O mês de maio e o Reino de Maria

No mês de maio, as festas em honra de Maria Santíssima eram celebradas com muito esplendor e deixavam saudades em todos os fiéis. O Reino de Maria será um imenso mês de Nossa Senhora, e em todos os dias se comemorarão as grandezas da Rainha do Universo.

 

Sendo o mês de maio dedicado especialmente à Santíssima Virgem, gostaria de tratar sobre a festa, outrora comemorada no dia 31 de maio, de Nossa Senhora Rainha, que é a festividade do Reino de Maria.

Dar glória a Deus

Este Reino é algo tão transcendental, tão grande, de tal modo ligado à eternidade, que toda borrasca terrena pode ir e vir, desencadear-se e resolver-se, mas o Reino de Maria permanece eternamente, sólido e brilhando na sua glória intrínseca, de maneira tal que todas as injúrias, as propagandas adversas não podem nada contra ele.

O que vem a ser propriamente a Realeza de Maria? E por que a Igreja instituiu esta comemoração? Ela a estabeleceu com duas intenções. A primeira é de dar glória a Deus, por meio de Nossa Senhora, a propósito do assunto da própria festa. Assim, por exemplo, a solenidade de Corpus Christi foi estabelecida para dar glória a Deus — sempre por meio de Maria Santíssima, porque Ela é a Medianeira universal de todas as graças — pela instituição do Santíssimo Sacramento, pelo fato de a Igreja ter sido adornada, enriquecida e vivificada por esse Sacramento admirável, ou seja, a Sagrada Eucaristia.

Assim também a Igreja estabeleceu uma festa para a Realeza de Nossa Senhora porque ela quer dar glória a Deus pelo fato de Maria Santíssima ser Rainha. Então ela festeja, canta, com um ato de amor e de culto, toda essa glória que Deus recebe por essa realeza da Santíssima Virgem. E enquanto católicos, temos que nos associar, evidentemente, a essa atitude da Igreja.

Anteriormente fora escolhido para esta comemoração o dia 31 de maio para, desta forma, fechar com chave de ouro o mês de Maria, completando assim todas as honras que a Santíssima Virgem recebeu durante esse mês, aclamando-A Rainha, depois de terem sido ditas todas as outras maravilhas em louvor a Ela. Isso implica em proclamar a mais alta glória d’Ela, abaixo da honra de ser Mãe de Deus e dos homens: ser a Rainha dos homens e a escrava de Deus Nosso Senhor.

Assim, a festa da Realeza de Maria tem um alcance muito grande. A Igreja espera do interior de nossas almas uma alegria, uma satisfação, uma homenagem, uma honra a Nossa Senhora como Rainha.

Concentrar a atenção na realeza de Maria

Acrescenta-se a isso um segundo objetivo: a cada ano que passa essa festa se repete. Desta maneira, a Igreja — conhecedora da facilidade com que o espírito humano se dispersa e se volta para coisas às quais não deveria se voltar — obtém um meio de concentrar novamente a atenção de seus filhos sobre esta realidade: Nossa Senhora é Rainha.

Eis porque a Igreja organizou, ao longo dos séculos, o calendário litúrgico, consagrando cada dia do ano ao culto de vários Santos, alguns dias a determinados mistérios da Religião Católica, e também a alguns títulos de glória de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora.

Assim, a cada ano que passa, a Igreja pede a todos os seus filhos que se recolham de modo especial e pensem, meditem na realeza de Maria Santíssima.

Esses dois objetivos se ligam, porque ninguém pode amar o que não conhece. Portanto, não pode amar a realeza de Maria quem não a conhece. É preciso pensar nela, refletir a respeito dela, para depois amá-la.

A concentração do espírito, o pensamento, a reflexão antecipam o ato de amor. A Igreja pede que reflitamos, nos concentremos, para depois fazermos um ato de amor, e com isso darmos a Nossa Senhora a glória pelo fato de Ela ser Rainha.

Vemos, assim, como na Santa Igreja tudo é bonito, bem pensado. Quanta harmonia, quanta profundidade, quanta serenidade, quanta nobreza, quanta força há em todas as coisas da Igreja! Mesmo em meio aos terríveis torvelinhos pelos quais a Igreja Católica possa passar, ela é ela, a Igreja imortal. E sempre conservará a santidade que lhe é própria até o fim do mundo, porque ela é indestrutível. Um dos aspectos dessa santidade é exatamente o conservar a festa da Realeza de Maria.

As cerimônias de outrora ao longo do mês de maio

Os que não alcançaram o mês de Maria, como tradicionalmente se realizava até uns quinze anos atrás, não têm ideia de como era uma verdadeira maravilha.

Toda noite, em geral por volta das 7h30 — os horários variavam um pouco —, em todas as igrejas, e mesmo nas capelinhas do campo, realizavam-se cerimônias em honra de Nossa Senhora.

A cerimônia constava fundamentalmente do seguinte: as associações religiosas — filhas de Maria, congregados marianos e outras congregações consagradas a Nossa Senhora — ocupavam inteiramente os bancos da igreja, de um lado e de outro. O sacerdote subia ao púlpito, portando sobre a batina a roquete: aquela espécie de meia túnica branca com rendas, que os padres usavam.

Do alto do púlpito o sacerdote rezava em silêncio, enquanto o coro entoava a “Ave Maria”. O padre mantinha-se ajoelhado no púlpito, e todo o povo, de joelhos também, constituindo uma massa popular enorme que enchia a igreja, ocupando todos os espaços, até para fora dos bancos.

Todos cantavam a “Ave Maria”, pedindo graças para o sacerdote pregar com bastante unção sobre a Santíssima Virgem. Terminado o cântico, ele iniciava o sermão.

Após a prédica, o coro recomeçava a cantar, entoava a ladainha de Nossa Senhora e outras orações em louvor a Ela.

