Auxílio Celestial

É próprio de Nossa Senhora Auxiliadora, ao considerar as necessidades de uma alma, nela despertar o desejo de rezar. Será uma prece voltada para a própria Mãe de Deus, rogando as graças de que necessita, o consolo para enfrentar os sacrifícios, a força para aceitar com confiança e resignação as dores desta vida.

Com efeito, a invocação Auxílio dos Cristãos é muito adequada para atrair a benevolência de Nossa Senhora. Ao ser invocada sob esse título, Ela certamente nos atenderá e nos dará muito mais do que pedimos.

Pelas suas preces, de longe o Céu abrirá em sua porta uma fresta, e a voz da graça nos incentivará a pedir ainda mais: “Repita essa oração! Repita e repita, pois, pela insondável bondade de Maria,  ou você caminhará até essas portas, ou, de um modo maravilhoso, elas se lhe abrirão inteiramente, atraindo-o para o interior do celeste paraíso…”

Plinio Corrêa de Oliveira

Necessidade da devoção à Santíssima Virgem

Continuamos a publicação de excertos de algumas conferências de Dr. Plino sobre o “Tratado da Verdadeira Devoção à  Santíssima=Virgem”, de São Luís Maria Grignion de Montfort, obra que conheceu aos 22 anos e conferiu importante característica à sua espiritualidade: a de ter uma devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo colocada nas puríssimas mãos de Nossa Senhora, Onipotência Suplicante.

 

São Luís Maria Grignion de Montfort escreve o Capítulo I do Tratado da Verdadeira Devoção, intitulado “Necessidade da devoção à Santíssima Virgem”, para demonstrar que a devoção a Nossa Senhora é necessária. Em que sentido?

Procuremos explicar a tese do Santo. Deve-se ler o capítulo com muita atenção para se compreender aonde São Luís deseja chegar. Para tratar da necessidade dessa devoção, ele faz um preâmbulo e depois desenvolve a demonstração.

Nesse prólogo, estabelece qual o alcance da palavra “necessidade”. Não se trata de dizer que Deus precise absolutamente de Nossa Senhora para salvar as almas. Sendo onipotente e perfeito, Ele não precisa de modo absoluto de ninguém. Assim, poderia Ele ter criado uma situação em que Nossa Senhora não existisse e as almas se salvas- sem, pois Deus está acima de tudo.

A necessidade de Maria na vida espiritual é, pois, de outro gênero. Uma vez que Deus A criou, dando-Lhe, por um ato libérrimo de sua vontade, determinadas perfeições e atribuições, entre as quais a mediação universal, a devoção a Ela é necessária. Em outras palavras, a Igreja Católica não sustenta que Deus precise de Nossa Senhora, mas afirma o seguinte: Deus quis que Ela fosse necessária à nossa salvação, e assim o dispôs por uma determinação de seus superiores desígnios.

Importância da Encarnação

A demonstração que São Luís Grignion faz da necessidade da devoção a Nossa Senhora está baseada no papel que Ela teve na Encarnação. Vamos, antes de tudo, impostar bem o assunto.

A primeira tese que devemos recordar é a da suma importância da Encarnação na obra da Criação. Os teólogos discutem entre si um ponto a este respeito. Dizem alguns que, se o homem não tivesse pecado, o Verbo Eterno não teria tomado a nossa carne; outros afirmam que a Encarnação se teria dado mesmo sem a culpa original. Daí concluem os primeiros que, embora tenha sido um mal, o pecado de Adão importou em uma vantagem para o homem; por isso a Liturgia canta no Sábado Santo: “O felix culpa…” — “Ó culpa feliz que nos mereceu um tal Redentor!”. Quer dizer, sem o pecado de nossos primeiros pais, não teríamos a felicidade de possuir o Salvador.

De um modo ou de outro, quer se admita esta ou aquela tese, devemos reconhecer que a Encarnação do Verbo não é um episódio entre outros da História da humanidade, mas sim, como a Redenção, um fato culminante.

Sendo Deus Aquele que é, exceção feita da geração do Verbo e da processão do Espírito Santo, nunca se passara nada que, de longe, pudesse ser tão importante como a Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Trata-se de um fato relacionado com a própria natureza divina, e tudo o que diz respeito a Deus é incomparavelmente mais importante do que tudo que se refere ao homem. A Encarnação de Deus a tudo transcende em importância, e a ela se liga, de modo íntimo, a Redenção.

Papel de Nossa Senhora na Encarnação

Por esse motivo, o papel de Nossa Senhora na Encarnação situa bem o valor d’Ela em todos os planos divinos, e precisamente no que eles têm de mais importante e fundamental.

Achamos admirável, por exemplo, Nosso Senhor ter escolhido Constantino para tirar a Igreja das catacumbas.

Mas, que é isto perto de ter eleito, desde toda a eternidade, Nossa Senhora para n’Ela ser gerado o Salvador? Nada, absolutamente. Admiramos muito Anchieta, porque evangelizou o Brasil. Ora, que é evangelizar um país em comparação com o cooperar na Encarnação do Verbo? Nada!

Digamos que se tratasse de salvar o mundo de sua crise atual e de restabelecer o Reino de Cristo; suponhamos que Nosso Senhor escolhesse um só homem para essa tarefa. Acharíamos esta missão algo de formidável, e com razão. Porém, que seria isto diante da missão de Nossa Senhora? Nada! Ela se situa num plano fora de comparação com o papel histórico de qualquer homem, inclusive com o de São Pedro, apesar de ter sido ele o primeiro Papa.

A respeito de Nossa Senhora, é-se sempre obrigado a repetir a expressão: “fora de comparação”, porque Ela faz estalar todo vocabulário humano. Há uma tal desproporção entre Ela e todas as criaturas, que a única coisa segura a se dizer é — “fora de comparação”…

Lembradas essas noções, devemos concluir que estudar a participação de Nossa Senhora na Encarnação é analisar o seu papel no acontecimento mais importante de todos os tempos, juntamente com a Redenção. E qual foi esse papel?

São Luís Grignion responde, considerando a participação das Três Pessoas da Santíssima Trindade na Encarnação, e depois a cooperação de Nossa Senhora com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo.

Cooperação de Nossa Senhora com o Pai Eterno

Conforme a linguagem das Escrituras, Nosso Senhor foi mandado ao mundo pelo Pai Eterno para salvar os homens. O Antigo Testamento, numa das suas profecias, diz de Nosso Senhor: Eis que Eu venho, como está escrito de Mim no rolo do livro, para fazer a vossa vontade (Sl 39, 8-9). Jesus Cristo fala constantemente de seu Pai Celeste, como sendo Aquele que O enviou, se manifestou n’Ele, considerando-O seu Filho bem amado, a quem Ele invocou quando entregou sua alma dizendo: Pai,

nas tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23,46). Sendo o Pai Eterno Aquele que nos mandou Jesus Cristo, qual foi o papel de Nossa Senhora neste ato?

A oração de Nossa Senhora na vinda do Messias

Em primeiro lugar, devemos considerar que o mundo não era mais digno de receber Nosso Senhor Jesus Cristo. Em conseqüência, o Pai Eterno O enviou, não por causa do mundo, mas de Nossa Senhora. Não só porque foi Ela quem o pediu — e se a Santíssima Virgem não tivesse implorado o ad- vento de Nosso Senhor, Ele não teria vindo — mas Deus Pai O mandou a Ela, porque só Maria era digna de recebê-Lo.

Nessa perspectiva se compreende melhor a queixa contida no Evangelho de São João: veio para o que era seu, e os seus não O receberam (Jo 1, 11). Os seus não O receberiam, mas Nossa Senhora O acolheria de modo sublime, e por isso Ele veio: porque encontrou-A no mundo, caso contrário não teria descido do Céu. O aparecimento d’Ele sobre a Terra é o produto da presença e das orações da Virgem Santíssima.

Dessa forma colaborou Ela com o ato do Pai Eterno pelo qual Jesus Cristo foi mandado ao mundo.

