Oração: Mãe também dos pecadores

Ó Deus, infinitamente bom e justo, tendes o direito de estar irado contra mim, que tanta ofensa Vos fiz. Entretanto, vossa Mãe é também a minha, e Ela conserva para comigo solicitudes, cuidados e paciências que todas as verdadeiras mães têm para com seus filhos. E nesta incansável misericórdia de Maria, tenho eu posto todas as minhas esperanças. Sede, pois, ó Senhor, paciente para comigo, porque assim o é vossa Santíssima Mãe!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/4/1992)

Nossa Senhora Porta da Aurora

Nossa Senhora é invocada pela Lituânia como Porta da Aurora: através d’Ela vem o Sol. Evidentemente, é uma alusão à Maternidade Divina. O Sol do gênero humano é Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem‑Deus. A Porta pela qual o Homem‑Deus veio à Terra foi Nossa Senhora. A Aurora formou‑Se n’Ela. A noite de Natal prenuncia a Aurora: a aurora da meia noite. É a noite mais alegre do ano. E não há dia, no ano inteiro, em que a Luz seja mais intensa para as almas do que na noite de Natal.

Assim, voltemo-nos para Nossa Senhora Porta da Aurora, que também pode ser a Aurora do Reino de Maria e da Civilização Cristã, para implorar sua proteção.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/6/1990)

Madonna del Miracolo: altíssima obra de Contra-Revolução

Num mundo em que o demônio, através da impureza e do orgulho, vai arrastando as almas para a Revolução, Nossa Senhora nos comunica o gosto pela despretensão e pela castidade. Estas são considerações de Dr. Plinio ao analisar o quadro de Nossa Senhora do Miracolo.

 

Ocorreu-me a ideia de fazer um “Ambientes, Costumes e Civilizações”, procurando exprimir os imponderáveis existentes no quadro de Madonna del Miracolo, ou Nossa Senhora do Milagre.

A figura é muito semelhante à de Nossa Senhora das Graças, um pouco alterada.

Maria Santíssima está vestida como se trajavam as senhoras no tempo de sua existência terrena: uma túnica grande e uma capa. Esta é azul-celeste, a cor de Nossa Senhora; a túnica é de um discreto rosado, enquanto que nas imagens de Nossa Senhora das Graças costuma ser branca. Ela está com a fronte encimada por uma coroa, o que as imagens de Nossa Senhora das Graças geralmente não têm. Um círculo de doze estrelas serve a Ela de resplendor. É uma alusão à aparição de Nossa Senhora no Apocalipse. Como se pode notar, Ela não está esmagando a cabeça da serpente. Das suas mãos partem raios em abundância, que significam as graças por Ela concedidas.

Misto de grandeza e misericórdia

Sua fisionomia é discretamente sorridente. Maria Santíssima não está propriamente sorrindo, mas olhando para a pessoa que está ajoelhada diante d’Ela, de um modo muito afável, acolhedor, com uma enorme vontade de atender o pedido, de ajudar. Mas, ao mesmo tempo — e as coisas se completam bem —, Ela é muito régia, não só por causa da coroa, mas ainda que se Lhe tirassem a coroa. Notem o porte d’Ela. Tem-se a impressão de que é uma pessoa alta, esguia, muito bem proporcionada, e qualquer coisa de imponderável da consciência de sua própria dignidade aí transparece. Quer dizer, percebe-se que é uma Rainha, muito menos pela coroa do que pelo seu todo; enfim, pelo misto de grandeza e de misericórdia que d’Ela emanam.

Efeito apaziguador

Parece-me que o elemento mais tocante dessa imagem é algo de inexprimível, que, à primeira vista, não encontra sua explicação em nenhum elemento concreto do quadro. Não só por causa do sorriso, mas é um todo que vou tentar depois explicar; essa imagem trás consigo qualquer coisa de apaziguador. Quem olha para essa estampa tende a ficar apaziguado, serenado, tranquilizado, como quem tem as suas más paixões em agitação acalmadas, suas angústias favorecidas por uma distensão, por certa calma, como se ouvisse: “Meu filho, Eu dou jeito em tudo, Eu arranjo tudo, não se impressione, haverá um modo. Eu estou aqui ouvindo-o; você precisa de tudo, mas Eu posso tudo, e o meu desejo é de lhe dar tudo. Portanto, não tenha dúvida, espere mais um pouco. Mas super abundantemente você terá o que Eu quero”.

