Olhar de fogo, grandeza e seriedade

São Bernardino de Siena foi quem popularizou a devoção ao Santíssimo Nome de Jesus. Não foi tanto um homem de estudos quanto um pregador, que reunia em torno de si multidões imensas, em praças muito grandes. Quando ele falava, a multidão ia se deslocando conforme o vento, para ouvir suas palavras. Notem seu rosto sério, do homem que se sente revestido de uma missão divina, chamado a dizer verdades duríssimas aos seus contemporâneos, e que as disse de fato.

Ele está cumprindo sua missão; e as brasas estarão acumuladas sobre a cabeça de quem não o ouvir. É uma alma povoada de ideias, de convicções a respeito da transcendência e da perfeição infinita de Deus, e do alto destino eterno.

Vejam como tudo está bem apanhado neste olhar de fogo. Não há clima para conversar com ele sobre bagatelas. Quanta grandeza e seriedade!

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 1965)

QUANDO VIRGINDADE E GRANDEZA RÉGIA SE OSCULAM

Não há louvores que não se possam fazer à virgindade.

Ela é o auge da dedicação em relação a Deus, porque o homem inteiramente casto renuncia às comodidades e aos legítimos  atrativos e aspirações da vida de família para servir um ideal superior. Um ideal que não lhe dá prêmios na terra, mas oferece recompensas no Céu. Trata-se, é claro, de um ideal católico, pois nenhum outro pode ser considerado autêntico e verdadeiro, quando desprovido do sentimento católico.

A virgindade é, então, o ápice da dedicação. É, outrossim, uma forma de grandeza. Mais ainda, é a grandeza por excelência. Consideremos um rei santo. São Luís IX era um soberano puríssimo que tinha, entre outras missões, a de perpetuar a dinastia da França. Casou-se, teve filhos, e guardou plenamente a fidelidade conjugal. É maravilhoso.

Contudo, quando ouvimos falar do Infante Dom Sebastião de Portugal — o rei casto, puro, virginal, imolado numa batalha contra os mouros nos vastos campos de Alcácer-Quibir — sentimos exalar-se um conjunto de idéias e grandezas, que adquire seu maior fulgor no fato de Dom Sebastião ser virginalmente casto.

Resplandece nele aquela auréola da castidade perfeita, não a respeitável castidade do matrimônio, mas a da inteira abstenção de qualquer contato carnal. Um varão régio e virginal, numa couraça lisa e rutilante, brilhando sob o sol da África, com uma lança na mão e uma coroa de Rei Fidelíssimo na fronte.

O trono da França era mais elevado que o de Portugal. São Luís foi um santo autêntico, canonizado pela Igreja. Esta não canonizou o Rei Dom Sebastião, e talvez houvesse certa temeridade em suas ousadias guerreiras, razão para não inscrevê-lo no rol dos Santos.

Não obstante, sua figura é cercada de uma auréola, de uma poesia, de um perfume típico de grandeza que nem o grande São Luís, nem o grande São Fernando de Castela tiveram. Nem o próprio Carlos Magno possuiu. É a aliança entre a majestade régia e a castidade perfeita, entre a virgindade e a coroa.

Nossa Senhora, a morte dos crimes

Certas pessoas podem ter a ideia de que as evoluções do mundo extinguirão os crimes. Verdadeiramente, a morte dos crimes já veio ao mundo com o nascimento de Nossa Senhora. Ela, segundo um lindo cântico gregoriano, é a “Mors críminum”, a “Morte dos crimes”.

Por sua influência, mediação, oração e comunicação de graças, Maria Santíssima mata os crimes, extirpa os pecados e elimina o mal da Terra, triunfando permanentemente sobre ele.

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 18/8/1965)

Anjos proféticos

Há certamente um Anjo da Guarda específico para cada vocação. Assim como houve espíritos angélicos agindo na criação do canto gregoriano, devem existir Anjos que estimulam dotes naturais em quem possui uma vocação profética.

Muitas vezes a linguagem da Escritura, da Igreja, da Liturgia se dirige a Deus pedindo a Ele alguma coisa diretamente. Outras vezes nós rogamos a Deus, mas considerado Nosso Senhor Jesus Cristo, quer dizer, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada. Às vezes nós pedimos por meio dos Santos, dos Anjos e principalmente de Nossa Senhora.

Cadeia de intermediações até Deus

Esses pedidos são feitos tomando em consideração que Deus age, em um imenso número de casos – se não sempre – por intermediários.

Quando analisamos mais detidamente, vemos que esses intercessores estão colocados, eles mesmos, numa linha de intermediação. De maneira que, por exemplo, nós rezamos para os Anjos da Guarda, mas estes, de fato, atuam sob a direção de outros Anjos mais altos.

A cadeia de intermediações até Deus é tão intensa que não podemos escolher de modo totalmente lógico este ou aquele intercessor, porque o número é grande demais para termos tudo isso em vista. Então nós agimos de acordo com certas apetências internas da alma que eu creio serem, na maior parte dos casos, moções da graça. Assim, por exemplo, dirigimo-nos ao nosso padroeiro, ou a um Santo que praticou especialmente uma virtude que nos é penoso exercer, ou, pelo contrário, um Santo que teve particular facilidade em praticar certa virtude; nós admiramos isso e pedimos a ele, ou recorremos ao nosso Anjo da Guarda, ou ainda a alguma pessoa falecida de nossa família, em cuja virtude confiamos.

É um tal quadro que, apenas por essas moções interiores, a pessoa pode de fato escolher um procedimento próximo daquilo que Deus quer.

Não se trata aqui de não fazer a vontade do Criador. Porque se Ele quer que nós tateemos na penumbra; procedendo assim estaremos fazendo sua divina vontade. Portanto, o problema de quem tateia na penumbra não é saber como tatear, de cada vez, como Deus deseja, mas é, sobretudo, este: “Uma vez que a Providência quer que eu tateie, resigno-me em tatear. Embora eu possa não tatear direito, estarei fazendo o que Deus quer até quando eu erre, porque Ele me pôs na penumbra”.

Por isso, devemos agir com o espírito livre e confiante, segundo a propulsão que tenhamos internamente, pedindo ora uma coisa, ora outra, desde que tudo esteja na direção de fazer a vontade d’Ele, que é condição de todo bem.

Ter a maior liberdade possível dentro da linha dos Mandamentos

Assim, quando um religioso roga algo por meio de seu Superior, ou do Anjo da Guarda, ou de Nossa Senhora, sou propenso a acreditar que se move toda uma engrenagem sobrenatural, se é que se pode usar uma palavra tão vulgar como “engrenagem”, para designar uma realidade tão magnífica como é a interligação de todos os servidores de Deus, até chegar aos pés do trono d’Ele.

