CINTILAÇÕES DAS EXCELÊNCIAS DIVINAS

A partir dos mais remotos flashes que tive desde minha infância, através dessas graças especiais que foram se explicitando e maturando ao longo da vida, a Providência me colocou diante desta ideia: Deus emitiu para o mundo um “lumen” [uma luz], que é Nosso Senhor Jesus Cristo; mas este “lumen” que nos aparece em seu auge na pessoa divina d’Ele, e numa perfeição indizível na pessoa criada de Nossa Senhora, também pode ser percebido nos demais aspectos da criação, essencialmente considerados à luz da Civilização Cristã.

Portanto, a atração que sempre senti — menino, jovem ou homem maduro — pelas mais diversas maravilhas da Cristandade, devia-se não só à beleza delas, mas, sobretudo, ao fato de que me remetiam para algo diáfano, superior, lindíssimo, que desde logo conquistava minha alma. Eram reflexos de uma perfeição absoluta que reluziam aos meus olhos e a tornavam mais próxima de mim. Lembro-me, por exemplo, dos primeiros flashes que tive a respeito da Idade Média quando, num corso de Carnaval, reparei numa moça portando um chapéu cônico característico daquela época, com um grande tule pendurado e que o vento fazia tremular de modo elegante e airoso.

Quando ela passou perto do local em que me encontrava e meu olhar recaiu sobre o chapéu, abandonei o jogo das serpentinas e exclamei: “Ahhh! O que é aquilo?” E me disseram: “Um chapéu da Idade Média”. Eu pensei comigo: “Idade Média! Preciso reter esse nome. É da Idade Média. Aqui existe algo para mim!”

A graça me tocara, fazendo-me sentir uma espécie de avidez de segurar aquele objeto tão bonito. E se eu pudesse, faria parar o automóvel dela e diria à moça: — Não se mexa! Eu quero ver como é o seu chapéu! Era como se uma nuvem de ouro passasse sobre mim a propósito de um fruto da cristandade medieval, e que representava um “tréssaillement” [sobressalto] das graças da Idade Média ainda presente nas almas. A ideia que ficou no meu espírito de menino foi: “Esta beleza religiosa é tudo, é a fórmula de tudo, é a solução de tudo!” Era um flash, eco e reminiscência do luminoso flash em função do qual, penso eu, vivia toda a Civilização Cristã nos seus mais esplendorosos dias.

E assim como aquele chapéu cônico me transportou de entusiasmo, do mesmo modo, quando considero qualquer obra nascida da alma medieval — por exemplo, uma catedral, um vitral, uma fila de santos nos seus pedestais, uma torre ou um castelo — tenho a impressão de que por detrás dela como que se manifesta e se faz sentir um Espírito altíssimo, diante do qual eu não sou senão uma poeirazinha perdida, de tal maneira Ele é alto e sublime.

Um Espírito que nos envolve com sua inextinguível bondade, desejoso de comunicar à criação todas as suas sublimidades e riquezas, de forma que, para com a menor criaturazinha existente, Ele tem um amor pelo qual a atrai, vivifica e inunda, como se só existisse para ela. Ele a penetra com uma ternura absoluta, quase lírica, perto da qual a ternura materna não é senão pálida imagem.

Um Espírito que pensa profundamente sobre si próprio e sobre o que faz, tendo a respeito de tudo idéias prodigiosas, que eu não alcanço a não ser de longe e pelas fímbrias. Mas, a fímbria que eu alcanço me deixa maravilhado com o que há naquele interior imenso. Ele é um mar meio fechado para mim, do qual degusto algo que me encanta e arrebata, de modo pleno, cheio.

Um Espírito ao mesmo tempo infinitamente justo e equitativo, e que na sua equidade e justiça é rígido, intransigente e terrível, contrário a tudo quanto seja negação, caos, pecado, desordem, sujeira, erro, que n’Ele não podem encontrar senão a recusa inflexível como uma espada. Ele é a fonte de todas as bênçãos e de todas as misericórdias, assim como o é de todas as necessárias punições.

E essa diferença de aspectos, entretanto harmoniosos e complementares, também nos devem encher de enlevo e adoração. São perfeições divinas, cujos reflexos aparecem nas magnificências engendradas pela Igreja Católica, e que os flashes fazem reluzir aos nossos olhos, dando-nos como que visões de Deus. Num vitral de um azul fabuloso, por exemplo, com todas as tonalidades de  delicadeza que no azul cabem, veremos a suavidade deste Ser. Num vitral vermelho no qual a luz do sol acende incandescências, discerniremos a fornalha de caridade com que Ele inflama seu  próprio Coração Divino.