A participação de Nossa Senhora na fecundidade do Pai Eterno

A fecundidade de Deus Pai é infinita, a tal ponto que a ideia formada por Ele de si mesmo já é uma Pessoa Divina. Pois bem, essa fecundidade foi transmitida a Nossa Senhora, para que Ela gerasse Jesus e todos os membros do Corpo Místico de Cristo. Nossa Senhora é, pois, Mãe dos fiéis, não apenas no sentido alegórico e metafórico (Ela nos quer bem como se fosse nossa mãe), mas o é verdadeiramente na ordem da graça. E essa maternidade divina existe, porque o Pai Eterno comunicou-Lhe sua fecundidade.

Aplicações para nossa vida espiritual

Podemos tirar lições para nossa vida espiritual tanto do fato de a oração de Nossa Senhora ter apressado a vinda do Messias, quanto de ter Ela recebido do Pai Eterno sua fecundidade.

Considerando Nossa Senhora capaz de, com sua prece, apressar a vinda do Messias, que ensinamentos podemos tirar? Devemos primeiramente analisar a Santíssima Virgem no seu zelo pela causa de Deus.

Em sua oração, Ela certamente observava a situação de extrema miséria moral em que caíra o povo eleito. Nessa prece Ela desejava ardentemente, pois, que Israel fosse reerguido à sua antiga condição. Considerava

ainda a decadência da humanidade, sabendo melhor que ninguém quantas almas estavam se perdendo naquela era pagã, e vendo Satanás imperar sobre o mundo antigo.

Maria Santíssima fez, então, na Terra, o papel de São Miguel Arcanjo no Céu: sua oração, pedindo que Deus viesse ao mundo, equivale ao “Quis ut Deus? — Quem co- mo Deus?” — do Arcanjo. É Ela que se levanta contra esse estado de coisas; é só Ela que tem a súplica bastante poderosa para desferir um golpe que tudo transforma.

Então, a plenitude dos tempos se encerra: Nosso Senhor Jesus Cristo nasce, e toda a humanidade é reconstruída, regenerada, elevada e santificada. As almas começam a se salvar em profusão, as portas do Céu se abrem, o inferno é esmagado, a morte é destruída, a Igreja Católica floresce sobre toda a face da Terra. E tudo como efeito da oração de Nossa Senhora.

Não é verdade que Nossa Senhora, também sob este aspecto, se apresenta a nós como um verdadeiro modelo? Não devemos querer em nossos dias a vitória de Nosso Senhor, como Maria Santíssima a desejou em sua época? Não há uma analogia absoluta entre o ardor com que Ela quis a instauração do Reino de Cristo na Terra, e o fervor com que o devemos desejar em nossos dias? Não é verdade que, se a oração d’Ela foi necessária para a realização da Encarnação, é indispensável também para que consigamos em nossa época a vitória de Jesus Cristo no mundo? Quando nos esfalfamos na luta pela vitória de Jesus hoje, lembramo-nos de rezar a Nossa Senhora? Quando rezamos a Ela, nos recordamos de pedir essa graça?

Não seria uma boa prece se, por exemplo, ao contemplarmos o Mistério da Anunciação durante a primeira dezena do Rosário, tivéssemos em mente Nossa Senhora que pede a vinda do Salvador? E rogássemos a Ela que Jesus Cristo novamente triunfe no mundo, com uma futura vitória da Igreja Católica? Não temos aí uma boa aplicação desse Mistério para a vida espiritual? Não é assim que esta última deve ser vista, vivida e conduzida? Isto não é muito mais sólido que um arrastado murmúrio piedoso?

Sem dúvida, é com essas verdades de Fé que se alimentam a piedade e toda a vida espiritual.

Contemplemos Nossa Senhora apressando, com sua oração, a vinda do Messias. Ora, se Nosso Senhor vem a nós também no momento da Comunhão, podemos e devemos pedir à Virgem Maria, quando nos preparamos para receber seu Divino Filho, algo dos sentimentos com que Ela O acolheu no momento da Encarnação.

E se desejamos obter para alguém a graça da comunhão diária, não será útil pedir a Nossa Senhora que consiga para aquela alma a recepção quotidiana de Nosso Senhor, lembrando-A da eficácia da prece com que Ela obteve a vinda de Jesus Cristo para o mundo?

Consideremos, por outro lado, a participação de Nossa Senhora na fecundidade do Padre Eterno para gerar membros do Corpo Místico de Cristo. Todo fiel é um membro deste Corpo Místico. Quando passamos perto de algum batistério, devemos nos lembrar de fazer uma oração à Santíssima Virgem, rogando-Lhe que nos conserve, até o momento da morte, na correspondência à graça do Batismo e nela nos confirme a vida inteira. Foi junto a uma pia batismal que entramos para o seio da Igreja Católica, nascemos para a vida sobrenatural e, pela prece de Nossa Senhora e a fecundidade de Deus Nosso Senhor, fomos gerados membros do Corpo Místico de Cristo, do qual Maria é verdadeira Mãe.

E se nos lembrarmos, ainda, de que nascemos para a vida da graça pela mesma onipotente intercessão da Santíssima Virgem, teremos então que tudo nos permite de pedir a Ela nos conserve nas celestiais dádivas do Batismo, e que as cumule com a virtude do senso católico — coroação dessa união extremamente íntima com Cristo.

A piedade deve consistir em formar disposições de espírito que tenham base nesses princípios ensinados pela Igreja e pela Teologia, e não em meros sentimentos. Tais ensinamentos engendram um amor a Nossa Senhora muito sério e muito sólido. Assim é que se constrói a verdadeira devoção a Maria e se alicerça a autêntica vida espiritual.

Maio, Mês de Maria

Na terceira “Edição Típica do Missal Romano”, que acaba de ser publicada pela Santa Sé, o dia 13 de maio fica designado oficialmente como celebração litúrgica de Nossa Senhora de Fátima. É uma razão a mais para tornar este mês excelente ocasião de rogarmos à Santíssima Virgem que Ela intervenha nos acontecimentos para renovar a face da terra, segundo prometeu em Fátima.

 

No mês de maio mês de Maria -, sente-se uma proteção especial de Nossa Senhora estender-se sobre todos os fiéis, e uma alegria que brilha e ilumina nossos corações, exprimindo a universal certeza dos católicos de que o indispensável patrocínio de nossa Mãe celestial se torna, durante esse período, ainda mais solícito, mais amoroso, mais cheio de visível misericórdia e exorável condescendência.

Entretanto, depois de cada mês de maio, alguma coisa fica, se tivermos sabido viver convenientemente esses trinta e um dias especialmente consagrados a Nossa Senhora. O que nos fica é uma devoção maior, uma confiança mais especial, e, por assim dizer, uma intimidade tão mais acentuada com Nossa Senhora, que em todas as vicissitudes da vida saberemos pedir com mais respeitosa insistência, esperar com mais invencível confiança, e agradecer com mais humilde carinho todo o bem que Ela nos faça.

Nossa Senhora é a Rainha do Céu e da terra, e, ao mesmo tempo, nossa Mãe. É esta a convicção com que entramos sempre no mês de maio, e tal convicção se radica cada vez mais em nós, lança claridades e fortaleza sempre maiores, quando o mês de maio se encerra. Maio nos ensina a amar a Maria Santíssima por sua própria glória, por tudo quanto Ela representa nos planos da Providência. E nos ensina também a viver de modo mais constante nossa vida de união filial a Maria.

 

Sofrimento do mundo contemporâneo

Os filhos nunca estão mais seguros da vigilância amorosa de suas mães, do que quando sofrem. A humanidade inteira sofre hoje em dia. E não só todos os povos sofrem, mas quase se poderia dizer que sofrem de todos os modos por que podem sofrer.

As inteligências são varridas pelo vendaval da impiedade e do ceticismo. Tufões loucos de messianismos de toda ordem devastam os espíritos. Idéias nebulosas, confusas, audaciosas, esgueiram-se em todos os ambientes, e arrastam consigo não só os maus e os tíbios, mas até por vezes aqueles de quem se esperaria maior constância na Fé.

