O “Lembrai-Vos”, uma oração para todos os momentos

É muito importante ponderarmos bem as magníficas palavras do “Lembrai-Vos”, esta bela oração com que rogamos a misericórdia de Nossa Senhora.

“Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer…” A palavra nunca é bastante categórica. “… que algum daqueles…” Algum daqueles, isto é, quem quer que seja: não houve um só caso.

“…que têm recorrido à vossa proteção, implorado vossa assistência e reclamado vosso socorro, fosse por Vós desamparado.” Proteção, assistência, socorro. Proteção para evitar que a tentação venha. Assistência é um auxílio numa situação difícil. Socorro é para uma pessoa que está periclitando, sumindo, afundando.

Está bem: nunca se ouviu dizer que, tendo alguém pedido proteção, assistência e socorro a Nossa Senhora, fosse por Ela desamparado. “Animado eu, pois, com igual confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho”.

Quer dizer, se nunca Vós deixastes de proteger a ninguém, aqui estou eu, que sou um ente humano e, como tal, batizado na Igreja Católica, sou vosso filho, venho Vos pedir auxílio. Estou tentado, eu tive culpa, digamos que até caí em tentação. Mas eu existo, vivo, e a vossa Clemência me mantém nesta vida. E, permanecendo vivo, tenho o direito e o dever de rezar para Vós. Assim, aqui me apresento, cheio de confiança na vossa misericórdia.

“E, gemendo sob o peso de meus pecados, me prostro a vossos pés.”

Note-se como é animadora esta expressão. Ela não diz o seguinte: “Eu, o inocente, o puro, o límpido; eu, o homem sem mancha, me dirijo a Vós e peço socorro. A minha inocência me dá direito a vosso auxílio”. Não! Mas diz: Gemendo sob o peso de meus pecados… Ou seja, são tantas faltas que elas me prostraram no chão. Eu estou caído ao solo sob o fardo delas, e este me oprime de tal modo que eu chego a gemer.

Ora, gemendo sob o peso de meus pecados, o que faço eu? Prostro-me aos vossos pés. Eu venho para junto de Vós, minha Mãe, e a Vós me agarro, na opressão de meus pecados.

Então vem a conclusão: “Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo de Deus humanado, mas dignai-Vos de as ouvir propícia e de me alcançar o que Vos rogo. Assim seja”. O pensamento é lindo. Dignai-Vos de ouvir com benignidade, com bondade, o que eu estou dizendo. De vossa parte eu espero um sorriso e que me alcanceis aquilo que Vos peço. Amém.

Digamos agora uma palavra sobre a oração no seu conjunto.

Ela é uma tocante e filial manifestação da confiança de qualquer alma, em qualquer estado, posta em qualquer situação, para com Nossa Senhora. Uma confiança que a reveste de ânimo e a faz voltar-se à Santíssima Virgem, dizendo-Lhe: “Isto eu Vos peço, tende pena de mim e auxiliai-me”.

O raciocínio que essa súplica encerra é simplíssimo: “Vós nunca abandonastes ninguém; ora, eu sou alguém; logo, Vós não me abandonareis”. É uma reflexão a mais lógica possível, a mais concludente, a mais convincente, a mais singela na sua esquematicidade, a mais irresistível, expressa numa linguagem de fervor e devoção. Uma linguagem que, além de bonita, tem um verdadeiro conteúdo teológico: Nossa Senhora é Mãe de cada homem; donde Ela não deixará de socorrer a qualquer um que a invoque. Nunca será supérfluo insistir neste ponto: é preciso invocá-La, é  necessário que a Ela sempre  recorramos, máxime nos momentos difíceis de nossa existência. Seja nas horas de tentações, de provações, angústias e sofrimentos, seja nos problemas comuns de todos os dias.

Por exemplo, em nossas atividades apostólicas, em nossas ações de caridade, devemos confiar e suplicar o auxílio de Nossa Senhora. Pedir a Ela que favoreça tal conversa com uma alma aflita ou com alguém que vemos vacilar nas sendas da virtude. Então peçamos: “Minha Mãe, considerai esse espírito tíbio e mole que corre o risco de se afastar de Vós. Comunicai a ele algo de vossa vitalidade e de vosso fervor”.