Acima de tudo, a imagem — a meu ver, este é seu elemento mais apaziguador e encantador — tem qualquer coisa indicando que Nossa Senhora Se oferece à pessoa que está diante d’Ela, dizendo-lhe: “Meu filho, Eu sou toda sua, você pode pedir o que quiser. Eu para você não tenho reservas, recuos, recusas e nem recriminações pelos seus pecados. Eu o estou olhando num estado de alma, numa disposição de ânimo, por onde você de Mim consegue tudo o que você pedir e muito mais ainda”.

A estampa deixa isso tudo em certo mistério; mas um mistério suave, diáfano, mais ou menos como o de um dia com céu muito azul em que se pergunta o que haverá para além do azul; não é um mistério carregado, de um dia nublado, onde se indaga o que existirá por detrás das nuvens. Maria Santíssima como que diz o seguinte: “Se você conhecesse o dom de Deus, se soubesse quanta coisa Eu tenho para lhe dar, e que maravilhas há em Mim… Eu transbordo do desejo de lhas conceder. Como você compreenderia bem o que Eu sou se quisesse abrir os olhos para essas maravilhas!”

Esse apaziguamento que Ela comunica é uma espécie de primeiro passo para a pessoa que queira se deixar maravilhar. Recebendo esta misteriosa ação da graça, ela começa a admirar e perguntar o que a imagem está exprimindo.

Felicidade da pureza e da despretensão

Ela exprime uma excelsa impressão de pureza que quase ofusca, mas não de um ofuscamento que machuca. É tanta pureza que, no início, nem nos lembramos bem de pensar nesta virtude; de tal maneira é pura que, por assim dizer, transcende a pureza.

Contemplando essa estampa, a pessoa não só admira essa pureza, mas ela lhe comunica algo do prazer de ser pura. Muitos têm a ilusão de que a felicidade está na impureza; essa imagem faz com que se compreenda a inefável felicidade que a pureza dá, perto da qual toda felicidade da impureza é lixo, tormento, aflição. Nossa Senhora está inundada de felicidade, a qual é inseparável de sua pureza.

Outra coisa é a humildade. Maria Santíssima está aqui como Rainha, mas em sua atitude Ela faz abstração de toda a sua superioridade sobre a pessoa que reza diante d’Ela. E trata-a como se fosse, não digo de igual a igual, mas uma pessoa que tem proporção com Ela; quando nenhum de nós, e nenhum santo, tem proporção com Ela. Nossa Senhora é completamente fora de proporção em relação a todo mundo; entretanto Ela se coloca assim tão acessível!

Além disso, percebe-se que se Lhe aparecesse Nosso Senhor Jesus Cristo, Ela está toda feita para se ajoelhar e adorar. Nada existe n’Ela que contenha uma repulsa a reconhecer o que é mais alto. Pelo contrário, uma alegria: “Que maravilha! Apareceu quem é mais do que eu”. Compreende-se, então, o modo enlevadíssimo de Maria Santíssima olhar para Aquele que é Filho d’Ela e, ao mesmo tempo, infinitamente mais do que Ela.

Debaixo desse ponto de vista, n’Ela há,  entre outros traços, uma comunicação do prazer da humildade, da despretensão.

Vemos, então, de um lado, a felicidade inefável da despretensão. E de outro, a felicidade inefável da pureza.

Maria Santíssima e a Contra-Revolução

Diante de um mundo que o demônio vai arrastando para o mal, pelo prazer da impureza e do orgulho, Nossa Senhora nos comunica o gosto pela despretensão e pureza, como que dizendo suavissimamente, sem pito nem recriminação: “Meu filho você não se lembra dos tempos primitivos de sua inocência? Não se lembra de como você era antes de ter pecado? De como havia coisas boas em você? Olhe para Mim, abra sua alma, Eu restauro tudo isso. Venha! No caminho que conduz a Mim só existe perdão, bondade e atração. Venha logo!”

Não é difícil estabelecer uma relação entre esses dois traços e a Contra-Revolução. Maria Santíssima está aqui apresentada, não no seu aspecto belicoso, esmagando a cabeça da serpente, mas no seu lado materno, enquanto Ela procura tirar, pelo sorriso, das garras da Revolução aqueles que esta vai vitimando. E dessa maneira fazendo uma altíssima obra de Contra-Revolução.

