza especial nisso, pois eles tinham uma nobreza que, por assim dizer, saiu do chão, das mãos de Deus, como uma flor. Poder-se-ia dizer do “rico homem” um pouquinho o que Nosso Senhor diz dos lírios do campo: “Considerai os lírios, como crescem; não fiam, nem tecem. Contudo, digo-vos: nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles” (Lc 12,27). Quer dizer, o “rico homem” é como um lírio que nasceu da ordem natural das coisas e domina suas terras.

Os reis, querendo sujeitar esses “ricos homens”, começaram a dar-lhes o título de Duque. E para alguns “ricos homens” os monarcas não lhes concediam esse título, mas tiveram que reconhecer que eles eram grandes. E então, mais do que o título de Duque era o de Grande, que não era dado pelo rei, mas criado pela ordem natural das coisas. Era, por assim dizer, um título nascido das mãos de Deus, através dos dedos da História.

Os monarcas acabaram dando o título de Duque a todos os descendentes dos antigos “ricos homens”, mas esses descendentes tratavam com certo desdém esse título, porque o importante era ser Grande de Espanha.

Por estas e aquelas “vuelteretas”, os reis acabaram distinguindo os “ricos homens” em três classes: a primeira, a segunda e a terceira.

Eles responderam muito “hidalgamente” e à la espanhola à manobra dos reis: não se revoltaram, mas não contavam a ninguém quem era de primeira, segunda e terceira classe.

E Saint-Simon, que era apaixonado por coisas nobiliárquicas, depois de muito empenho, conseguiu somente a indicação de alguns Grandes de Espanha, que eram de primeira e de segunda classe, e mais nada. Porque eles mantinham isso em segredo.

Os reis podiam ter feito decretos dizendo: “Declaramos que de primeira classe é este, de segunda é aquele, de terceira é aquele outro”, mas não ousaram fazer, provavelmente porque perceberam que, se publicassem decretos assim, os Grandes não iriam tomar em consideração do mesmo jeito. E fariam uma espécie de greve dos duques, o que seria uma atitude eminentemente espanhola. E assim ficou o título de Grande de Espanha.

Não quero dizer que é mais do que tudo, mas é uma coisa acima da qual não há nada. A tal ponto que a própria condição de Príncipe da Casa Real espanhola, que é, teoricamente, mais, eu acho menos impressionante do que dizer que alguém é um Grande de Espanha.

Para ilustrar um pouco esse assunto, um dos Grandes de Espanha é o famoso Duque de Alba, que venceu os protestantes poloneses belamente. Ele adoeceu e mandou dizer a Felipe II que precisava falar com ele, pois estava para morrer. Felipe II não foi logo, mas, com aquela majestade solene, lenta e solar que lhe era própria, chegou alguns dias depois. Quando ele entrou no quarto do Duque de Alba, este o olhou e disse: “Es tarde, señor”, virou-se para a parede e não olhou mais para o Rei! Era um Grande de Espanha!

Uma cena de Cyrano de Bergerac e o Magnata húngaro

Há muitos anos, li o Cyrano de Bergerac(5). E havia uma heroína francesa, a Roxane, que atravessou as linhas espanholas para ir visitar o exército onde estava o Cristian, que era o noivo dela, e que se encontrava lá com o Cyrano. Porque a guerra era com a Espanha e, para não dar uma volta muito grande, Roxane precisou atravessar as linhas espanholas.  Rostand imagina a cena assim: ela se apresentava, vestida com a dignidade de uma nobre francesa, e dizia ao sentinela espanhol que desejava conversar com um “gentilhomme” francês, que estava do outro lado da linha, e perguntava se ele permitia. O soldado mandava chamar o superior, um espanhol “fier comme un prince” — altivo como um príncipe —, que tirava o chapéu para ela e dizia: “Pase, señora!”

Aqui está um gênero de categoria bonita, porque todo espanhol tem algo de sombrio no fundo, um ar de desafio. Esse “Pase, señora” está longe de ser: “Madame, veuillez passer —Senhora, queira passar”. É a beleza da Europa dos mil “esmaltes” e das mil “tonalidades”.

Consideremos agora o contrário, um Magnata húngaro: nome dado aos nobres da Hungria, que faziam parte da Câmara dos Lordes. Com aquela “aigrette”(6), pele de pantera, espada curva, aquele ar vagamente huno ou mongol, que lhe dava certo fundo de brutalidade e grandeza selvagem, tem-se a impressão de que cada um deles ainda carregava alguma árvore dos tempos pré-históricos debaixo do braço. Mas, ao mesmo tempo, sabem ser imponentes como marajás e finos a ponto de frequentarem, com garbo, qualquer corte europeia. Aquilo já é outro tom, completamente diferente do Grande de Espanha. É um outro mundo e uma outra atmosfera de cerimonial.

Para a coroação dos reis da Hungria, entravam na praça os Magnatas, todos a cavalo — e cavalos fortes —, no meio ficavam os Bispos, e exigia-se destes que fossem homens fortes também.

Eu vi um filme sobre a coroação do Rei Carlos, último monarca da Hungria — o Imperador Carlos da Áustria e Rei da Hungria. Estavam presentes três Bispos do rito oriental, com coroas, e outros Bispos ocidentais, com mitras altas, e todos cavalgando. Ao descerem dos cavalos, jogavam as rédeas com garbo para os escudeiros e entravam.

O rei, quando era coroado — acho que isso ocorria na Hungria, mas não tenho certeza —, tinha de saltar por cima de um monte de trigo em grãos, com uma espécie de vasilha na mão, enchê-la de trigo e jogar para o povo, a fim de provar que ele era um bom cavaleiro e um bom guerreiro, mas que ao mesmo tempo era generoso e prometia ao povo grande abundância.

Esse vago resquício de selvageria dá uma força e uma grandeza à majestade, que é uma coisa extraordinária! Entretanto, não tem as mil finuras da coroação de um rei da França. Por exemplo, a coroa de Luís XV, no Louvre, é uma coisa extraordinária, única no gênero.