E se o mole sou eu, digo-Lhe: “Minha Mãe, infundi em mim esse vosso ardor. Eu me vejo atolado na pasmaceira, da qual, entretanto, tenho horror. Quanto mais Vós o tereis! Tende pena de mim, e curai-me dessa lepra”. E assim como no apostolado, também em nossas mais diversas ocupações sociais e profissionais, devemos tratar Nossa Senhora como uma Mãe boníssima a quem nós pedimos tudo aquilo que nossa alma aspira ou necessita, sobretudo quando ordenado para a glória dEla.

Segundo a boa tradição católica, os Anjos estão sempre prontos a em tudo nos socorrer e ajudar, enquanto os demônios, pelo contrário, procuram  nos causar danos e atrapalhações.

É conhecida, por exemplo, a funesta ação de um espírito maligno que costumava talhar a manteiga fabricada por certos camponeses europeus. O fato pode até despertar sorrisos, pois lembra algo da inocência da vida rural, em comparação com as fuligens e inferneiras das grandes metrópoles.

Desperta sorriso, sim, mas contém uma realidade. Quantas vezes fazemos alguma coisa e esta sai errada, desanda, talha. Por quê? Não raro, devido à ação preternatural de algum demônio. Nesses momentos, a atitude correta não é nos enervarmos, nem nos apavorarmos, nem tampouco nos desesperarmos. É rezar: “Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria…”

Quer dizer, a solução para as nossas dificuldades, grandes e pequenas, está em possuirmos essa constante confiança, em todas as horas, na infalível assistência de Nossa Nossa Senhora da Penha (Rio de Janeiro) Senhora.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Rainha dos acontecimentos

O báculo e as chaves que Nossa Senhora do Bom Sucesso traz consigo dão a entender que Ela abre e fecha os acontecimentos grandiosos, as misérias e as catástrofes na vida dos homens, as vitórias de Deus na História.

Ela traz triunfalmente seu Divino Filho, como quem diz: “Estou vencendo, mas venço para que Ele vença. Eu sou Rainha, sim, porém o sou porque Ele é o Rei!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/8/1982)

Apresentação de Nosso Senhor no Templo

Após ter gerado do modo mais maravilhoso e feliz possível o Filho divino que o Espírito Santo concebeu nas suas entranhas virginais, Nossa Senhora quis se sujeitar, junto com o Menino, à Lei de Moisés pela qual deveriam se apresentar no Templo: Ela, para completar os dias de sua purificação, e Ele, a fim de ser oferecido e resgatado como primogênito.

Submetendo-se, sem o precisarem, a tais preceitos, Mãe e Filho nos deixaram um lindo exemplo de amor e obediência aos desígnios de Deus. Ao mesmo tempo em que proporcionaram ao santo Simeão a alegria indizível de ver com seus próprios olhos o Messias prometido pelas Escrituras.

Sustentando o Verbo Encarnado em seus braços, o profeta O louvou e aclamou como a glória de Israel, a salvação que Deus preparara diante de todos os povos, como a Luz para iluminar as nações…

(cf. Lc 2, 29-32).

Plinio Corrêa de Oliveira

Sob o manto da Mãe do Bom Sucesso

O conhecimento de trechos das revelações de Nossa Senhora do Bom Sucesso a Soror Mariana de Jesús Torres fez com que essa invocação da Mãe de Deus se tornasse uma das principais na obra de Dr. Plinio.

Claramente movido por uma graça interior, em certa ocasião, Dr. Plinio exprimiu um desejo: “Bem que Nossa Senhora do Bom Sucesso poderia nos dar um sinal… Um sinal a respeito do quê? De uma especial assistência a nós. Nada determinado”.

No dia seguinte a essas palavras, Dr. Plinio teve, como de costume, longa agenda de atendimentos. Entre os despachos marcados, estava uma palavrinha de acolhida para um grupo de discípulos equatorianos. Após os cumprimentos, comunicaram serem eles portadores de um presente todo especial para Dr. Plinio: as chaves do Mosteiro da Imaculada Conceição de Quito, que normalmente pendem da mão direita da imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso!

