A ordem natural e os Dez Mandamentos

Resumindo toda a ordem natural em apenas dez princípios sublimíssimos, no alto do Sinai, em meio aos raios e toques de trombetas angélicas, Deus entregou as tábuas da Lei a Moisés.

 

Muitas pessoas queixam-se: “Oh, vida dura! Oh, vida complicada! Oh, vida difícil!” Até certo ponto — e eu diria que em larga medida — elas têm razão, porque nossa existência transcorre num vale de lágrimas. Chora-se porque se sofre.

Mas é verdade também que a vida oferece suaves e doces compensações, desde que se saiba procurá-las onde realmente estão. Assim, aprende-se a ver nela determinados aspectos que compensam sua dureza, dando-lhe um sentido e um bem-estar interior que o homem moderno não conhece.

Pela bondade de Nossa Senhora, um dos lenitivos que encontrei ao longo de minha vida foi o Tratado de Direito Natural, de Taparelli d’Azeglio

O homem: ápice e rei da criação material

Lendo tal Tratado, encontrei explicação para algo que eu nunca conseguira explicitar adequadamente: a razão de ser dos Mandamentos.

Eles me pareciam resplandecentes, fulgurantes; mas, por que razão eles se me apresentavam tão belos? Eu percebia ser lindo proceder de acordo com a Lei estabelecida por Deus, mas isto não me satisfazia. Sendo tão bonitos, era impossível não possuírem um fundamento racional, cognoscível ao homem. Qual era sua razão mais profunda? Deus poderia ter estabelecido outros Mandamentos? Terá, então, Deus agido arbitrariamente, promulgando estes e não outros?

Ora, Deus criou o Céu e a Terra; os animais, os vegetais e os minerais; os anjos e os homens. A cada um destes seres Ele deu uma natureza própria, colocando-os em movimento em perfeita colaboração com a ordem do universo.

Os animais e os vegetais, por exemplo, são de tal maneira ordenados que uns e outros se desenvolvem sem trazer dano para outras espécies. Mesmo quando uma fera devora outra — algo que até parece uma agressão selvagem —, vê-se que isto está na ordem da natureza. É a boa ordenação posta por Deus em todas as coisas.

No ápice e na realeza da Criação material Deus colocou o homem. Adão tinha de tal maneira o conhecimento e o poder sobre a natureza que, quando foi criado, todos os animais desfilaram diante dele. Imaginemos a beleza desse desfile: os animais passam e recebem de Adão o nome mais adequado segundo a sua espécie. Deus o colocou como o seu lugar-tenente, seu representante na Terra.

Estando no ápice da Criação, Adão tinha obrigação de agir de acordo com a sua própria natureza, de modo que a ordenação estabelecida pelo Criador se verificasse nele com mais perfeição do que em todas as outras criaturas visíveis.

Assim, ele atuaria conforme a natureza de todos os seres e poria em funcionamento essa imensa perfeição que vem a ser a Criação. Pacífica, tranquila, facilmente ele governaria toda a Terra, como príncipe herdeiro de Deus.

Pecado, a violação da ordem natural

Porém, Adão violou a ordem natural de relações entre o Criador e ele, cometendo o que se chama pecado. Agiu em desacordo com sua natureza criada e, sobretudo, com a natureza de Deus. Conhecendo-O e tendo d’Ele recebido inúmeras provas de bondade, Adão, entretanto, pecou contra Deus!

O que é então o pecado? É um ato de revolta contra Deus, que o homem praticou violando a ordem por Ele instituída.

Examinando então os Dez Mandamentos, numa rápida inspeção de horizontes, percebemos o que eles têm de profundo: são conseqüência da ordem natural das coisas posta por Deus.

Os Dez Mandamentos

A Lei imposta por Deus é bela e ordenada. Ela compreende dois grupos de Mandamentos: os que dizem respeito ao relacionamento do homem com Deus e os que tratam das relações dos homens entre si. Três Mandamentos pertencem ao primeiro grupo, sete ao ­segundo.

Quanto ao primeiro grupo, analisando-o, facilmente conclui-se sua objetividade: sendo o Criador infinitamente superior aos homens, devemos amá-Lo sobre todas as coisas, não tomar o seu Santo Nome em vão e guardar os dias a Ele consagrados; estes são exatamente os três Mandamentos que se referem ao primeiro grupo.

Analisemos alguns dos Mandamentos de ambos os grupos.

Não tomar seu Santo Nome em vão

O que quer dizer “não tomar o seu Santo Nome em vão”?

Significa nunca pronunciar o Nome de Deus, a não ser havendo uma razão à altura. Então, nunca blasfemar — é o arquétipo de tomar o Nome de Deus erradamente — nem empregar seu Nome numa conversa sem que seja razoável, porque Ele é tão supremo e sagrado, que usá-Lo sem necessidade já significa faltar-Lhe com o respeito.

Este preceito também se refere de algum modo àqueles que têm uma particular relação com o Altíssimo e, por causa disso, também às coisas sagradas as quais não podemos mencionar em vão, nem fazer brincadeiras, gracejos, porque elas participam de certa forma da dignidade de ­Deus.

Antes de tudo, o mais suave e santo dos nomes, usado pelo Homem-Deus: o Santíssimo Nome de Jesus! E depois, o mais doce e acessível dos nomes utilizado pela mais sublime das meras criaturas: o dulcíssimo Nome de Maria. São nomes que não podem ser empregados em vão. É preciso haver uma razão para usá-Los com respeito porque, do contrário, peca-se.

E, por conexão, também os nomes de pessoas, de instituições que merecem o devido respeito. Entre nós é costume, sempre que se fala de uma pessoa eclesiástica, mencionar o título antes de indicar o nome: Padre, Cônego, Monsenhor, Dom, Cardeal. Porque o nome da pessoa, pela função sagrada por ela exercida, se tornou tão respeitável que não deve ser usado sem o respectivo título.

É mais ou menos como numa família bem constituída: quando os filhos falam do pai, da mãe, não dizem o fulano ou a fulana, mas papai ou mamãe. E, referindo-se a um tio ou uma tia, tio Fulano ou tia Fulana, pelo respeito especial que lhes devem.

Terceiro Mandamento: Guardar os dias de festa

Acho o terceiro Mandamento uma linda coisa, uma espécie de imposto que Deus cobra dos homens. O Criador quer que o homem Lhe consagre um dia por semana, ou seja, nesse dia, não cuide de ganhar dinheiro.

O que há de Sabedoria dentro disso é verdadeiramente extraordinário! Não cuidar de ganhar dinheiro e não pensar no dinheiro que vai obter no dia seguinte. Nosso Senhor Jesus Cristo diria mais tarde: “Olhai os lírios dos campos, que não tecem nem fiam, entretanto nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como eles!”(1)

Consideremos a bondade de Deus. Ele tira da vida limitada do homem um sétimo dia, mas precisamente isso Ele lhe dá sob a forma de repouso… É bem à maneira divina! No momento mesmo em que faz a pessoa dar-Lhe algo, Deus põe na mão dela algo muito maior do que aquilo por ela doado: é o descanso, a distensão, o dia do Senhor. Como que lhe dizendo: “Pare, reze, eleve o seu espírito.”

Quantas pessoas há que, no domingo, preocupam-se apenas em conservar sua saúde com a distensão própria deste dia!

Enquanto o Criador lhe cobra, o homem se vê inundado por um novo dom de Deus. Já imaginaram a tristeza de uma vida em que nunca houvesse domingos?