E assim, a propósito das extraordinárias policromias dos vitrais, dos sons graves ou festivos dos bronzes tangidos nos altos dos campanários, da imponência religiosa das torres que se erguem aos céus, da força vigilante e destemida das muralhas e ameias, da riqueza dos altares recamados de ouro e de prata, da singeleza austera e contemplativa dos claustros — a propósito de todas as maravilhas da Civilização Cristã, enfim, nossas almas podem conhecer algo das rutilantes excelências de Deus.

E o que me encanta de modo todo particular é saber que esse Ser, o próprio Deus, está realmente presente em todos os tabernáculos da Terra, na hóstia consagrada, numa pequena rodela de trigo com água transubstanciada no corpo, sangue, alma e divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aí, então, sinto-me completamente satisfeito. Não há mais nada a dizer…

(Revista Dr Plinio, Janeiro de 2003, p. 30)

Contraste maravilhoso

O que me toca especialmente na devoção a Nossa Senhora é uma espécie de antinomia harmoniosa e maravilhosa pelo fato de Ela ser tão santa e, entretanto, saber colocar-Se tanto ao nível de todos nós, pecadores. Pensar que Ela, sem perder nada de sua incomensurável superioridade, sabe descer tão ao nosso plano!

Quando rezo à Santíssima Virgem, cogito sobre Ela, trato com Ela, sinto-A enormemente ao meu alcance, ao meu nível. Mas, de outro lado, maior do que eu, nem sei de que jeito! Ela, tão pura, poder — por  assim dizer — “tocar” numa alma que tem manchas, sem Se contaminar em nada; e, tendo todo horror ao pecado, não ficar com horror de mim!

Há aí uma espécie de contraste belíssimo, maravilhoso, em que eu me sinto aceito e assumido por inteiro.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/6/1972)

Como filhos carregados no colo…

Mãe de todos os homens, Nossa Senhora deseja que cada um de nós seja, em relação a Ela, como o filho carregado no colo, que Lhe pede toda espécie de coisas e d’Ela recebe muito mais do que esperava, e até o que não sabia solicitar a essa tão dadivosa Mãe.

A condição de tal benevolência, porém, é rogar-Lhe com essa intimidade especial e certeza de sermos atendidos, como se fôssemos crianças. Tornamo-nos então objetos de uma multidão de auxílios da Santíssima Virgem, os quais, mais do que aos grandes, compraz-Lhe dar aos pequenos.

Por isso as almas mais majestosas, fortes e extraordinárias da Igreja, sempre que falaram de Nossa Senhora e a Ela se dirigiram, fizeram-no nesse diapasão. Isto é, tendo em mente ser Ela a Mãe que está disposta a tratar a cada um de nós com a bondade, a solicitude, o sorriso e a compreensão com que se trata um menino de colo…

(Revista Dr Plinio, Janeiro de 2000, última página)

A perfeita felicidade

Por vezes, a primeira etapa da vida de uma pessoa parece ser a mais feliz de sua existência. Será que a vida consiste na procura inútil de uma felicidade que ficou para trás? Ora, Deus não poderia permitir que assim fosse, e nos faz ser visitados por uma felicidade provinda da alegria do esforço vitorioso, prenúncio da eterna bem-aventurança, que baixa sobre nós como uma estrela saída das maternais mãos de Maria.

 

Há um período inicial da vida do homem, ao menos para a grande maioria dos homens, que vai pouco mais ou menos do momento em que ele começa a conhecer o mundo externo até as primeiras desilusões com os seus amigos, quando estas não se dão dentro de sua própria casa. Inesquecível felicidade da primeira etapa da vida Nessa primeira etapa a vida há uma sequência contínua de felicidades, e as pessoas têm uma alegria da qual não se esquecem até o fim de sua existência.

Quando chegam à extrema velhice, depois de terem passado pelas situações de alma as mais  diferentes e, portanto, tendo alcançado às vezes os maiores triunfos, como também escorregado até o mais baixo das derrotas mais aflitivas, elas gostam de se lembrar daquela felicidade primeira, como se tivesse sido algo que, uma vez perdido, não se recupera mais. E isso era, para elas, o verdadeiro sentido da felicidade.

]Por vezes, ainda na juventude, depois de o indivíduo percorrer os primeiros quatro ou cinco passos da vida,  olha para trás e percebe que naquele período ele realmente era feliz, mas não sabia que o era. Parecia-lhe tão natural tudo correr bem, ele acomodava-se facilmente ao muito ou ao pouco que sua família possuía; oh, felicidade!

O sujeito avança um pouco na vida e percebe, de repente, que está cercado de preocupações, decepções, tem interrogações confusas, obscuras em relação ao futuro, sente carências, perplexidades e, ao mesmo tempo, uma vontade louca de viver. Mas, no meio de tudo isso, aquela felicidade sem mancha e sem nuvens do passado ficou para trás.