Eu compreenderia uma oração assim: “Ó vós que eu não conheço, no Céu, mas por meio de quem Deus quer ser especialmente servido nesta ocasião, eu vos peço que…” Seja Anjo, seja Santo canonizado, seja uma alma santa que está no Paraíso.

Ou então, se Deus quiser a especial intercessão de uma pessoa que eu não conheço, posso pedir ao meu Anjo da Guarda que, por meio do Anjo da Guarda dela, leve-a a rezar por mim. Com toda a abertura, com todo o espírito filial devo caminhar assim.

Sou muito propenso, em matéria de vida espiritual, a que se tenha a maior liberdade possível dentro da linha dos Mandamentos, naturalmente. Quer dizer, naquilo que não contrarie a Deus, muita abertura.

Santa Teresinha do Menino Jesus usava esta expressão: “Dis au juste que tout est bien!” – “Diga ao justo que tudo está bem!” Ou seja, se está seguindo a boa regra, viva sossegado, não se atrapalhe nem se incomode.

Eu seria propenso a achar que Deus habitualmente – e talvez sempre – não age diretamente. E quando rezamos diretamente ao Criador, a nossa oração deve passar pelos caminhos das intermediações para chegar até Ele. Então pedimos a Deus porque sabemos ser o Doador de todos os bens, mas o correto seria nós supormos que todas as graças passam por um número incontável de intermediários, que nem sabemos bem como e quem são.

Cada vocação tem seu Anjo da Guarda, e às vezes é um Serafim

Para termos uma ideia, consideremos o seguinte: cada um de nós, para chegar até Adão, quantos antepassados tem? São incontáveis!

Porém, se não conhecemos a lista dos nossos antepassados até Adão, os nossos ancestrais que estejam no Céu, muito provavelmente, têm conhecimento de todos os seus descendentes. Quantos dos nossos antepassados estarão no Céu? Quantos se encontrarão no Purgatório? Quantos não estarão nem no Céu nem no Purgatório…? Não podemos saber. Entretanto, os que se salvaram não rezam de modo especial por todos os seus descendentes? Eu acho que sim.

Ora, na linha dessa descendência, alguns têm mais realce e outros menos nos planos divinos. Naturalmente, os ancestrais amarão mais aqueles com maior importância nos desígnios de Deus e, portanto, rezarão especialmente por esses.

Não seria uma coisa muito razoável fazer uma oração especial para pedir aos nossos antepassados que rezem por nós? A mim me parece muitíssimo razoável, assim como rezar para que saiam do Purgatório os que lá estiverem, à maneira de um dever anexo à obrigação de honrar pai e mãe.

E o que dizer do recurso aos Anjos?

Todos nós temos nossos Anjos da Guarda. Há certamente um Anjo da Guarda específico para cada vocação. Não me espanta que sejam espíritos da categoria de um Arcanjo e até de um Serafim, conforme as condições especiais de cada vocação. Pois bem, não seria razoável rezarmos ao Serafim que, aos pés de Nossa Senhora, está mais especialmente rogando por nós, e pedir que ele e toda a coorte dos espíritos angélicos dependentes dele rezem continuamente por nós para realizarmos a nossa vocação? A meu ver, nesse abandono em que nos encontramos, se não recorrermos aos espíritos celestes, privamos a nossa luta de elementos de defesa incomparáveis.

O cantochão e o polifônico

Que relação isso tem com o profetismo? No espírito dos que possuem uma missão profética, até que ponto os Anjos inspiram aquilo que eles devem pensar? Qual é o papel do Anjo e qual o do Profeta na execução de uma determinada missão terrena?

Tomem o cantochão. Não houve um “Cristóvão Colombo” do cantochão, que tenha descoberto essa “América” do mundo sonoro… Existiram, sem dúvida, grandes compositores, muitos deles anônimos. Embora provavelmente em sua grande maioria eles não tenham sido canonizados, o surto do cantochão corresponde a um movimento de santidade dentro da Igreja.

Apesar de não se confundir com a santidade, esse movimento constitui uma certa forma de virtude, que pode estar no conjunto das virtudes de um santo e fazer um bem enorme. O bem que o cantochão tem feito, não há palavras para exprimi-lo! Mas, por um desígnio qualquer da Providência, talvez os maiores homens desse estilo de música tenham ficado no anonimato.

Então, alguém dirá: “Tal Santo não sabia cantochão, enquanto tal outro era ‘o rei do cantochão’. Algum dos dois não foi santo?”

Não. São formas de virtudes especiais. Como, por exemplo, um é grande filósofo, outro um excelente artista, etc. São dons naturais que Deus fez iluminar pela graça. Nesses casos, a santidade consistia também em fazer valer aquele dom, natural e sobrenatural, recebido de Deus. Se não fizessem valer isso, não seriam santos. Mas não quer dizer que todos os santos deveriam ter tido esse dom.

Parece que no surto que levou ao canto gregoriano entrou uma ação angélica. Porque há nisso uma forma qualquer de beleza superior à cogitação humana.

Essa ação angélica se fez sentir enquanto Anjos atuando sobre homens provavelmente com talentos afins. E da conjugação do talento afim com a ação do Anjo saiu uma beleza que o talento, só por si, nunca daria. De maneira que ao ouvirmos certas músicas do cantochão – a meu ver, também do polifônico – dizemos: “Não é possível; isto um homem não compôs!” Entrou ação angélica.

Então, assim como podemos imaginar Anjos das melodias celestes e terrenas, não poderíamos conjeturar Anjos que agem estimulando dotes naturais, reflexões em quem tem uma vocação profética? Anjos, eles mesmos, tendo por natureza e por graça muita coisa de profético, e que seriam Anjos proféticos, patronos daqueles que devem exercer uma missão profética? Compraz-me muito essa hipótese.

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 4/10/1986)

 

Firmeza do guerreiro católico

Vemos aqui São Felipe Néri já idoso, com a barba inteiramente branca e o semblante de um homem que lutou muito, e ainda está no combate. E que está olhando atento e desconfiado para um adversário invisível para nós, mas que ele divisava ao longe.

Dir-se-ia que o Santo estava percebendo formar-se uma trama a certa distância dele, e que pensava na argumentação a ser dada e na rasteira a passar em quem avançava contra ele.

O caráter de luta, a meu ver, está não tanto no olhar, que dá muito a ideia de vigilância e de pugnacidade, mas no formato contorcido das sobrancelhas. Dir-se-ia que de tanto franzir as  sobrancelhas elas ficaram com essa forma singular. Como um guerreiro carrega as características da guerra, assim também as sobrancelhas dele carregavam o traçado de profundas preocupações.

