São Francisco de Sales: exemplo de combate aos vícios

Quando São Francisco de Sales morreu, resolveram fazer a autópsia. Para surpresa geral, encontraram seu fígado endurecido, como se fosse de pedra…

De fato, embora tivesse um gênio péssimo, ele se dominou de tal maneira que ficou famoso por sua doçura: era considerado o santo da doçura.

Assim devemos ser: se possuímos dificuldade de trato, procuremos ter gênio angélico; se somos inclinados à preguiça ou temos medo de lutar, procuremos ser heróis ao serviço de Nossa Senhora. A exemplo dos santos, sejamos exímios no combate aos defeitos que julgamos mais difíceis de vencer.

Para isso, devemos examinar nossos atos implacavelmente, sem nunca pensarmos em atenuantes. Porque nós só os reconheceremos se formos implacáveis, analisando-os com lupa, um por um.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/11/1989)

Revista Dr Plinio 167 – Fevereiro de 2012

São João Bosco Austeridade e ação intelectual na vida de um insigne educador

Com profunda admiração pela obra salesiana, Dr. Plinio evoca o grande segredo da educação que Dom Bosco dispensava a seus “birichini”, os meninos pobres dos bairros de Turim: freqüência dos sacramentos e uma assídua assistência à Missa; e para sua congregação sobreviver às investidas do laicismo, a destemida e ágil astúcia dos santos…

No dia 31 de janeiro celebra-se a memória de São João Bosco, fundador dos Salesianos e extraordinário apóstolo da juventude. A fim de nos unirmos a essa comemoração, será oportuno considerarmos algumas notas a respeito de sua obra evangelizadora e de suas idéias pedagógicas.

Influência da “Mamma” Margarida

É indiscutível que a personalidade da mãe de Dom Bosco influiu em sua formação. Essa mulher, viúva aos 29 anos, marcou profundamente a alma de seus três filhos. Era puco instruída, mas dotada de raro bom senso. A retidão de seu julgamento, uma grande piedade e não menos devotamento, aliados a uma firmeza viril, dela fizeram a educadora exemplar.

O trabalho era obrigação constante em sua casa. Margarida sujeitava seus filhos a todas as atividades domésticas e dos campos. Desde a aurora, no verão, e ainda antes, no inverno, as crianças iniciavam o dia pela oração. “A vida é muito curta, dizia a mãe, para dela perdermos a melhor parte”. A fadiga não era considerada, as refeições permaneceram sempre de uma extrema frugalidade. À noite dormia-se no chão. Quando mais tarde João for para o seminário, levará o cobertor prescrito. Mas nas férias a mãe o fará guardar cuidadosamente, considerando essa doçura inútil e prejudicial.

 

Convém frisar que a família de São João Bosco vivia numa fria região do norte da Itália, e essa mãe exemplar não hesitava em acostumar suas crianças aos rigores do clima adverso. Preparava, assim, seus filhos, para a vida, de acordo com o que afirmava: “Somos soldados de Cristo sempre em armas, sempre em presença do inimigo, e é preciso vencer”.

Temos aqui a descrição da mulher forte do Evangelho — que levanta cedo para iniciar seus afazeres domésticos, cumprindo-os com exatidão — cujo preço é tão valioso que se faz necessário ir até os confins do universo para encontrar algo comparável a ela.

Mentalidade oposta à de certo ideal contemporâneo

Vemos, por outro lado, uma mentalidade profundamente diferente daquela que propugnam certos espíritos contemporâneos, para os quais a pessoa que padece fome e frio não é capaz de cultivar a vida espiritual. Segundo tal concepção, importa primeiro dar comida, cama e boa coberta, para só depois se falar em espiritualidade. Portanto, o começo da atividade apostólica é necessariamente uma ação de caráter material; portanto, para converter o mundo moderno importa, antes de tudo, eliminar o subdesenvolvimento. E por causa disso, em última análise, a luta contra o subdesenvolvimento deve ser uma finalidade específica da Igreja…

Ora, o exemplo da Mamma Margherita nos mostra o contrário. Ela e sua família residem numa casa tão pobre que as pessoas não têm cama: dormem no chão, sem cobertores suficientes, nem mesmo para os piores dias de inverno. Como vimos, Dom Bosco levou uma coberta para o seminário, pois o regulamento o exigia. Mas, quando retornava para passar as férias em casa, sua mãe o mandava guardar, considerando uma “doçura” supérflua.

Refeições frugais, trabalhos constantes. Propriamente uma vida pobre, porém santificada pelo espírito de renúncia e de sacrifício, pelas práticas de piedade e pela oração, considerada a “melhor parte” daquela sua penosa existência. Foi nesse árduo quotidiano, ungido pela virtude, que se formou um homem de físico forte e resistente para toda espécie de labuta, como foi Dom Bosco.

Esse aspecto da formação do Santo nos faz compreender como é quase um embuste pensar que as condições cômodas da vida são indispensáveis para o êxito do apostolado. Não são. E dir-se-ia mais: uma certa austeridade, sim, é necessária para educar as almas na virtude e na piedade. E essa formação deveria ser dada a toda juventude, de todas as classes e condições sociais.

Aliás, conservou-se por longo tempo na Europa, especialmente nas famílias de alta graduação, essa forma de educar os filhos numa vida rude. Lembro-me, por exemplo, de ter lido a biografia de um nobre francês que morava em Londres, num castelo junto ao rio Tamisa. Ora, o despertar matutino desse príncipe e de seus irmãos não era outro senão este: acordavam e se jogavam pela janela do quarto nas águas frias do rio que corria embaixo…

Somos levados a crer que, se a civilização hodierna não tivesse abandonado essa formativa austeridade, muita decadência teria sido evitada, e talvez o mundo conhecesse muitos outros santos como Dom Bosco.

Ação intelectual, mais valiosa que a assistencial

Prossegue a nota biográfica:
Apesar de muito trabalho, o estabelecimento das duas congregações religiosas, a ereção de igrejas, a fundação de numerosos patronatos e a preparação de missões longínquas, Dom Bosco consagrava boa parte de seus dias e de suas noites a escrever. Com a pena, tanto quanto com a palavra, ele sabia servir a Igreja, combater o erro e reconfortar as almas. Homem de seu tempo, observou a importância desse novo gigante moderno, a imprensa. Sua pena agiu durante quarenta e cinco anos, produzindo obras de acordo com as necessidades de sua época.

O Protestantismo lançava rudes assaltos à Igreja no norte da Itália. À propaganda protestante pela brochura, D. Bosco opôs as “Leituras Católicas”. Em 1883 respondeu ao “Amigo do Lar”, que os protestantes distribuíam a granel, com o primeiro almanaque da Europa.

Aparece-nos aqui o senso da atualidade no espírito de Dom Bosco. Não era um santo que vivia nas nuvens, pois nestas não vivem os santos. Na realidade, Dom Bosco era um homem ciente dos problemas de seu tempo, conhecia os adversários da Igreja na sua época e os combatia, tanto através dos seus escritos quanto por suas realizações apostólicas. E nisso ele nos deu outro exemplo.

Com efeito, fala-se muito da necessidade de se promover obras católicas e pouco a respeito de se escrever livros católicos. Por quê? Porque se dá mais importância ao econômico do que ao espiritual. Ora, o livro se dirige ao espiritual, enquanto a obra se destina ao econômico.

Não houve homem mais compenetrado da necessidade de obras católicas do que Dom Bosco. Entretanto, quando se examina melhor sua atuação, percebe-se ter sido mais escritor do que um empreendedor de obras. É a prova de que no pensamento desse imenso paladino da Igreja, a formação moral valia mais do que a assistencial.