Ao final, era dada a bênção do Santíssimo Sacramento. O momento culminante da cerimônia ocorria quando o sacerdote se voltava para o povo, portando nas mãos o ostensório sob a forma de sol com raios de ouro, dentro do qual estava o Santíssimo Sacramento, e, diante de todo o povo genuflexo, dava a bênção, voltando-se com a Hóstia Sagrada para todos os lados da igreja.

Depois depositava o ostensório novamente sobre o altar, ajoelhava-se, rezava algumas orações e guardava o Santíssimo Sacramento no sacrário.

Em seguida, o sacerdote saía enquanto o coro cantava. A igreja estava tomada pelo perfume do incenso, largamente utilizado durante a bênção do Santíssimo para adorar a Sagrada Hóstia.

Atmosfera abençoada que se difundia

As associações religiosas se retiravam pela sacristia, e as pessoas retornavam para suas casas.

Entretanto, ficavam ainda alguns fiéis rezando na igreja. Era talvez um dos aspectos mais bonitos. Na igreja quase vazia, ouviam-se remanescentes de melodias sacras, sentiam-se restos de incenso flutuando pelo ar, o sacristão ia aos poucos apagando as várias luzes do edifício sagrado, revistando os confessionários, atrás dos altares, para ver se não ficara alguém nesses locais, e ia assim preparando a igreja para ser fechada.

Até esse momento, permaneciam ainda algumas almas aflitas, recolhidas diante deste ou daquele altar: ora era uma velhinha, ora um rapagão imenso, ora um senhor obeso e atingindo largamente os seus 50 ou 60 anos, ora uma mãe de família de meia idade, ora uma criancinha. Todos rezando com afinco junto a uma imagem e pedindo uma graça espiritual ou temporal, de que muito necessitavam.

Por fim, o sacristão aparecia e, para dar a entender que era preciso sair da igreja, ao invés de pôr as pessoas para fora, ele sacudia um molho de chaves. Todos entendiam que era preciso sair, e só então o templo esvaziava. Quer dizer, os filhos da Igreja ficavam dentro dela o tempo que pudessem.

Quando terminava a bênção, eram 9h, às vezes 9h30, hora relativamente tardia para a São Paulo daquele tempo. Nas ruas desertas, podiam-se acompanhar os últimos fiéis que saíam, andando devagarzinho: uma senhora com uma bolsa na mão, mais adiante um homem com ar sofrido, outro que estava alegre, esperançado, dispersavam-se aos poucos como se fossem as últimas bênçãos da igreja que se difundiam para os vários cantos da cidade.

O relógio da torre da igreja: símbolo da relação entre o pensamento da Igreja e o do homem

Ficava aquela torre voltada para o céu, o relógio indicando as horas noite adentro, silêncio em volta, as nuvens, a Lua, o tempo, tudo passando à espera da manhã seguinte, quando o templo abrisse de novo as suas portas, de madrugadinha, e em que se vissem muitas daquelas mesmas pessoas da véspera voltarem, às vezes nas madrugadas frias e ventosas de São Paulo, e entrarem na igreja que representava, ao mesmo tempo, um refúgio para a alma e um abrigo contra as ventanias que sopravam sobre o corpo. Iniciava-se, então, uma cerimônia religiosa ainda mais augusta e mais solene do que a da véspera: a Missa. Era a vida da igreja que recomeçava quando a cidade acordava. Era uma verdadeira beleza!

O simbolismo do relógio na torre das igrejas é lindo! Não é direta e principalmente para que o transeunte o olhe e veja que horas são; tem acidentalmente também essa finalidade, mas o objetivo principal é outro. Os pequenos relógios particulares eram menos pontuais do que os grandes que encimavam as torres. Por isso, estes serviam para que todos acertassem por ele os ponteiros dos relógios cambaios.

Esse era o símbolo da relação entre o pensamento da Igreja e o do homem. O homem acerta o seu pensamento pelo da Igreja — porque a Igreja não erra nunca, e ele pode errar —, assim como acerta o seu relógio pelo relógio estável, que os padres mantinham pontual. Essa era a beleza do relógio da torre da igreja.

A coroação de Nossa Senhora

No encerramento do mês de Maria, no dia 31, em todas as igrejas, Nossa Senhora era coroada Rainha. Colocava-se no presbitério, bem na frente, uma pequena construção artística, de madeira, que variava de acordo com a imaginação e o gosto do vigário e das pessoas da paróquia, mas comportava essencialmente um lugar muito alto onde havia uma imagem da Santíssima Virgem toda cercada de flores, uma escadinha por onde, em geral, uma criança levava uma coroa e com ela coroava Nossa Senhora Rainha.

Todo o povo permanecia genuflexo, o órgão tocando a todo volume, o coro cantando, proclamava-se, assim, a realeza de Maria Santíssima.

Feita a coroação, um grupo de pessoas designadas pelo vigário tomava a imagem de Nossa Senhora e formava um cortejo; o vigário ia atrás com a capa magna, e davam uma volta pelas várias naves da igreja com a imagem coroada. Em seguida, colocavam-na de novo no seu trono. Depois disso vinham diversas orações, e estava terminado o mês de Maria.

O mês de Maria acabava deixando umas saudades enormes! Todo mundo gostaria que o ano litúrgico inteiro fosse um perpétuo mês de Maria.

Eu espero que quando chegar o Reino de Maria isso seja assim, e que da vitória de Nossa Senhora, prevista em Fátima, até o fim do mundo nós tenhamos um imenso mês de Maria, em que todos os dias a Santíssima Virgem seja festejada e se aclame a glória d’Ela, vista como Rainha do Universo.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 31/5/1975)

Revista Dr Plinio Maio de 2015

O órgão, o vitral, a ogiva

Três luzes emanadas da Civilização Cristã que, sendo representações sensíveis de Deus, elevam as almas a uma atmosfera celestial.