Para gozar bem a vida na Terra, a pergunta verdadeira seria: Como voltar àquela felicidade? Por vezes, os maiores poetas, os homens que passaram por situações as mais emocionantes e  agradáveis, quando falam do tempo de sua primeira infância se comovem.

Considerem a tragédia do homem que, pouco depois de ter dado uns passos iniciais numa grande estrada em busca de algo, percebe ter ficado para trás o que ele procurava, mas ele não pode  voltar.

Napoleão não encontrou a felicidade na carreira gloriosa…

A Córsega é uma ilha que no século XVIII tinha sido incorporada à França. Havia lá a família Bonaparte a qual, perseguida por razões políticas, por ter participado de guerrilhas naquelas  montanhas íngremes, teve que se mudar para a França, em condição pobre. Lá, o mais velho da família, Napoleão, por condescendência do rei, foi recebido como cadete na escola de oficiais.

Ele, então, começou sua carreira que comportou tudo, teve uma ascensão contínua, passou por vitórias militares inebriantes, foi coroado imperador dos franceses, casou-se com uma  arquiduquesa da casa imperial mais ilustre do mundo, a de Habsburg, presidiu congressos de imperadores, reis, príncipes, duques; aos seus pés as plateias eram de cabeças coroadas. Contava-se  este caso: Em determinado palácio onde

Napoleão se encontrava, foi dado um toque característico da entrada de um hóspede ilustre. Então um soldado perguntou para o outro: – Mas quem está chegando? – Ah! não é senão um rei… Tantos eram os imperadores que iam lá, que não sendo um imperador, era zero. Podemos imaginar quantas impressões alegres Napoleão teve na vida, com as quais ele nunca contara. Basta pensar, simplesmente, na data de sua coroação. Como aquilo havia de torná-lo radiante!

…nem na glória reconquistada, após terríveis reveses

Também as desgraças mais fulminantes o acometeram. Em 1814 ele caiu. Os russos, austríacos e prussianos invadiram a França, e ele foi deposto. Tão odiado a ponto de ter que caminhar para o Sul da França e ali tomar um pequeno navio que o conduziria a seu exílio, uma ilha pequena no Mediterrâneo, onde ele tinha o título ridículo de “Rei da Ilha de Elba”. E ele, para quem era  bondade receber um rei, começou a anunciar que Sua Majestade, o Rei da Ilha de Elba, Napoleão Bonaparte receberia todas as pessoas de passagem pela ilha que quisessem conhecê-lo. E se transformou, assim, numa espécie de atração turística, para ter gente com quem conversar.

Em certo momento, as situações políticas lhe são favoráveis, há mil circunstâncias, e ele volta para a França. Em pouco tempo está em Paris, o Rei da Casa de Bourbon foge, e Napoleão retorna ao  palácio, carregado por todos os seus fiéis, e ele é de novo o imperador dos franceses. Imaginem a ebriedade de dormir na cama que ele tinha deixado, servido novamente pelos cortesões
no palácio que ele perdera.

Pois bem, ao cabo de cem dias, exatamente, ele sofre uma derrota em Waterloo e tem que fugir, desta vez para o Norte, onde ele toma um navio inglês, e escreve ao Rei da Inglaterra uma carta na qual ele diz: “Eu vim me refugiar junto ao mais generoso e maior dos meus adversários. Espero de vossa parte uma magnânima acolhida.”

Ao que o monarca inglês responde: “Pois não, você está preso!” Ele vai para Santa Helena, uma ilha vulcânica no meio do Oceano Atlântico, num abandono, uma coisa tremenda! Abandonado  pelos maiores amigos, ele sobe numa embarcação e se dirige ao exílio acompanhado de uma cortezinha de gente que ficara fiel a ele, que o segue para se pendurar nas abas do paletó do homem ilustre.

Trinta dias de viagem, durante a qual ele passa longas horas silencioso, vendo o mar passar . Às vezes, desce para a sala de jantar onde, nas horas das refeições, tem longas conversas com pessoas de terceira ordem, que tomam nota do que ele diz para, quando ele morrer, publicarem suas confidências para ganhar dinheiro .

Desembarcam em Santa Helena e, daí a pouco, dá uma espécie de câncer no estômago dele . No fim de sua vida, ele estava tão fraco que não tinha força para levantar as pálpebras, e assim morreu.

Em determinada altura de sua vida, ainda no auge de seu triunfo, perguntaram para ele:

Qual foi o dia mais feliz de sua vida?

A resposta dele é famosa:

O dia de minha Primeira Comunhão .

Portanto, era a felicidade que ficara para trás.

Um prelúdio da felicidade futura

Mas, então, se é para caminhar cada vez mais se distanciando daquilo que nós procuramos com ebriedade, o que é a vida?