Admirável continuidade de uma ordem religiosa

São João Bosco enfrentou incríveis dificuldades para levar a cabo seus intentos. O ano de 1876 foi um dos mais dolorosos para ele. Os ministros piemonteses, já em guerra contra o Papa, procuravam pegar em falta o santo fundador, a quem acusavam de manter uma correspondência secreta com Pio IX e os bispos. Multiplicavam as buscas em sua casa e queriam a qualquer preço encontrar sinais de uma conspiração.

Um dia, Dom Bosco procurou o Conde de Cavour, então primeiro-ministro, que várias vezes lhe testemunhara simpatia, e declarou-lhe sua intenção de descarregar em suas mãos o cuidado de todos os órfãos de sua instituição. Essa solução inesperada fez o ministro, se não terminar as perseguições, pelo menos fazê-las mais encobertas.

Ou seja, passaram a incomodar tanto a Dom Bosco que este procurou o ministro e lhe disse: “Vou soltar os meninos todos na rua. É o que você quer?”O ministro recuou.

Esse fato me traz à lembrança outro episódio, bem mais recente, ocorrido numa instituição salesiana em São Paulo, e que nos mostra a admirável continuidade existente nas ordens religiosas. Deu-se num período de nossa história em que se estabeleciam leis a granel, muitas das quais nem sequer passavam pela aprovação parlamentar. Por essa época, certo dia se apresentou no Liceu Coração de Jesus — o colégio salesiano que funciona ao lado da igreja de mesmo nome — um desses inspetores pedantes, enviado para examinar possíveis irregularidades. Durante a inspeção, encontrou no canto da grande cozinha uma calça que o cozinheiro havia lavado e ali deixara para secar. Ele chamou o padre responsável pelo estabelecimento e disse:
— Bem, lavar roupa em cozinha configura uma infração ao parágrafo tanto do artigo tanto da lei tal. De acordo com o regulamento, o colégio que o infringe deve ser fechado. Portanto, decretarei o fechamento do Liceu Coração de Jesus.

O padre respondeu:
— Ah, o senhor quer fechar? Pois não. Dê-nos um documento por escrito, e eu imediatamente solto todas as crianças na rua. Depois o senhor explica à cidade de São Paulo que essas crianças estão na imoralidade, morrendo debaixo de ônibus e automóveis, passando fome e vergonha, simplesmente porque havia um par de calças secando no canto de uma cozinha. É isto que o senhor quer?
O inspetor que, não é juízo temerário supor, esperava um generoso “argumento” para não fechar o colégio, ficou desarmado e sem graça. Desconversou, fez algumas observações de estilo e logo se despedia…

O segredo da disciplina de São João Bosco

Continua a biografia:
O fato seguinte é relatado como um dos mais característicos dos resultados dos métodos do grande santo.

Um ministro da rainha da Inglaterra, visitando o Oratório de São Francisco de Sales, em Turim, foi introduzido numa grande sala onde estudavam quinhentos jovens. Ele não pôde deixar de se admirar dessa multidão de escolares observando um rigoroso silêncio, embora ninguém os vigiasse. Sua admiração foi ainda maior quando soube que durante o ano inteiro não se havia a lamentar uma única palavra de dissipação, nem mesmo uma única ocasião de punir ou de ameaçar punição.

— Como é possível obter um tal silêncio, uma disciplina assim perfeita? — indagou ele. E voltando-se para seu secretário, ordenou que anotasse a resposta dada.
— Senhor — respondeu o superior do estabelecimento —, os meios que usamos não podem ser empregados em vosso país.
— Por quê? — pergunta o ministro.
— Porque são segredos revelados somente aos católicos.

Esplêndida resposta.
— E quais são esses segredos?
— A confissão e a comunhão freqüentes. Missa todos os dias e bem assistida.
— Tendes razão — disse o ministro. Faltam-nos tais meios de educação. Mas não há outros?
— Se não nos servimos desses elementos que a religião nos fornece, é preciso recorrer à ameaça e ao castigo.

Calou-se o ministro inglês, embora garantindo que iria repetir o que aprendera.

Devemos imaginar a cena, passada numa época em que a Inglaterra se encontrava no auge de sua irradiação política e cultural, e quando os ministros ingleses eram sempre “gentlemen” pertencentes à aristocracia britânica, trajados com o requinte da moda vigente, pois a opinião pública exigia dos ministros da coroa que fossem verdadeiros modelos de imponência, distinção e elegância.

Acontece, porém, que muitos ingleses ainda nutriam certo preconceito contra o mundo latino, julgando-o inferior e distante da perfeita limpeza, puritana e protestante, do reino britânico.

E esse ministro inglês visita o oratório de São João Bosco na Itália daquele tempo, encontrando ali meninos que seriam ótimas pessoas, mas talvez menos asseados do que o lorde gostaria.

Imaginemos esse aristocrata que se apresenta com ar enfatuado, amabilidade superficial, ruminando prevenções contra o clero católico e é recebido por um padre de Dom Bosco. Sacerdote naturalmente digno, composto, nem um pouco intimidado, porque um homem de verdadeira vida interior não se intimida com valores materiais: libra esterlina, limpeza, bonita gravata, tais coisas não impressionam o varão de autêntica virtude. Além disso, sutil como costuma ser um italiano.

Aparece o ministro com pouco caso e, de repente, o religioso salesiano lhe arma uma “cilada”, na qual o dignitário britânico cai por inteiro, com todos os seus requintes e suas elegâncias. Calou-se e garantiu que levaria o ensinamento para seu país…

Era mais um triunfo do grande São João Bosco. Que este interceda por nós, junto ao trono de Maria Auxiliadora, da qual foi um modelar devoto.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 30/1/1967)

São João Bosco

Grande arauto de Nossa Senhora como Auxiliadora dos Cristãos, São João Bosco realizou magnificamente a obra pedagógica e santificadora à qual fora chamado pela Providência. Instrumento de educação e virtuosa influência sobre os jovens que formava, por assim dizer, manuseava a graça divina para favorecer a atuação dela na alma de seus pupilos.

Risonho, afável, com uma vocação toda especial, brilhante e radiante na doçura salesiana, sabia ao mesmo tempo combater nos seus fundamentos os vícios e defeitos morais, alegrando-se ao ver o progresso espiritual dos meninos.

Talvez em diversos casos, foi ele um santo que educava outros santos…

Apresentação do Menino Jesus no Templo

As maiores alegrias que houve na História não foram as dos homens que organizaram festas fabulosas ou que tiveram notáveis triunfos, mas, sim, as dos grandes místicos, aqueles que, levando intensa e perfeita vida espiritual, agradaram tanto a Deus que se viram favorecidos por um contato direto com Ele, por meio de visões e revelações extraordinárias.

Que pensar, então, das santas alegrias que inundaram as almas de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, por ocasião dos fatos gozosos meditados no Rosário? Por exemplo, na Apresentação de Jesus no Templo, imensa terá sido a felicidade com que o Menino-Deus se comunicou aos homens, de tal maneira que o Profeta Simeão cantou a glória d’Ele, profetizando tudo quanto Ele seria. E Nosso Senhor, frágil criança, na aparência sem entender, compreendia e inspirava aquele cântico…

Candura, vigilância e holocausto

Tendo por discípulos dois meninos privilegiados diariamente por uma singular visita, São Bernardo de Morlat foi agraciado com um especial convite: participar de um banquete no Céu…

 

Comentarei um fato muito bonito, narrado na “Vie des Saints, da Bonne Presse de Paris”(1), mas não sei qual é o grau de sua veracidade histórica.