Um espírito que se deixa influenciar por essa imagem fica sumamente propício à admiração, a admitir a hierarquia das coisas mais altas sobre ele; e a querer, pela sua própria dignidade, que todas as coisas abaixo dele também estejam em hierarquia. É uma coisa inteiramente evidente; entra pelos olhos.

Debaixo desse ponto de vista, sem querer dizer que esta imagem seja a de Nossa Senhora da Contra-Revolução, porque seria forçar a nota, poderíamos afirmar, entretanto, que, para quem luta pela Contra-Revolução, o quadro é de uma altíssima expressão quanto a um dos aspectos da Mãe de Deus, na sua permanente Contra-Revolução, até chegar o fim do mundo. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/1/1976)

Comunhão espiritual

Ó Santíssima Mãe de Deus, no momento em que me preparo para a comunhão espiritual, imploro vosso auxílio. Tenho em mente, de modo especial, o período santo e glorioso em que Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em vosso claustro virginal, estava convosco, noite e dia. E Vos peço que, pelos méritos de tal fase de vossa vida, me obtenhais um desejo ardente de receber, em meu pobre coração, o Santíssimo Sacramento.

Também tenho em mente, ó Mãe Santíssima, a vossa Primeira Comunhão, quando da celebração da primeira Missa no Cenáculo. Com que atos inefáveis de adoração, ação de graças, reparação e de petição recebestes então em vosso peito o Santíssimo Sacramento! E pondero com enlevo que, segundo é licito crer, daí por diante a presença eucarística se conservou em Vós ininterruptamente até o último instante de vossa vida terrena. Quantos atos de piedade perfeitíssimos fizestes então a vosso Divino Filho, ó Mãe!

Creio com toda a alma na presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo na Santíssima Eucaristia. E me recordo, neste momento, das numerosas Comunhões que tive a honra e o gáudio espiritual de receber ao longo de minha vida. Recordo-as com amor, gratidão e saudade, pois, para atender aos meus deveres de estado, estou privado dessa graça inefável, nas circunstâncias em que ora me encontro. A ideia de que, neste instante, eu poderia estar recebendo Nosso Senhor Jesus Cristo realmente presente na Sagrada Eucaristia me transporta de amor.

Não podendo comungar sacramentalmente neste momento, apresento-me, entretanto, a Ele na qualidade de escravo de amor. Faço-o por vosso intermédio, ó Santíssima Mãe de Deus e minha, e peço que me obtenhais um ardente desejo de receber a Comunhão sacramental agora mesmo, se tal fosse possível. E assim espero que esta comunhão espiritual seja bem acolhida pelo meu Divino Salvador.

Pelos rogos de Maria, os quais jamais deixais de atender, eu Vos peço, ó Senhor, que me obtenhais todas as graças necessárias para a minha pronta santificação. Amém.

Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, rogai por nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 22/8/1985)

Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

Imaculado Coração de Maria: lições de santidade Imaculado Coração de Maria: lições de santidade

Refletindo a respeito de uma piedosa invocação da Ladainha do Imaculado Coração de Maria, Dr. Plinio não se prende aos esquemas devotos tradicionais, mas tira conclusões inesperadas a respeito do materialismo que pode nos escravizar…

 

Como em geral acontece com as ladainhas compostas ao longo dos tempos pela piedade católica, as jaculatórias da Ladainha do Imaculado Coração de Maria sugerem, cada uma, desdobramentos e considerações que muito enriquecem nossa vida espiritual e nossa devoção à Santíssima Virgem.

Procuremos analisar, por exemplo, a invocação “Cor Mariae, in quo Jesus sibi bene complacuit”, que em português poderíamos traduzir assim: Coração de Maria, no qual o Coração de Jesus bem se compraz.

Plenitude de satisfação

Devemos começar por observar que este “bem” salienta a ideia do inteiro e perfeito comprazimento de que nos fala a jaculatória. Ou seja, o Coração de Maria possui uma tal excelência que, tanto quanto é possível à natureza criada, nada lhe falta, e por isso nele Nosso Senhor encontra uma satisfação completa, que não conhece névoa, que não tem limites nem máculas. Excetuando o fato de que o contentamento infinito de Jesus é e só pode ser com o próprio Deus, em tudo o mais Ele acha total alegria no coração e na pessoa de sua Mãe Santíssima.