Mas, se o olhar é vigilante, toda a atitude do rosto é plácida: é a firmeza do guerreiro católico que tem coragem.

O Rosário, caminho para a vitória!

Para bem compreender o valor da devoção ao Santo Rosário, analisemo-lo com maior profundidade. Após ser entregue diretamente por Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão, a devoção ao Rosário se estendeu rapidamente por toda Igreja, ultrapassando os limites da Ordem Dominicana e ornando-se o distintivo de muitas outras ordens que passaram a portá-lo pendente à cintura.

Tempo houve em que todo católico o trazia habitualmente consigo, não apenas como objeto de contar Ave-Marias, mas como instrumento que atraía as bênçãos de Deus. O Rosário era  considerado uma corrente que liga o fiel a Nossa Senhora, uma  arma que afugenta o demônio.

Esplêndida conjunção da oração vocal com a mental

O que vem a ser o Rosário? Em síntese, o Rosário é uma composição de meditações da vida de Nosso Senhor e de sua Mãe, somada a orações vocais. Tal conjunção — da oração vocal com a mental — é verdadeiramente esplêndida, pois, enquanto se profere com os lábios uma súplica, o espírito se concentra num ponto. Assim o homem faz na ordem sobrenatural tudo quanto pode. Porque  através de suas intenções, se une àquilo que seus lábios pronuncia m, e por sua mente se entrega àquilo que seu espírito medita.

Por esta forma de oração o homem une-se intimamente a Deus, sobretudo porque esta ligação se dá através de Maria, Medianeira de todas as graças.

Alguém poderia perguntar: “Qual o sentido de rezar vocalmente a Nossa Senhora enquanto se edita em outra coisa? Não podia ser algo mais simples? Não seria mais fácil meditar antes, e depois rezar dez Ave Marias?”

A resposta é muito simples. Cada mistério contém, nos seus pormenores, elevações sem fim, as quais nosso pobre espírito está procurando sondar… Ora, para fazê-lo com toda a perfeição, precisamos ser auxiliados pela graça de Deus, e tal graça nos é dada pelo auxílio de Nossa Senhora. Ou seja, pronuncia-se a Ave-Maria para pedir que a Virgem Santíssima nos obtenha as graças para bem meditar.

Obra-prima da espiritualidade católica

No Rosário encontramos pequenos, mas preciosos tesouros teológicos que o tornam uma obra-prima da espiritualidade e da Doutrina Católica. Esta devoção contém enorme força e substância; ela não é apenas feita de emoções; pelo contrário, é séria, cheia de pensamento, com razões firmes. Ela constitui a vida espiritual do varão católico como um sólido e esplendoroso edifício de conclusões e certezas.

Além disso, a meditação de cada mistério da vida de Nosso Senhor proporciona ao fiel receber graças próprias ao fato que está contemplando.

Ao analisarmos as incontáveis graças que Maria Santíssima vem distribuindo por meio da recitação do Santo Rosário, vemos nele algo que o torna superior a outros atos de piedade mariana. Ora, qual é a razão disto?

Antes de mais nada, vale salientar que Nossa Senhora, sendo excelsa Rainha, tem o direito de estabelecer suas preferências! E Ela quis elevar esta devoção além das outras, distribuindo graças especialíssimas através da recitação do Santo Rosário.

Batalha de Lepanto

Entre as diversas graças insignes alcançadas pela recitação do Rosário está a vitória obtida pela Cristandade na Batalha de Lepanto.

São Pio V, então Pontífice, encontrava-se aflito diante da ameaça otomana que cercava a Europa cristã. Ordenou, então, que toda a Cristandade rezasse o Rosário a fim de suplicar a intervenção de Nossa Senhora.

Antes da terrível batalha ocorrida no Golfo de Lepanto, a sete de outubro de 1571, entre as hostes cristãs e muçulmanas, os soldados católicos rezavam o Rosário com grande devoção.

Segundo testemunharam os próprios adversários, a Santíssima Virgem apareceu-lhes durante a batalha, infundindo-lhes grande pavor.

Para comemorar a grande vitória obtida neste dia, o Santo Padre instituiu a festa de Nossa Senhora do Rosário, a qual, no século  XVIII, foi estendida a toda a Igreja Católica por determinação do Papa Clemente XI.

Uma vez que por meio do Santo Rosário a Cristandade tem obtido tão grandes vitórias, não temos razão suficiente para esperar, por meio da recitação desta oração, a vitória em todas as lutas travadas ao longo de nossa existência?

Resolução de rezar sempre o rosário.

Um fato ocorrido na vida de Santo Afonso Maria de Ligório mostra-nos que, sobretudo, numa grande luta o Rosário é penhor de vitória. O santo era conduzido em cadeira de rodas, por um irmão de hábito, através dos corredores do convento, quando perguntou se já haviam rezado todo o Rosário. O companheiro lhe respondeu:

Não me lembro.

Rezemos, então. Disse o santo.

Mas o senhor está cansado! Que mal há um só dia deixar de rezar o Rosário?

Temo por minha salvação eterna se o deixasse de rezar por um só dia.

 É justamente isso que devemos pensar e sentir: o Rosário é a grande garantia de nossa perseverança final. Devemos pedir à Santíssima Virgem a graça de rezar o Rosário todos os dias de nossa vida.

Gostaria ainda de dar uma recomendação para os membros de nosso Movimento: nunca deixarem o Rosário, de modo que, mesmo dormindo, procurem ter o Rosário à mão, de maneira tal que o sintam consigo. E, se tiverem receio de que ele caia — devemos tratá-lo com toda a reverência —, pendurem-no ao pescoço, ou o coloquem no bolso.

“Eu quisera ressuscitar com o Rosário em minhas mãos”

Quando as nossas mãos não puderem mais abrir-se nem fechar-se, e forem movimentadas por outros que nos assistam, tenhamos, como última atitude de oração, o Rosário enleado em nossos dedos, de maneira que, quando chegar a Ressurreição dos mortos e de dentro do caixão nosso corpo retomar a vida, entre seus dedos vivificados esteja o Santo Rosário. Quisera eu que, no momento em que todos os justos forem convocados à Ressurreição, meu primeiro ósculo fosse no Rosário que eu encontrasse em minhas mãos.

Eis um conselho para depois da Ressurreição — nunca ouvi dizer que se desse conselhos, ou se fizesse alguma combinação para essa hora, mas proponho uma combinação: Quando todos ressuscitarmos, entre os resplendores da Ressurreição, lembremo-nos: “Estava combinado!”, e então osculemos o Rosário! Assim este Movimento, que é de Nossa Senhora, ressuscitará tendo nas mãos seu Santo Rosário!