Novas formas de cortesia e de cerimonial

Os reis da França, que eram os “Reis Cristianíssimos”, depois de toda a pompa da coroação, saíam da Catedral e ficavam diante da fila dos escrofulosos, parados do lado de fora da igreja, nos quais tocavam com as suas régias mãos, e diziam a cada um: “Le roi te touche, Dieu te guérisse — O rei te toca, Deus te cure.” Afirma-se, e eu creio nisso, que vários eram curados. O soberano acabara de receber do Bispo a unção, era o ungido do Senhor, com o óleo trazido do Céu por uma pomba, na santa ampola utilizada por Saint Rémy na coroação do primeiro rei católico dos francos, Clóvis. Aqui já é outra feeria!

Feérico também é o velho Kremlin, com a velha coroa dos imperadores da Rússia, ainda tão primitivos que a orla da coroa é de pele. Eu acho essa coroa forte como a força de um magiar, e possui algo de selvagem, que não faz mal ao homem.

Essas coisas constituem uma espécie de “lumen honoris” próprio. Esses eram os excelentes do povo. E cada povo elaborava assim uma excelência correspondente à sua luz primordial(7), e algo que era a matriz de sua própria civilização e cultura.

Esses homens inspiravam os poetas, os artistas, realizavam os grandes feitos. Eram propriamente a tintura-mãe da nação, segundo a qual esta se modelava, conforme um processo muito natural, a partir da formação primeira de um núcleo excelente. Encontra-se esse processo de formação em mil fenômenos naturais. Por exemplo, se alguém quiser ter um grande exército fará muito bem possuindo, antes de tudo, um arqui-regimento, e depois constituindo outros regimentos segundo aquele. Ou se faz primeiro o excelente, e depois o resto, ou nada se realiza como deveria ser feito.

A todos esses “lumens” de honra próprios correspondiam escolas de cortesia, estilos, modos próprios etc., que eram as honras das várias nações. Em determinado momento a Europa soube perceber como eram essas honras das várias nações, e cada nação soube tributar à outra o apreço correspondente a isso. Houve, então, uma espécie de sinfonia de harmonia cristã por toda parte.

E o Reino de Maria continuará isso? Ou essas serão tradições que morreram e o Reino de Maria inovará coisas que vão servir de tintura-mãe para toda uma nova escola de “lumens” de honra e de estilos de cortesia muito mais quintessenciados? É uma pergunta diante da qual eu não tenho muito o que responder.

Só sei uma coisa: que, além de muito mais cerimoniosas, essas escolas de cortesia vão ser muito mais sérias porque serão a réplica a um mundo que pecou por falta de seriedade e por “nhonhozeira”(8). E evidentemente muito mais sacrais.

O pensamento religioso e o caráter da origem religiosa de toda superioridade, qualquer que seja a sua natureza, serão muito mais marcados do que antigamente. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/2/1980)

 

1) A partir do termo “megalomania” Dr. Plinio criou a palavra “megalice”, a fim de designar o vício de quem atribui a si mesmo qualidades que não possui ou então as exagera.

2) Penetrada, embebida. Neologismo usado por Dr. Plinio, derivado do verbo latino pervadere.

3) Antigo Regime. Período da História da França iniciado em princípios do século XVII e extinto em 1789, com a Revolução Francesa. Naquele período, a sociedade caracterizou-se por um requinte de bom gosto e pela elevação no convívio humano.

4) Duque de Saint-Simon (1675-1755), cujas Memórias abrangem o reinado de Luís XIV e a Regência.

5) Obra em versos (1897), de Edmond Rostand.

6) Do francês: penacho, adorno de penas.

7) A “luz primordial”, segundo a conceitua Dr. Plinio, é a virtude dominante que uma alma — ou um povo no seu conjunto —, é chamada a refletir, imprimindo nas demais sua tonalidade particular.

8) Termo usado por Dr. Plinio para designar o espírito acomodatício, apegado ao conforto, à despreocupação e à vida  sem dedicação a um ideal.

Santa desde o primeiro instante

Conforme a sentença comum dos teólogos, Nossa Senhora, concebida sem pecado original, foi dotada do uso da razão desde o primeiro instante de seu ser. Portanto, já no claustro materno possuía altíssimos e sublimíssimos pensamentos, nele vivendo como num verdadeiro tabernáculo. Assim, pode-se acreditar que a Bem-aventurada Virgem, com a elevada ciência que recebera pela graça de Deus, ainda no seio de Sant’Ana começou a pedir a vinda do Messias e, com Ele, a derrota de todo mal no gênero humano.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 8/9/1963)

São Nicolau

Personagem envolto na áurea e inocente legenda natalina, São Nicolau foi um modelo de caridade cristã, desvelado benfeitor do próximo mais necessitado, ao qual prodigalizava seu auxílio, sem que ele soubesse de onde viera o inestimável socorro.

Príncipe da Igreja, sucessor dos Apóstolos, sua compaixão e generosidade o tornaram para sempre essa figura mítica, repassada de bondade e carinho, fonte das alegrias e sorrisos com que as crianças festejam seus presentes de Natal.

Também eu, quando menino, aguardava ansioso a manhã do 25 de dezembro, na certeza de que o bom São Nicolau viria durante a noite depositar aos pés de nossa cama os brinquedos que tanto desejávamos. E ele os trazia sempre…

 

Plinio Corrêa de Oliveira

A harmonia interna da alma como elemento da contemplação da ordem do universo – I

Durante uma conferência para jovens discípulos, indagam a Dr. Plinio sobre como nasceu nele a contemplação da ordem do universo. Usando de um método que lhe era muito próprio, Dr. Plinio introduz o denso assunto citando exemplos e ilustrando com fatos  de sua vida.

 

Eu devo tratar a respeito da ordem do universo, mas em termos “enjolráticos”(1), evidentemente, dando a este adjetivo a afetuosa conotação de sempre.

Antes de tudo, é preciso mostrar como se adquire a noção da ordem do universo, e depois descrever como é a ordem do universo.  Primeiro aprontar a lente, depois colocar nela o olho, e não o contrário.