Portanto, a Rainha do Céu não esperara 24 horas para enviar o solicitado sinal. Ao recebê-lo, Dr. Plinio comentou: “A chegada dessas chaves tem relação com o que temos dito a respeito das conjunturas atuais. Elas são um estímulo à oração e significam que, se rezarmos diante delas, Nossa Senhora nos atenderá. Eu fico tocado até o fundo da alma e agradeço muitíssimo, mas muitíssimo!”

Infelizmente as históricas chaves eram emprestadas e, após serem veneradas durante algumas semanas, tiveram de ser devolvidas à sua ilustre proprietária.

Teria sido um sinal passageiro? Nossa Senhora do Bom Sucesso é Mãe de uma bondade insondável. Para tornar ainda mais patente o sinal, concedeu em 11 de fevereiro de 1992, dia de Nossa Senhora de Lourdes, nova e talvez ainda maior graça, enviando, a título de empréstimo — e por um ano! —, um de seus mantos. Acompanhava outra valiosa relíquia: a manga de um de seus antigos vestidos, com um tocante bilhete das freiras daquele mosteiro:

“Reliquia de Nuestra Madre del Buen Suceso. Al Dr. Plinio Corrêa de Oliveira.

Sus hijas de la Limpia Concepción de Quito.”

A título temporário também, como mais uma dádiva, Nossa Senhora do Bom Sucesso fazia retornar, por mais um tempo, as tão simbólicas chaves.

O que entre nós se passou? — comentou Dr. Plinio. Dir-se-ia que houve uns números musicais muitíssimo bem regidos e executados que animaram os nossos corações, depois foram introduzidas as chaves que pendiam do braço da imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso, e foi trazido aqui um dos mantos dessa gloriosa imagem para estar presente durante as nossas reuniões, pelo menos, pelo espaço de um ano. Foi trazido juntamente um tecido branco da manga do vestido da própria imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso, portanto, algo que tomou contato direto com o braço da imagem, e quem sabe se era o braço da destra d’Ela que foi coberto por esse tecido?

É esse símbolo da destra d’Ela que vem presidir e ornamentar as nossas reuniões(1).

Essa especial relação de alma com a Virgem do Bom Sucesso se manifestou também nas tocantes palavras com que Dr. Plinio descreveu a pequena imagem recebida por ele de presente em 1979:

Eu já tenho visto fotografias muito bem tiradas da verdadeira e autêntica imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso. E tenho tido a impressão de alta veneração, respeito filial, afeto, que a imagem desperta.

Entretanto, olhando para esta esculturazinha aqui, tão inferior à imagem original no lado escultural, eu notei nela um imponderável qualquer, que parece ter uma alegria e uma propriedade de despertar alegria, como se Ela estivesse anunciando o sucesso que vai obter para nós; como se Ela estivesse nos entendendo, ou comunicando algo da sua alegria triunfal de Rainha. Têm-se a impressão de que Ela, no Céu, já sabendo a vitória que terá, e gozando no Céu do maior ápice de todas as vitórias possíveis, desta vitória em concreto Ela já comunica alguma coisa na consideração desta imagem.

E que o ambiente imponderável que cerca esta imagem como que nos diz: “Meus filhos, alegrai-vos, levantai vosso ânimo! Nada tem importância quando Eu resolver vencer. A minha hora de misericórdia está chegando para vós e, portanto, nada vos atingirá de maneira contrária a meus planos. O que atingir será de acordo com meus planos e, no fundo, para vosso bem. Alegrai-vos, portanto, o sucesso é meu, porque Eu sou a Rainha do Bom Sucesso; e o sucesso é, portanto, vosso, porque vós sois meus filhos!” E assim eu julgo ver nessa imagem uma comunicação de alegria, mas uma alegria radiosa, que vem de dentro e se esparge sobre os que a contemplam, que realmente me causou uma profunda impressão(2).

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Conferência de 18/2/1992.
2) Conferência de 2/6/1979.

A ordem dos Servitas

A Ordem dos Servitas é uma das mais antigas entre as especialmente fundadas para propagar a devoção à Mãe de Deus. O título de Servos ou Escravos de Maria, que os sete fundadores quiseram dar a esta Ordem, prenuncia a devoção de São Luís Grignion de Montfort, que é a da escravidão a Nossa Senhora. Quer dizer, um despojamento completo de todos os bens materiais e espirituais, e até dos méritos de nossas boas obras, presentes, passados e futuros para serem postos nas mãos da Santíssima Virgem.