Sofrem as vontades obstinadamente apegadas ao cumprimento do dever, com todas as contrariedades que lhes vêm de sua fidelidade à Lei de Cristo. Sofrem os que transgridem essa Lei, pois que longe de Cristo todo prazer não é, no fundo, senão amargura, e toda alegria uma mentira. […] Sofrem os corpos, depauperados pelo trabalho, minados pela moléstia, acabrunhados por todo tipo de necessidades.

Pode-se dizer que o mundo contemporâneo, semelhante ao que vivia no tempo em que Nosso Senhor nasceu em Belém, enche os ares com um grande e clamoroso gemido, que é o gemido dos maus que vivem longe de Deus, e dos justos que vivem atormentados pelos maus.

 

Pedir, por meio de Maria, que o Espírito Santo renove a face da terra

Quanto mais sombrias se tornarem as circunstâncias, quanto mais lancinantes as dores de toda ordem, tanto mais devemos pedir a Nossa Senhora que ponha termo a tanto sofrimento, não só para fazer cessar, assim, nossa dor, mas para maior proveito de nossa alma. Diz a sagrada Teologia que a oração de Nossa Senhora antecipou o momento em que o mundo deveria ser redimido pelo Messias. Neste momento cheio de angústias, volvamos confiantes nossos olhos a Nossa Senhora, pedindo-Lhe que abrevie o grande momento que todos esperamos, em que uma nova Pentecostes abra clarões de luz e de esperanças nessas trevas, e restaure por toda parte o Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Devemos ser como Daniel, de quem diz a Escritura que era “desideriorum vir”, isto é, homem que desejava grandes e muitas coisas. Para a glória de Deus, desejemos grandes e muitas coisas. Peçamos a Nossa Senhora muito, e sempre. E o que sobretudo Lhe devemos pedir é aquilo que a Sagrada Liturgia suplica a Deus: “Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terrae” (“enviai o vosso Espírito e todas as coisas serão criadas, e renovareis a face da terra”). Devemos pedir, por intermédio de Nossa Senhora, que Deus nos envie em abundância o Espírito Santo, para que as coisas sejam novamente criadas, e purificada por uma renovação a face da terra.

Diz Dante, na “Divina Comédia”, que rezar sem o patrocínio de Nossa Senhora é a mesma coisa que querer voar sem asas. Confiemos a Nossa Senhora este anelo em que vai todo o nosso coração. As mãos de Maria serão para nossa prece um par de asas puríssimas por meio das quais chegará certamente ao trono de Deus.

 

(Transcrito da “Ultima Hora”, de 7/5/1984. Subtítulos nossos.)

 

Verdadeiros súditos de Maria

Segundo nos ensina São Luís Grignion de Montfort, nosso amor à Santíssima Virgem deve ser tal que conformemos nossa vontade inteiramente à d’Ela, de maneira que os caminhos pelos quais trilhamos e as ações que praticamos, sejam as ações e os caminhos desejados por Nossa Senhora.

Sejamos almas tão unidas à Mãe de Deus, que nossas cogitações e vias com as d’Ela se identifiquem. Assim, Maria estabelecerá em nossa alma o reino de seu Coração Imaculado: será verdadeiramente nossa Rainha e nós, seus verdadeiros súditos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 20/1/1971)

Apóstolo da mediação universal de Maria

Num século em que o jansenismo e outros erros demonstravam aversão à verdade da mediação universal de Nossa Senhora junto a seu Divino Filho, o apostolado e a obra de São Luís Grignion de Montfort — afirma Dr. Plinio no artigo transcrito a seguir — constituiu um dos “maiores monumentos à Santíssima Virgem”.

 

Muitos são hoje (…) os católicos que conhecem e admiram a obra do grande e fogoso missionário popular da França do século XVIII, São Luís Maria Grignion de Montfort, autor do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.

Nasceu ele em Montfort-la-Cane, na região da Bretanha, em 1673. Ordenado sacerdote em 1700, se dedicou à pregação missionária, principalmente na Bretanha, Normandia e Vandeia. As cidades em que pregou, inclusive as mais importantes, viviam em grande medida da agricultura e estavam profundamente marcadas pela vida rural. De sorte que São Luís Maria, se bem que não haja pregado exclusivamente a camponeses, ainda pode ser considerado essencialmente um apóstolo das populações rurais.

Suavidade e santa firmeza

Em suas pregações, que em termos modernos poderiam chamar-se sumamente “aggiornate”, ele não se limitava a ensinar a doutrina católica em termos que servissem para qualquer época e qualquer lugar, senão que sabia dar realce aos pontos mais necessários para os fiéis que o ouviam.

O gênero de seu “aggiornamento” (era muito original). Os erros de seu tempo, ele não os via como meros frutos de equívocos intelectuais oriundos de homens de insuspeitável boa fé: erros que por isso mesmo um diálogo destro e ameno sempre dissiparia.

Capaz de diálogo afável e atraente, ele não perdia de vista, entretanto, toda a influência do pecado original e dos pecados atuais, assim como a ação do príncipe das trevas na gênese e no desenvolvimento da imensa luta movida pela impiedade contra a Igreja e a Civilização Cristã. A célebre trilogia demônio, mundo e carne, presente nas reflexões dos teólogos e missionários de boa lei em todos os tempos, a tinha ele em vista como um dos elementos básicos para o diagnóstico dos problemas de sua época. E assim, conforme as circunstâncias o pediam, ele sabia ser ora suave e doce como um anjo, [ora firme e severo, como apóstolo] incumbido de anunciar as ameaças da Justiça Divina contra os pecadores rebeldes e endurecidos.

Esse grande apóstolo soube alternadamente dialogar e polemizar, e nele o polemista não impedia a manifestação das doçuras do Bom Pastor, nem a mansidão pastoral aguava os santos rigores do polemista. (…)

Mundanismo e jansenismo afastavam as almas da Igreja

A sociedade francesa dos séculos XVII e XVIII estava gravemente enferma. Tudo a preparava para receber passivamente a inoculação dos germens do Enciclopedismo, e desmoronar-se em seguida na catástrofe da Revolução Francesa.

Resumindo um pouco a visão de conjunto da sociedade francesa, pode-se dizer que nas três classes — clero, nobreza e povo — preponderavam dois tipos de alma: os laxistas e os rigoristas. Os laxistas, tendentes a uma vida de prazeres que levava à dissolução e ao ceticismo. Os rigoristas, propensos a um moralismo hirto, formal e sombrio, que levava ao desespero quando não à rebelião. Mundanismo e jansenismo eram os dois pólos que exerciam uma nefasta atração, inclusive até em meios reputados dos mais piedosos e moralizados da sociedade de então.

Um e outro – como tantas vezes acontece com os extremos de erro – levavam a um mesmo resultado. Com efeito, cada qual por seu caminho, afastava as almas do sadio equilíbrio da Igreja. Esta, efetivamente, nos ensina em admirável harmonia  a doçura e o rigor, a justiça e a misericórdia.

O maior louvor à Virgem Mãe de Deus

São Luís Maria Grignion de Montfort, como ardoroso pregador da austeridade cristã genuína, nada tinha da austeridade taciturna, biliosa e estreita de um Savonarola ou um Calvino. Ela era suavizada por uma terníssima devoção a Nossa Senhora. Em torno da mediação universal de Maria, o missionário francês construiu toda uma mariologia  que é o maior monumento de todos os séculos à Virgem Mãe de Deus.

 

(Extraído do “Última Hora”, de 29/5/1984)

 

Uma graça que marcou a vida de Dr. Plinio

Em 5 de novembro de 1967, Dr. Plinio compareceu, em lugar de muito destaque, a uma Missa solene celebrada na Catedral de São Paulo. Diversos aspectos da cerimônia e do público foram filmados no interior do templo e nas suas escadarias.

Poucos dias depois, Dr. Plinio foi convidado a assistir ao documentário. Ao ver-se na tela, espantou-se por verificar quanto o seu vigor físico estava minado por alguma grave enfermidade. Ao mesmo tempo, causou-lhe pasmo a falta de percepção dos amigos mais próximos, que nada pareciam ter notado em relação a seu estado de saúde.

A ponto de completar 59 anos, em 13 de dezembro, Dr. Plinio tinha sido até então um homem robusto. Porém, o mal que nesse momento o abalava se agravaria rapidamente nos dias seguintes.