É muito difícil ser virtuoso

Como se obtém a noção, o gosto da contemplação da ordem do universo? Também isso é doutrinário demais para a minha cara “geração ultra-nova”. E então tem de ser outra coisa: como é que uma pessoa adquiriu a noção de ordem do universo, para depois estudar como outro pode obtê-la. Posteriormente fazer a exposição teórica de como se adquire, e então subir ao mundo diáfano dos princípios nos quais se entrava diretamente nos tempos de outrora. Não era preciso jardim na casa, entrava-se diretamente. Hoje é necessário ajardinar largamente o palácio antes de chegar a ele.

Vamos, então, cuidar do jardim tanto quanto mãos nascidas no começo deste século XX conseguem fazê-lo para o fim de um século que vai caminhando para o seu encerramento.

Nesse sentido, dou as minhas recordações. Tanto quanto eu posso me recordar — e talvez o que vou dizer não seja inteiramente edificante, ao menos segundo certos manuais que existem por aí —, eu tive desde cedo a noção de que era muito difícil ser virtuoso. Minha moleza, minha indolência natural — não me queiram mal — tão frequente no Nordeste, de onde o meu pai era procedente, era uma herança de família. A modorra, a tranquilidade, o gosto da despreocupação… Como eu achei interessantes as expressões francesas, quando as aprendi: “laissez faire, laissez passer!”(2). Oh, que coisa agradável! Eu não me incomodo com nada, contanto que não mexam comigo.

Procurar os deleites das coisas honestas e sadias

Com esse temperamento, quando me dei conta de que a virtude era muito difícil de praticar, pensei o seguinte: “Se eu for me impor um sacrifício total e em tudo, não terei meios de cumprir esta virtude que desejo. Preciso fazer uma coisa criteriosa: farei todos os sacrifícios necessários para ser virtuoso, custe o que custar terei de ser virtuoso, viverei na graça de Deus!”

Posteriormente, Nossa Senhora acendeu em minha alma um desejo mais ardente que era de chegar até a perfeição espiritual, mas nesse tempo isso estava mais ou menos vago no meu espírito. A ideia imediata era não cometer pecado mortal, não perder a graça de Deus e nem aquilo que eu percebia possuir, mas não sabia dar nome: o meu tau(3)!

Mas, de outro lado, quem gosta de modorra, gosta de viver gozando dos legítimos prazeres da vida. Então pensei o seguinte: “Preciso arranjar um jeito de praticar a virtude com a maior quota de deleite com que ela seja praticável. Porque, pelo menos assim, encontro algum lastro para tocar para a frente esse caminho, que é dificílimo, mas tenho de fazê-lo de qualquer jeito. Então, vou estudar tudo quanto há na vida de virtuoso, mas agradável para ter. E assim beber água a fim de ter coragem de enfrentar os areais do deserto, conhecer o mapa dos oásis para neles descansar quanto possível, e chegar ao outro lado da travessia”.

E daí começar a deitar muita atenção nos deleites das coisas honestas e sadias. Por exemplo, qual era o modo agradável de deitar na cama, de adormecer, de comer — o que sempre ocupou no meu mapa de coisas agradáveis um papel de relevo, que a “Fräulein” Mathilde(4) ainda acentuou teutonicamente —, como era deleitável ver um panorama e outras coisas do gênero.

A arte de enfrentar a dor

Mas eu fui, desde logo, salteado por uma sombra que poderia se exprimir da seguinte maneira: “Tudo isso é agradável, mas você o percorre na perspectiva do desagradável e teme perder o deleitável que tem. Quando chega o sábado, você está na perspectiva das delícias do domingo. Mas, no domingo à noite, se encontra nas previsões das agruras de segunda-feira: aula de Aritmética, Geografia etc., uns pesos do outro mundo. A própria aula de História, um fardo por causa da insipidez irremediável do seu pobre professor.” Era a vida do colégio, a batalha com a Revolução e toda espécie de desaguisados e desentendimentos, que me esperavam ao longo da semana.

Analisando isso, disse para mim mesmo: “Mas esse temor de que o sábado e o domingo passem é uma sombra que se projeta para dentro de mim, e o agradável que eu quero, que procuro dentro da virtude, não conseguirei. Mas preciso encontrar alguma coisa, porque do contrário não aguento o caminho que preciso seguir. Tenho que resolver esse assunto.”

E assim, insensivelmente, foi se introduzindo no meu espírito a noção de que o agradável não é tanto uma coisa que vem de fora para dentro, mas resulta do estado de espírito com que, de dentro, se olha para as coisas que estão fora. E a arte do agradável dentro da virtude não é só ter aquilo de que se gosta, mas saber manejar a sua própria alma, de maneira a degustar aquilo que tem. O manejo interno de si próprio é um elemento fundamental para a agradabilidade da virtude.

Eu percebia, desde logo, outra coisa: era o lado fraco em mim. Angustiava-me facilmente pensando no futuro. E a perspectiva do sacrifício, da luta, do esforço, da incompreensão, me atormentava mais ainda do que a própria realidade de sofrimento que eu tivesse dentro de mim.

Então comecei a elaborar — mas no sentido de aproveitar a vida virtuosamente a fim de ter fôlego para a virtude — uma arte de enfrentar a dor de maneira que ela doesse o menos possível, e desse à vida a maior fruição possível para eu conseguir ser virtuoso, que era o ponto fundamental em torno do qual se esboçava toda essa elucubração.

Não ser otimista

E cheguei à conclusão seguinte: para meu temperamento pessoal — a perspectiva do trabalho, ou pior do que o trabalho, da luta, pior do que a luta, da dor — era preciso eu tomar três regras de viver que, com a graça de Nossa Senhora, eu não abandonei e me ajudaram a chegar até a idade a que cheguei(5).

A primeira dessas regras era: não me deixar arrastar apavorado pelas vias da semi-realidade. Se, dentro de mim, tenho uma perspectiva que me oferece um perigo, seja ele de que ordem for, não devo ficar como certos otimistas que eu notava, os quais fechavam os olhos para o perigo e, à medida que o perigo ia se aproximando, iam descerrando os olhos, e cada pequeno descerrar de olhos era um tormento, e cada tormento prenunciava um tormento maior. A pessoa ia, devagarzinho, bebendo o cálice da angústia, gota por gota, e ainda fazendo passear cada gota em todo o alvéolo da boca. Isto não!