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferências de 7/10/1964 e 10/3/1984)

 

 

 

 

A rainha dor e a irmã alegria

Nas décadas de 20 e 30, eu percebia que havia duas linhas na Moral. Uma afirmava, no fundo, o seguinte: todo sofrimento é um mal, e tudo que se faz para eliminar a dor é um bem. Portanto, a virtude é uma batalha contínua contra toda espécie de sofrimentos.

Outra linha dizia: toda regra posta por Deus é um bem, e tudo quanto é violação dessa regra é um mal. A virtude é a observância da Lei de Deus custe o que custar, tanto no impulso e na alegria da alma, como na dificuldade, na luta, na batalha. O que é mais belo: o homem virtuoso que, tomado por uma espécie de ventania onde sopra o que há de mais nobre nele, voa sem obstáculos interiores para a prática da virtude; ou o homem que, pelo contrário, sentindo as hienas e as cobras da oposição à Lei de Deus, freia, pisa e diz: “Eu cumprirei a lei divina!”? Ambas as coisas têm o apoio da Igreja.

Mas não é aprovado pela Moral católica o pensamento de que todo bem consiste em evitar o sofrimento.

Há ocasiões jubilosas da vida. Ocasiões em que a alma inteira voa para a virtude. Há ocasiões difíceis, em que o homem inteiro parece fugir da virtude e tem que se segurar a si mesmo pelo pescoço e dizer: “É assim! Custe o que custar e não tem conversa. Tem que ser assim!” E há uma conjugação harmoniosa de ambas as coisas, segundo os desígnios de Deus para cada alma. Às vezes, Deus envia o sofrimento do modo mais inesperado possível.

Quando, nas ocasiões mais inesperadas, a dor bate à nossa porta, como devemos fazer? Ir solícitos de encontro a ela! Recebê-la como uma rainha, abrir largas as portas para ela e colocá-la num trono. Para quem tem Fé, ela não se chama “dor”, mas sim a “Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

Em sentido oposto, se a alegria irrompe, também devemos abrir-lhe as portas. Mas se recebemos a dor como rainha, a alegria deve ser recebida como uma irmã: de maneira amável, agradável, prazenteira, dando graças a Nossa Senhora por receber a visita dessa irmã.

Recebe-se a dor com coragem, e a alegria com este receio: Qual será minha atitude quando esta minha irmã me disser “adeus!”, desaparecer, e eu perceber, de repente, que houve uma mudança, e a dor está no lugar dela?

A dor é ciumenta. Ela quer que eu pense nela até no momento de receber a visita da alegria.

Não sei se a linguagem está muito metafórica, mas é assim: na hora da alegria eu tenho que me preparar para não fechar a porta para a dor. Na hora da dor eu não preciso me preparar para não fechar a porta para a alegria. A alegria eu sempre receberei bem. Eu não tenho que me preocupar. A questão é receber a dor .

(Extraído de conferência de 26/2/1983)

Meu filho, aprenda a sofrer!

O sofrimento, tão comum e tão evitado por todos os homens… Com a acuidade que lhe é própria, Dr. Plinio mostra como sofrer representa uma glória para o verdadeiro católico.

 

A dor é algo que não pode ser extinto da vida do homem. Para cada indivíduo ela se apresenta de uma maneira especial. Porém, há alguns sofrimentos que são comuns para todos: fazer os sacrifícios necessários para não pecar; não se limitar a evitar o pecado, mas crescer cada vez mais na virtude; salvar sua alma e também as almas dos outros.

Sobretudo para quem possui uma vocação especial como a nossa, a Providência tem a intenção de que salvemos certo número de almas. O esforço comum da organização à qual pertencemos deve visar salvar um número quase incontável delas, porque os males que há na civilização contemporânea são enormes, e muitas pessoas se perdem.

Assim, é preciso que nos ergamos contra a iniquidade praticada e lhe digamos como São João Batista: “Não te é permitido!”

É difícil calcular o número de pessoas que poderiam salvar-se caso tivéssemos a alma plena dessa convicção. Pois bem, nesse esforço comum cada um deve dar tudo o que recebeu da Providência para produzir o rendimento necessário. E isto significa carregar a cruz.

O ódio ao mal faz parte do amor a Deus

É preciso evitar o pecado, porém não apenas cumprindo este ou aquele Mandamento isoladamente; devemos, acima de tudo, amar a Deus sobre todas as coisas.

Ama-se a Deus desejando tudo aquilo que é conforme a Ele, e odiando tudo aquilo que se Lhe opõe. Por exemplo, considerando a Paixão, deve-se adorar Nosso Senhor Jesus Cristo na perfeição moral indizível, divina, que Ele manifestou ao sofrer tudo aquilo. E também encher-se de indignação contra os que O ofenderam.

Um indivíduo que fique com muita pena de Nosso Senhor, mas não se indigne contra quem praticou aquele mal, é um hipócrita e está mentindo. Porque se vejo uma pessoa praticar um crime e tenho muita pena da vítima, mas não tenho indignação contra o criminoso, estou querendo mentir a mim mesmo.

Até o rompimento com uma amizade má pode representar uma cruz

Por mais duro que seja, caso eu tenha uma amizade que me conduz ao pecado, devo romper com ela inteiramente. Neste caso, não posso fazer um rompimento leve, distanciando-me aos poucos. A ruptura precisa ser completa, porque, ou evito meticulosamente tudo quanto me leva para o mal, ou, no fundo, estou à procura do caminho da perdição.

E é um sofrimento a alma adquirir uma têmpera tão forte, que olha de frente cada dificuldade dessas e diz inexoravelmente “não” ao pecado! E realiza o sacrifício já, por inteiro e definitivamente.

Um sacrifício que se faz arrastando: Devo romper com tal amigo, mas não o faço hoje e deixo para a semana seguinte. Faço depois uma ruptura incompleta e dentro em breve encontro-me com ele num bar, num ônibus, e aquela relação péssima se refaz, e a tentação continua. Isto não vale nada. É preciso dizer que rompeu de vez; se não tem pretexto, é sem pretexto. Isso significa cruz, porque muitas vezes é dificílimo fazê-lo, mas devemos imitar nosso Divino Salvador que tomou a sua Cruz e foi para frente. Assim, preciso romper e não mais olhar para trás, de tal modo que nem me lembre mais daquilo; é um episódio de minha vida que se apagou.

Mas se eu lembrar um pouquinho, quando menos eu esperar, em casa de um parente que vou visitar ou em qualquer outra circunstância, lá está ele; e aquilo tudo renasce. Quer dizer, há certas coisas que devem ser extirpadas como um câncer: arranca-se de uma vez só, senão ele volta e todo o drama se reapresenta.