A descrição do que se seguiu é extraída, com ligeiras adaptações, da excelente obra “Dona Lucilia”, de autoria de João Clá Dias:

No dia 1º de dezembro daquele ano, Dr. Plinio cancelou sua costumeira conferência semanal, saindo de casa somente à tarde, para comungar no Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Ao descer do automóvel, causou surpresa ao ser visto caminhar com o auxílio de bengala e calçando no pé direito um leve chinelo. Tinha a fisionomia muito abatida. Entretanto, com sua invariável finura, em nada deixava transparecer, aos que o cumprimentavam, seu mal-estar físico.

No dia seguinte, um domingo, não encontrou forças para sair de casa a fim de cumprir o preceito, sendo-lhe levada a Sagrada Comunhão. Uma pessoa que teve a oportunidade de estar com ele de manhã e à tarde, contou ter-se impressionado, ao cumprimentá-lo, com a elevada temperatura de sua mão. Nos dias subsequentes, a febre ultrapassaria a casa dos trinta e nove graus. Apesar disto, Dr. Plinio mantinha inalterável amenidade, nobreza e distinção de trato, tal qual aprendera de sua extremosa mãe, Dona Lucilia.

Narrações feitas por ele próprio, tempos depois, revelam a grande provação que nessa ocasião enfrentava:

“Quando me apareceu esta espécie de abscesso, imediatamente me lembrei do pensamento que tivera assistindo ao documentário. Parecia-me que algo de absurdo se realizava. Vi-me obrigado a passar alguns dias em casa, envidando, porém, todos os esforços para que mamãe nada percebesse. Minha penosa deambulação era feita com o auxílio de alguns apoios. Lembro-me que uma vez mamãe estava sentada à mesa, à minha espera, e eu, ao passar pelo hall, escorreguei e caí. Minha febre já estava altíssima. Pensei: O que eu pressentia está se realizando. Estou com uma grave enfermidade, serei obrigado a chamar médicos, que me apresentarão um terrível diagnóstico…”

De fato, na manhã do dia seguinte, segunda-feira, Dr. Plinio recorreu aos médicos e viu-se introduzido num túnel, à primeira vista, sem saída. Os resultados dos exames de laboratório revelaram uma forte crise de diabetes. Foi-lhe determinado repouso absoluto, regime alimentar restrito, remédios e controle glicêmico para rapidamente serem debelados os distúrbios orgânicos produzidos pela enfermidade. Entretanto, restava um problema não menos trágico: uma gangrena em seu pé direito.

“Deus qui ponit pondus…”

Os primeiros curativos foram feitos pelos médicos na própria residência de Dr. Plinio. Depois chamaram um especialista, que concluiu ser necessária uma urgente cirurgia para extinguir a grave infecção.

Naquela mesma noite, com os devidos cuidados, Dr. Plinio foi transladado ao Hospital Sírio-Libanês, onde foi operado. Ali permaneceria ele para alguns dias de convalescença.

Às vezes, as graças mais insignes nos são dadas em meio aos males que, com a permissão da Providência, sobre nós se abatem: “Deus qui ponit pondus, supponit manum” — “Deus ampara com a mão aquele a quem prova”. Em 16 de dezembro, Dr. Plinio recebeu de um amigo, vindo de Roma, um quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano. Ele próprio descreve, com palavras impregnadas de filial e amorosa gratidão à Santíssima Virgem, esse episódio de transcendente significado para sua vida espiritual:

“Algum tempo antes desses fatos, eu me pusera a ler incidentemente o livro “La Vierge Mère du Bon Conseil” (“A Virgem Mãe do Bom Conselho”), de Mons. Georges F. Dillon 1 . E, durante a leitura, experimentava em minha alma uma sensível consolação.

“Tendo viajado à Itália, antes que eu adoecesse, meu amigo, Dr. Vicente Ferreira, teve a gentileza de me trazer de Genazzano uma estampa representando o venerando quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho. Essa estampa me chegava no momento de uma provação espiritual que me fazia sofrer muito mais do que a enfermidade física. […]

“Circunstâncias que não vêm a propósito mencionar davam-me a certeza de estar nos desígnios da Providência que [nossa] entidade realizasse uma larga ação no Brasil e em toda a América do Sul, e ainda nos demais continentes, em prol da Cristandade.

“De outro lado, estava eu certo de que meu falecimento naquela conjuntura acarretaria a ruína do esforço que começava a vicejar com vigor. E que eu desejava ardentemente levar a cabo para a maior glória de Nossa Senhora, antes de morrer. Daí um estado de verdadeira ansiedade a propósito das incertezas de minha situação clínica e cirúrgica”.

Nesse momento de grande perplexidade é que veio ter às mãos de Dr. Plinio a aludida estampa. Continua ele a narração:

“Quando a fitei, tive a inesperada impressão de que a figura de Nossa Senhora, sem mudar embora em nada, exprimia para comigo inefável e maternal doçura, que Ela me confortava e me incutia na alma — não sei como — a convicção de que a Santíssima Virgem me prometia que eu não morreria sem ter realizado a obra desejada. O que me invadiu de suavidade a alma.

“Hoje em dia conservo intacta essa convicção. E, pelo favor de Nossa Senhora, essa obra tem prosperado admiravelmente, autorizando a esperança de que alcance sua meta.

“Quando fui agraciado com o sorriso-promessa de Nossa Senhora de Genazzano, nada disse aos circunstantes. Só muito mais tarde falei disto a amigos. Dois destes, que me faziam companhia no hospital quando recebera a estampa, ao ouvirem minha narração, disseram que haviam notado que a figura da Mãe do Bom Conselho me fitava com muito comprazimento, o que lhes chamara muito a atenção”.

Pedindo a graça da perseverança

Até aqui, a narração extraída da obra “Dona Lucília”, de João Clá Dias. Eis um dado que convém notar: a devoção a Nossa Senhora do Bom Conselho, que caracterizaria as últimas três décadas de vida de Dr. Plinio, havia lançado muito antes uma semente na alma do virtuoso varão.

Sim, pois já na sua infância, conhecera Dr. Plinio a devoção à Virgem de Genazzano, quando estudava no Colégio São Luís, dos jesuítas. Na capela do estabelecimento se encontrava uma reprodução, aliás milagrosa (ver box 2), do famoso afresco da Mãe do Bom Conselho. Vejamos como, certa vez, Dr. Plinio o recordou:

Eu me lembro de que várias e várias vezes, nos meses de maio, todos os alunos eram convidados a comparecer à capela para festejar o mês de Maria, o que se fazia com uma bênção do Santíssimo Sacramento e cânticos em louvor da Santa Mãe de Deus. Recordo-me ainda bem que um dos hinos começava assim: “Neste mês de alegria, tão lindo mês de flores, queremos de Maria celebrar os louvores…”.

Toda a minha geração de alunos do São Luís passou por essa imagem. E eu numerosas vezes rezei com aflição diante dela, pedindo a graça da minha perseverança.

Contudo, essa devoção de Dr. Plinio a Nossa Senhora do Bom Conselho no tempo de infância não lhe havia marcado a vida como ocorreu cinqüenta anos mais tarde, em dezembro de 1967. Foi uma ação tão profunda da Santíssima Virgem em sua alma, que ele, quando instado por seus discípulos, o recordará cheio de gratidão, sempre aproveitando para incutir em todos a mesma confiança inabalável e filial na Mãe do Bom Conselho. As palavras seguintes são de uma de suas últimas conferências, feita poucos meses antes de falecer:

Aquela foi uma situação estritamente individual, que exigiu de minha parte um ato de confiança todo especial. Há provações que são do gênero do que esperávamos, e por isso achamos natural atravessarem o caminho de nossa vida. Mas há outras que nos perturbam particularmente, porque são de um gênero não axiológico. Tais provações — sempre permitidas por Deus para o nosso bem — cortam nossa vida como um tropel de demônios e parecem arrasar todas as nossas esperanças.