 

O órgão tem esta coisa maravilhosa: é uma “penumbra sonora”, feita exatamente de som e silêncio. Porque, ainda que soe com todos os registros, o órgão tem dentro de si qualquer coisa de aveludado e silencioso, que é um dos seus melhores charmes, e que mais casam com a penumbra visível da Igreja. Assim é o misto de silêncio e som que há no órgão.

O instrumento de todas as inocências

Entretanto, o órgão quase não comporta a descontinuidade sonora total. Aquele som vai e vai… Sempre mantendo uma harmoniosa ligação com os sons anteriores.

A pessoa que, a partir de um instrumento rudimentar, deu ao órgão as características que conhecemos hoje, poderia ser chamada de “profeta” em matéria de música.

A meu ver, o órgão tem isto de fabuloso: há nele registros que remetem diretamente para o mais admirável da inocência e que fazem dele, quando bem tocado, o instrumento de todas as inocências.

Se fôssemos falar propriamente da inocência na sua maior abertura de asas, deveríamos imaginá-la como um órgão. Ela transforma a alma do homem num instrumento capaz de tocar todas as músicas, à maneira do órgão.

Assim, enquanto não conseguirmos fazer sair das profundidades de nosso ser, não a catedral “engloutie”(1), mas o órgão “englouti”, não teremos feito nada.

Toda alma tem, com variantes, um “órgão metafísico” para tocar em função do universo, e a descoberta desse “órgão” é o fim da nossa vida. Quando descobrirmos isso, estaremos prontos para o Céu. Isso se refere, inclusive, ao escopo da vida de piedade.

Representações sensíveis de Deus

A Santa Igreja tem algo por onde ela relaciona os homens à maneira dos tubos de um órgão. Por isso, a Igreja Católica, bem constituída e vista na sua inteira normalidade, pode ser comparada a um imenso órgão ou a um imenso vitral, porque o vitral faz com as cores o que o órgão realiza com os sons; é o mesmo princípio aplicado em matéria cromática.

Trata-se, portanto, de formar uma visão da ordem temporal sacral, dentro da ordem do universo na qual o homem se encaixa, iluminado por este “lumen uno” da Igreja, que ela soube exprimir através do órgão e do vitral, mas que é um estado de alma, uma supra virtude, uma superposição de temperamento, que eu tenho a impressão de que é uma das graças, das mais genuínas, do Espírito Santo.

Em Pentecostes uma chama baixou e depois se dividiu em várias línguas de fogo. Assim também, o “unum” dessa graça estaria nessa chama originária, que depois se transformou nos vários tubos de um órgão ou nas várias cores de um vitral. É a regra da reversibilidade entre unidade e variedade que está aqui refletida. Variedade levada até quase ao infinito, partindo de uma unidade que se desdobra em guirlandas sem se depauperar em nada.

E, a bem dizer, com uma semelhança estupenda com Deus, que sem Se empobrecer e sem Se cansar em nada, no fulgor de sua glória, cria. Também esse “unum” não se exaure, não empobrece, até se alegra em emitir de dentro de si as mais valiosas variedades, sem sofrer o menor abalo. Quase o motor imóvel de tudo o que ele mesmo pôs em movimento.

Este é o “unum” do órgão, que é o mesmo do vitral: são representações sensíveis de Deus, motor imóvel.

O órgão tem uma forma de beleza própria à polifonia, diversa da beleza austera do cantochão. Entretanto, o canto gregoriano e o órgão não se contradizem, ambos são sublimes. Enquanto o gregoriano afirma: “vaidade das vaidades, tudo não é senão vaidade”(2), o órgão parece dizer: “harmonia das harmonias, tudo não é senão harmonia”.

Por outro lado, vejo no órgão o mesmo que na ogiva e em outras coisas da Idade Média: uma ordem magnífica.

O sublime, o paradisíaco e o alcandorado

Nem tudo o que é humano, nesta Terra, é sublime, mas o órgão seleciona, dentre os sons humanos e terrenos, os sublimes, procurando elevá-los a um estado paradisíaco. O estilo gótico, por sua vez, busca o mesmo em matéria de arquitetura.

Poderíamos dizer que metade do espaço ocupado pelo gótico e pelo órgão é sublime, e a outra metade é paradisíaca. Na ponta transparece o alcandorado e a esperança do Reino de Maria.

Já a coexistência tão ordenada desses três valores — o sublime, o paradisíaco e o alcandorado — dá uma plenitude muito repousante e que prepara para o alcândor. O gótico é uma espécie de santa preparação para chegar ao alcândor. Reúne tudo quanto nossa natureza é capaz de pegar e vai ordenando para perceber a ponta do sublime, e é nisto que me parece estar o mais belo do gótico.

Vemos, assim, o equilíbrio com que devemos pensar no alcândor do Reino de Maria, que não desprezará nem o sublime nem o paradisíaco. Mas assim como Nosso Senhor subiu, caminhando com seus pés divinos, até o alto do Monte das Oliveiras para ali operar sua Ascensão aos céus(3), na qual já não necessitaria empregar a força de seus membros, também no Reino de Maria se ordenarão esses valores sublimes e paradisíacos para, a partir dessa elevação, ascender-se ao alcandorado.

Lembro-me da primeira vez em que eu vi uma ogiva em estilo gótico “flamboyant”. Exclamei: “Ah, que maravilha! Era o que faltava e que eu não tinha talento para imaginar. Que coisa estupenda, maravilhosa!”

Depois ouvi alguém criticá-la, mostrando o que ali havia de transição revolucionária para a Renascença. Pensei: “Lá vem o famoso mau espírito demolidor, a tal acusação seca e destruidora do bom espírito”. Mas depois compreendi que a pessoa tinha razão, pois no modo daquela chama se agitar já entrava algo da Renascença.