Uma vez que não posso evitar os dissabores, inquietações, desilusões, e encontro a fórmula da felicidade nas saudades dos primeiros passos de minha existência, devo compreender o seguinte: nesta vida, a felicidade é relativa.

Entretanto, Deus não seria Deus se fizesse dessa primeira felicidade originária apenas um sarcasmo: “Vive, Eu te dou uma lambiscada na taça inefável da felicidade e te solto no mar das dores. Anda”.

Não, Deus não faz isso. Ele dá ao homem uma promessa magnífica:

“Aquela felicidade que tiveste no início, meu filho, foi uma amostra da bem-aventurança  eterna  que terás no fim. Não é real que vais te afundando de infelicidade em infelicidade. Pelo contrário, a verdade é que, no fim do caminho, encontrarás a felicidade. Terás que passar pelos umbrais da morte, mas para além desta encontra-se a felicidade radiosa da qual Jesus Cristo goza no Céu. Tudo quanto foi felicidade em tua infância está para a que terás no futuro como a luz de um vaga-lume está para a de dez mil sóis reunidos. Não se pode ter ideia do que seja essa felicidade que te espera. Terás de caminhar e sofrer . Sofre com retidão e receberás esse prêmio. Caminha, afunda-te na dor, na dificuldade, com resignação e coragem, transpõe esse mar de tormentas e cai na sepultura; do outro lado será a aurora eterna! Não olha para teu passado como para a felicidade perdida. Olha para ele como a promessa da felicidade a ser adquirida.”

Gemendo sob o peso da cruz

Ao que alguém poderia responder: “Senhor, como tudo isso é grandioso, como é magnífico! Permiti-me dizer: como é misericordioso, como é terrível! Uma tão longa caminhada durante a qual não encontro um oásis, uma gota de água cristalina, uma sombra, um pouco de grama verde, um coqueiro, e tenho que caminhar, caminhar, caminhar, partir do Mar Vermelho para chegar ao outro lado do oceano . . . Senhor, sei que é um oceano de delícias, pois Vós o afirmais. E dizeis mais: a delícia para mim sereis Vós, e eu creio, meu Deus. Mas, Senhor, tende pena de mim! Quero muito chegar lá, mas não tenho forças para atravessar esse deserto. Tanto mais que não se trata apenas de transpô-lo. Muito mais do que isso, é mister atravessá–lo direito. É a lei da minha cruz, ó meu Deus: carregar a vossa.

“Carregar a cruz de não pecar, de ser virtuoso, de cumprir os vossos santos e magníficos Mandamentos . Mas estes são como a felicidade: encantam-me, começo a cumpri-los e eles me pesam. E o peso é tão grande que às vezes, por minha culpa, caio e tenho a desgraça de Vos ofender. Em minha jovem idade, quando vejo Dr Plinio com setenta e sete anos, imagino quanto tempo vou ter que andar nesse deserto!”

Um outro dirá a esse coitado:

Então peça a Deus para morrer .

Também não, – responderia o jovem – tenho medo de morrer Meu Deus, tenho medo da vida, tenho medo da morte! Oh, tempo dourado, que ficou para trás, quando eu não pensava nisso! Dr . Plinio, o senhor não percebe que eu não tinha vontade de olhar de frente o que o senhor está me mostrando? E o senhor abre, à machadinha, minha cabeça e me conta o que eu tinha medo de ouvir! Agora o fato está consumado, vi que é isso mesmo, e o senhor não leva em conta o quanto eu procurava envolver-me em nuvens para não olhar de frente. O senhor sopra em cima da minha nuvem e estou eu diante desse quadro. Oh! Dr . Plinio, por que o senhor fez isso?

O reencontro da felicidade primeira

Deus é Pai cheio de misericórdia e nos dá um meio de sentirmos, de vez em quando, ao longo do caminho, a felicidade que deixamos. Ela nos visita multiplicada por si mesma, como uma estrela que baixasse do céu para nos iluminar a via, e com a qual pudéssemos brincar.

É uma coisa que depende de  nós. De tal maneira depende tanto de nós que se diria depender só de nós e não d’Ele. Mas depende tanto d’Ele que se diria depender só d’Ele e não nós.

Quando o homem, nesta vida, tem a consciência reta, cumpre os Mandamentos pela graça que recebe do Céu e sabe estar caminhando para o Céu no meio de mil dores, há momentos em que a estrela cai do céu e visita-o. É o momento em que a pessoa se sente pura, tem alegria de consciência por estar levando a vida que devia, e correspondendo às felicidades enunciadas por Nosso Senhor no Sermão das Bem-aventuranças. E, por um lado de sua alma, aquela felicidade inicial continua até a pessoa chegar aos bordos iluminados de toda felicidade, e então morre tranquila.