Se se apresenta diante de mim um perigo, vou desde logo prever, no primeiro passo, o pior do perigo que pode acontecer e vou retesar a minha alma para aquilo, pôr-me na presença daquilo, pois eu tenho de suportar. De que maneira? Antes de tudo, ver como evitar. Não vou me jogando na fogueira, quando é inútil. Caminho cuidadosamente, estudando para não cair dentro da fogueira, plano cuidadosamente elaborado; mas se for preciso estou resolvido a entrar na fogueira. E minha resolução está tomada logo, e eu já vou vendo o pior. De maneira que esse descerrar de olhos lento, dolorido, vagabundo e inglório eu não aceitaria. É de uma vez abrir o peito e abrir o olhar para aquilo e ir para a frente!

Qual era a vantagem disto? Encurtava a longa e horrível trajetória. Vou dar uma comparação, que é muito prosaica. Quando uma pessoa é operada, o médico põe esparadrapos e algodões em cima do lugar onde foi feito o corte.

Depois, quando vai arrancar os esparadrapos, ele não o faz milímetro por milímetro, porque contunde a pele. Não diz nada ao doente e, de repente, o médico arranca o esparadrapo de uma só vez. Um minuto depois, o enfermo está tranquilo.

Então eu resolvi “esparadrapiar” a minha vida: adotar a técnica do esparadrapo arrancado rapidamente. Tal coisa pode acontecer, prepare-se! Faça tudo para que não aconteça, e esteja pronto para aguentar caso aconteça. É mais ou menos como aquelas torres com guerreiros em cima, que os medievais levavam sobre pequenas rodas, nos campos de batalha, a fim de encostar na torre ou muralha dos adversários para começar a combater. Assim deveria ser eu ao longo da vida: uma torre móvel, já preparada para o alto da dor, o alto da batalha, o alto do perigo, e já disparando os golpes para vencer o inimigo tão logo quanto possível e depois descansar. E, na hora do descanso, a despreocupação. Esse era o modo de eu conceber as coisas.

A segunda regra era o seguinte: nunca ter pena de si mesmo. O homem que tem pena de si mesmo perdeu a batalha. É preciso ser inclemente consigo, porque é a única maneira de ser clemente consigo.

Meu próprio olhar sobre mim mesmo como que dizia: “Eu quero saber, ó Plinio, se você é ou não é homem, é ou não é filho de Nossa Senhora, recebe ou não recebe d’Ela as graças que pede para fazer o que é o seu dever. Agora vá adiante, eu quero julgar!”

Nunca começar pelo mais fácil

E, por fim, a terceira regra: num serviço qualquer, nunca começar pelo mais fácil, mas pelo mais importante, mais necessário, ainda que seja difícil. Mais ainda: em igualdade de condições, sendo tão importante o fácil quanto o difícil, começar pelo difícil, porque assim ele já fica feito e se atravessa depois o fácil ou o alegre. É melhor atravessar o fácil com o difícil atrás, do que tendo este pela frente. Joga-se a dor para trás, logo que se pode, para fazer a caminhada o mais suave possível.

Em diversos assuntos, se alguém prestar atenção verá que eu estou sempre tendo em vista o pior que possa acontecer, e com os planos feitos. É assim que agirei e estarei pronto para o pior. E ainda que não chegue já a hora do sacrifício, eu com toda a tranquilidade como, bebo, durmo e tenho minhas distensões porque já está tudo pronto. Na hora é só fazer. Ficam eliminados da alma a torcida e algo germinado com ela, que é o apego.

Porque nessa tática não se está apegado a nada. Se eu precisar fazer qualquer coisa a qualquer hora, realizarei. Não tem rangeres, nem “ai-ai-ai”. Tem de fazer, faça logo!

Isso me deu ao longo da vida muita facilidade, porque muita cruz inútil, que Nossa Senhora não me pedia que carregasse, e que eu podia, com uma ordenação séria de mim mesmo, afastar de lado, Maria Santíssima me ajudou e afastei. Alguém me dirá: “Não! O senhor previu uma porção de coisas ruins que acabaram não acontecendo, e se atormentou com hipóteses que não se efetivaram. Não seria muito melhor não ter previsto coisas tão más, pois assim teria levado uma vida mais agradável?”

Só há o agradável nesta vida a partir do momento em que existe o desagradável. Sentir-se preparado para enfrentar qualquer coisa, dê no que der, aí o homem tem sossego. E para ele se sentir assim, ele precisa de vez em quando imaginar o desagradável e testar-se: “Você está à altura disso? Se estiver, passeie, repouse e cante.”

Lembro-me de uma canção que a “Fräulein” Mathilde ensinava: “Rir e cantar, bailar e saltar, a primavera logo chegará.” Assim também, se estou preparado para tudo, tenha eu a idade que tiver, o resto é primavera. Porque é preciso estar a postos para tudo. E com isto se tem uma vida mais animada, mais feliz e a virtude fica mais fácil.

Talvez alguém pense que o assunto sobre o qual estou tratando não tem nada a ver com a ordem do universo. Mas, de fato, tem. Como se adquire uma noção amorosa da ordem do universo? E aqui vamos passar para um outro panorama psicológico. v

(Continua no próximo número)

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/8/1980)

 

 

1) Relativo aos “enjolras”, como eram chamados por Dr. Plinio os jovens que assistiam a suas reuniões.

2) Do francês: deixai fazer, deixai passar.

3) Tau é o nome da última letra do alfabeto hebraico e da décima nona do grego. Na visão de Ezequiel, Deus ordenou ao “homem vestido de linho, o qual trazia um estojo de escriba na cintura” (Ez 9,3), que “assinalasse com um sinal a fronte dos homens que gemem e choram por causa de todas as abominações que se fazem no meio dela [Jerusalém]” (Ez 9,4). Por analogia com essa visão, Dr. Plinio dizia que tinham “tau” aqueles que eram chamados a uma vocação contra-revolucionária e portanto alimentavam em si uma inconformidade com a Revolução, ou seja, “gemem e choram por causa das abominações”.

4) Governanta alemã que Dr. Plinio teve em sua infância.

5) Dr. Plinio tinha 72 anos quando fez esta conferência.