Porém, em si, o princípio de que a ogiva tão bonita floresceria numa ordem que a transcenderia, me encantou. Era algo que subia para o alcandorado, cujo voo a pré-Renascença desfigurava.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 6/4/1978 e 16/11/1979)

 

1) Do francês: submersa. Referência a uma lenda bretã segundo a qual os sinos de uma catedral submersa no mar faziam ouvir seu bimbalhar, em certas ocasiões, trazendo à tona a memória do magnífico templo e da belíssima cidade onde ele fora erigido.

2) Cf. Ecl 1, 2.

3) Cf. At 1, 12.

O Santíssimo Sacramento e a misericórdia de Nossa Senhora – II

Maria Santíssima é Mãe de misericórdia e nos considera com bondade indizível. O auge da bondade d’Ela não está em nos deixar no pecado e nos olhar com compaixão, mas em nos obter graças pelas quais recebemos forças para sair do pecado e não mais ofender a Deus.

 

Na realidade, o homem encontra-se numa situação tal que lhe convém ser tratado com justiça, e por isso ele deve gostar de um trato que tenha a nota tonificante de justiça. A qualidade que ele tem lhe será reconhecida, e seu defeito também lhe será mostrado; tudo graduado de acordo com o que merece. Isso fortalece, faz bem, eleva o homem.

A importância de um braço amigo que nos sustente durante a prova

Por mais que isto seja assim, entretanto há momentos — e quantos são esses momentos! — em que a fraqueza humana aparece e o homem faz a seguinte reflexão: “Eu sei que deveria agir de tal modo e não fazer outra coisa. Vejo o peso que isto representa, e precisaria realizar um sacrifício. Porém esse sacrifício me dói. Estou disposto a fazê-lo aos poucos, mas como me faria bem se eu notasse que um olhar bondoso participa da minha dor e me diz: ‘É bem verdade, você tem que fazer esse sacrifício e a mim me dói. Eu até tomo sobre mim uma parte de seu sacrifício. Entretanto, meu filho, algo é intransferível e tem de ser feito por você, para sua glória, para seu bem. Você seria roubado se lhe fosse tirada a possibilidade de sacrificar-se. Faça o sacrifício, mas eu o olho com afeto, com compaixão durante esse tempo. Vamos para frente e coragem!’”

O homem, tratado assim durante a prova e na dor, recebe uma comunicação da força do outro. É como uma pessoa sem firmeza para andar, mas que é sustentada pelos braços de outrem. O passo é vacilante, ela anda, mas precisa de um apoio, um braço amigo que a sustente. Como não dizer “muito obrigado”? Como não sentir-se bem junto a esse braço amigo que ajuda? É evidente.

O inesgotável amor materno

Esse é bem o papel de Nossa Senhora. Ela é insondavelmente misericordiosa! Na ladainha ao Sagrado Coração de Jesus, uma das invocações é: “Cor Jesu, patiens et multæ misericordiæ, miserere nobis — Coração de Jesus, paciente e muito misericordioso, tende compaixão de nós”. A fonte de todas as virtudes é Ele. E na misericórdia, como em tudo o mais, Ele está infinitamente acima de Maria Santíssima.

Mas querendo fazer os homens sentirem, ao último ponto, a misericórdia de Nosso Senhor, Deus dispôs que ela fosse representada naquilo que é o amor mais desinteressado de que o homem pode beneficiar-se habitualmente nesta vida.

Nas épocas normais da humanidade, notamos nas relações familiares o seguinte: às vezes, o marido pode romper com sua esposa, o pai com seu filho, o filho com seu pai, os irmãos entre si; quanto aos outros graus de parentesco nem se fala! O filho pode até romper com sua mãe, mas é raríssimo a mãe romper com seu filho.

E esse amor materno vai tão longe, na ordem da natureza, que quando Jesus chorou sobre Jerusalém, antes de chegar ao Horto das Oliveiras, Ele disse: “Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes Eu quis reunir teus filhos, como a galinha reúne os pintinhos debaixo das asas, mas tu não quiseste!”(1). Para exprimir o extremo do seu amor, Ele quis compará-lo ao amor materno, mas neste grau, nesta forma: uma galinha em relação aos seus pintinhos! Ele recorreu a essa figura para nos fazer compreender, de modo tocante, o que há de inesgotável no amor materno.

Mãe das misericórdias insondáveis

Assim, Nosso Senhor dispôs que conhecêssemos e sentíssemos em sua Mãe quintessências de misericórdias que Ele deu a Ela e que nós, simplesmente na consideração do Redentor, não chegaríamos a perceber. Porque Ele é tão alto, tão perfeito, tão divino que nosso olhar não abarca tudo. Convinha, portanto, que a misericórdia d’Ele se fizesse como que outra pessoa para nós a conhecermos bem. Esta é Nossa Senhora.

Maria Santíssima fica tão bem ao lado de Nosso Senhor Jesus Cristo! Ela é Mãe de misericórdia, a nossa advogada. Nosso Senhor Jesus Cristo é nosso Redentor, nosso Mediador. Ele é também nosso Juiz e nos julga. E quando pensamos que Ele é nosso Juiz… Há um salmo que diz: “Si iniquitates observaveris, Domine, Domine, quis sustinebit? — Se observardes, Senhor, as iniquidades, quem, Senhor, se sustentará diante de Vós?”(2). Agora chegou o justo Juiz, perfeitíssimo, que conhece tudo, cujo olhar pousará sobre mim e verá meus defeitos… Eu adoro a exigência e a intransigência desse olhar. Mas, para usar uma metáfora, eu cambaleio e preciso que alguém me sustente.