Foi numa situação assim, enquanto eu me encontrava em perigo de vida — de uma vida que me parecia não dever terminar naquele momento, pois ainda teria muito a fazer e realizar — que me defrontei com a imagem de Nossa Senhora de Genazzano no hospital. Esta imagem, em certo momento, sem mover-se, sem que houvesse o menor milagre, entretanto exprimiu algo que me deu a certeza de que a própria Nossa Senhora comunicava estar lá, envolvendo-me com sua celestial proteção.

Mãe e conselheira nas aflições e nas penumbras

Se analisarmos a noção de Nossa Senhora do Bom Conselho, entende-se que ela se refere à Santíssima Virgem enquanto obtendo de Deus, por sua intercessão onipotente, graças para as almas perturbadas, que não sabem o que fazer diante de certa emergência, e precisam, portanto, de um conselho.

E Nossa Senhora do Bom Conselho é a Mãe que se compadece dos homens desorientados, e lhes obtém a graça de uma iluminação interior, de um discernimento especial, de uma palavra que lhes vem de um bom amigo, de um bom diretor espiritual ou da leitura de um bom livro, etc. Enfim, Ela sempre lhes alcança o conselho que se queria, o conselho que se pedia, a solução que se procurava e se julgava impossível encontrar.

Tudo no mundo contemporâneo, no mundo do caos, parece falar contra nós, parece mentir-nos, dizer-nos coisas que nos levarão para o erro e o mal. Que remédio há para isto a não ser um bom conselho? E quem há-de nos dar bom conselho neste mundo desvairado? Ninguém mais e ninguém melhor do que Nossa Senhora do Bom Conselho. Ela é, pois, por excelência a mãe e a conselheira nas aflições e nas penumbras do mundo de hoje.

Assim, em nossos momentos de dúvida e apreensão, saibamos que nos está reservada a alegria — da qual tão poucos homens na terra desfrutam! — de nos voltarmos para Maria e Lhe dizer: “Mãe do Bom Conselho, Vós não me desamparareis. Tende pena de mim e dai-me uma orientação.”

1) Desclée de Brouwer, Bruges, 1885.

2) Plinio Corrêa de Oliveira, prefácio in: João S. Clá Dias, Nossa Senhora do Bom Conselho, Ed. Brasil de Amanhã, São Paulo, 1992, pp. XIX a XXII.

Assim relata Dr. Plinio o essencial da história da augusta imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano:

Na Albânia, no século XV, a religião corria grave risco: de um lado, o fervor da população católica estava em declínio; de outro lado, assaltavam-na com crescente furor as hordas dos invasores maometanos, cujo objetivo era destruir até à raiz a Fé católica em território albanês. Para evitar a catástrofe, a Providência suscitara um herói comparável, pelo destemor e pela Fé, aos pares de Carlos Magno e aos batalhadores mais salientes das Cruzadas e da Reconquista luso-hispânica: Scanderbeg. Enquanto ele viveu, a Albânia resistiu. Ele morto, em seguida a feitos heroicos e gloriosos, a resistência albanesa se esboroou. Explicável castigo para uma população atolada na tibieza.

Além de Scanderbeg — e quão superior a ele! — havia na Albânia outro pilar da Cristandade abalada. Era a Imagem — um afresco — de Nossa Senhora então chamada ‘dos Bons Ofícios’ (invocação análoga à de Nossa Senhora Auxiliadora, hoje generalizada em todo o mundo católico). Essa Imagem, venerada em santuário próximo de Scútari, ocasião de tantas e tão preciosas graças para aquele povo corrompido pela tibieza, cairia nas mãos do invasor maometano?

Era o que se perguntavam com ansiedade dois devotos albaneses, Georgio e De Sclavis, dignos representantes do que a Albânia ainda conservava de fiel.

A resposta a essa pergunta não tardou. A Imagem se destacou lentamente da parede, ante os olhos atônitos dos dois devotos, compatriotas do grande Scanderbeg. Ela se alçou e foi prosseguindo em direção às águas do Mar Adriático. E se foi deslocando sempre em igual direção, ao mesmo tempo que fazia entender aos dois albaneses que queria ser seguida por eles. Com Fé e estofo moral análogos aos de Scanderbeg, ambos os albaneses não hesitaram. Foram caminhando milagrosamente sobre as águas, até que a Imagem atingisse o território da catolicíssima Itália. (…)

Enquanto ambos os albaneses continuavam a seguir a Imagem pelo território italiano, esta… desapareceu. E foi encher de celestes consolações a alma de Petruccia, (…) grande figura de mulher forte do Evangelho, que Nossa Senhora elegera para Lhe erguer o santuário mil vezes abençoado em que a Imagem d’Ela está exposta à veneração de incontáveis fiéis, desde há cinco séculos.

Era ela uma viúva dotada de alguns bens. Muito piedosa, fora favorecida com uma visão na qual a Santíssima Virgem a incumbia de restaurar a igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, em Genazzano, então ameaçada de ruir.

Para tal fim, Petruccia recorrera à caridade dos fiéis. Mas o atendimento destes deixara a desejar. E as esmolas obtidas por Petruccia de modo nenhum bastavam para a execução da obra. Animosa, resolvera ela então aplicar na construção o restante de seu patrimônio pessoal. Mas até mesmo este fora insuficiente, pelo que as obras ainda estavam longe de ter chegado ao termo.

Tal insucesso atraía sobre a Beata os sarcasmos injustos dessa mesma população que dera tíbio atendimento aos pedidos dela. Mas Petruccia continuava animosa, apesar de seus oitenta anos, confiando com firmeza no auxílio da Santíssima Virgem.

Foi, pois, imensa e maravilhosa a surpresa dela, e a de toda a população de Genazzano, quando, na tarde do sábado 25 de abril de 1467, viram pousar sobre o lugarejo uma nuvem de aspecto admirável, da qual partiam os sons de uma música não menos bela. Aos poucos, destacou-se da nuvem o quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho, o qual foi pousar sobre o altar que, na previsão da futura conclusão das obras, Petruccia fizera erguer.

Estava confirmada a visão da Beata Petruccia. Tornava-se manifesto que a Santíssima Virgem desejava a conclusão das obras. E a população, que acorrera enlevada para prestar culto à Imagem, haveria de contribuir generosamente, de então em diante, para a reconstrução da igreja. Esta não tardou em ser concluída. E, enquanto nela os fiéis veneram o quadro da Virgem e do Menino, maravilhosamente transportado de Scútari pelos anjos, nela também dormem o sono da paz os restos mortais da Beata Petruccia, à espera da ressurreição final.

Os dois albaneses, que haviam ficado desconcertados pelo desaparecimento de sua tão querida Imagem, ignoravam o aparecimento desta última em Genazzano. E andavam sem rumo pela Itália, na vã procura de seu tesouro perdido.

Quando lhes chegou aos ouvidos a notícia do ocorrido no lugarejo em que residia Petruccia, para lá se dirigiram. É fácil calcular quanto se maravilharam e se alegraram ao reencontrarem ali o quadro celestial. Estava assim terminada a missão deles, que consistia, neste lance final, em atestar a identidade entre o quadro venerado em Scútari e o que empolgava toda Genazzano.

Um quadro entregue pela Providência

Entre as múltiplas reproduções do santo afresco, uma há que mostra ter sido o Brasil objeto de especial predileção, pois foi a própria Mãe do Bom Conselho quem quis enviá-lo para este país.

Em 1760, o Rei de Portugal expulsou de seus domínios de aquém e além-mar a Companhia de Jesus. Dois noviços brasileiros, os irmãos Miguel e José de Campos Lara, decidiram acompanhar no desterro seus irmãos de vocação, partindo para Roma.

Na Itália, ao terminarem seus estudos, receberam a ordenação sacerdotal. Pouco tempo depois, faleceu Miguel. Quanto a José, foi enviado por seus superiores a vários lugares. Porém, cedendo a fortes pressões dos governos da época, em 1773 o Papa Clemente XIV fechou a Companhia de Jesus.

Era uma situação inesperada para o Pe. José, após treze anos de desterro. A vida não foi fácil desde então. Era preciso ter uma fé alcandorada e um alto heroísmo para perseverar em condições tão adversas. E apesar dos anseios de sua família pelo retorno dele à pátria, o jovem sacerdote não desejava voltar ao Brasil.