Com a canonização dos sete fundadores e a aprovação desta Ordem, a Igreja indica que, em relação a Nossa Senhora, devemos ser servos.

Peçamos aos Santos Fundadores dos Servitas que intervenham na Terra e ajudem a estabelecer uma verdadeira devoção a Maria Santíssima entre os homens, e com ela o senso da hierarquia e da Contra-Revolução.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/2/1965)

O cântico do Bom Sucesso!

A Apresentação do Menino Jesus é um episódio único na história do Templo de Jerusalém. Maria Santíssima, acompanhada de São José, entra tendo em seus braços o Verbo encarnado. Pode-se imaginar que, nesse momento, os Anjos encheram o Templo e se puseram a cantar.

Cumprido o rito da Apresentação, que consagrava o bom sucesso da Virgem-Mãe na gestação de seu Divino Filho, Ela ouve, encantada, Simeão profetizar a glória e a Cruz daquele Menino: Luz para iluminar as nações e glória de Israel; causa de queda e reerguimento de muitos, sinal de contradição, pelo qual seriam revelados os pensamentos de muitos corações (cf. Lc 2, 32; 34-35). O sucesso é filho do esforço, da dedicação e do heroísmo.

Nossa Senhora do Bom Sucesso, no sentido mais amplo da palavra, é a padroeira de todos aqueles que procuram um bom sucesso para o serviço da Causa d’Ela. Todos quantos trabalhem a favor da Contra-Revolução, em última análise, esforçam-se para que desponte o sol do Reino de Maria sobre o mundo. É algo parecido com uma geração, e o nascimento desse Reino se parecerá admiravelmente com um bom, um magnífico sucesso!

Sóror Mariana de Jesus Torres para ser fiel à vocação dela – uma espécie de profetiza do Bom Sucesso e do Reino de Maria – teve que passar por provações terríveis, entre as quais, sofrer por cinco anos, em sua alma, os tormentos do Inferno.

Entretanto, quantas alegrias experimentava ela ao conversar com a Santíssima Virgem, passeando pelo claustro do convento como Adão com Deus no Paraíso! Durante os castigos previstos em Fátima, haverá momentos em que nos perguntaremos: “Não será o Inferno?! Nossa Senhora do Bom Sucesso, rogai por nós!” Haverá também circunstâncias nas quais sentiremos tanta alegria interior que diremos: “Já não é o Céu?! Nossa Senhora do Bom Sucesso, rogai por nós!”

E especialmente nas horas mais difíceis deveremos suplicar: “Venha a nós o vosso Reino, seja feita a vossa vontade, assim na Terra como no Céu!” É o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo na sua expressão mais perfeita: o Reino de Maria!

Filhos indignos, mas amorosos, transidos de enlevo, quando raiar a aurora desse Reino, poderemos dizer-Lhe: “Senhora, nós Vos apresentamos o mundo que Vós iluminais. A luz de vosso Reino é o nosso e o vosso sucesso, Minha Mãe! Vós fizestes tudo, a começar por nos obter a imerecida graça de sermos levados às fontes batismais. Que gratuidade assombrosa a desse dom!”

Por fim, chegará o momento em que tudo quanto é obra da iniquidade cairá por terra e não passará de casca vil de uma cobra moribunda. Começará, então, o Reino de Maria e nós cantaremos o cântico do Bom Sucesso!

Plinio Corrêa de Oliveira

O grande triunfo marial

Em 1854, pela Bula “Ineffabilis Deus”, o grande Papa Pio IX definia como dogma a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Em 1858, de 11 de fevereiro a 16 de julho, Nossa Senhora aparecia dezoito vezes, em Lourdes, a uma filha do povo, Bernadette Soubirous, declarando ser a Imaculada Conceição. A partir dessa ocasião, tiveram início os milagres. E a grande maravilha de Lourdes começou a brilhar aos olhos de todo o mundo, até nossos dias. O milagre confirmando o dogma, eis em resumo a relação entre o acontecimento de 1854 e o de 1858.