Perto de mim tenho uma Mãe que é d’Ele e minha, a Mãe de misericórdia, quer dizer, se toda mãe deve ser misericordiosa por natureza, a Mãe de misericórdia tem misericórdias insondáveis, incontáveis, inenarráveis, a todos os momentos e de todas as formas! Ela é tão perfeita e tão pura, que nunca deu a Ele o menor desagrado, o menor desgosto. Ela é a criatura perfeita em que Ele deitou seu olhar e A amou inteiramente, porque Ela nunca, nunca, nunca fez outra coisa a não ser corresponder à graça de um modo perfeito.

O melhor da misericórdia de Maria Santíssima

Qual a impostação d’Ela a meu respeito? Ela vê meus defeitos, mas não julga. Ela cobre-me com o manto e diz: “Juiz inflexível e divino, Eu vos adoro! Este é meu filho, e ainda vou dar um jeito nele. Ajudai-o, dai-lhe mais graças. Eu o amo e peço por ele. Tenho com ele um vínculo especial. Ó meu Filho, vós sabeis o que é uma mãe, pois Eu sou vossa Mãe! Com o mesmo Coração materno com que Vos amo, Eu amo a ele. Sou Eu que Vos estou pedindo!”

E com estas palavras: “Sou Eu que Vos estou pedindo”, é claro, vem a misericórdia. Quer dizer, Nosso Senhor foi tão misericordioso que, querendo nos conceder uma misericórdia levada a um limite inimaginável, criou a Mãe d’Ele, de tal maneira que Ela pedisse por nós e obtivesse o que nós, sem Ela, não poderíamos obter.

Temos aí o papel de Nossa Senhora, ao lado de todas as inflexibilidades de que falei. E aí encontramos a razão para esperar. Esperar o quê?

Maria Santíssima tem pena de nós e nos considera com bondade indizível. O auge da bondade d’Ela não está em nos deixar no pecado e nos olhar com compaixão, mas em nos obter graças pelas quais nossa alma é tocada especialmente, e recebe forças correspondentes a nossa miséria para não pecar, de maneira que possamos sair do pecado. Aqui está o melhor da misericórdia: Ela, porque tem pena do pecador, dá a ele os meios de se curar. Nossa Senhora é a Rainha e o canal de todas as virtudes, a Medianeira de todas as graças. As virtudes que temos nos foram dadas porque Ela pediu. E as que não possuímos, podemos adquirir se Ela rogar por nós. 

As mil maneiras de Nossa Senhora nos socorrer

E o que a Santíssima Virgem fará? São mil coisas: ora será um apego que Ela faz cessar e a alma encontra o caminho livre diante de si; ora uma má companhia que Ela afasta; ora uma má influência a respeito da qual Ela nos abre os olhos e nós compreendemos que aquilo não serve; ora a nossa moleza contra a qual Ela dá de repente uma força que não supúnhamos ter e fazemos aquilo que não queríamos realizar.

Quer dizer, Nossa Senhora age de mil modos, cada um deles previsto pela sabedoria divina e atuando na alma de uma determinada forma. O fato é que Ela vai atendendo, socorrendo o homem de maneira a torná-lo capaz de cumprir aquele dever magnífico apresentado de um modo tão estupendo pela Moral Católica, mas diante do qual, às vezes, o homem estremece.

Rezem à Mãe de Misericórdia! Ela os ajuda a vencer, e com mérito. Porque em nenhum momento Maria Santíssima tira nossa liberdade. Se quisermos, não correspondemos à graça, mas o caminho está aplainado, o sorriso está dado e Ela chama: “Meu filho, venha!”

Quanta misericórdia entra dentro disso! A misericórdia tem isso de próprio: ela estimula especificamente a gratidão. A quem é misericordioso temos necessidade de tratar com misericórdia. E se algum homem na vida teve misericórdia conosco, um dia em que ele precise de nossa misericórdia, será para nós uma espécie de alívio tratá-lo com misericórdia. Há uma tranquilidade para a nossa alma: encontrei uma oportunidade de ser misericordioso com ele. Os misericordiosos obterão misericórdia. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/10/1981)

 

1) Cf. Mt 23, 37.

2) Sl 130, 3 (Nova Vulgata).

Maria Santíssima: Rainha a dois títulos

Nossa Senhora é Rainha porque é Mãe de Deus. Ninguém teve, nem pode ter, com a Santíssima Trindade uma união mais estreita do que Ela. A Santíssima Virgem é, por excelência, a Filha do Padre Eterno, a Mãe do Verbo Encarnado e a Esposa do Espírito Santo, que gerou n’Ela Nosso Senhor Jesus Cristo.

Além disso, Ela é Rainha porque a Providência colocou o governo de todas as criaturas nas mãos d’Ela. Quer dizer, sendo a Medianeira de todas as graças, as orações que sobem a Deus devem passar por Ela. Se o Céu inteiro pedisse algum favor sem Ela, não obteria. Maria Santíssima pedindo sozinha obtém. Isto é ser Rainha, na maior força do termo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 31/5/1969)

Revista Dr Plinio 208 (Maio de 2016)

Refúgio por excelência

Está na perfeição de Maria Santíssima ser um imenso, perene e contínuo refúgio para todos os seus filhos, de modo especial em relação aos pecadores, sejam eles quais forem, culpados de faltas leves ou graves. Tudo que diz respeito a Nossa Senhora é admirável, extraordinário, excedendo a nossa capacidade de cogitação. Assim também a sua disposição em amparar os que andaram mal, em perdoar pecados de tamanho inimaginável e ingratidões insondáveis, desde que a alma se volte para Ela e Lhe peça o maternal auxílio.

A Mãe de Deus pode cobrir tudo, proteger tudo, alcançar toda espécie de perdão para toda espécie de crime. Ela é, na verdade, o nosso refúgio por excelência.