Quer dizer, Nosso Senhor fita a Santíssima Virgem, olha-A, e ao vê-La, ao contemplá-La, ao analisá-La, experimenta o maior dos prazeres, um deleite indizível, que sobrepuja todas as outras delícias que Lhe proporciona a consideração de suas demais criaturas.

Não poderia ser diferente, em se tratando d’Aquela que foi escolhida, desde toda a eternidade, para engendrar em suas entranhas virginais o Filho e Deus; d’Aquela, portanto, em que tudo haveria de ser absolutamente puro e perfeitamente magnífico. Em todos os momentos de sua vida terrena, Ela não deixou de crescer em santidade, de um modo inimaginável. Cada graça que Deus lhe concedeu para se adiantar na virtude era correspondida com tal excelência que todo o progresso feito por Ela é insondável para a mente humana.

Assim, em todos os instantes da existência de Nossa Senhora neste mundo, Jesus teve com Ela um contentamento completo.

Mesmo nas ocasiões mais difíceis como, por exemplo, quando Ela se viu chamada a consentir na morte de seu Divino Filho, e através de uma anuência inteira, heroica, da qual não sobrasse nenhum resíduo, mesmo em situações como essa o procedimento de Maria foi perfeito, no sentido mais exato da palavra. Porque Ela era, enquanto mera criatura, absolutamente exímia. E, como reza a Ladainha, Nosso Senhor encontrou n’Ela a sua complacência.

Uma lição da sabedoria divina

Do fato desse comprazimento podemos tirar uma bela lição que Deus dá aos homens.

Com efeito, criou Ele magnificências materiais extraordinárias. Quantos mistérios haverá por todas as galáxias do universo? E quando nos detemos na análise dos micro organismos, dos seres pequenos, quantas novidades imensas se descobrem ao nosso maravilhamento! Todo esse fabuloso conjunto, incluindo os homens e os Anjos, constitui para Deus o objeto de uma eterna contemplação.

Ora, tendo Ele tanto a apreciar, todavia coloca acima de tudo, como fonte do supremo gáudio que pode tirar de suas criaturas, a consideração de Nossa Senhora. Ela que, enquanto ser criado, não é o mais alto pois na ordem da natureza o homem vem abaixo do espírito angélico -, porém, do ponto de vista graça, virtude e santidade, não só está acima de todos os Anjos, como é deles Rainha. É essa incomparável santidade, portanto, que Deus se compraz em considerar, e em auferir dela uma especial e completa felicidade.

Qual a lição que daí devemos colher?

É um ensinamento que combate o nosso fundamental materialismo. Infelizmente, a grande maioria dos homens está imbuída da ideia de que o verdadeiro prazer nesta vida consiste na posse de bens materiais, de qualquer natureza que seja: dinheiro, saúde e uma série de outras coisas que estão fora das vias da verdadeira felicidade do homem nesta terra.

Com efeito, sem engano podemos dizer que, nesta vida, encontra a felicidade autêntica quem é capaz de seguir o exemplo de Deus e fazer a sua alegria da consideração das outras almas e da virtude que nelas exista. O homem que passa pelo mundo procurando a virtude e a santidade para admirá-las, amá-las e servi-las, onde ele as encontra, aí se detém e põe seu prazer e seu júbilo. De maneira tal que ele tenha mais satisfação em estar numa choupana ou num leprosário conversando com um verdadeiro santo, do que no local mais magnífico em meio a pecadores.

Por quê? Porque o santo representa um particular reflexo, uma transparente manifestação de Deus. A alma de um santo possui uma perfeição que nenhuma beleza criada tem, e, por causa disso, aquele que sabe procurar os verdadeiros valores da vida, vai atrás da santidade, da perfeição moral dos seus semelhantes.

E quando a encontra, ele dá graças a Deus, eleva sua alma a Nossa Senhora e agradece também a Ela, porque é pelo seu maternal auxílio e intercessão que aquela santidade existe numa alma, e foi por meio d’Ela que ele, homem humilde e admirativo, teve a alegria e a honra de encontrar essa alma virtuosa. Ele teve a glória de experimentar um antegozo do céu, que é o conhecer, nesta vida, um verdadeiro santo.

Sigamos o exemplo de Nosso Senhor

Tratemos, então, de imitar a Deus, que se compraz na alma perfeitíssima de Maria.