Natal e Nossa Senhora

Na hora bendita entre todas as horas, de um modo só conhecido por Deus, a Mulher bendita entre todas as mulheres, a Feliz Porta do Céu e sempre Virgem — como A exalta o cântico “Ave Maris Stella” — torna-Se, efetivamente, Mãe de Deus, pois a maternidade se completa quando Maria Santíssima dá ao mundo o Filho que Ela gerou.

Há uma belíssima música de Natal que canta de modo muito expressivo, como uma melodia vinda do alto: “Aparuit! Aparuit!” Afinal, apareceu na manjedoura o Verbo de Deus encarnado!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/7/1995)

Duas “escolas” de conversa

Dr. Plinio prossegue em suas reflexões sobre a interessante arte da conversa. Desta feita, salienta ele como as novas gerações se esqueceram da prática da “causerie” como meio de apostolado, tendo em vista as diferentes psicologias dos eventuais interlocutores. Trata-se, pois, de resgatá-la, por amor ao próximo.

 

Como dissemos em exposição anterior, a conversa se verifica tanto mais autêntica quanto mais nela transparece as características individuais dos interlocutores, o intercâmbio de personalidades, antes de ser uma simples troca de informações e comentários. Trata-se de uma alma vibrando em contato com outra.

Por exemplo, no momento em que converso com meus ouvintes, percebo neles o interesse em me conhecer mais profundamente, e o modo como meu espírito se mostra ao longo dessa exposição. Por sua vez, notam de minha parte análogo interesse, o desejo de conhecê-los, de nos aproximarmos pela comunicação de olhares, de expressões fisionômicas, etc.

Uma forma de oração

Quer dizer, ou cada um presta atenção no mesmo tema, por amor ao assunto tratado, e na alma do outro, pelo amor que deve nutrir por todas as almas, ou não se faz uma verdadeira “causerie”. Observando essa atitude cumpriremos na conversa a síntese de todos os Mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, por amor a Deus.

Com efeito, interessar-se por um tema enquanto tal, é amar a Deus, autor de tudo quanto existe e, portanto, dos elementos que proporcionam uma interlocução. De outro lado, demonstramos nosso amor ao próximo ao nos preocuparmos com sua alma, ao considerarmos suas qualidades e aquilo por onde ela é um reflexo da perfeição divina. Quando procuro discernir a alma do meu ouvinte, no fundo procuro ver algo de Deus. Assim, poder-se-ia dizer que, fitando-nos uns aos outros, estamos fazendo oração.

Se houver esse estado de espírito, insisto, teremos uma genuína conversa. Do contrário, não.

Decadência da arte da conversa

A esse propósito é oportuno ponderar que, embora a Idade Média tenha sido uma época marcada por luminosos exemplos de caridade fraterna e de intenso amor a Deus, não se percebe nela a manifestação da arte da conversa. Os medievais não sabiam conversar bem, mas acumularam os tesouros que dariam origem a essa excelência do convívio humano, surgida depois deles, como certos botões de rosa que desabrocham após terem sido cortados da roseira e postos num jarro. O vaso foi a Europa, a rosa, o amor de Deus herdado da virtude medieval, em estado de tradição.

Porém, com o avanço da Revolução, esse amor ao Criador foi se tornando cada vez menos presente na sociedade, e o egoísmo humano, mais atuante. Por esse motivo, a conversa foi decaindo aos poucos, até se encontrar no estado moribundo em que a notamos hoje, reduzida a raros ambientes nos quais ainda é cultivada, à espera de que a exacerbação egoísta a suprima de vez.

A “escola dos assuntos práticos”

Lembro-me de em certa ocasião, estando em Roma, ter me encontrado com outro brasileiro e, por razões de cortesia, convidei-o para um almoço. O restaurante escolhido situava-se num local muito aprazível e pitoresco, chamado “gallopatoio”, pois era utilizado para fazer galopar os cavalos.

Estando à mesa, tomei a iniciativa de levantar um tema, outro, outro, mas os assuntos morriam. Pensei: “Que almoço fracassado! Não consigo interessar meu conviva”.

Em determinado momento, ele me pergunta:

— Dr. Plinio, o senhor não gostaria de entrar logo na matéria a ser tratada nessa refeição?

Caí de algumas nuvens, mas, habituado a semelhantes situações, “desci de pára-quedas”, já percebendo que dali sairia a “mãe da natureza”, ou seja, algo sesquipedal. E lhe indaguei:

— Qual é o tema do almoço?

— Não, eu suponho que o senhor me trouxe aqui para tratarmos de um assunto específico.

Sem deixar de ser amável, respondi:

— Não há nada de concreto a tratar. Convidei-o para esse almoço a fim de saborearmos juntos uma boa comida…

Pela surpresa estampada na fisionomia de meu interlocutor não era difícil compreender o que ia no fundo de seu espírito. Ele, como a maioria dos homens modernos, fora formado na ideia de que, quando se convida alguém para almoçar ou jantar, tem-se em vista tratar de um negócio, de um interesse prático. Dessa sorte, de início ao fim da refeição não se fala de outra coisa, e o êxito do encontro será completo se ao término dele tal contrato estiver assinado, tal compra acertada, tal campanha eleitoral programada, etc., etc.

Ora, as gerações antigas, como a minha, educaram-se em outra escola. No almoço ou jantar não se cuida de nada que tenha ares de negócio ou política. O espírito flana como uma borboleta pelo ar. Quando se quer falar sobre transações comerciais, vai-se a uma sala própria chamada escritório, cujo mobiliário é adequado para isso. Se o assunto é cultura, há o living ou a sala de visita. Por essa razão as residências têm vários cômodos.

Infelizmente, hoje já não se procura essas distinções, e grande parte dos jovens cresce sob a influência da primeira “escola” e da televisão: todos ficam olhando para a tela do aparelho sem fazer comentários…

Resgatemos a arte da conversa

Essa decadência da arte da conversa não faz senão nos incentivar a cultivá-la, a resgatá-la, revivê-la, torná-la o quanto possível atual. Nesse sentido, poderíamos ainda apontar outros de seus importantes aspectos.

Um deles é o fato de que o espírito católico nos leva a considerar com desvelo o tema de uma conversa, e a conhecer não apenas a alma de nosso interlocutor, mas também as características da sua região, do seu país, da cidade onde nasceu e da família de onde ele procede.