Não há quem, sendo católico praticante, pela graça de Deus e rogos de Maria, não tenha sentido a alegria de confessar-se e sair deste sacramento com a impressão de que sua alma ficou limpa, a absolvição pousou sobre ele e o reconciliou com Deus, e ele deixou o confessionário satisfeito, com o corpo e a alma mais leves. Às vezes dura pouco, embora a pessoa mantenha-se por muito tempo em estado de graça. Mas que sensação, que felicidade! Não é verdade que reencontramos aquela felicidade primeira?

Um grau a mais da felicidade: a do heroísmo!

Daí a pouco  chega a tentação e começa a luta. Com a luta, tem-se a impressão de que a felicidade se afastou. E, realmente, muitas vezes a luta é terrível . Mas quando a luta passa, compreendemos que até durante a luta éramos felizes, porque tínhamos consciência de estar vencendo, sendo fiéis a Nossa Senhora, a Nosso Senhor e calcando o demônio aos pés.

Às felicidades da infância se junta uma nova que a infância não conhece: a felicidade da vitória, de  ter  feito o esforço e ter conseguido. A primeira infância não conhece isso. Tudo lhe cai na mão, sem esforço . A pessoa tinha a ilusão de ser aquilo felicidade  precisamente porque não exigia esforço. Mas quando conhece a alegria do esforço vitorioso, compreende: “Eu subi um grau na felicidade. Tornei-me herói, venci pela primeira vez e respirei o ar puro dos píncaros. Ah, quero mais píncaros, porque quero vencer!”

Vencer antes e acima de tudo o pecado. É essencialmente o inimigo que devemos derrotar. Que tranquilidade e gáudio quando um homem pode dizer: “Atravessei tal provação, porém cumpri meu dever. Tentado por toda forma de impureza, de cólera, de abatimento, de covardia, por tudo, resisti e venci!”

Alguém poderia objetar: “Pobre miserável, você não venceu nada. Você não fez carreira. O que você venceu?”

A resposta é simples, e agora falo do meu caso concreto. Eu venci o meu pior inimigo: Plinio Corrêa de Oliveira. Porque cada um de nós tem dentro de si o seu pior inimigo, de quem se trata de desconfiar, pegá-lo pelo pescoço e derrotá-lo. E se Nossa Senhora me conceder a graça de vencer até o fim esse inimigo, afinal de contas, olhando para meu passado eu diria: Foi um caminho de dor; é uma esteira de luz!

Então, o que vem a ser a felicidade nesta perspectiva? É a lembrança fiel, de um gosto do Céu que eu, batizado, filho da Igreja, membro do Corpo Místico de Cristo, tive na origem de minha vida. E, no fundo, é essa a felicidade que eu procurei a vida inteira e me foi dada às gotas, de vez em quando, enquanto eu ia caminhando. Eram os oásis. No fim, vem o Céu .

Todo homem que sinceramente possa dizer isso de si mesmo e para quem foi mesmo assim, dele se poderá escrever na sua sepultura: “Aqui jaz anônimo. Foi feliz porque foi para o Céu”.

O mundo nos oferece conchas cheias de aflição

Considerem um ricaço que reformou sua casa dez vezes ao longo da vida e comparem com uma pessoa que possui uma casinha média e passou a vida inteira contente naquela casa. Quem é mais feliz: o que reformou a casa uma porção de vezes ou quem soube encontrar deleite numa casa que não precisou de reformas?

O mundo apresenta padrões de felicidade que são conchas cheias de aflição . Para ver, são lindas . Experimenta-se, é aquela amargura. Que desilusão, que coisa tremenda! Uma vida sem sentido, sem significado, que leva as pessoas a se perguntarem para o que estão vivendo e, por vezes, a praticarem o suicídio.

Nossa civilização tão rica, à qual se insiste em apresentar como sendo o mundo da felicidade, é a que conheceu em alto grau uma das manifestações mais impressionantes de infelicidade, algo privativo de nossa época: o suicídio de crianças.

Alegria que desce do Céu sobre aquele que cumpre o dever

Qual é, então, o mundo da felicidade?

Pensem nos cruzados partindo para a Terra Santa. Sobre uma relva bonita os corcéis começam a desfilar, como tudo é bonito! Mas, sobretudo, é bonito notar uma certa alegria daqueles cruzados que vão para onde? Para o perigo. Eles sabem que, com as embarcações frágeis daquele tempo, podem ir parar no fundo do Mediterrâneo, e o mar se torna para eles uma sepultura .