Em 1785, fazia doze anos que José de Campos Lara vestira pela última vez a batina da milícia de Santo Inácio. E fazia vinte e cinco anos que deixara o país natal!

Certo dia, passeava ele pensativo por uma praia deserta, onde o rumorejar das ondas era suave lenimento para suas dores e preocupações, quando, de súbito, depara com um jovem que o aborda. O rapaz lhe oferece um quadro a óleo que representa a Mãe do Bom Conselho (acima), dizendo-lhe que o levasse para o Brasil. E lhe anuncia que, no lugar onde ela fosse venerada, erguer-se-ia um dia um grande colégio jesuíta. No fim da conversa, o Pe. Campos Lara vê seu interlocutor desaparecer ante seus olhos, ficando convencido de que se tratava de um Anjo.

Após algumas peripécias, volta ele ao Brasil, indo para a chácara herdada dos falecidos pais, na cidade de Itu (SP). Ali erigiu uma capela onde pudesse ser venerada a imagem. Em 1814, ele ouve comovido a notícia de que Pio VII restaurara a Companhia de Jesus! Mas faleceu em 1820, sem ver cumprida a profecia da volta dos jesuítas à Terra de Santa Cruz. Regressaram, porém. E em 1868 ergueram um colégio exatamente naquela chácara.

Em 1872, o quadro da Mãe do Bom Conselho foi entronizado no altar-mor da igreja recém-construída, anexa ao colégio. Oitenta e sete anos haviam transcorrido desde sua entrega miraculosa, sobre as areias da praia italiana, ao jesuíta brasileiro.

E quando este colégio da Companhia foi transferido para a cidade de São Paulo, em 1918, com ele foi também a cópia da imagem de Genazzano. Toda a minha geração de alunos do São Luís passou pela imagem da Mãe do Bom Conselho….

(O menino Plinio é o primeiro, na terceira fileira, da esquerda para direita)

 

Plenitude de Inocência

Nossa Senhora é a criatura dourada por excelência. Antes de seu nascimento, não houve em toda a história da Antiguidade quem tivesse um espírito tão inocente quanto o d’Ela. A inocência que, à maneira de vestígio, ficara difusa pela antiga humanidade, revigorou-se em Nossa Senhora.

Imaculada, toda pura e sem mancha alguma de pecado, Ela praticou na ordem da inocência um ato de virtude tão imenso, que se revestiu de uma plenitude paradisíaca por nós inconcebível. E dessa plenitude deriva nossa própria inocência.

“Maria mons, Maria pons, Maria fons”: Ela é a montanha de Deus, a ponte que a Ele nos conduz, o oceano de graças de que todos nos beneficiamos.

Plinio Corrêa de Oliveira

Sublime intimidade entre o Menino e a Mãe

Aplicando o senso católico e o discernimento dos espíritos ao comentar o afresco de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano, Dr. Plinio sonda as encantadoras profundidades do convívio entre o Menino Jesus e sua Mãe santíssima.

 

Nossa Senhora do Bom Conselho se apresenta a nós com uma invocação que, à primeira vista, talvez não pareça ter muita relação com o quadro. Este representa uma Rainha de um pequeno país balcânico, o que se nota na figura, nos ornamentos e, mais ainda, no tipo marcadamente oriental, com os olhos um pouco em amêndoa, e voltados para baixo.

Ela está com o Menino nos braços e numa atitude de muita intimidade, em que se tem impressão de que Ela esqueceu que é Rainha e Ele esqueceu que é Rei! Não que hajam pedido demissão ou abdicado da realeza. Mas, no momento, aquilo que está no fundo do espírito, na primeira plana da atenção e do modo de sentir, é o fato de que Ela é Mãe e Ele é Filho!

Profundeza de sentimento e de pensamento

Mais ainda — e é uma das coisas que mais me atrai no quadro —, há uma profundidade na intimidade de relacionamento, pela qual se sente até o fundo da alma d’Ela: Ela é Mãe, e Mãe daquele Filho, quer bem àquele Filho; e até o fundo da alma d’Ele: Ele é Filho, e Filho daquela Mãe! Há entre Eles uma união de alma, que explica a tranquilidade e quase a imobilidade daquele afeto.

Ou seja, é um afeto que chegou tão ao fundo, que Eles não têm nada para dizer entre Si. Estão quietos e apenas querendo-Se bem, mais nada, como quem nota que, de parte a parte, o conhecimento e o afeto mútuos chegaram até o fim. E que, portanto, não há mais o que considerar. É só fruir uma bem-aventurada delícia daquele mútuo entendimento e mútuo estar juntos!

Nesse ponto, o artista foi muito delicado porque, pintando o Menino com todas as feições de criança daquela idade, e nada de comum com o hominho precoce, vê-se n’Ele uma profundeza de sentimento e de pensamento, que o homem feito não tem. E que corresponde inteiramente à Doutrina Católica sobre o Homem-Deus.

A unidade das naturezas divina e humana na mesma Pessoa traz, como consequência, que aquele Menino, daquela idade, concebido sem pecado original, e que, portanto, não passou por nenhuma das debilidades e das — eu digo no sentido etimológico latino — imbecilidades, das fraquezas da infância, tenha a profundidade do sentir. Ele está tão consciente do que é uma mãe, do que é aquela Mãe, quais as profundezas de alma que Ela oferece a Ele; e Ele entra tão a fundo nessas profundezas que se põe na mão d’Ela como uma criança!

Quadro que tem um voo sobrenatural extraordinário

Com um sublime paradoxo: Ele é criança para tudo, exceto para entender e querer as coisas sublimes, extraordinárias. De maneira que não me espanta que Ele quisesse precisar d’Ela para os serviços mais modestos. Porque é assim que se compagina a condição de criança no Menino-Deus. E o quadro exprime isto admiravelmente. É uma obra de arte mediana, mas tem um voo sobrenatural extraordinário!

O afresco nos dá bem a noção da relação entre Eles. O modo como Nossa Senhora O carrega é o de uma pessoa que leva um tesouro de um valor infinito; mas é uma pessoa muito generosa. Se supusermos um indivíduo levando um tesouro, nós o imaginamos agarrado ao tesouro, e voltado a impedir que alguém o roube; e sua atitude é de quem diz para qualquer um: “Isto é meu, não é seu! Não chegue perto e não amole, porque é meu!”

Nossa Senhora não. Ela O segura com muito cuidado, muita delicadeza, de maneira tal que nada se passa n’Ele, ou em torno d’Ele, que Ela não note imediatamente; uma vigilância materna dulcíssima! Mas Ela não deixa ver a menor preocupação de que Lhe tirem o tesouro. Ela sabe que é desses tesouros que quando se compartem não se dividem. E uma vez dado, ele fica inteiramente com quem deu, e inteiramente a quem foi concedido. De maneira que, sem propriamente mostrar o Menino, a própria posição do rosto d’Ela foi calculada com cuidado para que não ocultasse nada da face do Menino. E que o Menino ficasse em primeiro plano e Ela no segundo.

E, pelo respeito e pela seriedade tranquila, distendida e afetuosa com que Ela O carrega, vê-se que Ela tem uma noção inteira de que está levando o Filho de Deus. E que O adora com o mais profundo respeito.

Mas, de outro lado, Ela tem a sensação de estar de tal modo penetrada pelo afeto d’Aquele a quem Ela respeita, que Se sente desembaraçada para, sem nenhuma vacilação, nenhum acanhamento, dar ordens ao seu próprio Deus. De maneira que Ela delibere quando é hora de deitá-Lo ou tirá-Lo do Presépio; se é hora de dormir ou não. E Ela, sabendo que é nada, ou como que nada, para o Deus d’Ela diz: “Meu Deus, chegou a hora de dormir!” E Ele, cuja natureza humana está hipostaticamente ligada à natureza divina, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, fecha os olhos e dorme, porque sua Mãe mandou.