Por exemplo, ao tratarmos com um cearense, devemos perceber e admirar suas peculiaridades, os lados pelos quais é diferente dos habitantes de outras regiões e mesmo dos outros povos nordestinos. Enquanto o pernambucano é raras vezes otimista — meu pai o era imensamente… — o cearense alimenta um otimismo curioso. Este não espera um fácil desenrolar das coisas, e até se mostra desapontado com tal ideia. Porém, sempre acha que no fim das contas tudo dará certo. E assim enfrenta o quotidiano e conduz sua vida com aquela alegria proverbial.

Ora, na arte da conversa autêntica, praticada segundo o espírito cristão do amor ao próximo, devemos aplicar esses conhecimentos, seguir essas balizas, e assim torná-la interessante e agradável.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 92 (Novembro de 2005)

 

O Sibarita, o herói e o Mártir do Gólgota

A presentamos aqui a segunda parte da exposição em que Dr. Plinio considera estas duas posturas de alma: a do gozador da vida, a quem aborrecem o dever e o sacrifício, e a do herói que galga suas montanhas interiores, a exemplo do Divino Mestre vencendo o Monte Calvário

 

A verdade é como um píncaro a ser conquistado. O autêntico alpinista não é o que sobe montanhas, mas aquele que, pelo esforço do pensamento, chega às altas verdades. É aquele que gosta de parar e dizer: sejamos lógicos, sejamos homens de Fé! As verdades da Fé e os princípios da moral católica me traçam  o caminho do dever. Ora, tal procedimento para o qual me convida um irmão,  m amigo de escola ou um anúncio de televisão, conduz-me para algo contrário à Fé e à razão. Estes me convidam para o bem e me mostram o dever. Sinto-me dividido entre duas leis: a da  impressão e a da razão.

Pela lei da razão, alinhei os raciocínios e conclui o que precisa ser feito. Os regimentos dos raciocínios foram conquistando terreno em minha cabeça e em certo momento cobriram o campo de  batalha: “Está resolvido, seguirei o bom caminho. Por mais que doa, por mais difícil que seja, ainda que tenha a impressão de me estraçalhar, seguirei a reta via”.

Quem procede assim, é um verdadeiro herói. Este é um católico no sentido pleno da palavra: o católico apostólico romano, seguidor de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Exemplo divino: a Paixão do  Redentor

Sim, o Divino Mestre nos deu sublime exemplo dessa atitude de alma, na cena da Paixão que, por certas razões psicológicas profundas, empolga-me mais que a própria morte na Cruz: é quando Ele se dirige ao Horto das Oliveiras e se põe a rezar, pensando no que Lhe estava reservado.

Diz o Evangelho: “Et coepit pavere et taedere” — Ele começou a sentir pavor, tristeza e abatimento. E Jesus, Profeta, viu tudo o que ia se passar com Ele, ponto por ponto: “Meu Deus, como isto  custa! Não bastará? Esta mão, é preciso que seja perfurada por um prego? É necessário que outros cravos perfurem meus pés e Eu fique suspenso, dilacerado, esgotado de forças, com o sangue  correndo às torrentes de todo o meu corpo, transformado numa chaga, de modo a se cumprir o que disse Isaías: sou um verme, não um homem, o desprezo dos homens e a gargalhada do povo?  Mas, meu Padre Eterno quer que Eu sofra tudo isso para resgatar os pecados da humanidade, redimir o pecado original de Adão e Eva, dos quais Eu descendo pelas entranhas puríssimas de Maria  Virgem. Embora inocente, desejo expiar por eles, como o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”.

Pois bem, se quisesse, Ele poderia escapar daquelas dores, voltar para Nazaré, ser acolhido por Nossa Senhora e, numa tarde suave, contemplar o pôr-de-sol, conversando com Aquela cuja  perfeição era insondável e podia encantá-Lo pela vida inteira.

Contudo, a atitude d’Ele foi outra: “Não, não quero nem devo fugir da Cruz, porque sou Homem-Deus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, encarnei-me para salvar o gênero humano.

Chegou a hora, e o sacrifício — razão de ser de Eu ter as naturezas humana e divina — está posto diante de Mim. Agora tenho que realizá-lo. É lógico e virtuoso que o faça. O raciocínio, baseado nas verdades sobrenaturais que conheço, me impõe: é preciso consumar esse holocausto!”

De todos os seus poros o sangue começa a brotar. A ciência moderna explica que a perspectiva de dores e sofrimentos atrozes pode provocar no organismo essa transpiração de sangue. E foi o que se passou com Jesus: sem ninguém ter tocado n’Ele, a previsão dos tormentos Lhe arrancou o primeiro sangue.

Ele sente em si a incapacidade de sua natureza humana e suplica: “Meu Pai, meu Pai, se é possível afaste de Mim esse cálice, mas — é a vitória da lógica—faça-se em Mim a vossa vontade e não a  minha”. É como se Ele dissesse: “Eu não sei como prosseguir, não tenho forças para a enormidade da Cruz que devo carregar, porém uma coisa não farei: é pô-la de lado. Cumprirei a vontade de  meu Pai!”

E o Padre Eterno poderia ter dito: “Meu Filho, contento-me com seu oferecimento, e O dispenso da Paixão!” Não o fez. Mandou um anjo para consolá-Lo, sem remover o sofrimento do caminho  d’Ele!

Jesus se sentiu fortificado. E compreendeu na sua natureza humana — na divina Ele o sabia desde todo o sempre — que não havia volta atrás. Não se nota n’Ele a menor hesitação. A lógica O faz amar o Padre Eterno sobre todas as coisas. E assim, Aquele que não era apenas o mais alto dos homens, mas o Homem-Deus, subiu o mais alto dos montes, o Gólgota. Sem dúvida o Himalaia supera em altitude o Calvário, mas como este é mais elevado que aquele! Nosso Senhor Jesus Cristo, carregando sua Cruz ao pináculo da montanha do Gólgota, fez incomparavelmente mais do  que subir o Himalaia a pé!