De há muito, vinham sendo os meios católicos da Europa e da América trabalhados por uma verdadeira lepra, que era o jansenismo. Este movia uma campanha insistente contra a devoção a Nossa Senhora, que acusava de desviar de Jesus Cristo, em lugar de conduzir a Ele.

A definição do dogma da Imaculada Conceição foi o primeiro dos grandes reveses sofridos pelo inimigo interno. Para provar que tudo nos vem por Maria, quis a Providência que fosse marial o primeiro grande triunfo.

Mas, para glorificar ainda melhor sua Mãe, Nosso Senhor fez mais. Em Lourdes, como estrondosa confirmação do dogma, fez o que nunca antes se vira: instalou no mundo o milagre, por assim dizer, em série e a título permanente. Até então, o milagre aparecera na Igreja esporadicamente. Mas em Lourdes, as curas mais cientificamente comprovadas e de origem mais autenticamente sobrenatural se dão, a bem dizer, a jato contínuo, à face de um século confuso e desnorteado.

Foi por certo um grande momento, na vida do filho pródigo, aquele em que seu espírito embotado pelo vício adquiriu nova lucidez, e sua vontade novo vigor na meditação da situação miserável em que caíra e da torpeza de todos os erros que o haviam conduzido para fora da casa paterna. Tocado pela graça, encontrou-se, com mais clareza do que nunca, diante da grande alternativa: arrepender-se e voltar, ou perseverar no erro e aceitar, até o mais trágico final, as suas consequências. Deu-se o embate interno. Ele escolheu o bem.

O futuro, só Deus o conhece. A nós, homens, é lícito, entretanto, conjecturá-lo segundo as regras da verossimilhança.

Estamos vivendo uma terrível hora de castigos. Mas esta também pode ser uma admirável hora de misericórdia. A condição para isto é que olhemos para Maria, a Estrela do Mar, que nos guia em
meio às tempestades.

Movida de compaixão para com a humanidade pecadora, Nossa Senhora tem alcançado para nós os mais estupendos milagres. Esta piedade se terá extinguido? Têm fim as misericórdias de uma Mãe, e da melhor das mães? Quem ousaria afirmá-lo? Se alguém duvidasse, Lourdes lhe serviria de admirável lição de confiança. Nossa Senhora há de nos socorrer.

Plinio Corrêa de Oliveira

Quem responderá pela perdição dos inocentes?

O amor de Jesus Cristo para com todos os homens, sua predileção pelos inocentes e sua misericórdia para com os pecadores, explicam sua severidade contra os que maculam a inocência ou desviam a contrição dos arrependidos.

 

Fala-se muito freqüentemente, e com razão, do amor que o Divino Salvador votou às almas pecadoras, arrependidas ou não: a estas, perseguindo com santa e afetuosa perseverança, até conseguir delas uma real correspondência à graça; àquelas, franqueando de par em par, com divina generosidade, as portas de seu Coração. Entretanto, fala-se infelizmente muito menos do amor que Nosso  Senhor Jesus Cristo votou às almas inocentes, e dos extremos de zelo com que defendeu contra as seduções do mundo, e contra as investidas dos fautores de escândalos, as ovelhas fiéis que jamais se afastaram do redil do Bom Pastor.

Maldade dos que desviam os inocentes

Um dos episódios mais tocantes do Santo Evangelho é, sem dúvida, aquele em que o Divino Mestre, fazendo aproximar de si os pequeninos, os afagou meigamente e prometeu o Reino do Céu àqueles que lhes fossem semelhantes.

Mas o que eram estes pequeninos, a quem Nosso Senhor com tanta ternura amou, senão os representantes de todas as almas inocentes, de todas as idades, em todos os tempos e em todos os  lugares, que o Espírito Santo haveria de suscitar na Igreja de Deus? E a quem se dirige aquela tremenda ameaça, na qual jamais devemos pensar sem medo, de que seria melhor que os que  escandalizassem a algum destes pequeninos fossem atirados ao fundo do mar, senão aos que procurassem desviar do bom caminho as almas inocentes?

Cada alma inocente constitui como que uma província de eleição no Reino de Deus. Para salvar cada uma destas almas, Nosso Senhor Jesus Cristo se encarnou, padeceu e morreu na Cruz. E ainda que a Redenção fosse necessária para a salvação de uma só alma, Nosso Senhor teria sofrido generosamente tudo quanto sofreu, para operar efetivamente tal salvação.