Estes são dias que vêm acompanhados de uma bênção, de qualquer coisa de festivo, fazendo com que já no sábado se comece a respirar uma atmosfera especial. E aos domingos de manhã, quando se acorda, tem-se uma impressão de certa clemência de Deus, de uma distensão: “Agora chegou a sua vez de descansar; pare, não tenha preocupações…” É a bondade de Deus pairando sobre cada ser, fazendo-lhe sentir que Ele é Pai. Quanta beleza há nisso!

 É conforme a ordem natural das coisas que Deus possa cobrar do homem esse dia. Está na ordem da bondade de Deus que Ele “pague” desse modo maravilhoso o que o homem dá.

Honrar pai e mãe!

Está na natureza das coisas o seguinte: nossa alma é criada diretamente por Deus e insuflada por Ele no corpo que nossos pais geraram. A ação principal é de Deus. Nossos pais, quando nos geraram, cumpriram a intenção que está na ordem natural, tendo um filho. E se eu não posso, de nenhum modo, ofender a Deus, que criou minha alma, por uma razão menor, mas quão verdadeira, não devo ofender os meus pais que geraram meu corpo.

Lembro-me de que um livro de piedade apresenta um exemplo muito bem calculado, de um artista que esculpisse uma figura em pedra; e no momento em que a estátua estivesse concluída, ela desse uma bofetada no escultor. Este se sentiria ultrajado. É natural, pois ele é a causa da estátua. Ora, o filho é muito mais feito pelos pais do que uma estátua por um escultor. Então, “honrarás pai e mãe”.

E o pátrio poder é um padrão de todos os poderes que há na Terra, os quais, quando bem compreendidos e bem exercidos, têm algo de paterno. Quem exerce o poder deve governar paternalmente o súdito, e este precisa obedecer filialmente. Razão pela qual se deve prestar toda a honra àqueles que estão constituídos em poder. Do contrário, se transgride o Mandamento: “honrarás pai e mãe”.

Honrar pai e mãe não significa apenas obedecer, mas prestar respeito. Merecem respeito também os que estão constituídos em dignidade: o superior de uma ordem religiosa, o chefe de um exército, o reitor de uma universidade, quem dirige qualquer espécie de organização. 

Não matarás!

Quinto Mandamento: Não matarás!

Quem não percebe que o homem não tem o direito de matar outro homem? Quem tira a vida de outro abusa de sua própria natureza e atenta contra a natureza do outro. Caim quando matou Abel, vendo-o morto, saiu correndo e por toda parte aonde ia, sentia o castigo de Deus pesar sobre ele. Por quê? Matou seu irmão, matou outro homem.

O homem não tem o direito de matar aquele que é semelhante a ele. Matando uma pessoa, o assassino presumiu ser o que ele não é. Além disso, cometeu outro mal: tirou a vida que está na natureza da vítima possuí-la. Se espancar um outro, o indivíduo comete um pecado que está nas encostas do “não matarás”.

Não pecar contra a castidade; não cobiçar a mulher do próximo!

Sexto e nono Mandamentos: Não pecar contra a castidade; não cobiçar a mulher do próximo.

O que é a castidade? Como se prova que ela não deve ser violada? O que isto tem a ver com a ordem natural das coisas?

A castidade tem dois graus: a matrimonial e a castidade perfeita.

A castidade matrimonial é a daqueles que contraem casamento, e desta maneira assumem o encargo de multiplicar a espécie humana e de educar os seus próprios filhos. Esta é a obrigação inerente ao casamento. A castidade perfeita é própria aos que não são casados.

Mas o fim de ter filhos traz consigo a obrigação de educá-los. Realmente a Providência dotou os pais de recursos incomparáveis para educar os seus próprios filhos. O senso psicológico das mães, por exemplo, é uma coisa extraordinária… A mãe mais analfabeta, devido a seu instinto materno, conhece regras de pedagogia que os técnicos de repartições não conhecem. Porém, a educação dos filhos somente é bem feita em conjunto, pelo pai e pela mãe. Aqueles precisam ser conduzidos pela doçura da mãe e pela severidade do pai.

 Para exercerem bem essa tarefa, eles não podem separar-se. Portanto, o casamento deve ser monogâmico e indissolúvel. 

Castidade perfeita até ao casamento, fidelidade conjugal são princípios contidos no “não pecarás contra a castidade”. E mais ainda no preceito especial “não cobiçarás a mulher do próximo”, que é o nono Mandamento.

O nono Mandamento, por sua vez, enfatiza um ponto: não se pode nem pensar em ter a mulher do próximo. Quer dizer, em assunto de pureza, como, aliás, em todas as matérias, não se deve nem cogitar em pecar. Quem pensa em pecar, já pecou!

Não furtarás; não cobiçaras as coisas alheias

O homem é dono de si mesmo. Sendo dono de si mesmo, ele é dono de sua capacidade de trabalho. Sendo dono de sua capacidade de trabalho, ele é dono do fruto de seu trabalho.

Se alguém, por exemplo, que se põe a vaguear por um sertão qualquer, encontra frutas pendentes de várias árvores que não pertencem a ninguém, colhe um bom número delas e faz para si uma matalotagem, ele se torna dono desta, pois é fruto de seu trabalho. Porque as frutas pendentes da árvore sem dono estão postas lá por Deus para que alguém delas se aproprie. Uma pessoa por ali passou, se apropriou e realizou trabalho, que é uma razão a mais, além dessa destinação primeira. Aquilo ficou dela porque é dona de si mesma. E ninguém tem o direito de tirar para si algo de que o outro se apropriou, pois seria um furto.

Recentemente eu estava lendo num livro de Elaine Sanceau(2) uma descrição muito divertida da chegada dos portugueses a uma ilha, onde havia índios. Para alegrar os nativos eles distribuíam gorros vermelhos. O que um índio fazia com um gorro vermelho, não compreendo… Enfim, havia outras coisas engraçadíssimas. Quando foram embora da ilha, eles colocaram uma Cruz enorme, e aos pés da Cruz as armas do rei de Portugal. Aquela terra não tinha dono, porque índio no estado selvagem tem uma capacidade de possuir limitada — o que se poderia provar numa outra longa demonstração. Chega uma nação civilizada, Portugal, e coloca ali uma Cruz: é de Jesus Cristo! E as armas de Portugal: é do rei de Portugal! É inteiramente normal. Este nosso país estava como um fruto pendente; passou por cá Pedro Álvares Cabral e o colheu… É verdade que colheu um fruto enorme… Viva Portugal!

Além de proibir o roubo, Deus ordena não cobiçarmos os bens alheios. 

Por exemplo, estando diante de uma loja onde se vende água-de-colônia, e vendo aproximar-se um homem que compra um frasco, quem fica com vontade excessiva de possuir este objeto, sem ter condições financeiras para tal, e o cobiça, peca contra o décimo mandamento. Mas se ele tiver dinheiro para comprar, não comete pecado.

Quando se procede mal, então, cobiçando os bens do próximo? Quando se vê alguém ter bens que não se pode adquirir, e fica-se com raiva do próximo porque ele os tem.

Oitavo mandamento

Não levantar falso testemunho! A razão desse preceito entra pelos olhos de tal maneira que não precisamos justificá-lo. Se uma pessoa se comunica com outra, é para dizer a verdade. A voz foi dada para dizer a verdade, e a mentira é contrária à ordem natural. Portanto, deturpa a finalidade da palavra quem mente: não se pode levantar falso testemunho.