Muitas vezes, intencionalmente e a bom título, essas coletâneas de vidas de santos contêm, a par de fatos indiscutíveis, alguns que são discutíveis, quer dizer, não se sabe bem se ocorreram ou não. Mas o ponto que nos interessa é o seguinte: se o fato narrado é conforme à Doutrina Católica. Então, ainda que o fato não seja exato, Deus poderia ter agido assim.

A narração que passarei a comentar dá uma noção a respeito da santidade infinita de Deus e é ilustrativa para o fiel. É a esse título que me parece muito bonito o fato.

Trajes infantis antes da Revolução Francesa

São Bernardo de Morlat, da Ordem dos Dominicanos, era sacristão no convento de Santarém, em Portugal. Tomara ele, como discípulos, a dois meninos, filhos de um cavaleiro de Santarém, os quais receberam logo o hábito e a tonsura monásticas e daí por diante passavam os dias no convento, ajudando as Missas e estudando com o Padre Bernardo.

A pedagogia antiga preceituava que as crianças, desde pequenas, se vestissem como adultos. E daí o fato de vermos, nas pinturas de até pouco antes da Revolução Francesa, as meninas vestidas de saia balão, os meninos com trajes de homem que sai à rua para tratar de negócios, ou que vai à Corte.

Os trajes propriamente infantis foram introduzidos pelo Marquês de Girardin(2), no Jardim de Luxemburgo, em Paris, pouco antes da Revolução Francesa. Eram trajes inspirados na moda inglesa e que visavam apresentar a criança não mais com a compostura e a gravidade de um adulto, mas como um ente que pula e não se quebra. Então, uma roupa qualquer do tipo que nós conhecemos. Isso foi também um dos incêndios prévios à Revolução Francesa. Uma vez que o Marquês de Girardin apresentou seus filhos assim, a moda pegou e, em poucos meses, na França inteira os hábitos antigos estavam abolidos, e as crianças “sans-culotte” já começavam a brincar pelos jardins da França, antes do “sanculotismo” estar implantado.

Mas a Igreja, sempre mais conservadora do que a sociedade temporal, ainda conservou esse hábito. E não posso deixar de me lembrar de que, quando era moço — tinha entre vinte e cinco e trinta anos —, fui visitar o então austero, magnífico, Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, para falar não me recordo com que padre; eu estava andando pelo convento e de repente vi dois menininhos, talvez com dez, onze anos, vestidinhos completamente como monges e caminhando graves no meio do claustro.

Eles passaram, conversando tão direitos e sérios, que eu tive a vaga impressão de que se tratasse de uma aparição. Quando o padre chegou, perguntei-lhe: “Mas padre, que menininhos são esses?” Ele disse: “É um velho costume beneditino. Nós recebemos vocações da mais tenríssima idade e, para os meninos se adaptarem à vida religiosa, já são vestidos como monges em pequeno.”

Nas minhas elucubrações a respeito de “geração nova”(3), ocorre-me a ideia de que o “geração-novismo” começou quando o Marquês de Girardin adotou os trajes que não davam à criança a sede da maturidade, mas o gosto de serem como eram, sem o desejo de crescer, de maturar, retardando, portanto, a normal expansão da criança.

Traje, gesto, estilo de conversar e de pensar

Alguém poderia perguntar: “Mas traje, Dr. Plinio, que diferença faz?”

Eu digo: “Meu caro, traje supõe gesto. Gesto supõe estilo de conversar. Estilo de conversar supõe estilo de pensar.”

Então podemos imaginar aqueles dois menininhos da Idade Média, vestidos como fradinhos e recebidos na Ordem Dominicana. O hábito da Ordem Dominicana, aliás, é muito bonito.

Um dos predicados da Igreja é que Ela sabe, como nenhuma instituição, com as coisas muito simples produzir efeitos estéticos extraordinários. Por exemplo, os hábitos das Ordens religiosas geralmente são bonitos. O hábito dominicano consiste numa túnica branca, com uma grande capa preta e um capuz branco; grandes mangas, que dão ao orador, quando ergue ao alto seus braços para exprimir um mais alto pensamento, atitude de grande categoria, porque as grandes mangas que pendem dão solenidade ao gesto. É a simplicidade extrema da Igreja, o magnífico senso da beleza que Ela possui em tudo quanto faz.

Então os menininhos ajudavam as Missas todos os dias e estudavam com o Padre Bernardo, que ia formando o espírito deles.

O Divino Infante participa do desjejum com dois meninos

Todos os dias os dois meninos saíam bem cedo da casa de seus pais para se dirigirem ao convento, levando consigo a provisão diária.

Não espanta que eles morassem em casa e usassem esse hábito. Porque na Idade Média o hábito religioso era muito mais frequente e normal do que se tornou depois.

Um dia de manhã, com uma familiaridade toda infantil, sentaram-se aos pés de uma imagem de Nossa Senhora, que trazia no colo o Menino Jesus…

Podemos figurar uma imagem bonita, como a de Nossa Senhora de Coromoto, com o Menino Jesus nos braços. Suponhamos toda a cena realizada diante dessa imagem, para compreendermos como fica apropriada.

…diante da qual sempre rezavam o Rosário, para em seguida tomarem o seu desjejum.

Eram, portanto, crianças piedosas. Toda criança amanhece com fome; e criança lusa não desmente a regra. Pois bem, elas rezam o Rosário para depois quebrarem o jejum.

 Enquanto comiam, um deles voltou-se para o Menino Jesus nos braços da Virgem e disse-Lhe: “Ó belo Menino, se Vos agradar, vinde comer conosco.”

O Divino Infante não Se fez de rogado, desprendeu-Se dos braços da Mãe, e de bom grado tomou lugar entre os que O haviam convidado.

Podemos imaginar, na imagem de Nossa Senhora de Coromoto, o Menino que se move e diz com voz de criança: “Pois não!” E, de coroa na cabeça, desce do colo de Nossa Senhora, toma um pouco de comida, a introduz na boca e começa a mastigar.

Os dois repartiram então com Jesus a frugal refeição. Tendo terminado, o Menino Deus agradeceu-lhes com um sorriso, subiu ao altar e voltou aos braços de Maria.

Vemos que tudo isso é de uma candura… O importante é o seguinte: eu não me interesso, como católico, senão muito pouco, em saber se isso foi ou não foi assim. O que me interessa é que podia ter sido, porque Nosso Senhor Jesus Cristo é assim; está n’Ele realizar essas coisas. Se Ele fez ou não fez, não é tão importante.

No dia seguinte, os coroinhas voltaram renovando o pedido.

E todas as vezes o Hóspede Divino dignou-se aceitá-lo, até que qualquer convite ficara supérfluo. Apenas os meninos entravam na capela e abriam o embrulho de alimentos, o Menino Jesus lá estava entre eles.

É tão delicioso, que dispensa comentários.

Isso se tornou tão familiar que não só comiam juntos, mas também conversavam, e Jesus os ajudava nas dificuldades que tinham no estudo.

Que encanto imaginá-los perguntando e Nosso Senhor respondendo, na intimidade de uma pequena capela do interior de Portugal!

O guizo da serpente

Veremos agora aparecer, ao lado de tanta candura, o drama, que tantas vezes surge nas relações entre a criatura e o Criador: a miséria humana vai se mostrar, do modo mais incoerente e mais inesperado, nesses meninos magníficos.