A grande montanha a galgar está dentro de nós

À luz desse heroísmo divino nos faz bem contemplar o Santo Sudário de Turim. Este é a perene fixação do ato de vontade eterno: “Eu farei e não abrirei mão do meu dever!” Reduzido a cadáver, com as mãos inertes  uma sobre a outra, com os olhos fechados e os lábios silenciosos… Mas, como esses olhos fechados vêem e como esses lábios silenciosos falam! Quanta coisa Ele diz no Sudário! Em primeiro lugar, aquela deliberação: “Sacrificar-me-ei!”

Foi o amor à verdade e ao bem que levaram Nosso Senhor Jesus Cristo até essa culminância. E é isto que devemos ter em linha de conta, quando comparamos o sibarita com o homem que galga as montanhas.

Vencer os montes, que linda proeza! Mas o pobre do alpinista pode ter levado uma boa quantidade de rum e naquela mesma noite se embriagou no meio da neve. Sim, um homem é capaz de ser  valente para galgar montanhas, mas não ter a coragem de ser um marido fiel, nem de — face a uma opção em sua vida — raciocinar com a firmeza e a clareza com que o faz o católico quando se põe na escola de Nosso Senhor Jesus Cristo.

No dia seguinte esse alpinista desce, é festejado pelos de sua aldeia natal… Tudo muito bonito. Mas… naquele dia ele diz uma calúnia, faz um negócio desonesto ou mente com vileza. O que é esse homem? É um pigmeu, um anão que escalou uma montanha. O grande cume a galgar, o extraordinário alpinismo a empreender está dentro de nós. A beleza de nossa vida consiste em termos no  nosso interior imensas montanhas magnificamente nevadas, dos flancos das quais pendem abismos terríveis, e devemos ser os alpinistas de nós mesmos. Ao sermos criados, Deus teve um  desígnio para cada um de nós, com vistas a que alcançássemos tal grau de virtude e ocupássemos no Céu um determinado trono. O verdadeiro alpinismo é galgar de virtude em virtude até conquistarmos esse trono, e aí cantar as glórias de Deus por toda a eternidade!

Para chegar a isso, cumpre fazer o desagradável contra nós mesmos.

Se certo sacrifício necessário me repugna, penso em Deus que me criou, em Nosso Senhor Jesus Cristo que me remiu, em Nossa Senhora cujas entranhas virginais, por obra do Espírito Santo, geraram Nosso Senhor; penso na Santa Igreja Católica e em tudo que me diz: “Meu filho, cumpre o seu dever!”

Ao contrário do demônio, que sempre nos toma o que nos havia prometido, Deus costuma nos dar muito mais do que sacrificamos por Ele. Daí a promessa do Evangelho: quem oferece alguma  coisa a Deus — ou seja, cumpre os mandamentos — recebe o cêntuplo nesta Terra e depois a vida eterna.

“Queremos o sacrifício, o triunfo e a glória!”

Mas, os caminhos que levam aos cumes das montanhas são sinuosos. E quem quer atingir o píncaro, às vezes tem de descer. Nós estamos agora nesse entusiasmo e nessa alegria, sentindo a dignidade de quem é capaz de se sacrificar. Porém, esse não é um estado de espírito constante em nossa vida. Não raro, a alegria e o entusiasmo se desfazem, dando lugar a uma bruma em nossa alma.

Há dias em que não temos vontade de cumprir o dever, em que não temos ímpeto de alma para voar, e nos sentimos moles como sibaritas, embora tenhamos levado uma existência de sacrifício.

Deus permite essa situação. Ele retira de nós os auxílios sobrenaturais pelos quais a vida fiel parece tão alegre, e nos vemos abandonados, tristes e sem força. São as horas em que o coração d’Ele está mais perto do nosso e em que Ele nos diz: “Meu filho, chegou o momento da aridez e da dor, para provar se é capaz de ser fiel agora como o foi na alegria. Tudo lhe parece enfadonho, você tem tentação de pensar continuamente noutra coisa, está fascinado por algo que não presta, e não lhe sai da cabeça. Estou lhe deixando longe do prazer que teve, porque desejo que você se dê inteiro.

Há de chegar um momento interior em que me dirá: ‘Meu Pai, meu Pai, por que me abandonastes?’. Mas tenha a convicção de que, depois da hora mais negra, semelhante à de uma morte, virá a  ressurreição das alegrias de outrora, mais esplêndidas e maiores do que antes. Portanto, meu filho, passe esse vau!”

E nós podemos nos voltar para a Santíssima Virgem e Lhe suplicar: “Maria, Mãe de misericórdia, eu não tenho coragem para dizer sim. Como Ele, no Horto das Oliveiras, também disse: ‘Meu Pai,  se for possível afaste esse cálice’, dizei a vosso Filho por mim: ‘Se for possível, afaste dele esse cálice’. Se não, minha Mãe, alcançai-me graças, dai-me forças e eu atravessarei a prova. No fim do  túnel tenebroso em que estou, ó Maria, verei brilhar a vossa luz!”

Isto é ser o contrário do sibarita. E a vida a que fomos chamados, graças a Deus, é essa. Se ela não tivesse esses perigos, aplicar-se-ia a nós a expressão de um poeta francês: “Quem vence sem  perigo, triunfa sem glória”. Quando morre um católico em estado de graça, há uma glória reservada para ele no Céu, porque, se faleceu como justo, ele ganhou uma guerra. E o mérito de a ter vencido é tanto maior quanto mais sacrifícios, riscos e perigos teve de enfrentar nessa conquista.

Nós queremos o triunfo e a glória, o sacrifício e o perigo.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (extraído de conferência)

 

A restauração da ordem

Continuamos a exposição do livro Revolução e Contra-Revolução, na forma de perguntas e respostas, a que demos início no número anterior. Conforme escreve em sua obra, Dr. Plinio concebia a restauração cristã não como o retorno a um passado imobilista e morto, feito apenas por um apostolado doutrinário, mas pela difusão de um “tonus”, um tipo humano, tanto mais saliente se divulgado por uma associação religiosa aprovada pela Hierarquia da Igreja.

 

O que a Revolução tem destruído?

O que tem sido destruído, do século XV para cá, aquilo cuja destruição já está quase inteiramente consumada em nossos dias, é a disposição dos homens e das coisas segundo a doutrina da Igreja, Mestra da Revelação e da Lei Natural. Esta disposição é a ordem por excelência. O que se quer implantar é, “per diametrum”, o contrário disto (pp. 59-60).