***

Eis aí uma exposição abreviada sobre a relação entre a ordem natural e os Dez Mandamentos. Assim compreendemos o pensamento de Santo Agostinho: “Um Estado onde todas as pessoas observassem os Dez Mandamentos chegaria ao seu fastígio, porque a ordem da natureza feita à imagem de Deus, expressão de sua vontade, sua sabedoria, foi obedecida e tudo prospera.” v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/3/1984)

Revista Dr Plinio 144 (Março de 2010)

 

 

1) Lc. 12,27

2) Elaine Sanceau. Historiadora de origem francesa, porém, nascida na Inglaterra. Em 1930 passou a residir em Portugal e lá escreveu inúmeras obras que narram as aventuras portuguesas em além-mar. (1896-1978)

Corpo, Sangue, Alma e Divindade…

Nosso Senhor Jesus Cristo, realmente presente na Sagrada Eucaristia, entra em contato conosco de um modo todo especial: de alma a alma! Cristo vem a nós quando comungamos. Nas páginas a seguir, Dr. Plinio nos sugere um modo eficaz e piedoso para bem aproveitarmos as graças que recebemos neste divino convívio.

 

Quando eu era menino, nas aulas de catecismo perguntava-se à criança se ela cria que Nosso Senhor Jesus Cristo estava realmente presente na Sagrada Eucaristia. Ela deveria dar uma resposta que me ficou até hoje nos ouvidos, muito bonita, como eram as respostas do catecismo: “Creio que Ele está presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade”.

Nosso Senhor Jesus Cristo não possui corpo humano e alma divina: sua Alma é humana como a nossa. Se Ele não tivesse alma humana, não seria verdadeiramente homem. Ele é Homem-Deus, com duas naturezas, a humana e a divina, estando a humana hipostaticamente unida à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Para bem comungarmos, devemos ter presente a seguinte verdade: não vemos Nosso Senhor Jesus Cristo, mas Ele está presente na Sagrada Eucaristia como esteve na Casa de Nazaré, em Betânia — com Marta e Maria —, nos braços sagrados da Santíssima Virgem, na Cruz.

E na Comunhão Nosso Senhor Jesus Cristo penetra em nós.

“Caro Christi, caro Mariæ”

Qual é a força da presença de Nosso Senhor Jesus Cristo em nós quando comungamos?

Imaginemos Nosso Senhor no seio imaculado e puríssimo de Nossa Senhora. A Santíssima Virgem, pelo fenômeno natural da geração, foi Lhe dando elementos para que seu Corpo se constituísse. Sendo Deus, desde o primeiro instante de sua Encarnação Ele possuía inteligência, mantinha comunicação direta, altíssima e insondável com a Santíssima Trindade, e recebia continuamente o culto de Nossa Senhora, a qual sabia que o Redentor estava presente n’Ela. Durante os meses da gestação, Nossa Senhora ia formando o Corpo de Jesus e fazia atos de adoração, de amor, cada vez maiores, porque conhecia o processo pelo qual Ele estava passando.

A Carne e o Sangue Sagrados d’Ele eram carne e sangue imaculados de Maria Santíssima.

“Caro Christi, caro Mariæ”, dizem os teólogos: a Carne de Jesus Cristo é a carne de Maria. A presença física de Nosso Senhor no claustro imaculado da Santíssima Virgem era tão íntima, interna, que determinava como que uma interpenetração das almas, assim como havia uma interpenetração dos corpos. E isso tornava a presença d’Ele extraordinariamente fecunda para sustentar ainda mais aquela montanha luminosa e cristalina de santidade que foi Nossa Senhora.

Cristo presente em nós pela Sagrada Eucaristia

Através da analogia com a presença de Nosso Senhor Jesus Cristo no claustro de Maria Santíssima, podemos, então, compreender o que é a presença eucarística em nós.

Ele entra em nós e, enquanto permanece, há uma ação d’Ele sobre todo o nosso ser. E como o nosso ser é composto de corpo e alma, Ele misteriosamente entra em contato santificante com nossa alma. E sendo nossa alma o que temos de mais alto, mais nobre, mais essencial, essa é a bem-aventurança extraordinária que cada um de nós recebe no momento em que comunga.

Durante o período em que as sagradas espécies ficam em nós sem se corromperem pelo fenômeno da digestão, temos Nosso Senhor presente em nós, agindo misteriosamente em nossa alma. Para compreendermos a ação de Nosso Senhor sobre nossa alma durante a Comunhão, recordo um fato muito bonito, narrado pelo Evangelho(1).

Jesus estava andando, e uma mulher enferma que queria ser curada por Ele, vendo aquela turbamulta em torno do Divino Mestre, desejosa de ouvi-Lo e vê-Lo ou ficar livre de alguma doença, não pôde chegar pela frente. Então, ela, por detrás tocou na túnica sagrada d’Ele. Nesse momento, Jesus voltou-se e perguntou: “Quem tocou em Mim?”, porque — diz o Evangelho — sentiu que uma virtude tinha saído d’Ele e passado para outra pessoa.

Quer dizer, Ele percebia que uma força — nesse caso, evidentemente, tratava-se de uma força vital — que saía d’Ele e, transmitida para aquela mulher, curou-a.

Ora, se uma pessoa com Fé, tocando em Sua túnica podia ser curada, o que significa recebê-Lo inteiro dentro de nós? É uma graça que não se pode medir.

Contato de alma a alma

Imaginemos uma pessoa que vai todos os dias à casa de alguém e com ele conversa. Se for uma pessoa distinta, preclara, eminente, santa, honrará a casa. Muito mais importante do que isso será o convívio de alma a alma. Conversam, e alguma coisa do talento, da nobreza, da excelência, das virtudes ou da santidade da alma do visitante é comunicada ao visitado.

Em grau imensamente maior, a Sagrada Comunhão nos proporciona esses bens, porque Nosso Senhor tem um contato conosco muito mais íntimo do que um visitante em nossa casa. Entrar no nosso corpo e ter ali esse contato de alma é como que uma interpenetração.

Suponhamos que Nosso Senhor Jesus Cristo entrasse agora neste auditório. Teríamos a reação a mais viva possível: todos nós nos prosternaríamos para dar passagem a Ele!

O Evangelho nos fala das várias atitudes de Nosso Senhor. Aquelas que mais me tocam são de duas espécies. Uma é quando Ele se dirige ao Padre Eterno; suas palavras são lindíssimas, humílimas. Ele é Deus, mas também Homem. E se víssemos um homem como nós rezar a Deus daquele modo, com aquela humildade, mas ao mesmo tempo com aquela intimidade, nos sentiríamos nesse sulco de luz, quase que transportados para o interior da Santíssima Trindade. Imaginemos que Ele ficasse aqui sobre o estrado deste auditório e, como diz o Evangelho, postos os olhos no céu, elevasse a voz dizendo: “Meu Pai…” e começasse a rezar…

Para mim, as orações de Nosso Senhor são mais bonitas do que seus sermões e de tudo quanto Ele fez. É natural, pois falando com o Pai Eterno, Ele diria coisas mais belas do que para nós, a quem Jesus disse palavras tão admiráveis que até o fim do mundo não se terá acabado de estudá-las.