Uma coisa somente surpreendia os dois inocentes: é que o Menino Jesus nunca trazia sua quota de comida, enquanto eles eram obrigados a conseguir mais alimentos, embora seus pais fossem muito pobres.

 “Não haverá muitas coisas boas no Paraíso?”, perguntavam. A surpresa dos dois degenerou em murmúrios.

Coisa incrível, mas é assim a criatura humana: no conto mais encantador, ouvimos de repente o guizo da serpente, como no mais belo do Paraíso veio, também de repente, a tentação.

E resolveram confiar ao Padre Bernardo suas angústias. Este, tendo examinado bem o relato, ficou tocado por tão grande prodígio. Rogou a Deus que o iluminasse e o fizesse conhecer os seus desígnios sobre os meninos. Um dia, dirigindo-se aos pequenos discípulos, ele sugeriu: “Se o Menino Jesus continua não trazendo nenhuma provisão, não vos agradaria que Ele vos convidasse, ao menos uma vez, à casa de seu Pai?”

Não pedir alimento, mas a graça de ver o Céu

A saída do padre foi muito inteligente: não pedir ao Menino Jesus que trouxesse comida, mas que vissem o Céu.

“Oh! sim, gostaríamos muito, responderam. Mas Ele nunca nos falou sobre isso”. Disse o padre: “É preciso que Lhe peçais. Se Ele atender vosso pedido, não tereis perdido nada, pois de um só convite d’Ele recebereis mil vezes mais do que destes”.

Vemos que o padre sentiu necessidade de pôr o argumento em termos um pouquinho comerciais, para conseguir mover aquelas almas, entretanto tão cândidas e puras.

Não nos façamos ilusão! Essa é a criatura humana e é assim que devemos olhar a nós mesmos! Quer dizer, ou há muita vigilância, ou saem coisas dessas.

E continuando a falar-lhes, o Padre Bernardo fez entrever simbolicamente o palácio do Pai Celeste, com suas magnificências e delícias, e concluiu: ‘Quando o Menino da capela vier novamente comer convosco, não vos esqueçais de pedir que vos convide, por sua vez. Mas dizei a Ele que quero também ser convidado. Não vos permito que vades sozinhos à festa. Eu vos acompanharei, ou tereis que recusar o convite, porque desejo muito ter parte nesse festim”.

No dia 21 de maio de 1277, segunda-feira das Rogações…

Há uma procissão que se faz nessa ocasião, para pedir a Deus graças; a Providência se manifesta particularmente exorável nessas ocasiões.

…o Menino Jesus desceu de novo para tomar o desjejum com os dois meninos. Terminada a refeição, antes que o Divino Infante pusesse o pé sobre o pedestal de pedra para subir aos braços de Nossa Senhora, os dois pequenos expressaram timidamente o seu desejo: “Não nos convidais também uma vez?” Jesus fez um sinal de afirmação, enquanto os pequenos acrescentavam: “Nosso mestre gostaria de também participar da festa”.

Jesus então lhes disse: “Dentro de três dias será festa da Ascensão. Haverá grande alegria na casa de meu Pai. Dizei ao Padre Bernardo que Eu o convido convosco à minha mesa, onde estareis com os Anjos e os Santos”.

Contentíssimos, os dois correram para comunicar ao seu mestre a boa notícia. Ao chegarem a suas casas, avisaram aos pais que dentro de três dias iriam participar de um banquete no Céu. O Padre Bernardo comunicou o mesmo ao seu diretor espiritual.

Durante os três dias, mestre e discípulos permaneceram em oração, ajoelhados ao pé do altar do Rosário. O padre explicou aos meninos o sentido do convite de Jesus e eles, abrasados de amor, não queriam outra coisa senão deixar este mundo e entrar sem tardança na verdadeira Pátria.

Notamos que começa a haver um movimento de desinteresse, e os meninos melhoram.

Padre Bernardo e os dois meninos são levados ao Céu

Chegou o dia da Ascensão. Todas as Missas já haviam sido celebradas — isto na aldeia de Santarém. Enquanto os frades estavam no refeitório, Padre Bernardo dirigiu-se ao altar do Rosário, acompanhado por seus dois acólitos, e começou o Santo Sacrifício. Os dois discípulos receberam com grandíssima devoção, pela primeira vez, o Pão Eucarístico. Chegou a hora da ação de graças. Os três ajoelharam nos degraus do altar, aguardando com confiança o momento de partida para a morada celeste.

Mais tarde, quando a comunidade chegou à igreja para a recitação das orações após a refeição, encontraram o padre e os dois acólitos imóveis, as mãos levantadas ao céu e os olhos fixos no Menino Jesus. Aproximaram-se deles e, — oh, morte preciosa e mil vezes digna de inveja! — constataram que haviam trocado a vida terrestre pela bem-aventurança eterna. Os seus corpos foram enterrados ao pé do altar.

Não poderiam ser enterrados em outro lugar.

Em 1577, quando foi aberto o túmulo para a transladação das relíquias, os ossos sagrados exalavam um delicioso perfume. A imagem da Virgem com o Menino Jesus conserva-se até hoje num rico tabernáculo.

Candura, vigilância e holocausto

Vemos aqui a candura em seus dois contrafortes: a vigilância e o holocausto. Sem esses dois complementos, a candura jamais é candura. Para ter verdadeira candura, a pessoa precisa vigiar constantemente sobre si mesma, noite e dia, para evitar ceder aos inúmeros impulsos maus que enxameiam, formigam, no interior de cada alma; primeiro ponto.

Segundo: quando é verdadeiramente cândida, ela é convidada para o holocausto. Quer dizer, há um determinado momento em que a Providência lhe pede que se imole. Esses meninos tiveram seu mau momento, foram perdoados e depois convidados ao holocausto.

Com certeza, antes de morrer, eles souberam que iam deixar esta Terra. Foram consultados sobre se queriam a morte, e aceitaram-na; suas almas foram levadas para o Céu, docemente, suavemente.

E ficou aqui consignada, muito menos a imagem dos meninos e do padre, do que a figura do Menino Jesus, tão bondoso, tão misericordioso, tão capaz de condescender a todos os desejos dos homens e entrar com eles nessa familiaridade. A respeito de Nosso Senhor, diz a Escritura: “Minhas delícias são estar com os filhos dos homens” (Pr. 8, 31). Ao mesmo tempo, entretanto, pedindo um preço. É o preço que Ele mesmo pagou: o holocausto. Em certo momento, Ele pede o sacrifício e é preciso dá-lo. Assim, a vida deles terminou maravilhosamente bem.

Candura, vigilância e holocausto formam uma tríade, que merece ser lembrada por nós na noite de hoje.  v

 

(Extraído de conferência de 12/11/1976)

 

1) Não possuímos a ficha utilizada por Dr. Plinio nessa ocasião.

2) René Louis de Girardin (1735-1808).

3) Sendo já homem maduro, Dr. Plinio foi notando entre os jovens com que fazia apostolado uma mudança de modos de pensar, querer e agir. Enquanto as pessoas de igual ou maior idade que ele demonstravam certas qualidades de espírito, esses mais novos apresentavam debilidades, tais como falta de perfeita lógica, de segurança, de direção, de perseverança, etc. Aos primeiros, Dr. Plinio chamava de “geração velha”; e aos últimos, de “geração nova”

A Civilização Cristã: fruto da graça

Qual o papel da graça divina na educação, na distinção e nas boas maneiras de um povo? Conquistada para nós pelo Sangue de Cristo, a graça penetra nos homens  produzindo inúmeras  maravilhas.  Entre elas está a Civilização Cristã.

