Uma das inocentes alegrias que o Natal proporciona às almas provém das tocantes canções com as quais os diversos povos louvam e homenageiam o Divino Recém-nascido.
Ao longo dos séculos, cada nação da Cristandade, e notadamente as da Europa, compôs seus cânticos natalinos típicos, cujas letras e melodias se unem aos costumes e culinárias locais para conferirem mais luz e perfume à unção própria dessa grande festa católica.
Já tivemos ocasião de comentar o Stille Nacht, a canção de Natal universal, entoada no mundo inteiro, surgida no século XIX numa aldeia austríaca. Deu-lhe vida o povo alemão, o povo da bravura, da proeza militar, mas também dessa profunda delicadeza de espírito que o levou a imaginar o sentimento de ternura de quem se colocasse junto à manjedoura do Menino Jesus e contemplasse aquela criança fraquinha, com todas as debilidades físicas da infância e, entretanto, o próprio Deus.
Em qualquer canção natalina germânica encontra-se essa nota de compaixão humana, contemplativa e súplice, diante do que há de mais frágil e suave. Será, então, Maria Durch ein Dornwald ging, uma lenda cantada acerca de um bosque onde, por sete anos, apenas espinhos brotaram, sem flor e folhagem alguma.
Por essa rude floresta entra Nossa Senhora, trazendo ao braço seu Divino Rebento, e à medida que Eles caminham, os espinhos vão se transformando em rosas… Maria Santíssima, com sua candura e força virginais, traz o Menino bem protegido sobre o seu coração.
Ambos penetram num bosque de espinhos. Ora, como podem essa flor de delicadeza ímpar que é a Mãe de Deus, e esse tesouro da Terra que é o próprio Homem-Deus, exporem-se a natureza tão agreste e hostil? Não é possível concebê-lo. Então, enquanto andam, os espinhos viram rosas de agradável fragrância. Nossa Senhora compreende: foi uma amabilidade de seu Filho para com Ela! Jesus dorme junto ao seu coração, mas continua a governar a natureza. Ternura, enlevo, extremo respeito. Voltemos nossos olhos para a Espanha e seus célebres “villancicos de Navidad”.
À semelhança do povo alemão, o espanhol é feito para o heroísmo de uma autenticidade e arrojo inegáveis. Encara a coragem como lance individual, atira-se na peleja sozinho, como o toureiro diante do touro, “banderilla” na mão, disposto a todas as façanhas.
Entre as inúmeras dádivas que Deus concedeu à Espanha, está a de lhe ter envolvido por um panorama de montanhas as quais nos dão a impressão de haverem sido moldadas pela truculência de um gigante, um quebra-montes que, à força de pancadas e pontapés, desenhou aquelas cordilheiras, enquanto talvez dançasse uma jota ou cantasse uma saeta.
É uma natureza pobre, contrastando com a riqueza de vida e superabundância de coragem que leva o espanhol a realizar essa arte que nos deixam boquiabertos: são alegres na carência, na necessidade, na falta de doces, de confortos. E essa felicidade de existir, de sentir a sua própria vida, de olhar para o Céu e pensar em Deus, está presente na canção de Natal espanhola. Eles oferecem ao Menino Jesus o seu júbilo por pertencer a esse povo, como se dissessem: “Senhor, Vós me deixais muito contente e cheio da coragem que Vós me destes! Homenagem a Vós, Senhor!”
A Santa Igreja vive na alma de povos diferentes, despertando distintos acordes com os quais eles cantam e glorificam o Natal de nosso Salvador
É um modo diverso, porém digno de festejar o Natal, pois é o povo que se oferece a si mesmo e a sua alegria como ação de graças a Deus. Gratidão preciosa, daquele que recebeu menos mas demonstra toda a grandeza de sua alma.
Já o inglês, tão diferente do espanhol, apresenta uma analogia na maneira de entoar suas canções natalinas. A nação britânica canta também a sua alegria de viver e de ser conforme seus costumes peculiares.
Porém, não é saltitante nem procura se exprimir através dos superlativos como os castelhanos. A principal preocupação da música de Natal inglesa é ser equilibrada, procurando a beleza do sentimento proporcionado, adequado, comedido.
E ele oferece ao Divino Infante a sua anglicidade, a sua personalidade, os seus problemas. Povo de gentlemen, dirige-se a Nosso Senhor como um gentleman, sem demonstrar tristeza nem aborrecimento. Sabe que essa existência é árdua, mas não desanima, pois o Menino Jesus nos socorre e ampara.
São estes alguns exemplos de como a Cristandade canta o Natal. E servem para nos fazer compreender como a Igreja Católica vive na alma de povos diferentes, produzindo diferentes acordes.
Porque Ela é riquíssima e inesgotável em frutos de santidade, de perfeição. É como o sol quando atravessa vitrais de variegadas policromias: oscula o vidro vermelho e acende um rubi, o verde, e faz fulgurar uma esmeralda.
Assim o gênio da Igreja iluminando o povo alemão, o espanhol, o inglês ou qualquer outro, engendra maravilhas e inocências natalinas que devem nos cumular de admiração, comprazimento e desejo de louvar o Verbo Eterno que se fez carne e habitou entre nós.
Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plino 81 – Dezembro de 2004
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