Brilho superior ao da cristandade medieval

O que a Contra-Revolução visa restaurar?

Se a Revolução é a desordem, a Contra-Revolução é a restauração da ordem. E por ordem entendemos a paz de Cristo no reino de Cristo. Ou seja, a civilização cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, anti-igualitária e antiliberal (p. 97).

Em que consiste o espírito da Revolução?

Duas noções concebidas como valores metafísicos exprimem bem o espírito da Revolução: igualdade absoluta, liberdade completa. E duas são as paixões que mais a servem: o orgulho e a sensualidade. (…)

Sempre que falamos das paixões como fautoras da Revolução, referimo-nos às paixões desordenadas. E, de acordo com a linguagem corrente, incluímos nas paixões desordenadas todos os impulsos ao pecado existentes no homem em conseqüência da tríplice concupiscência: a da carne, a dos olhos e a soberba da vida (pp. 65-66).

Quais os pontos capitais em que a ordem nascida da Contra-Revolução deverá brilhar?

Por força da lei histórica segundo a qual o imobilismo não existe nas coisas terrenas, a ordem nascida da Contra-Revolução deverá ter características próprias que a diversifiquem da ordem existente antes da Revolução. Claro está que esta afirmação não se refere aos princípios, mas aos acidentes. (…)

A ordem nascida da Contra-Revolução deverá refulgir, mais ainda do que a da Idade Média, nos três pontos capitais em que esta foi vulnerada pela Revolução:

* Um profundo respeito dos direitos da Igreja e do Papado e uma sacralização, em toda a extensão do possível, dos valores da vida temporal, tudo por oposição ao laicismo, ao interconfessionalismo, ao ateísmo e ao panteísmo, bem como a suas respectivas sequelas.

* Um espírito de hierarquia marcando todos os aspectos da sociedade e do Estado, da cultura e da vida, por oposição à metafísica igualitária da Revolução.

* Uma diligência no detectar e no combater o mal em suas formas embrionárias ou veladas, em fulminá-lo com execração e nota de infâmia, e em puni-lo com inquebrantável firmeza em todas as suas manifestações, e particularmente nas que atentarem contra a ortodoxia e a pureza dos costumes, tudo por oposição à metafísica liberal da Revolução e à tendência desta a dar livre curso e proteção ao mal (pp. 97-99).

Apostolado moderno e o fenômeno “R-CR”

Todo católico deve ser contra-revolucionário?

Na medida em que é apóstolo, o católico é contra-revolucionário. Mas ele o pode ser de modos diversos.

Pode sê-lo implícita e como que inconscientemente. É o caso de uma Irmã de Caridade num hospital. Sua ação direta visa a cura dos corpos, e sobretudo o bem das almas. Ela pode exercer esta ação sem falar de Revolução e Contra-Revolução. Pode até viver em condições tão especiais que ignore o fenômeno Revolução e Contra-Revolução. Porém, na medida em que realmente fizer bem às almas, estará obrigando a retroceder nelas a influência da Revolução, o que é implicitamente fazer Contra-Revolução (p. 149).

Como o apóstolo moderno poderá aumentar sua eficácia?

Numa época como a nossa, toda imersa no fenômeno Revolução e Contra-Revolução, parece-nos condição de sadia modernidade conhecê-lo a fundo e tomar diante dele a atitude perspicaz e enérgica que as circunstâncias pedem.

Assim, cremos sumamente desejável que todo apostolado atual, sempre que for o caso, tenha uma intenção e um “tonus” explicitamente contra-revolucionário.

Em outros termos, julgamos que o apóstolo realmente moderno, qualquer que seja o campo a que se dedique, acrescerá muito a eficácia de seu trabalho se souber discernir a Revolução nesse campo, e marcar correspondentemente de um cunho contra-revolucionário tudo quanto fizer (p. 150).

Poderá haver uma associação religiosa para combater a Revolução?

A ação contra-revolucionária pode ser feita, naturalmente, por uma só pessoa, ou pela conjugação, a título privado, de várias. E, com a devida aprovação eclesiástica, pode até culminar na formação de uma associação religiosa especialmente destinada à luta contra a Revolução (p. 152).

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 92 (Novembro de 2005)

Consolação dos Aflitos

Consolar não é apenas enxugar o pranto de quem chora. Muito mais do que isso, é dar força, ânimo, decisão. O homem aflito facilmente se acabrunha exageradamente, perde a coragem, entregasse.

Nossa Senhora consola quando diz a uma pessoa aflita: “Meu filho, ânimo! Eu te dou, com a graça, a capacidade de lutar. Enfrenta o adversário! Tudo é reparável; no Céu serão pagos os teus  sofrimentos, será recompensado em glória tudo o que tiveres de carregar nos ombros agora. Vamos, coragem e para a frente!” Esta é propriamente a consolação. Nossa Senhora dá isso aos aflitos, àqueles exatamente que estão precisando de força para a luta.

Aqui está o pedido a ser feito a Nossa Senhora como nossa Consoladora: Que Ela nos dê força, firmeza, ânimo e coragem.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/9/1970)

Nossa Senhora

Conforme a parábola do filho pródigo, este fez um longo percurso durante o qual não consta que o pai tenha resolvido agir sobre ele. Mas quando o filho se aproximou, sua ação foi intensa: envolveu-o com seu afeto, mandou realizar uma festa tão grande que o filho fiel fez uma reclamação: “Como é isso?”

Na realidade, o mesmo se dá com o pecador. Ele se afasta de Nossa Senhora, e habitualmente — há exceções — vai se distanciando cada vez mais. Maria Santíssima não age, mas fica esperando certo momento de sua crise, no qual ele de certo modo cai do cavalo, como São Paulo no caminho de Damasco. Antes disso há remotas preparações no interior da alma dele, que Nossa Senhora vai dispondo e que somente conheceremos no dia do Juízo. Em determinada hora, notamos que sua alma se torna sequiosa do maravilhoso, que traz consigo o desejo da admiração. E se aproxima um início de deslumbramento das coisas da nossa vocação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/3/1989)