 

Folheando uma coleção de fotografias de pessoas de várias nações, entre as quais havia alguns marajás e um sultão do Afeganistão, eu notava a diferença existente entre a atitude, o porte e a posição dos monarcas, ou dos pretendentes a tronos, ocidentais, e os do Oriente.

No Oriente as pedras preciosas são muito maiores, mais bonitas, de melhor quilate; o subsolo é muito mais rico desse gênero de esplendores. Também as pérolas que se colhem em alguns lugares do Oriente são de uma beleza incomparável. De maneira que as figuras de destaque orientais podem constituir para si ornatos muito mais ricos do que os príncipes do Ocidente.

De outro lado, acontece que os orientais dispõem de tecelões que trabalham com tecidos feitos à mão, os quais são de uma qualidade muito superior do que os fabricados por meios industriais, como sucede em geral no Ocidente. Dessa forma, sob o ponto de vista da indumentária, os orientais se apresentam muito melhor do que os do Ocidente. Tanto mais quanto aqueles têm certa fantasia. E também não são inibidos por preconceitos revolucionários, não receando parecer por demais maravilhosos.

Uniformes de militares e diplomatas ocidentais do século XIX

Um homem no Ocidente tem medo de parecer por demais maravilhoso. Examinem, por exemplo, os uniformes oficiais dos diplomatas e dos militares de alto grau, generais, marechais, do século XIX e os do século XX. É uma degringolada medonha. No século XIX uns e outros usavam bicórneos — chapéus de dois bicos, com abas que se reuniam em cima, e tinham “aigrettes” brancas; as roupas eram bordadas com alamares e outras coisas muito bonitas; os veludos eram extraordinários. Esses fardões custavam tão caro, que ao encerrar a sua carreira o diplomata dava de presente o seu fardão a um colega da sua predileção, porque o uniforme representava uma fraçãozinha não negligenciável do patrimônio de um embaixador.

Mas atualmente um homem tem vergonha de se apresentar com esses trajes, porque o espírito de Revolução achatou todas as tendências para o belo.

Pelo contrário, no Oriente isso não foi assim. Marajás, rajás, xás, quedivas, sultões, ulemás, aparecem com essas roupas bonitas. Entretanto, se formos examinar os homens, veremos que eles são muito inferiores, como porte, aos do Ocidente. Porque durante séculos, desde que a Igreja Católica penetrou no Ocidente, neles começou a germinar a Moral católica. E quando nós consideramos uma pessoa que observa em todos os seus pormenores a Moral católica, notamos que essa pessoa, ou seu filho ou seu neto, acaba sendo de uma educação e de um porte perfeitos.

A Moral católica gera educação, distinção e correção perfeitas

Por quê? Tomem uma pessoa que pratica a Moral católica perfeitamente. É instintivo nela, ainda que não tenha recebido uma educação de salão, praticar, por exemplo, atos como este: a pessoa está se servindo à mesa com um convidado por ela; por ser convidado, este merece uma especial honra e atenção; ela então serve o convidado antes de se servir a si própria.

Essas coisas, ensinadas como regras de educação — “Você na sua casa, tendo convidados, seja o último a se servir”; “quando está na presença de mais velhos, faça que estes se sirvam antes”; “em presença de pessoas mais graduadas do que você, reconheça de boa vontade essa maior graduação, preste-lhes honras” —, são aplicações de princípios de Moral a questões de bom procedimento.

E se, numa primeira geração de católicos muito bons, não foi possível modelar todos esses costumes de acordo com os princípios morais, ao cabo de algum tempo esses princípios filtram e nascem deles uma atitude, uma distinção, uma amabilidade, uma cortesia, que no fundo fazem parte da Moral católica. A Moral perfeita tem que gerar necessariamente a educação, a distinção e a correção perfeitas.

Quem tem boas maneiras glorifica a Deus

Às vezes acontece que uma pessoa pode ser de uma Moral perfeita e não ter uma educação perfeita. Porque não houve tempo de filtrar essa Moral no ambiente em que ela foi educada, começar a prestar atenção em pequenas questões de maneira a praticá-las. Questões que, evidentemente, estão num plano secundário; não constituem a essência da Moral.

Pelo contrário, pode suceder que uma pessoa não tenha boa Moral, mas possua uma educação perfeita. Mas ainda aí é um resto de Religião Católica. Ela, sem perceber, pratica regras da Religião Católica, porque percebe que são bonitas na prática, na atitude concreta. Infelizmente ela com isso não tem intenção de dar glória a Deus, mas imita os que dão glória ao Criador; assim, ela involuntariamente glorifica a Deus.

Guilherme II e a Imperatriz Sissi

Nas memórias do Kaiser Guilherme II, último Imperador da Alemanha, ele conta um fato cuja descrição me impressionou muito. Ele estava no jardim do palácio do avô dele, que era então o Imperador da Alemanha. Como a Imperatriz havia morrido, a mãe dele, casada com o Príncipe Herdeiro, estava fazendo as honras da casa para uma visitante muito ilustre, que era a Imperatriz da Áustria, a famosa Sissi, uma princesa bávara casada com Francisco José, Imperador da Áustria. Era de uma beleza famosa e, além disso, de uma distinção de maneiras, de uma linha, de uma categoria extraordinárias.

O Kaiser conta então que ele estava no jardim do palácio, vendo a mãe, de costas para ele, que recebia a visita da Imperatriz da Áustria. Mas ele não se aproximou enquanto não o chamaram. Pela narração, parece que ele não tinha muita curiosidade em conhecer a Imperatriz da Áustria. Em certo momento, a Imperatriz deu sinais de que queria partir, e a mãe dele se voltou para trás para ver quem estava ali para carregar a cauda da Imperatriz. E, não vendo ninguém além do seu filho, o futuro Guilherme II, ela disse-lhe: “Meu filho, venha aqui carregar a cauda de Sua Majestade a Imperatriz da Áustria”.

Quando ele se aproximou, a famosa Sissi, Imperatriz Elisabeth, estava apenas se levantando. E ele descreve a impressão que ela lhe causou. Ela se erguia muito devagarzinho, com as maneiras e o protocolo da antiga corte. Todo o jeito dela causou-lhe tal impressão, que ele nunca mais se esqueceu de que aquele protocolo dava à Imperatriz uma elegância, uma distinção, realçava de tal modo a sua beleza, que se nota ter o Kaiser ficado deslumbrado. Se formos examinar todas as regras que ela seguia — porque a corte austríaca era muito conservadora —, verificaremos que tais regras de perto ou de longe se relacionam com a formação católica, com o ideal de perfeição moral que a Religião Católica ensina.

Sentar-se sem encostar-se ao espaldar da cadeira

Coisas insignificantes. Estou falando neste auditório, onde todos estão sentados, mesmo os mais moços, e com as costas apoiadas no dorso da cadeira. Mas houve tempo em que isto era contrário às regras da boa educação. As cadeiras tinham espaldar alto, para o caso de a pessoa precisar. Mas normalmente não se deveria encostar ao espaldar. Porque era a imagem da ascese católica: a pessoa sentada, sem encostar-se ao espaldar, dominando a si mesma.

Considerem essas cadeiras de couro — pior ainda, de matéria plástica! —, com brações, que há hoje. Ao sentar-se nelas, o indivíduo afunda e fica mergulhado naquilo, quase como numa banheira. A atitude de não se encostar ao espaldar se torna impossível.