Quando o atravessam, do lado de lá encontram o calor tórrido do deserto, com o qual não estão habituados, uma natureza seca, árida, onde o perigo maometano os aguarda. Com isso, quantas e quantas vezes a morte sem médico, sem cirurgia, tremenda, no campo de batalha; horas de sede abrasadora, porque o sangue está escorrendo e o cruzado tem vontade de beber uma gota de água, mas não tem quem a dê, porque está sem socorro. Metido naquela armadura que ele vestiu por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, sobre a qual bate o Sol, desde a manhã até a tardinha, e ele está metido num forno .

Sabendo de tudo isso, como podem estar tão alegres na hora de partir? Há, entretanto, algo da felicidade da infância. É a alegria descida do Céu sobre o homem que está cumprindo o seu dever. Uma alegria de Anjo que não o abandona, nem sequer quando ele

estiver, como num forno, dentro de sua própria couraça, exangue, morto de sede, mas lembrando-se de que Nosso Senhor, antes de expiar disse: “Tenho sede!” E na consideração de estar sofrendo o que Cristo sofreu, o cruzado tem o ósculo da graça na sua alma e morre em paz. Ah, isso é felicidade!

A perfeita alegria

Conta-se que estando São Francisco de Assis em viagem, em pleno inverno, junto com outro frade de sua Ordem, este lhe perguntou, atormentado pelo intenso frio.

Pai, peço-te, da parte de Deus, que me digas: onde está a perfeita alegria?

Ao que o Santo respondeu:

Quando chegarmos ao Convento, inteiramente molhados pela chuva e transidos de frio, cheios de lama e aflitos de fome, e batermos à porta, e o porteiro chegar irritado e disser: “Quem são vocês?” E nós dissermos: “Somos dois dos vossos irmãos”, e ele replicar: “Estão mentindo; são dois vagabundos . Fora daqui!” E nos deixar sob a neve e a chuva, com frio e fome até à noite; se então suportarmos tal injúria e crueldade sem nos perturbarmos nem murmurarmos contra ele, nisso está a perfeita alegria.

E acrescentava São Francisco:

– E se ainda, constrangidos pela fome e pelo frio, voltarmos a bater à porta durante a noite e pedirmos, pelo amor de Deus e com muitas lágrimas, que nos abra e nos deixe entrar, e ele mais escandalizado disser: “Vagabundos importunos, pagar-lhes-ei como merecem”. E sair com um bastão, nos agarrar pelo capuz, nos atirar ao chão, nos arrastar pela neve e nos bater; e suportarmos todas essas coisas pacientemente, pensando nos sofrimentos de Cristo; ó irmão Leão, nisso está a perfeita alegria!

A meu ver São Francisco fez uma grande descoberta. Quer dizer, na hora em que renunciamos a tudo por Nossa Senhora e vamos para a frente, em certo momento baixa sobre nós a perfeita felicidade.

Como uma estrela vinda das maternais mãos de Nossa Senhora

Se do alto píncaro franciscano é lícito descer para a vida corrente de nossos dias, conto um pequeno episódio para concluir estas reflexões.

Eu tinha mais ou menos vinte anos quando passei por uma série de provações espirituais tremendas, como eu nunca pensei que sofreria em minha vida.

Passados seis meses de tormento, certa manhã, na São Paulinho de então, com o movimento ainda pequeno, os primeiros bondes, os primeiros automóveis começavam a circular, eu estava esperando um bonde que me levaria à Avenida Paulista, numa esquina de onde eu podia ver a imagem de Nossa Senhora no alto da cúpula da Igreja da Imaculada Conceição .

De repente, começo a notar uma coisa assim: “Que luz particularmente bonita hoje! Como isso aqui está cheio de passarinhos que cantam! Essa aurora quer dizer alguma coisa. Está mais bonita até do  que

o costume, não pensei que auroras fossem bonitas assim. Que bem-estar sinto em mim, não posso compreender o que é isso. Tenho até a impressão de que o meu infortúnio está passando. Estou começando a sentir uma alegria como nunca senti na minha vida, ela me enche a alma, mas não sei explicá-la”.

Isso durou algumas horas, mas logo após o infortúnio se reapresentou com garra de ferro .

Dali a alguns dias, em meio à batalha, abro um livro de leitura espiritual e começo a ler. Aquilo me inundou de felicidade novamente, mas muito mais definida do que aquela que experimentara dias antes.

A partir de certo momento iniciou-se para mim um período de uns seis meses durante os quais sentia uma felicidade indizível e contínua. Eu vivia, então, no meio da alegria, da satisfação, e me sentia, por assim dizer, no Céu. Assim, depois de ter dito a mim mesmo: “Não pensei ser possível tanto sofrimento”, passei a pensar o seguinte: “Não pensei que se pudesse ser tão feliz nesta Terra”.