A gloriosa falange dos esquecidos por amor a Deus

Há outras coisas às quais se deve renunciar. A pessoa forma na vida tantos sonhos aos quais tem apego: gostaria de ser isto, aquilo, aquilo outro. Porém, aparece o jogo das circunstâncias na vida e a salvação eterna pede que ela não seja nada daquilo, mas tome outro caminho.

Por exemplo, um jovem imagina ser locutor de rádio porque nos círculos dele se considera isso uma maravilha. Ele já sonhou cem vezes falando no rádio e alcançando sucesso: o povo o espera para aplaudi-lo; quatro ou cinco pessoas disputam quem vai conduzi-lo de automóvel para casa; um outro grupo de indivíduos se oferece para levá-lo a uma confeitaria para comer coisas saborosas; todos querem falar com ele, julgando-o genial. Caso ele passe a fazer parte de algum movimento religioso e tenha de renunciar à carreira que almejava, certamente não vai obter o sucesso esperado anteriormente. Ele fará parte da gloriosa falange dos esquecidos. Neste caso ele, então, deve dizer: “Eu quero ser empurrado de lado, com Nosso Senhor Jesus Cristo. Aceito qualquer coisa, contanto que eu siga o Redentor.”

Combati o bom combate

Como isso é difícil! Em nossa vida, desde a infância até a ancianidade, quantas e quantas vezes circunstâncias análogas se apresentam, tendo como causa apenas o fato de sermos católicos, apostólicos, romanos, leais e fiéis, difundirmos aquilo que temos a vocação de difundir.

Assim, quando morrermos, poderemos dizer como São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia”.

Segundo uma lindíssima tradição, ou lenda, com o grande Apóstolo — que, a bem dizer, converteu toda a bacia do Mediterrâneo, da qual depois se irradiou para o mundo a Igreja Católica e a Civilização Cristã — aconteceu o seguinte: levaram-no para junto a um tronco de árvore para ser decapitado com um gládio; ele se ajoelhou, a espada bateu com todo o vigor e sua cabeça rolou longe, pulando três vezes no solo, e dali nasceram três fontes. Tais fontes mostram a santidade de São Paulo e a divindade da Igreja. Até depois de morto, sua cabeça abriu fontes de água viva. Para trilharmos o caminho da santidade é preciso ter muita resolução de sofrer.

Às vezes, a Providência dispõe que infortúnios de outra natureza caiam sobre nós: uma doença, uma calúnia, etc.

Nosso Senhor Jesus Cristo disse que não cai um pássaro de uma árvore, nem um fio de cabelo de nossa cabeça sem que Ele saiba e queira. Se eu fui atingido assim, Jesus quis; se Ele quis, eu quero, assumo esse sofrimento até o fim.

A quem Deus ama, permite o sofrimento

Isto supõe uma lógica, uma coerência a toda prova. Não basta entender ser necessário o sofrimento; devo efetivamente sofrer o que está no meu caminho. E sem ter surpresa, porque preciso estar preparado. Não devo ter a ideia: “Quem sabe se eu escapo com um jeitinho, e Deus não me peça o sofrimento!” Porque se Ele não me enviar a dor, é sinal de que não me ama.

É claro, pois a cruz é uma honra, um sinal de predileção, que Nosso Senhor dá para os seus prediletos. As almas a quem Ele não faz sofrer são aquelas que preferem seguir as vias cujo termo final é o inferno.

Deus, na sua justiça infinita, dispõe que o pecador seja mais feliz na Terra do que quem vive virtuosamente. Isso parece um absurdo: o Criador não deve amar mais aqueles que são virtuosos? Amando mais os virtuosos, não é natural que Ele lhes dê mais felicidade?

Não, por uma razão muito simples: os sofrimentos da alma após a morte são muito maiores do que os havidos durante a vida. Enquanto se está vivo, pode-se sofrer muito, mas isso não é comparável às chamas do purgatório! E uma alma pode ficar um tempo indefinido dentro do purgatório, queimando! E a queimadura da alma dói muito mais do que a do corpo! Não nos deixemos levar pelo seguinte sofisma: “O purgatório, em última análise, queima a alma, mas não o corpo, o que seria pior”. A alma nos é muito mais interna do que o corpo. De maneira que meu eu é muito mais atingido por um fogo que queima a alma do que por chamas que queimam o corpo.

É algo misterioso que a alma, sendo espírito, entretanto pode ser atingida pelo fogo e por isso sofrer terrivelmente. E para poupar os bons das chamas do purgatório — já não falo do terrível fogo do inferno —, a Providência manda-lhes sofrimentos muito grandes nesta Terra para punir os males que praticam: pecados veniais, às vezes mortais já perdoados. Quando morrem, Deus lhes abre os braços e eles vão para o Céu diretamente.

Deve causar-nos alívio a ideia de que nossos sofrimentos obtêm a expiação dos nossos defeitos e, ao mesmo tempo, nos abre diretamente a glória do Céu. Algumas almas morrem já na alegria do Paraíso, sorriem, têm visões sobre a felicidade eterna. É que tudo já foi sofrido, a dívida está paga, e elas entram no banquete eterno do Céu.

Também os inocentes são chamados ao sofrimento

Há pessoas especialmente amadas por Deus a quem Ele pede uma coisa especial. O Homem-Deus, sendo a própria inocência, sofreu para expiar os pecados do mundo. E a Ele se reza: “Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis — Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”. Deus, para salvar certas almas que estão se perdendo, a fim de obter certas vitórias para a sua Igreja, quer não apenas o sofrimento do pecador.

O Redentor bate à porta de certas almas, dizendo: “Meu filho, tua alma é inocente; Eu a preservei até agora do pecado, e tu correspondestes à minha graça. Como Eu te amo, meu filho, quero de ti esta pedra preciosa que é o sofrimento do inocente; quero de presente um grande rubi, teu sangue não do corpo, mas da alma. Aceitas isso, ó meu filho inocente?”

Às vezes é para ganhar uma só alma, mas a partir desta Deus quer salvar muitas outras. E a alma inocente, que não é mole — inocente e mole são coisas contraditórias; o mole não é inocente, e o inocente não é mole —, a alma rija aceita e diz: “Senhor, quero sofrer por Vós. Não tenho palavras para Vos agradecer a inocência com que me preservastes. Além de sofrer como inocente, peço-Vos padecer tudo quanto queirais, de maneira que, quando cerrar meus olhos, eu possa dizer: Sofri tudo quanto Deus queria de mim, o cálice das dores eu o bebi até o fim, não hesitei, e o fiz em goles grandes e generosos. Cumpri vossa vontade. No Céu Vós me direis qual é o bem que quisestes fazer por meu intermédio.”