O Ocidente tem menos pedras preciosas que o Oriente, mas possui a finura católica

Isso faz com que no Ocidente ocorra o seguinte: o engenheiro ou arquiteto católico que vai planejar a decoração externa e interna de um palácio para um rei católico morar, palácio no qual o rei vai exercer o poder catolicamente sobre um povo católico, a própria respiração de sua alma católica executa a ornamentação de maneira a fazer prevalecer as coisas do espírito, que têm categoria, finura, em que a alma humana aparece na sua excelência. Pelo contrário, o homem que não tem essa assistência da graça, essa inspiração da Fé, não é capaz disso.

Considerem esses marajás e figuras semelhantes; eles estão refestelados; um sultão chupa o narguilé indefinidamente. Por quê? Porque eles não aprenderam da Religião Católica os modos de se portar. Isso também se retrata evidentemente nos prédios, no urbanismo de uma cidade, enfim, em mil outras coisas.

É isto que faz a superioridade do Ocidente. O Ocidente tem menos rubis, pérolas, esmeraldas, safiras, brilhantes; não possui rajás nem marajás, mas tem a finura católica, contrarrevolucionária, que domina todo o resto. 

Encontro do Xá da Pérsia com a Sissi

Lembro-me de outro fato ocorrido com a própria Sissi, a Imperatriz da Áustria, e um Xá da Pérsia.

Esses potentados do Oriente nunca vinham à Europa, porque eram viagens muito longas e às vezes sujeitas a risco. Mas quando surgiu, com os meios de comunicação modernos, a possibilidade de viagens seguras e com relativo conforto ­­— os primeiros transatlânticos do século XIX, os primeiros trens —, os potentados do Oriente começaram a vir ao Ocidente. E vinham com todo o luxo do Oriente.

O Imperador da China, o Xá da Pérsia, marajás e rajás em quantidade indefinida, sultões, estiveram na Europa. E quando eram recebidos, as cortes europeias seguiam todo o protocolo com que se recebia um Chefe de Estado estrangeiro. Portanto, coisa muito bonita, muito esplendorosa, rica, mas não extraordinariamente rica. Os orientais vinham com riquezas fabulosas e iam às festas com traje oriental.

Então o Xá da Pérsia — Imperador da Pérsia — foi às principais capitais da Europa e também a Viena. Nesta cidade, em certo momento da festa, chega a Imperatriz da Áustria. Então homenagens, e o apresentam a ela. Ele faz uns salamaleques à moda oriental e ela responde com distinção, com graça, um pouco sorrindo, como diante de um Conto de Mil e Uma Noites, de uma fábula.

O Xá começou a olhar para a Sissi e ficou tão deslumbrado que, terminados os salamaleques, deu uma volta por detrás dela. Queria ver se ela era inteira assim, ou se na nuca, nas costas, ela não era tão bem feita como de frente. Quando retornou à frente dela, disse: “A Sissi é realmente bonita como me disseram e até mais do que me disseram”. E fez outro salamaleque. Provavelmente, ele tinha joias muito mais bonitas do que ela, que era uma dama. Mas ela era uma joia! Tudo isso são frutos da Civilização Cristã.

Papel da graça divina

Mas o que é Civilização Cristã? É uma civilização na qual os homens, tendo pela graça a virtude da Fé, e, nascidas dela, as demais virtudes teologais e cardeais — sendo a Fé a primeira das virtudes teologais —, acabam possuindo toda essa grandeza pessoal, que é o resplandecer da graça.

E quem nos obteve a graça foi Nosso Senhor Jesus Cristo, no momento de morrer na Cruz, e já no Horto das Oliveiras, quando Ele começou a sentir tédio e pavor do que lhe aconteceria durante a Paixão. A graça, conquistada para nós pelo Sangue de Cristo, penetra nos homens e depois produz todo o resto.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/1/1989)

Um grande epistológrafo

O Bem-aventurado Sebastião Valfré escreveu alguns livros e muitas cartas, tratando de temas teológicos. A propósito do seu talento epistolográfico, Dr. Plinio faz uma meditação, mostrando a decadência dos modos de comunicar o pensamento humano e como esse mal atingiu também a causa contrarrevolucionária. Entretanto, sempre que Deus permite a sua invencível Igreja ser batida, açoitada pelos ventos, o mal é para o gênero humano, não para ela.

 

Comentaremos a biografia do Bem-aventurado Sebastião Valfré, com base numa ficha tirada da obra do Padre Rohrbacher, Vida dos Santos(1).

Variedade de cartas sobre assuntos de Teologia

Sebastião Valfré, nascido na Saboia, em 1629, morreu em Turim, em 1710. Sacerdote oratoriano, grande apóstolo da caridade, virtude em que se distinguiu durante toda a sua vida. Famoso pela santidade de vida, amor à oração e ciência, manteve enorme correspondência com bispos, sacerdotes e grandes personalidades da corte sobre assuntos de Teologia, ou dando numerosos conselhos sobre questões várias. Apesar de ter todo o seu tempo ocupado, deixou obras realmente úteis: “Curta instrução às pessoas simples”, que obteve grande sucesso, “Exercícios cristãos” e “Meio de santificar a guerra”, esta última destinada aos que abraçavam a carreira das armas.

Especialmente devoto da Santíssima Virgem, quando começava a ensinar Teologia, uma das primeiras verdades sobre a qual chamava a atenção dos alunos era a da Imaculada Conceição. Durante seis meses explicava a Ave-Maria, palavra por palavra, pois cada uma delas lhe servia de tema para as aulas. Além disso, recomendava especialmente a devoção aos Anjos da Guarda. Dizia que em todas as suas necessidades e aflições jamais deixava de invocar seu Santo Anjo e por ele nunca fora abandonado. Além disso, seu zelo era voltado às almas do Purgatório, pelas quais nunca deixava de rezar todos os dias.

Idade Média: época das grandes sumas

A dificuldade em comentar essa biografia encontra-se no fato de que ela contém os grandes traços do sacerdote santo desse período. Ora, como houve muitos sacerdotes santos nessa época, acontece que esses traços todos mais ou menos já estão estudados. Contudo, há alguns pequenos esclarecimentos que podem ser dados.

Talvez cause certa surpresa ver que a correspondência ocupava na vida dele um papel importante. Mas precisamos tomar em consideração que ele viveu exatamente no tempo de Luís XIV, ou seja, no auge do “Ancien Régime”, em que as condições de comunicação do pensamento eram muito diferentes das hodiernas, mas de algum modo já as prenunciavam.

É uma coisa curiosa na história dos descobrimentos, das invenções e das modificações da vida social, como vem nascendo no espírito das nações, com longas antecedências, apetências para as coisas que mais tarde os descobrimentos inesperados vão fazer surgir.

Ao analisarmos as obras escritas na Idade Média, notamos aquelas grandes coleções. É a era do pensamento sério, das sumas; livros escritos em pergaminho, em material volumoso, bibliotecas com aquelas coleções enormes. Quando aparece a imprensa, começam a surgir os livros menores. O material vai se tornando mais leve, mas também, simultaneamente, começam a desaparecer as grandes sumas e as grandes obras de conjunto.

O espírito humano torna-se fragmentário: os livros especializados e as cartas

O espírito humano, perdendo aquela unidade medieval, vai se tornando fragmentário, produzindo obras menores sobre pontos específicos e perdendo apetência para as grandes universalidades, os grandes conjuntos do pensamento. De onde as coleções de livros ainda continuarem a existir, mas com uma tendência a desaparecer e darem origem ao ensaio, ao livro especializado.