Assim, pois, o valor de cada alma inocente é o próprio valor do Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo. E atirar ao abismo do pecado mortal uma alma inocente é desperdiçar  criminosamente os benefícios da Redenção. Por aí se compreende o opróbrio que pesa sobre aqueles que, por seu exemplo, por suas palavras por suas obras, por sua influência, arrastam para o pecado qualquer alma inocente, por mais ignorante e falha de dotes intelectuais que seja, uma vez que o valor da alma não se mede por sua cultura nem por sua inteligência, mas pelas  considerações que acima externamos.

O pecado dos que prejudicam as almas contritas

Não é muito menor a responsabilidade dos que fazem reincidir no pecado as almas penitentes. Para medir quanto desagrada a Deus que se procure afastar do bom caminho as almas sobre as quais Ele restaurou seu Reino, bastará que se tomem as parábolas mais tocantes do Santo Evangelho.

Que diria o pai do filho pródigo, aquele pai generoso e bom que acolheu com tais extremos de contentamento o filho contrito, se depois do festim em que se celebrou a volta do infiel, depois de  restabelecida a paz no lar e de reinstalada nele a alegria que sumira com a ausência do filho ingrato, que diria ele se depois de tudo isto um amigo pérfido dos maus tempos passasse pela casa paterna e, com solicitações infames, procurasse arrastá-lo novamente à vida má que levara?

Tomemos agora a parábola do Bom Pastor. O que  diria ele, que dá a vida por suas ovelhas, se, ao retornar do fundo do precipício aonde por mil perigos tinha ido salvar a ovelhinha extraviada, o lobo dele se acercasse para lha arrancar dos braços? Ele, que expusera sua vida para salvar a ovelhinha, não haveria de enfrentar animosamente o lobo, para a defender contra mais este risco?

Disse Nosso Senhor que Ele não veio destruir o arbusto partido, nem extinguir a mecha que ainda fumega. Pelo contrário, veio Ele reerguer o arbusto que enfermou, e reacender a mecha que ventos hostis extinguiram quase por completo.

Mas o que é um pecador contrito, que luta penosamente contra seus sentidos em revolta, senão um arbusto partido, que foi reerguido sobre sua base pelo Divino Jardineiro, e que, ainda fraco, se inclina fortemente sob a pressão da menor brisa? E que maior pecado haverá, do que partir de novo, e quiçá de modo irremediável, o arbusto que o próprio Deus carinhosamente consertou? O que é um pecador contrito, senão uma mecha fumegante que começa, lenta e penosamente, a se reacender? E o que haverá de mais desagradável a Deus, que não quer a morte do pecador mas sim que  ele se converta e viva, do que a ação cruel e ímpia dos que extinguem deliberadamente esta mecha, e matam na alma ainda convalescente os germes promissores de uma vida que começava a se reanimar?

Pela mesma razão em virtude da qual o Salvador amou o pecador contrito, é-Lhe sumamente odioso que alguém se esforce por arrastá-lo novamente à perdição. Um outro episódio do Evangelho
o demonstra de modo exuberante.

A indignação divina contra os ímpios

Todos conhecem suficientemente a cena célebre do Divino Salvador empunhando um zorrague, e enxotando do Templo de Jerusalém os mercadores que ali faziam um comércio inteiramente profano. Diz a Sagrada Teologia que cada alma é um templo do Divino Espírito Santo. Fazer uma alma cair em pecado é enxotar o Divino Espírito Santo do templo que Lhe foi conquistado pelo Precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, é profanar este templo, é transformá-lo, de templo de Deus, não apenas em lugar profano, mas em templo de Satanás.

Assim, se Nosso Senhor fustigou com um implacável zorrague aqueles que profanavam o Templo de Jerusalém, construído com material precioso pela piedade dos judeus, com que extremos de  indignação não deve desejar que seja atirado para longe do pecador aquele que, seduzindo-o para o mal, profana um templo espiritual, cujo preço não foi o ouro nem qualquer material precioso, mas o próprio Sangue de Cristo?