Sabor das coisas celestiais

Senso católico, o espírito bom e reto são dons de Deus, e não algo que o homem seja capaz de adquirir com o mero exercício de sua inteligência. Esta alcançará aqueles movida e vivificada por uma ação sobrenatural procedente do Divino Espírito Santo. Por isso devemos rogar esses dons com empenho, humildade e insistência, persuadidos de que só assim nos serão outorgados.

Donde as tocantes e belas preces recitadas pela piedade católica, enriquecidas de modo extraordinário pelas suaves harmonias do canto gregoriano: o “Veni Creator Spiritus e o Veni Sancte Spiritus”.

Orações e cânticos nos quais rogamos com particular empenho a assistência da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, para que venha e encha os corações de seus fiéis, e neles acenda o fogo do seu amor. Ressalta-se a ideia de que nossa alma é templo do Espírito Santo, e desejamos que Ele desça do Céu — como já o fizera em Pentecostes — com intensidade ainda maior, uma plenitude cada vez mais plena, e habite em nosso interior. Então nos abriremos para os grandes pensamentos, as pujantes volições, as ilimitadas generosidades, as profundas percepções, ao crescimento na fé, esperança e caridade, e nos entregaremos ao necessário e superior esforço da nossa santificação.

Além disso, ao pedirmos que acenda em nosso peito o fogo do seu amor, suplicamos ao Divino Espírito Santo a graça de termos nossa alma repassada do desejo dos tesouros sobrenaturais, da apetência para a virtude, da contemplação das verdades eternas. E possamos assim, sob o influxo de sua luz infinita, saborear sempre o que é reto e gozar das suas consolações inexcedíveis.

Anseio tanto mais essencial e benéfico quanto, no mundo contemporâneo, corre-se o risco de se esquecer do sentido e do sabor das coisas retas. A civilização hodierna, com seus atrativos e seduções, não raro ofusca a admiração pelos monumentos e obras que ilustraram os séculos áureos da Cristandade, abrindo caminho, perigosamente, para o aumento da imoralidade, da agitação, desordem e subversão de todos os valores.

Longe vai o tempo em que se encontrava maior entretenimento na estabilidade de alma e na consideração das coisas retas. Estas são tidas muitas vezes como insípidas, sem se compreender as delícias que nos podem proporcionar. Que dizer, então, daquelas coisas imensamente retas, as que nos remetem para o Céu e nos dirigem para Deus?

Ora, esse gosto do que é reto, honesto, direito, nos é dado pelo Espírito Santo, e devemos implorar seja restaurado em nós.

Queira a Santíssima Virgem, sua Esposa Imaculada, na qual Ele encontra a plenitude de suas complacências, obter-nos esse favor inestimável de aprendermos a degustar sempre as coisas retas, elevadas, sublimes, o sabor daquilo que, na Terra, nos fala do Céu… 

 

Com filial intimidade…

A par de uma convicção profunda de tudo quanto a doutrina católica nos ensina a respeito da Santíssima Virgem, em nossa devoção a Ela devemos manifestar também uma espécie de “aisance”, de desembaraço, de intimidade de filhos os quais, embora se saibam muitas vezes indignos de serem atendidos pela Mãe, apresentam-se diante de Maria com inteira confiança, seguros de obterem seu amparo, seu socorro, seu sorriso…

Essa filial desenvoltura, estejamos certos, é o ponto de partida inefavelmente suave de uma sincera e viva devoção a Nossa Senhora. 

Plinio Corrêa de Oliveira

Luz de nossas almas

Quisera eu que um raio de graça descesse sobre cada um de nós, e nos fizesse compreender que, em relação a Nossa Senhora, devemos ser como era o Menino Jesus: filhos intimíssimos d’Ela, cientes de que sua misericórdia nunca se cansa, seu perdão jamais nos é recusado, e seu maternal sorriso sempre nos é concedido, adiantando-se a nós e para Ela nos atraindo.

Que o olhar da Virgem Santíssima seja a luz interna de nossas almas e a estrela que nos guie pelo mar tempestuoso desta vida.

(Palavras de Dr. Plinio em 6/5/1968)

A consagração ao Imaculado Coração de Maria

“Jesus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. A quem a abraçar, prometo a salvação; e serão queridas de Deus estas almas, como flores postas por Mim a adornar o seu trono” — afirmou a Santíssima Virgem em Fátima, há 90 anos. Como Dr. Plinio nos mostra a seguir, esse maternal e consolador apelo de Nossa Senhora conserva, mais do que nunca, toda a sua atualidade.

 

Fiéis à admirável vocação de seu Bem-aventurado Fundador, os Padres do Coração de Maria estão desenvolvendo um intenso trabalho no sentido de promover o maior número de consagrações ao Coração Imaculado da Mãe de Deus, consoante, aliás, o precedente do Santo Padre Pio XII, que lhe consagrou todo o mundo.

Refletido e profundo ato de piedade

Uma das características da devoção que devemos tributar a Nossa Senhora, consiste sem dúvida em ser terna. Entretanto, a devoção não se faz só de ternura, de efusões sentimentais e afetivas. Para ser sólida, é preciso que se funde em conhecimentos precisos, exatos, lógicos. Só da Verdade bem conhecida pode sair o amor durável e sincero. A piedade deve ser firmada no estudo da doutrina católica. É aí que ela há de encontrar seu melhor fundamento, sua verdadeira raiz.

Quando a Igreja promove a consagração de Nações, Dioceses, famílias ou pessoas ao Coração Sacratíssimo de Jesus, ou ao Imaculado Coração de Maria, tem em vista que as criaturas assim consagradas formulem a resolução de pertencer de modo particular ao Coração de Jesus ou ao Coração de Maria, obedecendo-Lhes mais fielmente as leis, tomando-Os mais perfeitamente por modelos, e, reciprocamente, recebendo de modo todo especial sua particular e vigilante atenção.