Suponhamos ainda que, além de rezar, Ele olhasse e dirigisse palavras a Nossa Senhora — para mim é a segunda coisa mais tocante. O último olhar do Redentor para Ela do alto da Cruz, que coisa maravilhosa! Eles se entreolharam e disseram, um para o outro, coisas indicativas do máximo do respectivo convívio. Nunca se saberá até o fim do mundo qual foi o esplendor dessa troca de olhares!

Se víssemos aqui Nosso Senhor falar com o Padre Eterno e depois com Nossa Senhora, faríamos deste local uma capela.

Eu dizia ser necessário considerarmos Quem vamos receber e a imensa honra, o benefício incalculável a nós concedido por Aquele que assim entra em nós e se digna de estabelecer conosco aquela união.

Bondosa visita

Não devemos ter apenas a sensação da honra, mas também da bondade. Nosso Senhor, na Sagrada Eucaristia, fica horas e horas sozinho, trancado num tabernáculo, isolado, numa capela onde apenas arde a lamparina do Santíssimo Sacramento. Muitas vezes as pessoas passam diante do templo e ninguém para para rezar, e Ele está ali à espera de alguém que venha comungar. O Redentor, então, se dá a qualquer um, entra em seu corpo e toma contato com sua alma para fazer-lhe o bem.

São Pedro disse a respeito de Nosso Senhor esta frase que me pareceu muito bonita, de uma simplicidade e profundidade assombrosas: “Pertransiit benefaciendum — Ele passou fazendo por toda parte o bem”(2). Nos lugares aonde ia, as pessoas mais pecadoras eram por Ele recebidas com bondade. Assim, durante a Comunhão devemos ter confiança de que Ele não é um juiz severo, mas um pai bondoso, um médico infinitamente poderoso e desejoso de nos perdoar.

Agirá de acordo com a condição de escravo de Nossa Senhora, segundo a espiritualidade de São Luís Maria Grignion de Montfort, quem se preparar para a Comunhão em união com Ela, pedindo-Lhe as graças necessárias. É assim que eu me preparo, dizendo à Santíssima Virgem: “Minha Mãe, preparai-me Vós para esta Comunhão, pondo-me na alma todas as boas idéias, todos os bons impulsos, para eu ter presente o que vai acontecer de extraordinário e a imensa honra que receberei. Porque rezastes, vosso Filho virá a mim”.

Em união com Nossa Senhora tudo se consegue.

Consideremos agora a entrada de Nosso Senhor em nós.

Antes da comunhão, se diz: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”. Quer dizer, sou indigno de comungar, mas sede Vós o ornato da casa onde deveis entrar, enchei-a das luzes dignas de Vos receber. Recebida a partícula em nossa língua, fazemos um ato de adoração e imediatamente a deglutimos.

Métodos para bem aproveitar a Comunhão

Há, entre outros, dois métodos de comungar. Um deles consiste em ter algum pensamento que nos tomou o espírito, nos interessou tanto que, durante o tempo de ação de graças, continuamos a desenvolvê-lo(3).

Existe outro método que eu, por cautela, sempre emprego quando sigo o primeiro. Às vezes, preparo-me para a Comunhão muito rapidamente, porque há tanto tempo comungo diariamente que essas idéias facilmente se me tornam presentes. Ao receber a hóstia, mesmo tendo o pensamento focalizado em algum ponto relacionado com a Sagrada Eucaristia, faço os atos que a seguir explicarei.

Filosoficamente, os atos de culto que um homem pode prestar a Deus são: adoração, ação de graças, reparação e petição. Ainda que sumariamente, devemos realizar esses quatro atos por meio de Nossa Senhora, quer dizer, pedir-Lhe que os faça conosco.

Adoração

Por exemplo, quanto à adoração: “Minha Mãe, sei que minha adoração não é nada em comparação com a vossa. Adorai Nosso Senhor junto comigo!”

Maria Santíssima atende meu pedido. Então, devo imaginar como Ela, no Céu, está adorando a Ele presente em mim. Mas não se trata de uma imaginação; é uma coisa real que devo tornar presente ao meu espírito.

Consideremos agora algo um tanto mais complicado, mas que espero tornar claro. Há vários modos de compreender esta adoração. Um deles pode ser assim formulado: Nossa Senhora é a síntese das santidades de todas as pessoas boas que houve, há e haverá na Terra até o fim do mundo. Ou seja, a forma de santidade de cada uma, Ela possui de um modo excelso, inimaginável. Cada pessoa é diferente da outra, e uma alma que se salvou, em algo dará glória a Deus como ninguém o fez antes, durante, nem depois da vida dela. Cada um dos que estão neste auditório, desde o mais jovenzinho até eu que sou o mais velho, é capaz de adorar a Deus, fazer ação de graças, reparação e petição de um modo como só ele realizaria. E Nossa Senhora possui, à maneira d’Ela, todos esses modos.

Podemos, então, fazer-Lhe um pedido assim:

“Minha Mãe, entre vossas excelsitudes incontáveis há uma perfeição por onde fazeis de modo sublimíssimo aquilo que especificamente eu realizo. E no vosso modo de adorar a Deus existe um filão que é a arqui perfeição do meu modo de fazê-lo.

“Então, eu me uno a Vós para adorar vosso Divino Filho, como se eu estivesse falando ao Redentor com um alto-falante celeste. Ainda que fosse gago e rouco, minha voz se tornaria encantadora porque passou a ser vossa voz, ó minha Mãe.

“Vou agora adorá-Lo, e Vós, ao mesmo tempo, o fareis de modo insondavelmente perfeito.”

Podemos, durante a Comunhão, adorar Nosso Senhor em algum dos aspectos de sua vida terrena. Admiro e adoro, de modo especial, o mistério da agonia no Horto das Oliveiras, quando houve a crucifixão de sua Alma sagrada.

Então, adoremos a Nosso Senhor, lembrando-nos, por exemplo, de sua agonia no Horto ou nos braços de Nossa Senhora, ou simplesmente enquanto Ele tendo a bondade de vir visitar-me. Eu O adoro em união com a Santíssima Virgem, a qual, em certo sentido, é arqui-eu mesmo.

Há uma outra maneira de fazer adoração, considerando como Nossa Senhora adora o Divino Salvador de um modo insondável, como nenhuma pessoa foi capaz de fazê-lo.

Podemos, então, dizer: “Meu Deus, eu quereria Vos adorar como Nossa Senhora Vos adora. Aceitai minha boa vontade. Ofereço-Vos toda a adoração que Ela tem por Vós”.

Repetindo. No primeiro modo, referi-me a Nossa Senhora adorando o Divino Salvador exatamente — se assim se pode dizer — na linha em que eu adoro.

Mas Ela não se limita a isso, pois contém todas as adorações do presente, do passado e do futuro da humanidade, inclusive as adorações dos que pecaram e não adoraram. Assim, posso pedir à Santíssima Virgem que não ofereça a Ele apenas o meu modo, mas o d’Ela de adorar, dizendo a Nosso Senhor:

“Senhor, Vós vindes agora à minha casa. Muito mais do que a mim mesmo, tenho uma boa surpresa para Vos oferecer. Aqui está vossa Mãe, adorando-Vos não do único modo como sei adorar, mas de todos os modos de adorações, em todos os tempos e lugares, inclusive das que não foram feitas, as quais estão Vos sendo apresentadas por Ela em meu nome. Ó meu Senhor, é um presente verdadeiramente régio!”