Os sofrimentos de Santa Teresinha do Menino Jesus

Lembro-me de fatos da vida de santos que são verdadeiramente desconcertantes nesse sentido. Um exemplo: Santa Teresinha do Menino Jesus. Desde muito cedo a alma dela, inocentíssima, foi convidada pela graça para sofrer pelo amor de Deus. Ela entrou para o Carmelo de sua cidade, Lisieux, e tinha um desejo ardente de morrer o quanto antes pelo Redentor.

De fato, ela teve que sofrer bastante no Carmelo…

Num convento carmelita, lugar onde as freiras são inteiramente dependentes de sua superiora, Santa Teresinha teve uma que, em vez de dar o exemplo de todas as virtudes, deixava muito a desejar… Para se ter ideia das coisas que fazia a superiora, cito apenas um exemplo: ela possuía um gato, e a freira que quisesse obter uma licença, um ato de misericórdia da superiora, deveria tratar bem o gato dela.

Além disso, a superiora era muito mundana e vivia recebendo visitas da pequena sociedade de Lisieux. Estas pessoas vinham contar-lhe coisas como as seguintes: Fulana brigou com a amiga; uma outra ficou noiva; uma terceira rompeu o noivado… E a superiora se intrometia para resolver esses casos. À noite, ela reunia as freiras para narrar-lhes tais acontecidos.

Nesse ambiente, as freiras não compreenderam a santidade de Santa Teresinha, nem o esplendor de sua pessoa.

Ela era de uma bondade celestial para com todos, sobretudo para as noviças, das quais foi nomeada mestra. Durante todo o tempo de sua vida no convento, fecharam os olhos para a sua virtude, exceto uma noviça que certa vez ajoelhou-se diante dela e disse: “Irmã Teresa do Menino Jesus, eu vos peço: rezai por mim, porque um dia vós sereis uma grande santa e todo o mundo dirá: Santa Teresa do Menino Jesus, rogai por nós. E eu me antecipo e digo: Ó grande Santa Teresa do Menino de Jesus, rogai por mim”.

Certa noite, Santa Teresinha expeliu sangue pela boca; era o sinal da tuberculose, doença naquele tempo considerada gravíssima, com muito menos possibilidade de cura do que hoje.

Chegou o dia de sua morte. Há muito tempo, Santa Teresinha não podia mais se mover, e uma pessoa que estava em seu quarto viu-a, em certo momento, erguer seu tronco e, com ar transfigurado de alegria, ela disse “Ó meu Deus!” Era uma última consolação de Deus, que lhe poupava o último instante de dor. Em seguida, caiu morta e um perfume de violeta espalhou-se por todo o convento.

Ela praticara a humildade na perfeição, e a violeta é o símbolo dessa virtude. Até mesmo a superiora, que não gostava de Santa Teresinha, foi beijar os pés do cadáver; a alma dela já estava no Céu.

Isto é sofrer até o fim. E cada um de nós, em relação aos sofrimentos que nos estão destinados, deve, por meio de Maria Santíssima, pedir a Nosso Senhor Jesus Cristo a graça que o Divino Salvador implorou no Horto das Oliveiras: “Meu Deus, se for possível, sejam diminuídos esses sofrimentos, mas faça-se a vossa vontade e não a minha”.

Roguemos a Nossa Senhora a graça de padecermos tudo quanto for inevitável, e de sofrermos até o fim, com coragem e decisão. Se assim caminharmos com passo decidido e forte, entraremos no Céu onde os anjos e os santos nos receberão.

Nossa fidelidade pode estar sendo sustentada por uma vítima expiatória

Em certo momento de minha infância, já entrando na adolescência, o peso da fidelidade me foi tão grande que muitas vezes cambaleei, não no sentido de que hesitasse em sair do bom caminho, mas eu percebia que as minhas forças não eram suficientes. Porém, na hora “H” essas energias se espichavam e eu conseguia mais um pouquinho e ia para frente, e assim cheguei até os 81 anos.

É possível que esta fidelidade tenha sido conseguida por alguma alma que tenha resolvido sofrer muito por mim. Lembro-me de que, com frequência, eu via nas igrejas uma mulher baixinha, com um cabelo preto liso e não muito abundante, bem penteado, com uma risca ao meio. Era pobre, mas muito limpa, com uns trajes comuns de mulher do povo. Porém ela não tinha nariz, e usava um pano que dava toda a volta na cabeça para tapar a hediondez do buraco no meio da face.

Ela andava depressa, em geral carregando diversos pacotes e um guarda-chuva. Via-se que ela tomava muito cuidado com a chuva — no clima de São Paulo é compreensível. Estava sempre com a fisionomia alegre e atraía os olhos de todo o mundo que passava, porque para uma mulher sem nariz olha-se ainda que não se queira.

Eu muitas vezes pensava: “Quem sabe se essa mulher — e eu notava que ela passava perto de mim e me fixava — está oferecendo por mim essa humilhação de não ter nariz, e todos os incômodos daí decorrentes. Certamente no Céu eu lhe agradecerei muita coisa, pois — caso ele tenha de fato feito tal oferecimento — eu seria um pernibambo se não fosse ela”.

Ela me olhava, mas poderia adivinhar que daquele moço nasceria nosso Movimento? E se essa pobre mulher ofereceu seu sacrifício nesse sentido — ela era bem mais velha do que eu, e deve ter morrido —, podemos imaginar a glória dela no Céu, ouvindo-me falar isto?

Aquele que se dedica à salvação do próximo, sofrendo como deve, em certo momento receberá uma glória indizível, porque quem salva seu irmão, salva sua própria alma e brilhará no Céu como um sol por toda a eternidade. Por uma alma! O que dizer de nosso Movimento que ajuda a salvar tantas almas em tantos lugares e frear a Revolução, para que venha ao mundo o Reino de Maria!

 A glória do sofrimento

É claro que na vida de um católico nem tudo é sofrimento; existem momentos de alegria. Porém precisamos nos habituar à ideia de que em certas etapas da existência há sofrimentos, sofrimentos e mais sofrimentos. Saibamos carregá-los, pois a glória de alguém não consiste em ser grande homem, mas grande sofredor. Sendo grande sofredor, será grande batalhador. E se for grande batalhador vencerá para conquistar o Céu. É isso que cada um de nós deve fazer.

 

(Extraído de conferência de 7/4/1989)

 

 

 

A “Carta circular aos Amigos da Cruz” – VII Amoroso apelo de Jesus

Na seqüência de seus comentários ao opúsculo de São Luís Grignion de Montfort, Dr. Plinio nos coloca diante desta imperiosa questão: temos retribuído como devemos — isto é, pelo nosso empenho em perseverar na virtude — aos sofrimentos que o Divino Redentor e sua Mãe Santíssima padeceram por nós no caminho do Calvário?