Atravessemos, pois, todos os infortúnios, e vamos para a frente, e encontraremos a verdadeira felicidade dos primeiros passos da vida reapresentando-se, de vez em quando, como uma estrela que Nossa Senhora deixa cair de suas maternais mãos para as nossas, para nos dar um certo gáudio que Ela, melhor do que ninguém, gradua para cada um, pois sendo nossa Mãe, sabe o que nos é necessário. A cada felicidade dessas nós devemos oscular e dizer, como a Santíssima Virgem: “Magnificat anima mea Dominum” e pensar:  “Ó Céu, eu caminho em direção a ti!”

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/7/1986)

A Virgem do Bom Sucesso

Nosso Senhor Jesus Cristo foi gerado pelo Espírito Santo em Maria Santíssima, virgem antes, durante e depois do parto. Quando a gestação tem como resultado o bom nascimento do filho, chama-se “bom sucesso”. Assim, Nossa Senhora do Bom Sucesso é o título conferido a Ela enquanto tendo dado à luz, maravilhosamente e do modo mais feliz possível, o Filho Divino que o Espírito Santo gerou em suas entranhas virginais.

A Lei mosaica ordenava que todo primogênito fosse apresentado no Templo e oferecido a Deus. Embora não precisasse cumprir esse preceito, pois seu Filho era o próprio Deus, Nossa Senhora nos deu um lindo exemplo de amor e de obediência à Lei, levando o Menino Jesus ao Templo onde o Profeta Simeão O aclamou como “luz para iluminar as nações” e “sinal de contradição” (Lc 2, 32 e 34).

O Bom Sucesso da Santíssima Virgem foi assim consagrado pela Apresentação do Menino Jesus no Templo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 2/2/1983 e 1/2/1984)

Nossa Senhora da Luz

Nossa Senhora da Luz, invocação lindíssima porque é Nossa Senhora enquanto suscitando toda espécie de luzes interiores — tão frequentes em nossas almas — que não podemos considerar nem fantasia, nem imaginação. São luzes que de fato nos iluminam por dentro e nos levam à prática da virtude.

Que Nossa Senhora da Luz, nossa Auxiliadora nos momentos de trevas interiores, faça raiar em nossas almas esta luz de uma confiança invencível na realização de nossa vocação, de nossa missão, que é a vitória da Causa Católica por meio dos auxílios que Ela nos dá em todas as circunstâncias.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/5/1971)

Uma ave radiante de beleza

Ainda que não consigamos expressar o que nos vai à alma quando nos deparamos com a beleza posta por Deus em suas criaturas, estas nos encantam e arrebatam.
Dr. Plinio, entretanto, além de enlevar-se com elas, era capaz de, ao analisá-las, explicitar verdadeiras maravilhas.

Quando o pavão abre sua cauda, tem-se uma primeira impressão estonteantemente rica, ordenada e atraente, que faz a pessoa ficar um pouco agredida pela beleza que ela tem.

Depois, num segundo momento, após haver absorvido o aspecto geral que há na ave, começa-se a deitar os olhos neste ou naquele pormenor, a fim de explicitar a primeira impressão.

Começa-se, evidentemente, pelas penas da cauda. Elas têm qualquer coisa de sedoso, próprio do brilho da seda ou do brilho do cristal, eu diria até, do brilho da pedra. Seu brilho fica entre a pedra e a seda. Para compreendermos bem a beleza que há na cauda do pavão, deveríamos imaginar uma pedra sedosa, ou uma seda pétrea.

Suas penas possuem uns semicírculos formados por diferentes cores; no interior há umas como que sub-cores que se acumulam e se resolvem umas nas outras, deixando pasmo quem as contemple.

Quando já estamos pasmos nessa contemplação, o pavão fecha sua cauda e vai passear noutro lugar, tranquilo, arrastando no chão aquela cauda feita de pseudo pedrarias incomparáveis. Temos vontade de apanhá-lo e dizer-lhe: “Não ande assim com essa cauda, ponha isso no alto porque estraga!” Porém, sua cauda é tão superior ao solo que nada a suja. Ela tampouco varreu o chão; apenas passou sobre o solo à semelhança de um avião que sobrevoa uma cidade, sem, entretanto, derrubar nenhum prédio, mas também sem se deixar abalar pelos edifícios!

Em seguida, quando estamos entusiasmados na contemplação de sua cauda, nosso olhar deita-se no pescoço do pavão.

Éclatant1 de beleza, com um colorido composto por uma mistura de verde com azul, ele possui tal distinção que se diria quase tratar-se de uma grande dame2. O pavão, às vezes, vira-se para trás, olha de cima, toma um recuo como quem diz: “Realidade, como te atreves a estar tão próxima de meu olhar! Afasta-te, pois eu te vejo igualmente bem de longe, e tu me vês melhor quando eu estou longe de ti. Para longe!”