Assim, a Consagração não é um mero rito, uma fórmula vaga, a ser recitada em momento de emoção piedosa. Ela é antes de tudo um ato refletido, deliberado, voluntário e profundo, que implica no propósito de uma mais perfeita integração na doutrina e na vida da Santa Igreja Católica, o que é o único modo real de pertencer a Jesus e a Maria.

Compreende-se facilmente que este ato tanto pode ser feito por pessoas da mais alta virtude, quanto por almas que ainda estão nos primeiros passos da vida espiritual. A uns e a outros, será utilíssimo, porque atrairá para quem o faz uma proteção toda especial da Providência, e, com isto, garantias particularíssimas de salvação.

Meio mais rápido e fácil de se unir ao Sagrado Coração de Jesus

Nosso povo compreende facilmente que alguém se consagre ao Sacratíssimo Coração de Jesus. Essa magnífica prática já tem sido posta em ação freqüentemente, e, graças a Deus, são numerosas as famílias que, hoje, se encontram consagradas ao Coração de Jesus, com o que manifestam o propósito de conformar toda a sua existência com o Sagrado Coração de Jesus, vivendo vida verdadeiramente piedosa e cristã, santificando os deveres de estado, vivendo-os com espírito intensamente sobrenatural e mortificado, e recomendando-se especialmente, para o êxito de tais propósitos bem como para a obtenção de todas as graças, ao Coração Divino que é a fonte, por excelência, de todo bem.

Entretanto, é menos freqüente que se compreenda entre nós a consagração ao Coração Imaculado de Maria. Não faltará, talvez, quem veja em um e outro ato alguma antinomia. Como pertencer ao mesmo tempo a dois senhores, obedecer a dois corações? Uma consagração não contradirá ou anulará a outra?

Nada de mais inconsistente. A consagração ao Imaculado Coração de Maria é um complemento da que se faz ao Coração Sacratíssimo de Jesus; não um complemento supérfluo, por certo, mas um complemento precioso e admirável, que dá à Consagração ao Coração de Jesus uma realidade e uma plenitude admiráveis.

O Coração de Maria é por excelência o reino do Coração de Jesus. A união de ambos os Corações é tão perfeita que há escritores que por assim dizer os fundem em um só, referindo-se ao Coração de Jesus e de Maria. Toda a piedade marial assenta sobre esta verdade fundamental de que Maria Santíssima é o canal pelo qual se chega a Jesus, é a porta, a vida, o caminho por excelência, onde com maior segurança, mais rapidez, mais facilidade, encontramos Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, a consagração ao Imaculado Coração de Maria é o meio mais seguro, mais fácil, mais rápido de conseguirmos a consagração ao Coração Sagrado de Jesus.

Com efeito, pronunciar um ato de consagração é fácil. Consagrar-se sinceramente, seriamente, a fundo, é muito mais difícil. Para conseguirmos as condições necessárias para uma perfeita consagração a Nosso Senhor nada mais perfeito, mais seguro, mais útil do que consagrarmo-nos a Maria Santíssima.

O Cristocentrismo consiste em ter a Nosso Senhor Jesus Cristo como centro de tudo. Ora, só será verdadeiro o Cristocentrismo que nos conduz ao centro pelo verdadeiro caminho. E esse caminho é Nossa Senhora.

Mais atual do que nunca

A consagração ao Coração Imaculado de Maria é mais atual do que nunca. Mais do que nunca, o mundo atribulado por mil vicissitudes de toda ordem, precisa de um coração materno que dele se condoa. Mais do que nunca, pois, torna-se necessário que apelemos para o coração de nossa Mãe, que imploremos, fazendo tanger suas fibras mais sensíveis, suas cordas mais íntimas, toda a sua misericórdia, todo o seu amor, toda a sua assistência.

Se o Santo Padre Pio XII consagrou o mundo inteiro ao Coração de Maria, imitemos seu gesto, completemo-lo por assim dizer, consagrando-nos sem reservas ao mesmo Coração Imaculado. Estaremos dentro dos desejos do Papa, dentro das vias da Providência Divina. 

 

(Transcrito da revista Ave Maria, n. 31, julho de 1943)

Como celebrar o mês de maio

Para ajudar nos a louvar devidamente a Mãe do Céu, no mês especialmente consagrado a Ela, Dr. Plinio nos sugere uma oração, diversas reflexões e uma conveniente atitude de alma.

 

Segundo a bela tradição católica, o mês de maio é dedicado a Nossa Senhora, e nada de mais próprio do que seus filhos e devotos festejarem-Na. É a ocasião de Lhe tributarem, de modo especial, toda a veneração, amor e carinho que lhes inunda o coração. É também a época de se solidarizarem de maneira mais profunda com Ela em suas apreensões de Mãe pela salvação das almas e pelo bem da Santa Igreja.

Provas de nosso amor

Para Lhe render essa homenagem, devemos começar por dizer a Nossa Senhora que reconhecemos ser Ela uma razão constante de alegria para os católicos, em todas as circunstâncias. Maria Santíssima é de tal maneira a “Causa nostrae laetitiae –  causa de nossa alegria”, como A invoca a Ladainha Lauretana -, que o foi até mesmo na mais triste das situações, ou seja, quando seu Divino Filho padeceu e morreu pela redenção do gênero humano. Durante a Paixão, a presença d’Ela era um elemento de alegria e de satisfação para nós.

Devemos compreender, além disso, que o nosso preito filial não pode consistir meramente em comemorar as alegrias que Nossa Senhora nos dá, mas tem de comportar igualmente a consideração do que Ela sente ao ver as almas em perigo, ao ver a imensidão dos pecados que se alastram sobre a face da terra, ao ver filhos que Ela tanto ama, extraviados nos caminhos da perdição. Daí a nossa repulsa vigorosa ao mal que A entristece, e o nosso desejo de repará-La, e a seu adorável Filho, ser o termômetro de nossa entranhada veneração a Ela.