Desdobramentos da Encarnação

Todas essas possibilidades estão contidas no “et Verbum caro factum est, et habitavit in nobis”. Quando São João diz no prólogo de seu Evangelho: “O Verbo de Deus se fez carne, e habitou entre nós”(1), todo esse celeste turbilhão de relações vertiginosas, admiráveis e dulcíssimas será contido na Encarnação, são desdobramentos da Encarnação.

Não conhecemos detalhes do convívio entre Eles, mas é possível, por exemplo, que Ele, com um pouco mais de idade, na hora de brincar — e era Deus querendo brincar! — não tenha dito a Ela o que queria, como não diz uma criança que não sabe ainda falar. E que Ela, por amor, precisou adivinhar que Ele queria uma bola. E que tenha arranjado uma bola para Ele.

Podemos imaginar Nossa Senhora e São José confabulando sobre o tamanho, o diâmetro da bola, de que matéria seria, como fazer a bola oca, para não ficar muito pesada para a mãozinha d’Ele, etc. Mas ambos já imaginando em cima desta bola uma cruz, como se haveria de ver depois nas mãos de incontáveis reis da Terra!

Ou, então, Maria Santíssima prestando atenção para saber de que comida Ele gostava mais. Ou fazendo oração para pedir a Ele que Lhe desse o conhecimento de qual era a refeição que Ele queria comer naquele dia. E Ele talvez fazendo dificuldade para falar; de repente, dizendo a Ela uma palavra qualquer, própria de criança, mas na qual Ela percebia misteriosamente que queria dizer: “Não sabeis, minha Mãe, que Eu vim à Terra para sofrer?”

Ninguém pode calcular o que foram as relações dessa infância, os mistérios, as sublimidades… Deus brincando! A Escritura diz que, antes de todos os séculos, Deus, que é a Sabedoria, brincava na superfície de Terra(2). Mas daí a uma bolinha feita na oficina de Nazaré… Que diferença!

A Mãe que criei e da qual nasci

E Nossa Senhora falando com Ele… Assim como Ele se transfigurou para três Apóstolos no alto do Monte Tabor, quantas vezes Ele Se transfigurou para Ela? E em que atitudes? Dormindo, talvez… E no dormir, que poder, que majestade, que inocência, que delicadeza! Às vezes, de fugidio, de repente, é Deus que Ela vê!

Quem pode calcular isto?

Nós sabemos, pelo Gênesis, que Deus, no sétimo dia, repousou e considerou todas as coisas que tinha feito. Mas nenhuma delas era bonita como Nossa Senhora. E Jesus, como Criador, confabulando com sua natureza humana, por assim dizer, pensando: “Como é linda esta Mãe que Eu fiz e da qual nasci! Como a alma d’Ela é incomparável!

Ali no quarto — estando entreaberta a porta — vejo que Ela está rezando. É noite, e uma candeia dá uma luz indecisa. Vejo o perfil d’Ela e noto que Ela reza para Mim. Mas não entro no quarto. E percebo que Ela está orando para o Padre Eterno, para o Divino Espírito Santo. Eu — como Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, diria Ele — conheço a oração d’Ela. Entretanto, é hora de chamá-La para tal coisa.” E grita: “Mamãe!”

Poder-se-iam multiplicar as situações, desenvolver isto ao infinito. Ele A vê, em certo momento, chorar. E Ele sabe, porque a Santíssima Trindade — Ele, portanto — está dando esclarecimentos a Ela sobre a Paixão, e depois sobre a morte d’Ele. E Ele nota a docilidade d’Ela, como Ela aceita, como Ela quer. Mas Ele vê desde já aquela espada que transpassa a alma d’Ela. E Ele Se deleita em considerar que, pelo amor que Ela tem aos homens, Ela quer que Ele morra. E no dia seguinte, quando Ela se levanta, Ele percebe um sulco de dor que dá uma majestade, uma gravidade, uma interioridade à fisionomia d’Ela, que é verdadeiramente indescritível.

Imaginemos Nossa Senhora tendo conhecimento profético dos milagres, dos ensinamentos, das parábolas d’Ele, vendo a figura d’Ele, num alto de um monte, que passa… A Paixão, a Cruz, a morte e a glória da Ressurreição. Quem poderia imaginar tudo isso adequadamente? Ninguém!

Quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho, no Colégio São Luís

No Colégio São Luís havia um quadro da Mãe do Bom Conselho colocado no retábulo do único altar da modesta capela, que era uma sala transformada em capela. Inúmeras vezes entrei lá. Por exemplo, para celebrar o mês de maio em honra de Nossa Senhora, diariamente todos os alunos entravam na capela cantando. Eu olhava para a imagem, naturalmente, e minha atenção era solicitada por duas coisas muito desiguais: uma era a Mãe de Deus e outra o Menino Jesus, mas tomados em tese, como a Doutrina Católica os considera, e como a mente de uma criança pode alcançar.

E pensava: “É a Mãe de Deus, Maria Santíssima, que me deu aquela graça no Coração de Jesus(3) e está aqui sob outra invocação, outra roupagem. Mas é Ela! E vou rezar para Ela, porque já vi como é misericordiosa comigo. Sem a misericórdia d’Ela eu não me arranjo. Mas com a misericórdia d’Ela eu alcanço tudo. Portanto, é mais uma oportunidade de me unir bem a Ela, e rezar a Ela para alcançar esta união”.

Eu sabia que o título, a invocação d’Ela era “Mater Boni Consilii”, portanto, Mãe do Bom Conselho. E tentei, algumas vezes, rezar para esta invocação, que eu notava ser excelente, mas não me dizia grande coisa. A piedade é assim: às vezes uma invocação excelente não nos fala muito à alma.

De maneira que isto ficou assim, até eu ler um livro sobre Nossa Senhora de Genazzano, pouco antes de sofrer aquela crise de diabetes(4), e depois suceder tudo quanto sucedeu. Seria mais ou menos como um facho de luz que nasce pequenino, de uma lâmpada pequena, mas forte, e que depois se torna imenso. Assim seria essa primeira visualização minha de Nossa Senhora de Genazzano.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/4/1985)

1) Jo 1, 14.
2) Cf. Pr 8, 31.
3) Ver Revista Dr. Plinio, n. 1, p. 4-7.
4) Ver Revista Dr. Plinio, n. 21, p. 20-21.

Oração da restauração

Há momentos, minha Mãe, em que minha alma se sente, no que tem de mais fundo, tocada por uma saudade indizível. Tenho saudades da época em que eu Vos amava, e Vós me amáveis, na atmosfera primaveril de minha vida espiritual.

Tenho saudades de Vós, Senhora, e do paraíso que punha em mim a grande comunicação que tinha convosco. Não tendes também Vós, Senhora, saudades desse tempo?

Não tendes saudades da bondade que havia naquele filho que fui? Vinde, pois, ó melhor de todas as mães, e por amor ao que desabrochava em mim, restaurai-me: recomponde em mim o amor a Vós, e fazei de mim a plena realização daquele filho sem mancha que eu teria sido, se não fosse tanta miséria.

Dai-me, ó Mãe, um coração arrependido e humilhado, e fazei luzir novamente aos meus olhos aquilo que, pelo esplendor de vossa graça, eu começara a amar tanto e tanto!

Lembrai-Vos, Senhora, deste David e de toda a doçura que nele púnheis. Assim seja!

Obra de cortesia e de arte

Dr. Plinio descreve o quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano, mostrando, entre outros elevados e profundos aspectos, a cortesia de Maria Santíssima.

A fotografia mostra Nossa Senhora como Rainha. As coroas de Maria Santíssima e do Menino Jesus são de pedras preciosas, não propriamente do quadro, mas joias que foram nele presas posteriormente, em razão dos grandes milagres e graças de que o afresco de Genazzano tem sido ocasião.

Nossa Senhora está olhando para quem reza

Vemos os colares de pérola que estão suspensos no quadro, alguns adornos que dão uma ideia oriental, com uma espécie de meia-lua; são coisas muito legítimas, muito boas, mas nós podemos abstrair delas para compreendermos bem o afresco em si mesmo como pintura.