No alto da cabeça do pavão há um “topetinho”, que, à primeira vista, não seria necessário de nenhum modo para a beleza dele, mas que tem o encanto do supérfluo. Ele nos dá a seguinte impressão: “A partir de agora, acrescentar algo a essa ave seria demasiado, pois sua beleza não permite mais nenhum ornato”.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/3/1993)

Oração: Graça da oração insistente

Ó minha Mãe, olhai misericordiosamente para minha alma e obtende-me o espírito de oração pelo qual eu recorra sempre a Vós. E tanto mais recorra quanto mais me atenderdes, pois vossos favores nos incitam a pedir dons maiores.

Rogo-Vos ainda outra graça: a de Vos pedir tanto mais quanto menos parecerdes me atender. Pois Vós amais a oração insistente e confiante; quanto maior for a aridez ou a demora, mais apreciável será a graça que desde já nos preparais. Amém

(Composta em 30/7/1971)

Nossa Senhora

Quando estiver tardando muito para recebermos uma graça pedida por intermédio de Nossa Senhora, não devemos considerar isto como uma recusa, mas como uma promessa de que, se pedirmos muito, aquela graça nos será dada com uma abundância extraordinária.

Há certos retardamentos de Nossa Senhora, enquanto Auxílio dos Cristãos, onde Ela dá mais tardando do que concedendo logo. E isso em parte porque, se Maria Santíssima atendesse todos os nossos pedidos imediatamente, a Terra se transformaria num paraíso e os sofrimentos desapareceriam.

Ora, umas das maiores graças que Nossa Senhora nos dá são as cruzes e os sofrimentos: muitas vezes Ela tarda em nos atender a fim de recebermos o mérito do sofrimento. Assim crescemos na Fé e na Confiança.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/5/1964)

Rainha do Bom Sucesso

Nossa Senhora do Bom Sucesso é a Rainha no verdadeiro sentido da palavra: tem majestade e, ao mesmo tempo, bondade; é a triunfadora e também a batalhadora, cujo semblante dá a ideia de que, ao combater, possui a certeza da vitória. Esta é a Rainha do Bom Sucesso.

Para nós, o que importa em nossa luta não é ganhar a batalha amanhã, a não ser como condição de vencer a guerra, pois é isso que devemos desejar. O sucesso é a grande vitória final da Contra-Revolução na guerra empreendida pela Revolução contra a Santa Igreja e a Civilização Cristã. Esta vitória devemos pedir a Nossa Senhora.

Santo Inácio de Loyola dá um conselho muito sábio: em todas as coisas, devemos atuar como se tudo dependesse de nós e nada de Deus; mas esperar como se tudo dependesse de Deus e nada de nós. Assim, na luta contrarrevolucionária devemos atuar com energia, constância, dedicação como se tudo dependesse de nós; mas confiar reconhecendo que tudo, inclusive a nossa dedicação e energia, depende de Deus Nosso Senhor. É pelas orações de Maria Santíssima que nos vêm as graças do Céu para sermos dedicados.

Temos que começar por suplicar a Ela que nos dê essa dedicação, o amor de Deus, o entusiasmo pela causa católica, aquela compenetração do espírito católico que fez com que o grande Apóstolo São Paulo dissesse de si mesmo: “Já não sou que vivo, é Jesus Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).

Se pedirmos força à Santíssima Virgem, obteremos. Ela é a Rainha dos valentes. A Santa Igreja aplica à Mãe de Deus esta frase da Escritura: “Terrível como um exército em ordem de batalha” (Ct 6, 4).

Devemos, pois, impetrar a Nossa Senhora principalmente duas graças: uma grande confiança na sua misericórdia, e que Ela nos dê a sua intransigência soberana, perfeitíssima, a indignação triunfante com a qual presidirá os acontecimentos preditos por Ela em Fátima.

Então, contemplaremos em seu semblante a expressão de vitória comprazida de Rainha, como A representa a imagem do Convento das Concepcionistas de Quito, na qual encontramos esperança, força, senhorio e dominação.

Nossa Senhora do Bom Sucesso, eu interpreto como sendo, por excelência, a invocação do Reino de Maria. É dessa maneira que Ela Se nos apresentará, como a nos dizer:
“Meus filhos, alegrai-vos, levantai o vosso ânimo! Nada tem importância quando Eu resolver vencer. A minha hora de misericórdia está baixando sobre vós e, portanto, nada vos atingirá de maneira contrária a meus planos. O que atingir será de acordo com meus planos e, no fundo, para vosso bem. Alegrai-vos! O sucesso é meu, porque Eu sou a Rainha do Bom Sucesso; e o sucesso é, portanto, vosso, porque vós sois meus filhos.”

 

* Excertos de conferências de 26/8/1977, 16/11/1977 e 2/6/1979.