Pedir as graças que os outros recusam

Se, porventura, tomamos consciência de que esse nosso amor mariano é débil e fraco, devemos fazer um pedido a Nossa Senhora.

Por sua onipotente intercessão, a Santíssima Virgem faz chover de modo contínuo sobre o mundo graças de devoção e de fidelidade a Ela, assim como graças de repúdio ao mal e às tentações do demônio. E, infelizmente, essas graças não são recolhidas nem correspondidas da maneira tão ampla como deveriam ser. Muitas delas caem em chão arenoso ou em pedras onde não desabrocham. Devemos, então, ser sensíveis a essa prodigalidade de dons celestiais, não permitir que se desperdicem, e dirigir a Nossa Senhora esta súplica:

“Ó minha Mãe, por vossa insondável misericórdia, concedei-me todas as graças que os outros não aproveitam. Enchei minha alma com as dádivas divinas que reservastes para terceiros e que foram recusadas. Desse modo, correspondendo eu, amparado por vosso maternal auxílio, poderei reparar em algo a tristeza que representa para Vós a visão dessa caudal de graças sem aproveitamento. E que assim, ao menos neste vosso mísero escravo, resplandeça o dom feito aos homens. Amém.”

É uma prece a ser feita em todos os dias do mês de maio, por aqueles que se sentirem movidos interiormente a isso. Por exemplo, ao recebermos a Sagrada Eucaristia, expressemos a Nosso Senhor, por meio de sua Mãe Santíssima, o nosso desejo de que essas graças se recolham em nossa alma, que sejamos tochas ardentes de amor a Eles, e o receptáculo de todo espírito de incompatibilidade com o pecado e o mal, que devem caracterizar o verdadeiro católico.

Maria jamais nos abandona

Para aproveitarmos de modo útil o mês de maio, além de conservar essas intenções, seria interessante dedicar cada dia a alguma reflexão sobre Nossa Senhora, que alimente nosso Rosário e nossa piedade.

Nesse sentido, evoco aqui um fato passado numa antiga cidade polonesa, na ocasião em que estava sendo invadida por cruéis inimigos da religião católica.

Não podendo mais resistir, os habitantes fugiram, abandonando tudo. Ali vivia São Jacinto, digno filho de São Domingos de Gusmão e ardentíssimo devoto de Nossa Senhora. Antes de escapar dos agressores, foi se despedir da Padroeira da cidade, uma bela imagem da Virgem Santíssima, talhada em alabastro. Enquanto se recomendava a ela, ouviu-a distintamente murmurar: “E eu? Tu me abandonas? Leva-me contigo!”

O santo não sabia o que fazer. A imagem era muito pesada, não a podia carregar sozinho. Porém, apenas a tentou tomar em seus braços, sentiu-a leve como uma pena. A imagem perdeu todo o seu peso, por um milagre da poderosíssima Mãe de Deus. Surpreso e admirado, São Jacinto a estreitou devotamente e tomou com ela o caminho da fuga.

Este episódio nos mostra como Nossa Senhora preza suas imagens, como se sente representada dignamente por elas, e como não deseja que se faça a elas o que não é respeitoso nem correto fazer a Ela mesma. Maria obrou um prodígio para que sua imagem fosse levada embora de um local onde provavelmente seria profanada pelos que ameaçavam a cidade.

Por outro lado, vemos como Nossa Senhora se compraz em nos acompanhar através de suas imagens, e quer que as imagens d’Ela nos acompanhem. E assim operou um verdadeiro milagre para que a Padroeira acompanhasse seus filhos ao longo do êxodo que se viram obrigados a empreender. Uma imagem de alabastro, pesadíssima, além de se fazer ouvir pelo santo, torna-se leve e facilmente transportável. É um modo de Nossa Senhora nos dar a entender como deseja estar presente no meio de seus filhos.

Que aplicação colhermos desse fato para a nossa vida cotidiana?

Manifestando esse desejo de que suas imagens sejam de seus filhos, Nossa Senhora quer fazer notar quanto nos acompanha em todas as vicissitudes e em todas as circunstâncias de nossa existência. Se um símbolo d’Ela não nos abandona, quanto menos nos abandonará a própria Simbolizada!

Quer dizer, em qualquer situação em que estejamos, em todas as latitudes, em todas as longitudes, nas maiores elevações como também nos períodos mais tristes de nossa vida espiritual, há um olhar de Nossa Senhora que nos segue. Há uma proteção e uma providência particular de Maria Santíssima que nunca nos perde de vista e jamais nos abandona.

E essa certeza nos deve dar exatamente uma sensação de tranqüilidade em relação às vicissitudes desta vida. E o pensamento que deve nortear nossos dias, especialmente ao longo do mês de maio, é este: Nossa Senhora é minha Mãe e não me deixará sozinho. Ela nunca desvia de mim seu olhar maternal, sobretudo naqueles momentos em que tanto preciso das graças que Ela alcança, para progredir ou para não regredir na minha piedade, ou para qualquer outra necessidade, seja espiritual, seja temporal.

Cumpre insistir, a Virgem jamais nos desampara. Pois se uma imagem de alabastro – que, afinal, não é senão alabastro – vai ao encalço dos devotos dela, mais ainda velará Maria, em pessoa, por todos e cada um de seus filhos. Nossa Senhora irá ao meu encalço como a divina Pastora que Ela é. E posso ter, portanto, essa serenidade e essa segurança no transcurso de minha vida: a todo instante pairam sobre mim a proteção e o olhar de nossa Mãe Santíssima.