Mas já no tempo de Luís XIV e, portanto, da Madame de Sevigné, começam as cartas a tomarem um papel paralelo ao dos livros. As estradas se tornaram muito mais seguras, o transporte por mensageiros a cavalo e a carruagem começou também a se tornar mais fácil, mais seguro e, com isso, a correspondência postal, sem ter adquirido a institucionalização que obteve no século XIX, foi, entretanto, se tornando também mais metódica. Assim, começou a aparecer um estilo novo de comunicação de pensamento mais delgado do que o livro, que é a carta.

Havia cartas de duas espécies: uma tratando de um assunto doutrinário, e outra dando notícias. As que tratavam de assuntos doutrinários eram grandes cartas escritas por personagens eminentes.

Anteriormente a esse nosso Santo, o infame Erasmo, por exemplo, um pouco posteriormente a ele o infamíssimo Voltaire, fizeram uma obra revolucionária enorme através de cartas que eram, muitas vezes, doutrinárias ou de análise de fatos, que eles mandavam a vários outros homens célebres do tempo. Célebres por sua cultura, por seu talento, pela alta posição política, pela ligação que tinham com os acontecimentos da época, ou pela categoria eclesiástica ou nobiliárquica que ocupavam.

Essas cartas, depois, eram copiadas. Por exemplo, um sujeito qualquer que recebesse uma carta de Erasmo ou de Voltaire, tomava a missiva recebida mais a resposta dele e publicava. Aquilo era impresso e distribuído. Ele mesmo mandava para seus relacionamentos, a fim de verem que ele escreveu uma coisa tão importante que o grande Erasmo, o grande Voltaire se dignou responder. Então, as duas cartas constituíam quase que um tratadinho a respeito de algum tema.

Coisa muito apreciada era a carta sobre uma controvérsia entre dois personagens sumos a respeito de determinado assunto. Uma troca de correspondência entre o Cardeal Caetano e Lutero, por exemplo, constituía um fino alimento para os espíritos eruditos.

Surgem os artigos de revista e de jornal

Vemos, assim, como vai nascendo, de longe, o artigo de revista e de jornal. Antes mesmo de haver a revista e o jornal, o espírito humano ia engendrando algo que preparava as condições para esses meios de comunicação.

Concomitantemente, havia os noticiários que circulavam largamente. Antes de a imprensa chegar ao desenvolvimento que ela atingiu no século XIX, existiam nas capitais dos países agências que mandavam as notícias manuscritas para o interior, mediante assinatura. Já eram, portanto, “jornais” manuscritos, antes de haver propriamente os jornais, de tal maneira o espírito humano vai adiante da descoberta. Depois é que vem a descoberta e alcança celebridade. Mas é porque havia condições no espírito humano para notar aquele progresso e aproveitá-lo. Do contrário, aquilo passava desapercebido e ninguém se incomodava.

É bonito notar como a Igreja vai engendrando, para cada nova forma de comunicação, formas novas de talento. De maneira que a epistolografia, a qual desde os tempos dos romanos havia decaído, tomou exatamente a partir do século XVI um realce muito grande. Assim, vemos surgir grandes Santos epistológrafos.

O apogeu do gênero epistolar

O Bem-aventurado Sebastião Valfré, grande teólogo e filósofo, escreveu três livros e uma multidão de cartas que, com certeza, circularam amplamente no tempo dele e fizeram muito bem, pois este era um estilo clássico de se comunicar.

Hoje a carta decaiu enormemente de importância e de qualidade, pois foi substituída pelos modernos meios de comunicação: jornal, rádio, televisão, telefone, etc. Quando estes não existiam, a tendência de quem escrevia cartas, sabendo que as notícias seriam tão bem aproveitadas, era de aprimorar o estilo, arranjar um bonito papel e elaborar uma linda caligrafia. Quer dizer, tudo quanto cerca uma carta chegou ao seu apogeu nesse período. Temos então, nesse tempo, um grande Santo que é também um grande epistológrafo.

No século XIX tivemos o grande jornalismo católico, cujo rei foi Louis Veuillot. Ele se tornou o jornalista católico perfeito, realizando uma coisa que poderia parecer impossível: num estilo definidamente baixa de nível, fazer coisas de alto nível. A forma do jornalismo de Louis Veuillot era a seguinte: ele tinha uma visão penetrante e clara dos “flashes” da realidade. Ele não era nem um pouco um espírito capaz de fazer uma suma. Um ou outro livro de grande porte que ele escreveu não foi bem sucedido. Mas ele tinha uns “flashes” a respeito da realidade, uns “aperçus”, em que ele pegava a coisa com muita clareza. E tinha um francês ligeiro e insolente que exprimia aquilo sucintamente. Em três gotas de tinta ele construía ou destruía uma pessoa, uma argumentação ou uma refutação. Dessa maneira ele teve a forma de talento própria ao estilo jornalístico para defender a causa contrarrevolucionária.

Devemos ver os desígnios de Deus nos castigos que Ele impõe

Notamos aqui os desígnios secretos da Providência. E como são insondáveis as coisas de Deus. É bonito que Deus Nosso Senhor tenha constituído talentos que se adaptassem a essas várias formas que foram aparecendo. Nós não vemos um talento que tenha dado um brado de alarme contra as sucessivas baixas que essas formas representavam. Por quê? Evidentemente, castigo de Deus para a humanidade. Deus, descontente, permitia que a casa fosse caindo em ruínas, e ia dando engenheiros para colocarem escoras nela. Mas não deu engenheiros capazes de deterem a ruína e reconstruírem a casa. Porque havia pecados no mundo que provocavam a cólera d’Ele. Por causa disso, chegamos ao momento em que a casa está a ponto de ruir.

Alguém dirá: “Mas Dr. Plinio, com isso não foi derrotada a Igreja? Ora, se Deus ama a Igreja, não seria razoável que Ele evitasse para ela essa humilhação?”

Cada vez que a Igreja é aparentemente vencida, a derrotada não é ela, mas sim a humanidade. Porque a Igreja existe para beneficio dos homens. Portanto, sempre que Deus permite a sua invencível Igreja ser batida, açoitada pelos ventos, o mal é para o gênero humano, não para ela. Devemos ver os desígnios d’Ele nos castigos que Ele impõe.

Nós temos, com isso, uma meditação a respeito do talento epistolográfico desse Bem-aventurado.

 

(Extraído de conferência de 30/12/1969)

 

1) Cf. ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. v. XXII, p. 211-216.

 

A Jesus, por Maria

Para comungarmos bem, devemos pedir a Nossa Senhora que venha espiritualmente à nossa alma, e preste a Nosso Senhor atos de culto. Dessa forma, nossa Comunhão será inteiramente marial, conforme ensina São Luís Maria Grignion de Montfort.

Acho conveniente deter hoje nossa atenção na invocação de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, quer dizer, a Virgem Maria considerada especialmente em suas relações com a Divina Eucaristia.

Procurarei ser esquemático ao indicar alguns pontos para meditarmos, a fim de que caiba a maior quantidade possível de matéria dentro de pouco tempo.

Nossa Senhora obteve o Santíssimo Sacramento para o gênero humano

Consideremos o seguinte: uma das maiores graças que o gênero humano recebeu foi a instituição da Sagrada Eucaristia, ou seja, da presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo em todos os sacrários da Terra, até o fim do mundo, e a renovação incruenta do Sacrifício da Cruz.

Para medirmos a importância dessa graça, basta considerarmos como julgaríamos magnífico se, de repente, tivéssemos o Redentor visível aqui entre nós. Com toda razão, julgaríamos que uma eternidade não bastaria para agradecer esse favor.