 

Na exposição anterior sobre a “Carta circular aos Amigos da Cruz” consideramos o pensamento de São Luís Grignion acerca dos dois partidos que se enfrentam na história humana: o de Jesus, constituído pelos que se despojam das coisas terrenas para segui-Lo com sua Cruz,  e o do mundo, composto pelos homens que se deixam levar pelas vãs ilusões mundanas.

Pungentes palavras de Nosso Senhor a seus seguidores

Na seqüência, o santo autor assim escreve:

Lembrai-vos, meus caros confrades, que nosso Bom Jesus vos olha neste instante e diz a cada um de vós em particular: “Eis que quase todos me abandonaram no caminho real da Cruz. Os idólatras cegos zombam de minha Cruz como de uma loucura; os judeus obstinados se escandalizam com ela, como se fosse objeto de horror (1Cor 1, 23); os hereges quebram-na e a derrubam como coisa digna de desprezo. Mas, e isto só posso dizer com lágrimas nos olhos e com o coração transpassado de dor, os filhos que criei em meu seio e que instruí em minha escola, os meus membros que animei com meu espírito abandonaram-me e desprezaram, tornando-se inimigos de minha Cruz (Is 1, 2)! “Numquid et vos vultis abire” (Jo 6, 67)?

“Quereis vós também abandonar-me, fugindo de minha Cruz, como os mundanos, que nisto são outros tantos Anticristos: antichristi multi?” (1 Jo 2, 18) Quereis, enfim, conformar-vos ao século presente, desprezar a pobreza de minha Cruz para correr após as riquezas? Evitar a dor de minha Cruz para procurar os prazeres? Odiar as humilhações de minha Cruz para ambicionar as honras? Tenho, na aparência, muitos amigos que me fazem protestos de amor, mas no fundo me odeiam, pois não amam a minha Cruz; muitos amigos de minha mesa, e pouquíssimos de minha Cruz.”

A este apelo amoroso de Jesus elevemo-nos acima de nós mesmos; não nos deixemos seduzir pelos nossos sentidos, como Eva; não olhemos senão o autor e consumador de nossa fé, Jesus crucificado. Fujamos da concupiscência do mundo corrompido; amemos Jesus Cristo da melhor maneira, isto é, através de toda sorte de cruzes. Meditemos bem estas admiráveis palavras de nosso amável Mestre, que encerram toda a perfeição da vida cristã: “Si quis vult venire post me, abneget semetipsum et tollat crucem suam, et sequatur me!” [Se alguém quiser vir após Mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me] (Mt 16, 24).

Sendo fiéis, podemos diminuir as dores de Jesus na Paixão

O que vimos até aqui é, portanto, uma espécie de prêmio do estilo de vida de renúncias que Nosso Senhor Jesus Cristo traçou para seus fiéis seguidores. E essas palavras exortam e preparam a alma a receber bem um programa tão austero.

Façamos uma análise desse trecho.

Lembrai-vos, meus caros confrades, que nosso Bom Jesus vos olha  neste instante, e diz a cada um de vós em particular: “Eis que quase todos me abandonaram no caminho real da Cruz”.

Esta imagem tem um fundamento histórico, ou seja, Jesus Cristo, do alto do Céu, vê todas as almas e lamenta que tantas delas O tenham abandonado no caminho da Cruz. Além disso, possui um sentido mais profundo, que sempre devemos tomar em consideração, referente às disposições de Nosso Senhor durante a Paixão.

Sabemos que Ele sofreu na previsão do mal que faríamos. E, portanto, de um modo misterioso, mas muito real, podemos diminuir as dores d’Ele na Paixão, de acordo com o bom procedimento que tenhamos. Nosso Senhor, em vários momentos de sua Paixão, se não em todos, teve-nos em vista, considerando as alternativas de nossas almas em seguir o caminho da Cruz, em aceitar ou não os sofrimentos.

Ser-nos-ia possível fazer essa meditação tomando cada passo da Via Sacra. Por exemplo, quando o Redentor caiu três vezes sob o peso da Cruz, poderia ter pensado: “Plinio Corrêa de Oliveira aguentará as cruzes sob as quais deverá cair? Ó Pai Eterno, eu Vos peço por ele, para que tenha força e ânimo, a fim de carregá-las”. Nossa Senhora, acompanhando seu Divino Filho, teve presente Plinio Corrêa de Oliveira e cada um dos que estão aqui, na previdência que ambos tinham dos acontecimentos vindouros, e se perguntavam o que faríamos das cruzes com as quais nos visitariam: se bem as receberíamos ou se as abandonaríamos; que proveito tiraríamos da imensa quantidade de sangue derramado, de seus gemidos, prantos, dores e tudo o mais que estavam sofrendo.

Não é, portanto, despropositado fazermos esse raciocínio, cheio de compunção. Para compreendermos tudo quanto esse pensamento tem de pungente, devemos imaginar um pai que fez tudo por seu filho e, ao chegar o momento de receber uma retribuição, pergunta-se: como meu filho vai me recompensar? Corresponderá ao bem que lhe fiz? Ou, pelo contrário, pagar-me-á com uma injúria, uma blasfêmia, um abandono? Ou, então, com uma dessas friezas que naturalmente enregela a alma de um pai?  Essas são algumas considerações — todas elas válidas, e haveria outras — a fazer a propósito desse trecho de São Luís Grignion de Montfort.

A necessidade da graça para compreender essas verdades

A partir da fé essas perguntas são muito coerentes e lógicas. Cumpre dizer, entretanto, que quando temos cogitações como essas, sentimos a necessidade da graça. Porque sabemos que tudo isso é muito razoável, porém muitas vezes nada disso nos fala sensivelmente à alma. Se recebermos uma graça, podemos nos transformar ao calor de raciocínios assim, baseados na fé. Compreendemos, desse modo, como a graça divina é indispensável para avançarmos na vida espiritual.

Alguém poderia indagar: “Por que, então, o senhor perde tempo com esses comentários, se acha que sem a graça não é possível aproveitar isso?”

São feitos na esperança de que Nossa Senhora, em certo momento, faça-os frutificar, concedendo graças que me ajudem, e a cada um dos meus ouvintes, a corresponder a essas verdades. Deve-se agir assim: repetir, repetir, até o momento em que Ela tenha pena de nós e nos obtenha uma grande graça para mover nossas almas. O valor disso, portanto, é exatamente o da repetição, à maneira de um mendigo que, do lado de fora da porta, bate, bate, bate até ela lhe ser aberta. Ou daquele homem importuno, elogiado por Nosso Senhor no Evangelho: para conseguir pão, bateu tanto à porta da casa de seu vizinho que este pensou: “Ainda que seja só nesta ocasião, para acabar com o incômodo, vou abrir e dar-lhe o que pede”. Assim também devemos fazer.