No quadro, percebemos que há uma coerência admirável na figura mais expressiva, que é Nossa Senhora, porque o Menino Jesus é menos expressivo.

O que há de interessante na figura de Maria Santíssima?

A fisionomia d’Ela está completamente distendida. Não se nota um músculo que esteja contraído, que indique qualquer impressão, exceto a sensação de contentamento de estar com o Menino. Ela está toda voltada para a ideia de que segura o Menino Jesus nos braços e só está pensando n’Ele; não tem outra preocupação. O mundo inteiro não existe para Ela, há apenas o Menino Jesus.

O curioso é que Ela não está olhando propriamente para Ele, mas para quem reza. Percebe-se que o fato de a face de Nossa Senhora tocar na fronte e na face do Menino Jesus faz com que Ela tenha uma espécie de degustação da presença d’Ele, de alegria daquele contato do corpo que é, sobretudo, um contato de alma muito íntimo, que A deixa cheia de satisfação.

Esse contato, entretanto, é habitual e não de surpreender. Não é um êxtase, nem nada deste gênero, mas uma impressão, uma sensação como toda mãe tem com seu filho; quando ela está com seu filho, há momentos em que o amor materno se abre mais, floresce mais e o seu carinho se expande. Nossa Senhora é apresentada desta maneira aqui.

Bondade, ternura, proteção

A bondade, a ternura, a proteção d’Ela para com o Filho se fazem notar muito na posição do pescoço e da cabeça. O Menino está suspenso n’Ela e A agarra pelo pescoço — a ponta da mão direita d’Ele aparece por detrás —, e explica que Ela esteja com o pescoço ligeiramente inclinado pelo peso d’Ele. A intimidade d’Ele com Ela é extraordinária! O Menino agarra como algo que Ele está habituadíssimo a segurar, e Nossa Senhora se deixa agarrar como quem já foi segurada mil vezes. E até acha agradável sentir-Se curvada diante de um peso tão suave, tão doce, tão deleitável para Ela.

O Menino não está propriamente com medo, mas meio agarrado a Ela como quem, também Ele, não quer saber nada do mundo de fora. Ele está todo para Ela, como Ela está toda para Ele. Ele só tem alegria de estar ligado à Mãe d’Ele, mais nada, e na alegria de se sentir protegido e unido a Ela.

Nenhum dos dois pensa, nem cogita nem nota nada. Olhem para essa Criança: não está pensando em bola, em doce ou qualquer outra coisa. Está pensando apenas: “Mamãe”; e a Mãe está pensando somente: “Meu Filho”.

Nota-se, entretanto, uma coisa curiosa: na expressão d’Ele, apesar de ser menino, existe — é uma delicadeza do quadro — uma sensação de “doninho”. O Menino Jesus segura Nossa Senhora, está contente, protegido, mas Ele é um pouco “doninho” d’Ela, enquanto n’Ela existe uma veneração, respeito. Parece que Ela está procurando escutar o que se dá dentro d’Ele, se sai uma palavra desse Sacrário que Ela tem nos braços… E quando se presta atenção, vê-se o seguinte: Ela está rezando para Ele. Essa posição da cabeça, essa atitude, é de quem ausculta, no fundo está numa espécie de prece, não pedindo algo, mas fazendo uma contemplação da Pessoa d’Ele, querendo tomar contato com a Pessoa d’Ele. É uma meditação, uma contemplação muito alta.

Está subentendida a doutrina da mediação

Ele está nesta intimidade com Ela, mas, enquanto os olhos d’Ela vão para baixo, os olhos d’Ele vão para cima, dirigem-se a Deus. É a ideia da mediação. Ela olha para Ele e Ele olha para Deus. Nós olhamos para Nossa Senhora, Ela olha para Jesus e Ele olha para Deus.

É bonito que tanta doutrina tenha sido posta tão delicadamente neste quadro, que nem se sabe o que dizer.

Notem outra coisa: o olhar d’Ela é, curiosamente, bivalente. Não é verdade que Ela está olhando para Ele? E também olhando para quem fita o quadro?

Sente-se meio olhado por Ela quando se olha para o quadro, e é bem o papel d’Ela. Ela é nossa medianeira, recebe nossa oração, transmite para Ele e Ele é Deus e transmite a nossa oração às outras Pessoas da Santíssima Trindade.

De maneira que se tem a Doutrina Católica suavissimamente expressa, sem essa precisão dogmática que é própria à Teologia, mas com esse subentendido que é próprio à arte. Porque é agradável adivinhar isto no quadro, sem que se veja à primeira vista.

Os que se encontram neste auditório, não acham mais interessante descobrirem quando uma pessoa lhes mostra, do que estar escrito em baixo: “Mediação universal”? 

Que dizer, a coisa que se insinua é dada a entender de leve, não está afirmada de modo cortante, mas a pessoa vai assim descobrindo como atrás de um aroma delicado. Na arte, isso tem seu encanto. Para a arte, às vezes certo mistério aumenta o atrativo. Aqui temos, então, este mistério.

Sentir-se filho mais até do que adotivo

Há outro aspecto interessante: essa intimidade. Toda intimidade é fechada, exclui. O pintor soube — aliás, a meu ver, esse quadro foi pintado por Anjo — criar uma coisa curiosa, que é uma intimidade aberta. Tem-se a impressão de que se alguém for chegando perto, entra no circuito dessa intimidade; que é amado por Nossa Senhora, pelo Menino Jesus, é entendido pelos dois e que Eles socorrem a pessoa que se aproxima. Qualquer um que se achega a esse quadro pode sentir-se íntimo, sentir o aconchego da presença do quadro. Seja uma alma reta, seja um pecador, seja até um inimigo; se se aproxima sente esse aconchego.

Outra coisa curiosa: Nossa Senhora aqui está sorrindo? Olhando para os lábios, não. Não sei se notam que há um ligeiro sorriso indefinido espalhado por todo o rosto; e é um certo comprazimento para com o Filho. Mas de outro lado também é um comprazimento para com o devoto, com o fiel que chega aí perto, filho d’Ela como Este outro.

Está insinuado no quadro que quem olha para o quadro é irmão do Menino Jesus, é também filho d’Ela. Esse quadro poderia se chamar “Adoção”. Porque a pessoa se sente filho adotivo, ou mais até do que adotivo, simplesmente aproximando-se do quadro. Isso me parece ser o que o quadro tem de mais interessante.

Pergunto o seguinte: o quadro é de uma Rainha? Faço abstração da coroa. Não há nada que indique uma pessoa de alta categoria social, nem de categoria social modesta, nem média. Está à margem das categorias sociais. Apesar disto, há qualquer coisa n’Ela de Rainha, porque é sumamente venerável, sumamente respeitável. Se fôssemos abrir a boca para dizer uma palavra, teríamos vontade de nos ajoelhar.

Por quê? Tão ordenada, tudo tão direito dentro d’Ela, que qualquer palavra que partisse d’Ela seria uma palavra de sabedoria, de santidade. Quase que se imagina o timbre desta voz, seria um ensinamento. Imediatamente teríamos desejo de nos colocar genuflexos. Todas essas riquezas foram postas neste quadro.

Nossa Senhora está cortês com o Menino Jesus, nesse afresco? Eu diria que sumamente cortês. Notem com que respeito Ela está com Ele. É um enorme respeito, uma veneração. Mas, de outro lado, muito íntima. E Ele com Ela também, com que respeito! Como Ele está direitinho, nada está errado, nada como não deve ser. Jesus tem a sensação da sacralidade dos braços em que Ele está. Quer dizer, um menino dessa idade, rezando numa igreja, não podia ter uma atitude mais cheia de respeito do que está aí.

Temos aí uma verdadeira obra de cortesia e de arte.

No que está a cortesia nesse quadro? Os três elementos da cortesia estão presentes ali: o respeito mútuo, o amor mútuo e, como reflexo de ambos, um modo de tratar que deixa transluzir o bem-estar de permanecer ligado a algo de mais alto, e ao mesmo tempo um sorriso por estar ligado a algo que se quer muito. E essa é uma das definições de cortesia. Aí estaria a cortesia no quadro de Nossa Senhora de Genazzano.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/6/1974)