São dois modos, como a face e o reverso de uma medalha.

É possível que, pela graça obtida por Nossa Senhora, o que estou dizendo lhes toque a alma. Porém, não se trata de meras expansões sentimentais, mas tudo é raciocinado como os elos de uma cadeia. E se não fosse raciocinado, para mim não haveria beleza. Explicações onde não entra o raciocínio claro, certo, controlado, sério, afinado com a doutrina da Igreja, à qual nos entregamos com toda a alma, não valem nada. Devem elas estar conformes à razão controlada pela Fé. Se for puro sentimento, não admito.

De fato, estou desenvolvendo aqui uma tese.

 

Continua no próximo número…

(Extraído de conferência de 16/7/1977)

 

1) Mc 5, 30.
2) At 10, 38.
3) Conferir Dr. Plinio, nº 143, página 17.

Homens-torre!

Uma bela torre medieval posta ao lado de um simples edifício tem a capacidade de ressaltar a beleza e aumentar a importância deste. Dr. Plinio, com agudo senso de reversibilidades, transpõe este princípio para o papel de certos homens na História.

Não raras vezes, encontramo-nos enlevados ao considerar os admiráveis monumentos da arquitetura gótica como, por exemplo, uma torre audaciosa e imponente de uma catedral ou de um castelo.

Há um princípio peculiar que, aplicado nessas circunstâncias, resulta infalível: qualquer coisa posta em torno destas altaneiras edificações, por pouco de beleza que possua, parece tomar um esplendor incomum, ainda que seja em algo desproporcionado ao monumento que a sustenta.

A beleza de uma torre está ligada a vários fatores: as proporções entre a largura e a altura, o tamanho de sua base e a maneira de seu acabamento. Quando essas proporções estão harmonizadas entre si, há uma bela torre. Sobretudo quando ela é feita de um material valioso, como o granito, de pedras resistentes e duradouras, então a torre lucra ainda mais em esplendor.

Imaginemos a imensa torre de uma catedral em construção. Apenas a torre está inteiramente terminada, o restante da construção ainda está por se fazer e, por isso, quase não há nada edificado a sua volta. Entretanto, uma primeira capela pequenina, esboço da futura construção imponente, levanta-se como que aconchegada junto à torre.

Embora a torre seja enorme em relação à pequena capela, existe um jogo de proporções pelo qual a capelinha fica encantadora, apoiada na torre monumental: é o esplendor da desproporção!

Podíamos também imaginar uma construção de tamanho médio, a qual tivesse alguma proporção com a torre e, de algum modo, a complementasse. Este edifício, caso não houvesse a torre, seria comum, mas porque está ao lado de um torreão imponente, adquire uma beleza e um encanto próprios. A torre é que o realça, mas, de certa forma, ele também realça a torre.

Tomado um elemento muito belo, por menor que seja a beleza dos outros que o circundam, o primeiro espalha em torno de si a sua grandiosidade.

***

O que se dá com torres na arquitetura, dá-se também na História com personagens. Aparecem na História certos homens que são como torres. Alguns são esguios e se elevam com finura, inteligência e subtileza, como minaretes. Outros, pelo contrário, são atarracados e fortes, parecendo garras que se elevam até ao Céu. Outros, ainda, são proporcionados, nobres, equilibrados e parecem marcar a cadência dos tempos e a ordem das coisas, como o Imperador Carlos Magno.

O Grande Carlos é a grande torre a partir da qual se construiu toda a muralha do Ocidente Cristão. Respeitado por todos os homens — até por aqueles que o odiavam —, ele realçou as qualidades de seus súditos. Roland, Olivier, Turpin… tantos outros, foram tudo quanto lhes coube ser porque estavam juntos dele. É verdade que a glória dele se enriqueceu com os feitos de seus homens. Contudo, o que ele proporcionou aos seus foi muito mais do que aquilo que recebeu deles. Ele não é célebre por causa dos outros, mas os outros são célebres por causa dele. E dele se irradia uma determinada luz que cobre o seu século e o seu entourage com esplendor.

Pode-se dizer, em nível mais modesto, que há grandes personagens que aparecem na História de um povo, dos quais se tem impressão que todas as forças vivas da nação concorreram para produzir aquela figura; porém, quando passar a sua época, a nação entrará num período de “cansaço”, tal foi o esforço empregado para acompanhá-la. Durante algum tempo, a nação viverá agradavelmente da glória do passado. Até que — sendo uma nação amada por Deus — apareçam novamente personagens marcantes. Na esfera sobrenatural isto também ocorre: em determinado lugar, a Providência suscita repentinamente um santo. Este se ergue admiravelmente como padrão de perfeição espiritual para determinada época; ele, como que, personifica a virtude de sua era.

Isto de tal maneira é assim que, quando entra em cena alguém que teve um contato especial com um destes santos, as pessoas dirão: “Ele foi discípulo de São tal”, ou então, “a este, São Fulano tocou com a mão na cabeça quando era pequeno”. São repercussões e ressonâncias daquela santidade que se multiplicam pelos tempos, fazendo com que as figuras ou as recordações religiosas mais augustas fiquem interligadas àquela marcante figura.

Assim são os personagens capazes de personificar torres. São construções seguras nas quais os homens de sua época podem apoiar-se, tomando-os como guias seguros e fortes.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/12/1984)

Retidão: limpa como uma paisagem alpina!

Hoje, indo para uma das sedes de nosso Movimento, vi ao longe uma pessoa sentada num caminhão, a qual estava com uma roupa de uma cor tão pouco cuidada que fiquei espantado.

Na realidade, seu traje era um pano imundo. Não sei há quanto tempo a pessoa não o lavava; e ela parecia sentir-se, dentro daquela sujeira, perfeitamente bem. Veio-me então à cabeça o seguinte pensamento: “Se esse homem lavasse sua roupa, ela ainda seria aproveitável?” E imaginei o aguaceiro imundo que sairia dela. Depois pensei com os meus botões: “Se fosse lavada uma vez, ter-se-ia que passar para outra pia, porque a primeira deveria ser lavada só porque nela foi lavada aquela roupa. Mas, se, de tanto lavar, o traje acabasse ficando inteiramente limpo, eu me pergunto se aquela pessoa, vestindo-o, não sentiria um bem-estar diferente desse bem-estar de deboche, de sujeira e de desordem que ela está sentindo agora”. E cheguei à conclusão: sentiria.

Depois veio ao meu espírito esta ideia: “Assim é a alma que chegou a se lavar inteira, porque viu totalmente a sua sujeira e não se contentou enquanto não se lavou por completo”. A alma, quando se lava a si própria e tem a sua túnica limpa, sente um bem-estar que nenhuma outra forma de conforto dá. Por causa disso, se um homem nesta Terra quer a verdadeira felicidade, deve ir à busca da retidão. Porque não há nada comparável ao bem-estar interior que a retidão proporciona.

Portanto, se alguém quer levar uma vida agradável e depois ir para Céu, seja reto! Vai ser duro, mas magnífico, porque ele se sentirá mais ou menos como quem escalou montanhas vertiginosas e vê depois panoramas extraordinários. Embaixo pode haver até poeira levantada pelo vento, mas na altura em que ele está o pó não chega; tudo ali está limpo.

Ainda há pouco eu estava vendo uma paisagem alpina. Que limpeza! A alma de um santo seria dessa maneira. É esta felicidade que cada um deveria desejar para si.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/11/1978)

Dar muito não basta, é preciso dar tudo!