Ora, Nosso Senhor, embora de modo não visível, está realmente presente no Santíssimo Sacramento.

Se recebemos todas essas graças é porque nos vieram a rogos de Maria, por meio d’Ela. De maneira que devemos esses favores insondáveis a Nossa Senhora. Ela obteve o Santíssimo Sacramento para o gênero humano. Mais ainda: todas as graças que Nosso Senhor distribui no Santíssimo Sacramento, Ele o faz pelos pedidos da Virgem Maria. Se Ela não pedisse, não as obteríamos.

Além disso, a única criatura humana que presta ao Santíssimo Sacramento um culto inteiramente digno e perfeito é Nossa Senhora. As outras criaturas humanas sempre têm algum defeito, que macula o alcance desse culto.

Nossa Senhora conhece todos os lugares da Terra onde há o Santíssimo Sacramento, e Ela, do alto do Céu, está adorando continuamente as Sagradas Espécies por toda parte.

Onde as Sagradas Espécies são adequadamente cultuadas, Maria Santíssima presta um culto jubiloso. Quando são tratadas com indiferença ou até com blasfêmia ou sacrilégio, Ela presta um culto reparador.

A devoção ao Santíssimo Sacramento é uma graça; logo, é obtida por Nossa Senhora.

Modo de um escravo de Maria comungar

Cada um desses pontos de meditação nos deve ajudar a comungar como São Luís Maria Grignion quer. Todas as nossas Comunhões são atos de culto a Nosso Senhor Jesus Cristo, mas com Maria, por Maria, em Maria.

Então, dadas todas essas relações que Nossa Senhora tem com o Santíssimo Sacramento, devemos preparar-nos para a Comunhão com o auxílio d’Ela. O que quer dizer isso?

Precisamos pedir a Maria Santíssima que venha à nossa alma, e diga por nós a Nosso Senhor tudo quanto Ela diria se estivesse comungando.

Devemos receber a Eucaristia junto com Nossa Senhora, ou seja, pedir que Ela esteja como que à entrada de nossa alma para acolher a Nosso Senhor e preste os atos de culto a Ele. Como todos sabem, os atos de culto são quatro: adoração, ação de graças, reparação e petição dos dons divinos que precisamos.

No momento de nossa Comunhão, digamos a Nosso Senhor o seguinte: “Meu Deus, Vós encontráveis vosso Paraíso estando em Maria durante vossa Encarnação e durante as comunhões d’Ela. Como é inferior a acolhida que eu Vos dou! Tende, entretanto, em consideração que em espírito vossa Mãe está presente em mim, dispensando-Vos uma acolhida incomparável. Recebei, assim, com benignidade, meus pobres atos de culto, enriquecidos por passarem através d’Ela a fim de chegar a Vós”.

Assim, nossa piedade eucarística se torna inteiramente marial, embebida do espírito de São Luís Maria Grignion de Montfort. Esse é o modo de comungar de um escravo de Maria.

Receber a Eucaristia com a alma plenamente confiante e jubilosa

Dessa forma, se evita que, ao comungar, caiamos em dois erros.

Um é a ideia da inacessibilidade de Deus.

Nosso Senhor Jesus Cristo é tão infinitamente Santo, que não há nenhuma proporção possível entre nós e Ele, debaixo de nenhum ponto de vista.

Então, tendo isso em vista, corre-se o risco de comungar acanhado, quase deprimido.

Mas se se considera que Nossa Senhora está em nós espiritualmente — não realmente como está Ele — comunga-se alegre, porque, apesar de sermos o que somos, Ela se encontra em nossa alma.

Dou um exemplo: imaginem um mendigo que vai receber a visita do maior rei da Terra. Ele não tem nada para oferecer ao monarca, mas consegue que a rainha-mãe lá esteja para acolher o rei. O mendigo está tranquilo; não lhe falta nada. Ao chegar o soberano, a rainha-mãe está na entrada do tugúrio e lhe diz: “Meu filho, eu quis honrar esta casa com a minha presença. Ela é minha, entre!” O dono da casa não tem outra coisa a fazer senão sorrir, regozijar-se, transbordar de alegria porque a recepção está à altura do rei.

Então, devemos comungar com a alma plenamente confiante, jubilosa.

Se cada um de nós for pensar em seus defeitos, ficará acanhado, encafifado. Mas em sua alma está Nossa Senhora! Que tranquilidade, alegria, paz de alma, esperança para tudo!

Conjunção da adoração com a maior das ternuras

Assim, evita-se também a falta de respeito, que teria, por exemplo, um mendigo a quem o rei vai visitar todos os dias. Nunca o mendigo tem algo para oferecer ao monarca. Certo dia, ele diz para o rei: “Sentai-vos ali e conversai comigo. Se vós quiserdes vir em minha casa, só possuo isto para vos oferecer: meu café velho e minha caneca rachada. Não tenho outra coisa; não posso me virar pelo avesso”.

Então, a devoção a Nossa Senhora equilibra isso. Tira o acanhamento, o encafifamento, e também a rotina, o desrespeito.

Há, portanto, uma espécie de equilíbrio da piedade eucarística simplesmente magnífico, pela conjunção da maior das venerações, que se chama adoração, de um lado, com a maior das ternuras. Assim, eu posso tomar com Nosso Senhor as liberdades mais afetuosas, porque fui trazido pela Mãe d’Ele.

Eu quisera que todo membro de nosso Movimento, habitualmente, comungasse nesse espírito, tomando cada dia um desses pontos para considerar.

Por exemplo: “Minha Mãe, eu Vos devo a instituição da Sagrada Eucaristia. Todo o gênero humano Vos deve essa instituição. Ajudai-me a agradecê-la a vosso Divino Filho, vinde à minha alma.” Ao receber a Comunhão, agradecer a Ele. Está feita uma Comunhão excelente.

Acho que este seria um método ideal para a Comunhão, evitando assim a falta de respeito e também a rotina: as Comunhões nas quais as pessoas têm a impressão de que não sabem o que dizer a Deus, como dois velhos amigos que se encontram todos os dias e já não têm mais o que falar um para o outro.

Para Nosso Senhor, nós sempre temos coisas novas para dizer, aprofundando esses horizontes. Cada um desses pontos encheria o tempo da ação de graças de uma Comunhão. Que Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento nos conceda a graça tão preciosa de uma piedade eucarística em união com Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/5/1969)

Repleta de perdões

Quando pensamos na condescendência de Nossa Senhora para conosco, ficamos emudecidos de enlevo e gratidão.

Invocar a Rainha do Céu e da Terra, o tabernáculo vivo do Verbo Encarnado, à qual Este obedeceu como um servo à sua senhora, e d’Ela recebermos um infatigável auxílio, é deveras mais do que nossas pobres palavras podem comentar.

Maria é a medianeira de todas as graças, mas essa medianeira é também nossa Mãe. Apesar de nossas faltas e fraquezas, sempre se acha propensa a nos atender: com comprazimento sôfrego, sorridente, repleto de perdões, desde que para Ela nos voltemos como filhos repassados de devoção e confiança.

Apresentação do Menino Jesus

Quando Maria, ainda menina, ingressou no Templo de Jerusalém, este atingia um auge na sua história. Porém, alcançou a plenitude no momento em que Ela ali retornava como a Mãe do Messias, trazendo em seus braços o Verbo Encarnado, sendo recebida por Simeão e Ana, representantes da fidelidade do povo eleito. Então os fiéis reconheceram o “desejado das nações”, e se fechou o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa divina, finalmente, cumprida.