Devemos procurar, em nossa existência terrena, as almas honestas, conhecê-las, amá-las e saber discernir nelas o esplendor do bem. Devemos nos alegrar com essa bondade, até mesmo comparando-a e contrastando-a com o que há de mal em torno dela. Devemos ter genuíno comprazimento ao ver que Nosso Senhor recompensa a virtude dessas almas que Lhe são tão diletas, assim como importa que compreendamos e aceitemos a reprovação que Ele, em sua infinita justiça, reserva à maldade impenitente. É o Deus três vezes santo, absolutamente puro e superior, que condena o que é errado, porque não é conforme a Ele.

Quantos ensinamentos a se tirar de apenas uma das mencionadas invocações! Essa é a beleza inexcedível de tudo o que é de Deus, é a insondável formosura de Nossa Senhora, é o maravilhoso tesouro dos princípios da doutrina católica!

Embora muito houvesse ainda por se aprender com as preciosas verdades contidas nessa jaculatória, creio não poder deixar de ressaltar o seguinte e importante aspecto: o enlevo de Jesus em relação à sua Mãe Santíssima, infinitamente inferior a Ele e por Ele amada com amor inexprimível, mostra-nos bem como devemos procurar ver a santidade até naqueles que são inferiores a nós. Amar essa perfeição, enlevar-se com ela, é, mais uma vez, imitar o exemplo de Deus olhando para Nossa Senhora.

E no fim dessas breves considerações, só nos resta elevarmos uma prece filial e confiante ao objeto da inteira complacência de Jesus:

“Ó Coração Imaculado de Maria, fazei o meu coração sem mancha, cheio de fé, de força, de heroísmo e santidade, como o vosso!”

Visita a Santa Isabel

Episódio sumamente rico em importantes aplicações para nossa vida espiritual, a Visitação de Nossa Senhora nos mostra como Santa Isabel, prima da futura Mãe de Deus, teve um conhecimento imediato de que o Messias se achava ali presente, encarnado no seio puríssimo de Maria. Ela o soube, não só por uma inspiração da graça, mas também por uma espécie de sentimento, de percepção do divino, excelentes, que a fizeram discernir a presença de Jesus.

Essa percepção, esse sentimento, cada católico deveria ter — em grau proporcionado — para amar todas as coisas que sejam segundo Deus, e para rejeitar aquelas que Lhe são contrárias.

Intercessora junto ao Divino Esposo

Como Esposa do Divino Espírito Santo, Maria possui um título especial para nossa devoção a Ela. Com efeito, tudo quanto diz respeito à Fé católica, à ortodoxia e à manutenção da fidelidade à Igreja deve ser considerado como fruto e obra da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade em nós.

Ora, enquanto Esposa do Espírito Santo, Nossa Senhora tem sobre Ele aquele poder que, no Antigo Testamento, tinha Ester sobre o rei Assuero. Assim como esta, por suas súplicas, tudo conseguiu do monarca em favor dos judeus, assim a Virgem Bendita pode nos alcançar de seu Divino Consorte um tal grau de união com Ele, uma tal abundância de graças das quais Ele é a fonte, que, sem a intercessão d’Ela, ser-nos-ia inteiramente impossível obter.

Plinio Corrêa de Oliveira

O PARAÍSO DO NOVO ADÃO

Conforme disse certa vez um autor sagrado, os verdadeiros devotos de Maria se sentem irresistivelmente atraídos uns pelos outros. É o caso de Dr. Plinio em relação a São Luís Maria Grignion de Montfort, cujos escritos foram, para ele, contínua fonte de inspiração. Nestas páginas ele volta a comentar as riquezas aí encontradas.

 

Uma das obras mais ricas e empolgantes sobre Nossa Senhora é, sem dúvida, o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luís Maria Grignion de Montfort. Nele encontramos sempre ensinamentos que nos convidam a crescer no amor e na devoção a Ela, além de se prestarem a valiosos desdobramentos acerca das insondáveis e maravilhosas perfeições da Mãe de Deus.

Tomemos, por exemplo, um pequeno trecho desse magnífico Tratado, para comentá-lo passo a passo. Discorrendo sobre como devemos fazer todas as ações com Maria, em Maria e por Maria, explica o santo autor:

“Para compreender cabalmente essa prática, é preciso saber que a Santíssima Virgem é o verdadeiro paraíso terrestre do novo Adão, de que o antigo paraíso terrestre é apenas a figura. Há, portanto, nesse paraíso terrestre riqueza, belezas, raridades e doçuras inexplicáveis que o novo Adão, Jesus Cristo, aí deixou”.