Nosso Senhor Jesus Cristo não deu muito por nós, mas deu tudo, e de um modo inimaginável!

Depois de estendido na Cruz, Ele morreu. Dir-se-ia que estava completo o sacrifício.

Não! Ele quis que um resto de água com sangue que havia no seu Corpo ainda fosse derramado por nós.

Veio, então, o soldado Longinus com a lança e transpassou o Coração d’Ele. O Redentor quis, portanto, que o seu Coração, símbolo do amor d’Ele por nós, ainda fosse transpassado por uma lança, símbolo dos pecados dos homens.

Uma oração que eu recomendo muito a vocês rezarem é “Anima Christi”. Há nessa oração uma invocação muito bonita: “Aqua lateris Christi, lava me”. Água que jorrou do lado de Cristo, lava-me. Quer dizer, todos nós temos defeitos e pecados. Essa água que jorrou do lado sacratíssimo de Jesus, água misturada com sangue, derradeiro tributo dado por Ele para a salvação dos homens, que essa água seja capaz de vencer as nossas últimas infidelidades e nos desapegar dos últimos falsos tesouros a que nosso egoísmo se agarra.

Eu gosto muito dessa invocação: “Aqua lateris Christi, lava me”. Jesus Cristo, que com tanta propriedade é chamado o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo, quando deu tudo, brotou de seu flanco sagrado uma água que limpa os homens!

Nosso Senhor Jesus Cristo deu tudo! E a Quem deu tudo por nós, ou damos tudo por Ele ou não valemos nada!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 1986)

Paixão – O mais doloroso adeus

Quando Maria Santíssima levou o Menino Jesus ao Templo a fim de apresentá-lo ao Senhor, Simeão, dirigindo-se a Ela, profetizou que um gládio de dor Lhe transpassaria a alma.
Ao meditar na Paixão de Cristo, Dr. Plinio contempla o cumprimento deste prenúncio e a extrema angústia de Maria ao ver o padecimento de seu Divino Filho.

 

A Lei do Antigo Testamento estabelecia que, completados quarenta dias do nascimento de um filho primogênito, este deveria ser levado ao Templo a fim de ser resgatado; também a mãe da criança deveria ser purificada na mesma ocasião.

Apesar de ser Mãe do Homem-Deus e concebida sem o pecado original — portanto, isenta de tal obrigação —, Nossa Senhora, por respeito à Lei e à tradição, desejou apresentar a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade no Templo de Jerusalém.

A apresentação do Menino Jesus no Templo

Lá se deu o episódio mais marcante da história do Templo: o próprio Deus encarnado visita aquele ambiente de oração e recolhimento. Naquele instante, os anjos, cheios de alegria, pervadiram o edifício sagrado.

Porém, Nossa Senhora ali entrou sem que ninguém notasse tão grande presença.

Simeão, o Profeta escolhido por Deus para esta ocasião, recebendo o Menino nos braços, louvou a Deus, dizendo: “Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz, segundo a vossa palavra. Porque os meus olhos viram a vossa salvação que preparastes diante de todos os povos”.

Maria Santíssima ouvia as palavras daquele ancião que, profetizando o futuro do Menino, acrescentou: “Eis que este menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações. E uma espada transpassará a tua alma”.

Também Ana, a Profetisa, cantara as glórias do Divino-Menino. Por inspiração, ambos souberam o que somente São José e a Virgem Maria sabiam: o Menino era o Filho de Deus.

Coração de Maria, transpassado por um gládio de dor!

Pois bem, passaram-se os anos e o cumprimento da profecia de Simeão se aproximava — “uma espada transpassará a tua alma”…

Chegou, enfim, o momento em que Ele — já homem maduro, aos trinta anos de idade — despediu-se de sua Mãe e partiu para pregar a bondade, maravilhar os homens, e… por eles ser crucificado! Era o doloroso adeus!

Pode-se imaginar o que foi esse adeus: Nossa Senhora, indo à porta da casa e fitando-O; com o olhar, Ela acompanha seu Filho afastar-Se pela estrada.

A partir daquele instante Ela permaneceu sozinha. Para consolá-La, os anjos cantavam. Mas, de que valiam essas canções em comparação com um olhar ou uma manifestação do carinho de Jesus por sua Mãe? Ouvir o eco de seus pés divinos sobre o pobre assoalho da casa santa enchia a alma de Maria de contentamento mais do que qualquer concerto angélico!

Quem haveria de remediar essa ausência?

A criatura zelando pelo Criador

Outro episódio doloroso ainda se daria: o encontro de Maria com Jesus no caminho do Calvário. Apesar de não ser narrado pelos Evangelistas, creio ser o mais pungente que houve na Terra! A vocação de ser a Mãe do Verbo encarnado, pedia de Nossa Senhora uma perfeita aceitação das dores e angústias como as que Ela sofreu nesse doloroso encontro.

Maria Santíssima recebeu do Padre Eterno a missão de conceber o Verbo de Deus — o que Ela realizou esplendidamente. Porém, a missão de concebê-Lo compreendia também a de gestá-Lo. E grande foi o cuidado que Ela dispensou a seu Divino Filho, para que tudo se realizasse de forma adequada, conveniente e santa.

Pode-se imaginar o gáudio de Maria Santíssima ao sentir em Si mesma o Filho de Deus que se movimentava ainda antes de nascer; a santa comunicação existente entre ambos realizava-se através das inúmeras orações e meditações feitas por Ela, incessantemente. Nosso Senhor estava no interior d’Ela assim como está em alguém que O recebe condignamente no Santíssimo Sacramento.

O período iniciado pela primeira reflexão de Nossa Senhora a respeito do Salvador, chegou a seu termo no momento em que Ele nasceu e, pela primeira vez, os olhares d’Eles se cruzaram. O rosto d’Ele era ainda pequeno, cheio de inocência, mas já com semblante de Rei e Mestre. Tal era a intensidade de sobrenatural que se irradiava ao seu redor, que à sua proximidade qualquer enfermo de corpo ou de alma poderia sanar-se imediatamente.

Quando Adão e Eva pecaram, comendo o fruto proibido, seus olhos se abriram e Deus teve de confeccionar para eles os primeiros trajes. Entretanto, quando o Menino Jesus nasceu, Maria Santíssima vestiu o Criador: agora, era a criatura humana quem vestia o próprio Deus!

Por que me abandonaste?

Após o nascimento do Menino-Deus, Nossa Senhora tinha como missão educá-Lo e formá-Lo até que Ele chegasse à maturidade. Mas isto não bastava: quando Jesus atingiu a idade perfeita, Ela teve de acompanhá-Lo ao Calvário para, aos pés da Cruz, receber o último olhar d’Ele.

Ao cabo dos trinta e três anos de maravilhamento de Maria por seu Divino Filho, e de adoração cada vez mais ardorosa e incessante, tudo desfechou na paixão e morte d’Ele.

No momento em que Nosso Senhor rendeu seu espírito ao Padre Eterno, dizendo “meus Deus, meus Deus, por que me abandonaste?”, Maria, estando presente, certamente O ouviu. Qual não terá sido a repercussão desse sofrimento no coração de uma mãe? Sobretudo, d’Aquela Mãe para com Aquele Filho. Momentos depois, Ele inclinou a cabeça e rendeu seu espírito.