A prova disto está nas frases cheias de censura que Nosso Senhor atirou aos fariseus. Para que deu Nosso Senhor a estas frases tal publicidade? Se Ele queria chamar a atenção dos fariseus para o  estado lastimável em que se encontravam suas almas, não o poderia ter feito de modo mais reservado? Se o fez publicamente, não se pode licitamente conjecturar que o tenha feito a fim de destruir energicamente o prestígio dos fariseus junto do povo, impedindo-lhes, assim, que fossem nocivos a este, e por assim dizer fustigando-os com o zorrague de sua palavra, para os enxotar para longe das almas que eles desejavam perverter?

“Não!” às misericórdias mal entendidas

Rei de todas as almas em geral, Jesus Cristo é implicitamente Rei de cada alma, e Ele governa cada alma com a solicitude, com o afeto, com a atenção com que a governaria se fosse a única alma sobre a qual se exercesse seu império.

Jesus Cristo, como Rei das almas, é o modelo de todos os reis. Rei de misericórdia e de amor, não exerce Ele seu reinado com outro intuito que não o de beneficiar a alma que é seu reino. Nenhum de nós deixaria de chamar traidor a um rei que não empregasse todos os recursos de seu talento, e todas as energias de seu poder, a fim de preservar de uma agressão injusta seu país. Será  porventura Nosso Senhor menos perfeito? Não haverá uma blasfêmia em imaginar que, tocado de um falso amor para com o agressor, Ele haveria de aconselhar a seus soldados, que somos nós,  que negligenciássemos a defesa de seu Reino?

Haveria ele de oferecer o inocente em holocausto ao pecador, dar impunidade ao pecador para devorar o inocente, com a esperança de assim conquistar para si o pecador?

É porque o “Legionário” jamais pôde admitir esse absurdo, que ele se levantou sempre contra as misericórdias mal entendidas, as paciências ingênuas e imprudentes, as “habilidades”  contemporizadoras e criminosas, que, com o intuito de consumar uma arriscada manobra apostólica, de resultados mais do que duvidosos, expõem à perdição as almas inocentes ou contritas, na  problemática esperança de atrair o fautor de heresias. E se ele se não deixar enternecer? Nem o amplexo supremo do Divino Mestre enterneceu o traidor “que melhor seria que não tivesse nascido”. Se não se enternecer o agressor, quem prestará contas a Deus pelas almas que ele tiver devorado, pelos arbustos que partir, pelas mechas que extinguir, pelos filhos que arrastar para longe da casa paterna, nos antros malditos onde ruge a impiedade e espuma a luxúria?

Para o pecador, mesmo não contrito, toda a misericórdia. Mas essa misericórdia não deve ser nem tão arriscada nem tão imprudente que chegue à suprema crueldade de expor à perdição as almas que foram resgatadas pelo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 70 (Janeiro de 2004)

(Excertos do artigo do “Legionário”, de 27/10/1940. Título e subtítulos nossos.)

Força, bondade, contemplação

Dos meus recuados tempos de aluno do Colégio São Luís conservo ainda certa lembrança de uma pitoresca descrição, comentada e analisada na aula de literatura portuguesa. Trata-se de uma cena da história lusitana, em algo enriquecida pelo grande estro do escritor que a tornou merecedora de figurar em todas as antologias daquele tempo.

O Rei Dom João I havia feito a promessa de construir um imponente mosteiro, caso lograsse a vitória em decisiva batalha para o futuro de Portugal. Seu exército tendo triunfado, ele se empenhou no cumprimento do voto que fizera. O edifício já estava quase terminado, faltando apenas retirar as estacas que sustentavam a imensa cúpula armada. Outras haviam ruído no fatídico momento, porque, dizia-se, não tinham sido levantadas conforme a planta original, desenhada por um velho arquiteto, agora cego. Esse valoroso mestre, antigo amigo do monarca, insistiu para que  erguessem mais uma vez a cúpula, obedecendo em tudo às suas diretrizes.