A Cruz: razão mais profunda pela qual se abandona Nosso Senhor

É interessante notar que, por esse trecho, percebe-se ter tido São Luís Grignion uma concepção do agir humano inteiramente de acordo com os princípios que procuramos traçar em nosso livro “Revolução e Contra-Revolução”. Ou seja, para ele, assim como pensamos nós, a razão mais profunda pela qual as pessoas abandonam Nosso Senhor é a Cruz. O Redentor quer que os homens carreguem a Cruz, e muitos não a aceitam. Donde poderem ser classificados de acordo com a atitude que tomam em função do sofrimento. Então diz ele:

Os idólatras cegos zombam de minha Cruz como de uma loucura.

Os idólatras, isto é, os que vivem para os prazeres, vêem a cruz e a consideram uma loucura. O gênero de vida levado pelos católicos coerentes com sua religião é tido como uma demência pelos mundanos.

Os judeus obstinados se escandalizam com ela, como se fosse objeto de horror. Os hereges quebram-na e a derrubam como coisa digna de desprezo.

Ele se refere aos protestantes que, em sua época, estavam ainda, sob certo ponto de vista, no auge de suas iniciativas, e quebravam as cruzes ao longo dos caminhos da Europa inteira. Diziam que venerar a cruz é uma forma de idolatria.

Mas, e isto só posso dizer com lágrimas nos olhos e com o coração transpassado de dor, os filhos que criei em meu seio e que instruí em minha escola, os meus membros, que animei com meu espírito, abandonaram-me e desprezaram, tornando-se inimigos de minha Cruz!

Por “membros” entende-se aqui os integrantes do Corpo Místico de Cristo, ou seja, da Igreja. Muitos abandonaram e desprezaram a Cruz, e não quiseram seguir Nosso Senhor. Vemos, assim, como muitas apostasias que presenciamos ocorrem em função da Cruz. Quer dizer, muitos homens não querem o sofrimento, por isso abandonam o Divino Salvador. Se Ele somente oferecesse vantagens terrenas, muitos O seguiriam.

 

(Continua em próximo artigo. Extraído de conferência em 8/7/1967)

 

Um perpétuo mês de Maria

No mês de maio, mês de Maria, comentava Dr. Plinio, sente-se uma particular proteção de Nossa Senhora estender-se sobre todos os fiéis, uma alegria que brilha e ilumina nossos corações, exprimindo a certeza dos católicos de que o indispensável patrocínio de nossa Mãe celestial se torna, durante esse período, mais solícito, mais amoroso, mais cheio de visível misericórdia e exorável condescendência. 

Tais sentimentos nutriram a devoção de Dr. Plinio à Santíssima Virgem, desde os anos de sua infância quando, numa penosa conjuntura, viu-se pela primeira vez amparado pela clemência da Auxiliadora dos Cristãos. A Ela passou a recorrer constantemente e, de modo especial, durante o “mês de Maria”, celebrado no Colégio São Luís onde ele estudava, assim como em todas as paróquias. Já homem feito, recordaria com saudades aquelas fervorosas homenagens tributadas à Mãe de Deus:

“As igrejas ficavam repletas, tomadas pelos membros de associações religiosas consagradas a Nossa Senhora — Filhas de Maria, Congregados Marianos, etc. —, além da multidão de fiéis que, nas noites de maio, compareciam a ditas cerimônias. Em geral, o sacerdote puxava o Terço e outras orações, entremeadas de cânticos em louvor da Virgem. Em seguida, o padre, do alto do púlpito, dirigia algumas palavras à assembléia, exaltando as augustas virtudes de Maria e exortando os paroquianos a imitá-La.

“Na seqüência, o momento culminante da celebração com a Bênção do Santíssimo. O sacerdote, revestido de belos paramentos brancos, tomava em suas mãos o ostensório que esplendia raios dourados e, em movimentos solenes, meio envolto nas névoas perfumadas do incenso, traçava no ar o Sinal da Cruz para todos os lados da igreja. Logo depois, depositava o ostensório sobre o altar, recitava as orações prescritas para o encerramento da bênção e, terminadas, guardava novamente o Santíssimo Sacramento no tabernáculo. A cerimônia chegara ao fim. As associações religiosas se retiravam pela sacristia e cada um voltava para sua casa.

“A meu ver, porém, talvez um dos aspectos mais bonitos de tudo aquilo era essa post-cerimônia: o templo que se esvaziava, ecos de cântico religioso ainda ressoando no seu interior, resquícios de incenso flutuando no ar, o sacristão que ia apagando as várias luzes, balançando suas chaves, conferindo se ninguém esquecera algo sobre os bancos ou nos confessionários. Então só restavam ali as almas aflitas, as almas recolhidas diante desse ou daquele altar lateral: ora uma senhora muito idosa, vergada pelo peso das provações, ora um rapaz corpulento, saudável; um obeso senhor de meia idade, uma mãe de família igualmente madura, ou um menino — todos elevando uma premente súplica à Homenageada da noite.

“Afinal, o sacristão balançava com mais força o seu molho de chaves, e aquelas pessoas entendiam que era preciso sair. Lá fora, pelas ruas já despovoadas, podia-se acompanhar os últimos fiéis que se dispersavam: a senhora idosa com sua bolsa estreitada ao corpo, o homem obeso com ar sofrido, o rapaz alegre e esperançado, distanciando-se, como se fossem as derradeiras bênçãos daquela cerimônia que se dirigiam para os vários cantos da cidade. Atrás ficava a igreja, fechada, com sua torre voltada para o céu, sob as nuvens tocadas de luar, à espera da manhã seguinte em que abriria de novo suas portas.

“No dia 31 de maio dava-se o magnífico encerramento do mês de Maria, quando a imagem da Virgem, posta sobre um andor emoldurado de flores, era solenemente coroada. Enquanto um “anjinho” trazia numa almofada a coroa para colocá-la sobre a cabeça da imagem, o povo, genuflexo, acompanhava os cânticos entoados pelo coro, acentuados pelo timbre do órgão tocado à “toute volée”. Depois, conduzida por algumas pessoas, a imagem coroada percorria o recinto da igreja, seguida pelo celebrante revestido com paramentos de gala. Outras orações, outros cânticos, e tudo estava terminado.

“Todos se despediam de maio com imensas saudades. Gostariam que o ano inteiro fosse um perpétuo mês de Maria. E eu espero que, quando vier para o mundo aquela época luminosa e marial do triunfo do Imaculado Coração da Santíssima Virgem, prometida por Ela em Fátima, tenhamos nós esse imenso mês de Maria, em que todos os dias se preste homenagem a Nossa Senhora e cante-se sua glória como Rainha do Universo.”