Nossa Senhora viu o Corpo de seu Filho repleto de feridas, já não mais trajando aquela túnica inocentíssima — que se diria feita de raios de luz — que Ela mesma confeccionara. Imaginemos a dor da Mãe contemplando o Filho que sofria tão grande despojamento!

Enquanto José de Arimateia e Nicodemos preparavam os bálsamos para cobrir as feridas do Divino Mestre, Maria Santíssima O sustentava em seus braços virginais.

Paz em meio à amargura

Ela viu a realização do desejo de Jesus de entregar a última gota de seu Sangue pela humanidade, quando a lança de Longinos penetrou o lado do Salvador. Nossa Senhora contemplou aquele flanco ferido e, certamente, rezou: “Coração de Jesus perfurado pela lança, tende piedade e nós!”

Como era costume entre os judeus, envolveram o Corpo Sagrado de Jesus num sudário. Finda a preparação do cadáver, aquele divino Corpo foi depositado na sepultura. Rolaram a lápide que fechava a sepultura; tudo estava acabado, a morte reinava!

Após esses momentos de extrema dor, Nossa Senhora voltou para casa acompanhada por seu novo filho, o Apóstolo virgem. As santas mulheres que A seguiam não se continham em prantos, e Ela, ao invés de ser consolada, precisava consolá-las.

Imagino que, acompanhados por Nossa Senhora, os Apóstolos e discípulos dirigiram-se para o cenáculo. Lá rezavam e choravam. Maria Santíssima deve ter permanecido em silêncio, pacífica e serenamente lembrando-se dos fatos ocorridos. Assim se cumpriam as palavras proféticas do livro de Isaías: “Ecce in pace amaritudo mea amaríssima — Eis na paz a minha amargura enormemente amarga”.

Comparados com o tamanho da amargura de Maria, os oceanos são pequenos, o suficiente para caberem na concha de uma mão!

Para que se faça a vossa Vontade

Em meio a tantas dores pelas quais Ela passava, havia uma consolação: Quem obteve a redenção para o gênero humano senão o Filho que Ela concebeu? Ele — o Redentor e fonte de toda Graça — caso não tivesse morrido na Cruz, não redimiria a pobre humanidade pecadora.

Essa torrente de Graças que jorra sobre a humanidade abriu-se para os homens a partir do momento em que Ela disse: “Fiat mihi secundum verbum tuum!”; e abundou sobre o mundo quando Maria deu seu consentimento a fim de que Nosso Senhor Jesus Cristo morresse na Cruz.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/2/1985)

Revista Dr Plinio (Março de 2010)

 

Oração a Jesus

Meu amável Jesus, permiti que eu me dirija a Vós, para vos testemunhar o meu reconhecimento pela graça que me tendes feito, dando-me a vossa Santa Mãe pela devoção da escravidão, para ser minha advogada junta à vossa majestade e o complemento universal da minha grande miséria.

Infeliz de mim, Senhor, que sou tão miserável que, sem esta boa Mãe, estaria infalivelmente perdido. Sim, em tudo Maria me é necessária junto de Vós; necessária, para vos aplacar em vossa justa cólera, pois vos tenho ofendido tanto, todos os dias; necessária, para sustar os castigos eternos de vossa justiça, que mereço; necessária, para vos olhar, para vos falar, vos pedir, vos tornar propício e vos agradar; necessária, para salvar a minha alma e a dos outros; necessária, em uma palavra, para fazer sempre a vossa santa vontade e buscar em tudo a vossa maior glória.

Ah! se eu pudesse publicar pela universo esta misericórdia que tivestes comigo; se todo o mundo soubesse que, sem Maria, eu já estaria condenado; se eu pudesse dar dignas ações de graças por tão grande benefício. Maria está em mim, “haec facta est mihi”. Oh! que tesouro! que consolação! E, depois disto, não me entregaria eu todo a Ela? Oh! Que ingratidão, meu caro Salvador! Antes morrer do que esta desgraça!   Prefiro morrer a viver sem ser todo de Maria. Mil e mil vezes a tomei por todo o meu bem, como São João Evangelista ao pé da cruz, e outras tantas vezes me entreguei a Ela. Mas, meu bom Jesus, se ainda não a fiz conforme os vossos desejos, faço-o agora como quereis que o faça. Se vedes alguma coisa em minha alma e meu corpo que não pertença a esta augusta Princesa, peço-vos arrancar-mo e lançá-lo fora, porque tudo que não pertence a Maria é indigno de Vós.

O’ Espírito Santo, concedei-me todas estas graças; e plantai, orvalhai e cultivai em minha alma a amável Maria, que é a árvore de vida verdadeira, a fim de que cresça, floresça e dê fruto de vida em abundância. Ó Espírito Santo, dai-me uma grande devoção e uma grande predileção por vossa Esposa divina, um grande apoio em seu seio de Mãe e um recurso contínuo em sua misericórdia, para que nela formeis em mim Jesus Cristo ao vivo, grande e poderoso, até à plenitude de sua idade perfeita. Assim seja.

Súplica a São Judas Tadeu

Santo apóstolo São Judas, fiel servo e amigo de Jesus! A Igreja vos honra e invoca universalmente, como patrono das causas difíceis e desesperadas.

Rogai por mim. Estou abandonado e sem ajuda. Eu vos imploro que façais uso do privilégio especial que o Senhor vos concedeu, de socorrer pronta e visivelmente quando toda esperança parecer perdida.

Vinde em meu auxílio nesta grande aflição para que possa receber consolo e socorro do céu em todas as minhas tribulações, sofrimentos e necessidades, particularmente (faz-se o pedido), para que, unido a vós e a todos os eleitos, louve a Deus para sempre. Amém.

Oração a São Nuno de Santa Maria

Pai Santo, em Jesus Cristo mostrastes a São Nuno de Santa Maria o valor supremo do vosso Reino. Para o conquistar, ele exercitou-se com as armas da fé, do amor a Cristo e à Igreja, da Palavra de Deus, da Eucaristia, da oração, da confiança em Maria, da caridade, do jejum, da castidade, da fortaleza, do serviço, da retidão de espírito e da justiça. Para vos servir de modo mais total como único Senhor, e a Maria Santíssima, Senhora do Carmo, a quem se consagrou na vida religiosa carmelita, de tudo se despojou. Concedei-nos, por sua intercessão, a graça… (nomeá-la), para que sem obstáculos da alma e do corpo possamos nós também viver sempre ao vosso serviço e, combatendo o bom combate da fé, mereçamos tomar parte no Banquete do Reino dos Céus. Por Cristo, nosso Senhor. Amem.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Nós também

Em nosso último artigo, mostramos que as meditações que tão freqüentemente se fazem a respeito da ingratidão, da covardia e da cegueira dos Apóstolos, durante a Paixão, não devem ter, para  nós, interesse meramente especulativo. Também nós temos, para com Nosso Senhor, ingratidões, covardias e cegueiras muito parecidas com as dos Apóstolos, e seria ridículo pensar apenas nos  defeitos deles, sem tomarmos também em consideração a “trave que está em nosso próprio olho”. Ninguém se santifica pela meditação sobre as virtudes ou defeitos alheios, se não o fizer de modo   a acrescer suas próprias virtudes, ou combater seus próprios defeitos.