— A abóbada não cairá! — afirmava ele com todas as veras de seu intrépido coração. E para garanti-lo, tomou a arriscada decisão de permanecer sentado embaixo da abóbada, enquanto os  andaimes e escoras eram retirados. Debalde os seus conhecidos, e até o próprio Rei Dom João, procuraram demovê-lo de atitude tão temerária. Como outro herói de legenda lusitana, ali ficou, mudo e calmo, confiante na sua obra, prestando ouvidos ao que se passava. À medida que as armações de madeira iam sendo deslocadas, o barulho diminuía, e assim ele, privado das vistas, percebia que o momento crucial se aproximava. Afinal, fez-se silêncio, e uma ansiosa expectativa estremeceu o espírito de todos ali presentes…

A abóbada não caiu. Era a glorificação dele. Do seu talento, sem dúvida. Porém, glorificação ainda maior dessa qualidade que tanto o distinguia — a coragem.

Décadas depois de me encantar com essa passagem antológica, visitei meu Portugal avoengo. E aquele fato me veio novamente ao espírito quando um dos meus amáveis anfitriões propôs de irmos conhecer o glorioso Mosteiro da Batalha. Sem hesitar, aceitei o convite.

Habituado a ver as catedrais e outros edifícios religiosos erguidos dentro das cidades, pensava eu que o nosso automóvel entraria num centro urbano qualquer, e encostaria ao lado do Mosteiro. Qual não foi minha surpresa quando, à certa altura do percurso, vejo ao longe levantar-se num campo raso (como o era naquela época), de chão batido, não cultivado, aquele monumento colossal!

A primeira impressão que ele desperta em nós é a de uma maravilhosa façanha no gênero da arquitetura, que somente foi possível de se tornar realidade porque construída por um povo entranhadamente católico. Difícil não se notar nele um reflexo da própria alma portuguesa, na sua condição de batizada, devota, fiel a Nossa Senhora e, portanto, repleta das graças que Deus concede aos povos que O servem com intenso e fervoroso amor.

Impossível não discernir, também, naquelas paredes lavoradas com esmero, naquelas arcarias e torres ogivais, a robustez lusitana. É uma nação forte, que se compraz em fazer força. Assim foram todos os seus grandes varões de seu grande passado histórico, vigorosos e empreendedores de extraordinárias proezas, e assim é aquele Mosteiro, no qual proeza e vigor estão representados de maneira estupenda. A tal ponto que, se construíssem à sua volta uma muralha, ele poderia ser tido por um magnífico castelo feudal.

Por outro lado, essa alma portuguesa, tão forte, é igualmente muito bondosa, voltada a querer bem e que se agrada com essa benevolência. Ao encontrar um próximo em quem pode confiar, fica satisfeita, contente, dilata-se, expande a sua generosidade e seu desejo de ajudar. Ora, essa bela qualidade de espírito também se acha muito refletida no Mosteiro da Batalha. É um edifício protetor, no qual sentimos a presença de um Deus que nos ama e nos ampara, que gosta de nos amar e de ser amado por nós. E no seu interior, a par da força expressa nas suas colunas, da bondade acolhedora sob suas ogivas, do recolhimento e respeito que nos tomam debaixo de suas abóbadas, vamos encontrar nas irisações suaves dos seus vitrais, na luz especial que coa por toda a parte, uma resplendente cintilação da calma e do caráter contemplativo do espírito português.

Breve, no seu esplendoroso conjunto, o Mosteiro da Batalha é um símbolo fabuloso daquela grandeza de ideal que soía mover os nossos valorosos antepassados lusitanos — no célebre dizer de Camões — a mais cristãos atrevimentos…!

Plinio Corrêa de Oliveira

O Anjo das Escolas

Nos últimos dias de sua vida, estando hospedado em uma Cartuxa, São Tomás de Aquino fez um comentário ao “Cântico dos Cânticos”, Livro da Bíblia que canta o amor divino.

Ele, que era o Anjo das Escolas, morreu ensinando a perfeição do amor de Deus a esses religiosos, almas puríssimas, todas feitas para o amor de Deus, cuja função não é tanto de meditar sobre a ciência quanto sobre a caridade, suscitadas para se separarem de tudo no mundo e viverem apenas pensando no divino amor.

Que bela cena: as últimas palavras de São Tomás de Aquino engrandecendo o amor de Deus, e aqueles monges reverentes, bebendo aquelas palavras como se cada um sorvesse uma gota descida do Céu!

Assim se fechou, no extremo da contemplação e do isolamento de todas as coisas do mundo, a vida desse grande Doutor da Igreja.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/3/1967)