Assim, pois, olhos postos na Paixão de Nosso Senhor, não devemos por isto nos esquecer de nós mesmos, pois que Nosso Senhor nos pede, não tanto que choremos com Nossa Senhora os  padecimentos do Cordeiro de Deus, mas que cuidemos de não transformar nossa própria alma em uma segunda edição dos que O imolaram. Essa reflexão, absolutamente verdadeira no que diz respeito às suaves tristezas da Semana Santa, também se aplica, ponto por ponto, às austeras alegrias da Ressurreição.

Tanta gente se admira e se indigna com a perturbação cheia de abatimento, e a vacilação de espírito manifestada depois da morte de Nosso Senhor, pelos Apóstolos, a propósito da Ressurreição. O  Redentor tinha predito de modo positivo que ressurgiria dos mortos.

Entretanto, tendo Ele expirado na cruz, os Apóstolos se deixaram dominar por um abatimento que fazia transparecer claramente toda a vacilação que lhes ia na alma. E São Tomé quis tocar com os dedos o Salvador, para crer na objetividade da Ressurreição.

Ora, a realidade é que também nós estamos sujeitos à mesma fraqueza e não raramente ela vence em nós, contando com nosso próprio consentimento. Certamente, todos nós cremos, graças a  Deus, com toda a firmeza e sem a menor vacilação, na objetividade da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas há uma outra verdade, que sem dúvida admitimos, mas que admitimos às  vezes com tanto temor, que lhe damos um  sentido quase puramente especulativo e tão restrito, que nos tornamos perfeitamente merecedores da censura do Espírito Santo: “Estão diminuídas as  verdades entre os filhos dos homens”. Não se trata de uma verdade posta em dúvida, mas sobre a qual temos, em nosso espírito, uma noção diminuída. Entretanto, quantos e quantos erros daí  decorrem!

Essa verdade que Nosso Senhor afirmou de modo insofismável, e a respeito da qual sua palavra não é menos infalível do que quando predisse sua ressurreição, é a fecundidade sobrenatural da  Santa Igreja Católica Apostólica Romana, que permanecerá de pé, sobranceira em relação às investidas de todos os seus inimigos, até a consumação dos séculos, sempre capaz de atrair pela graça   os homens de boa vontade.

Todos os católicos, evidentemente, estão obrigados a crer nessa verdade. A Igreja jamais perderá esse dom de atrair as almas. Negá-lo implica em negar que Jesus Cristo é Deus, ou que os  Evangelhos são livros inspirados. Negá-lo é, pois, negar a própria Religião. Mas essa verdade, que todos aceitam, todos a possuem em igual extensão? Todos vêem com igual clareza? Todos tiram dela as mesmas conclusões?

Nos dias torvos que atravessamos, quando vemos a heresia se dilatar por toda a Europa, e ameaçar o mundo inteiro, quanta gente há que julga a Igreja tão ameaçada, que se sente inclinada a  concessões doutrinárias perante os atuais dominadores do mundo? Hoje em dia, a paganização geral dos costumes penetrou em todas as esferas da sociedade, e cavou um abismo que se vai tornando cada vez mais profundo, entre o espírito da Igreja e o espírito da época. À vista disto, quanta gente aconselha concessões morais capazes de a reconciliar com esta sociedade sem cujo  apoio se receia, no mundo, que ela venha a sofrer um colapso que, se não fosse a morte, seria ao menos um prolongado desmaio? À vista da formação de correntes pseudo-científicas cada vez mais  contrárias aos ensinamentos infalíveis da Igreja, quanta gente desejaria que a Igreja, se não alterasse as verdades já definidas, ao menos não explicitasse sua doutrina em pontos ainda controversíveis, em que qualquer definição por parte do Catolicismo poderia tornar as divergências com a nossa época ainda maiores?

Evidentemente, todos estes erros procedem de um temor mais ou menos inconsciente quanto à fecundidade da Igreja.

De fato, o que é a doutrina católica? É um conjunto de verdades. Desde que, nesse conjunto, uma só verdade fosse adulterada, a doutrina católica já não seria ela mesma. Assim, tentar acomodá-la, adaptá-la, ajeitá-la, é trabalhar para que ela perca sua identidade consigo mesma: em outros termos, é tentar matá-la. E achar que o apostolado não é possível sem essa adaptação é achar que a  Igreja só pode vencer morrendo!

Evidentemente, essa vacilação, em um verdadeiro católico, não se pode referir a certas verdades já irretorquivelmente definidas pela Igreja. Mas há um sem número de aplicações práticas de  princípios, ou de deduções doutrinárias a respeito de princípios já definidos, em que essa fraqueza se manifesta. Em lugar de se procurar, na utilização doutrinária ou prática dos princípios, a  verdade, toda a verdade, e só a verdade, as reflexões feitas a este respeito se deixam imbuir mais ou menos pela preocupação de condescender com os erros do século. E, assim, em vez de procurar  tirar do tesouro das verdades católicas todos os frutos de ordem intelectual e moral que contêm, procura-se saber mais o que pode ser rotulado como discutível, e portanto como matéria livre, do  que o que pode ser rotulado como verdadeiro, e portanto como matéria certa.

Em outros termos, a mania invariável de condescender leva muita gente a procurar dilatar os espaços intelectuais reservados à dúvida. Em presença de uma afirmação deduzida da doutrina  católica, a pergunta deveria ser esta: posso incorporar mais esta riqueza ao patrimônio de minhas convicções? Mas, em geral é esta outra: que razões posso descobrir, para duvidar também disto?

Pio XI, recebendo em audiência o Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo de Cuiabá, lhe deu como palavra de ordem para os jornalistas católicos do Brasil: “Dilatate spatia veritatis”. [Dilatai os espaços da  verdade.] Muita gente gosta de fazer o contrário: em lugar de se esforçar por descobrir novas verdades doutrinárias deduzidas das já conhecidas, ou de estender o mais possível a aplicação dessas  verdades na prática, todo seu esforço vai em negar o mais possível qualquer coisa de positivo que se faça neste caminho. Em suma, isto é exatamente o oposto do verdadeiro espírito construtivo, é  dilatar espaços, não da verdade, mas da dúvida.

Se a Revelação é um tesouro, e a difusão do Evangelho um bem, quanto mais esse tesouro se espalha e esse bem se distribui, tanto mais contentes devemos ficar. Muita gente, entretanto, acha que  é o contrário.

Quanto mais se ocultam os desdobramentos lógicos da Revelação e se encurtam as conseqüências do que está no Evangelho, tanto mais caridoso se é! Como Deus teria sido caridoso, se tivesse   imposto uma moral menos severa! Por que não previu Ele que no século XX, essa moral seria um trambolho indifusível? Corrijamos a obra de Deus: encurtemos o que na sua obra está por demais  longo, empanemos a luz do que brilha demais, e assim teremos beneficiado largamente a humanidade. Quanta gente, na prática, raciocina assim!

Ora, proceder assim não reflete o receio de que a Igreja já não conte com o apoio de Deus, e, se não se baratear, já não possa arrastar as turbas? E essa dúvida  sobre o auxílio sobrenatural que  Deus dá à Igreja, não se parece muito com a dúvida que, antes da Ressurreição, se sentiu a respeito deste fato? Reflitamos nisto. E peçamos a Nosso Senhor que, fazendo ressuscitar em nós os  tesouros das graças que rejeitamos, voltemos novamente àquela ortodoxia virginal da Fé, e àquela perfeição de vida, que talvez o pecado, por nossa máxima culpa, nos tenha roubado.

Plinio Corrêa de Oliveira (Publicado no “Legionário”, nº 448, 13/4/1941)