Excelência interior de Nossa Senhora

Como se sabe, Adão foi criado no Paraíso Terrestre. Era o lugar de maravilhas, de esplendores, de felicidade, do qual ele e Eva foram expulsos, depois de caírem na tentação do demônio e prevaricarem contra os preceitos divinos. Contudo, aquele era o paraíso do primeiro homem.

Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo é considerado, a justo título, o segundo Adão. Quer dizer, aquele que veio resgatar a humanidade, tirá-la das sombras da morte e restabelecê-la no estado de graça, através da imolação que Ele fez de si mesmo no alto da Cruz. E assim como o primeiro Adão foi criado num paraíso, o novo Adão deveria ser criado igualmente num lugar de delícias imaculadas. Esse segundo paraíso é Nossa Senhora. Ou seja, tudo o que Éden terrestre tinha de belo e de esplêndido na sua realidade material, Maria possuía ainda mais belo e esplêndido na sua realidade espiritual.

E Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em Nossa Senhora, teve maior felicidade e contentamento do que Adão no seu paraíso, pois assim como o Filho de Deus era infinitamente superior a Adão, o paraíso d’Ele era insondavelmente mais precioso e excelente que o do primeiro homem. Por isso São Luís Grignion fala de “riquezas, belezas, raridades e doçuras” que existiam nele.

Tratam-se de aspectos distintos. Riqueza é a abundância das coisas úteis, e nem sempre envolve a beleza. Por outro lado, algo pode ser muito belo sem ser necessariamente rico, e pode ser raro, sem representar riqueza ou beleza especiais. Nesse novo Paraíso havia, portanto, extraordinárias raridades, belezas e riquezas espirituais, além de incomparáveis doçuras.

A doçura é uma qualidade que torna alguma coisa amena, agradável de trato, suave de contato. Por exemplo, o bem-estar que uma pessoa sente quando se encontra à sombra de determinadas árvores frondosas, a faz experimentar uma satisfação e uma harmonia que são diferentes da realidade da riqueza e da beleza. É o mesmo aconchego que se sente, aliás, à beira de um bonito lago, de um riacho ou, conforme o momento, à beira do mar. Enfim, há uma doçura que não se esgota nos termos de beleza, nem de riqueza, nem de raridade.

Nossa Senhora e a Igreja, perfeições recíprocas

E São Luís Grignion faz então um inventário desses quatro valores, para nos dizer que tudo isso existe em Nossa Senhora, e nos levar a compreender o que n’Ela há de riqueza, beleza, raridade e doçura. Desse modo, embora a Santíssima Virgem seja inesgotável, vamos adquirindo um conhecimento classificado das perfeições e magnificências contidas na sua alma. Por via de comparação, deveríamos proceder da mesma maneira em relação à Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Porque quase tudo que se diz de Nossa Senhora, se diz da Igreja; e, reciprocamente, quase tudo o que se diz da Igreja, se diz de Nossa Senhora. Maria é Mãe de Cristo, a Igreja é a Esposa Mística d’Ele, e entre a Mãe e a esposa existem essas correlações que facilmente podemos compreender.

Podendo conhecer a Igreja Católica, no que ela tem de essencial, no seu esplendor copioso que atravessou os séculos, também nos é dado distinguir suas riquezas, suas belezas, suas raridades e doçuras…

Dotada de graças indizíveis

Concluindo seu pensamento, São Luís afirma que tais maravilhas foram deixadas nesse segundo paraíso pelo próprio novo Adão. É a ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo, durante o tempo sacratíssimo em que Ele se formou no ventre materno, cumulou-o de excelências de toda ordem. Depois, pelo convívio entre Filho e Mãe, desde o nascimento d’Ele até a Ascensão, enriqueceu-A ainda mais. Adão, no primeiro paraíso, parece ter sido apenas um consumidor; não consta que fosse um embelezador, embora, permanecendo fiel, provavelmente lhe coubesse a tarefa de construir ali uma civilização que aprimorasse tudo quanto recebera de Deus. Ao contrário dele, Nosso Senhor requintou e elevou o paraíso onde esteve, isto é, aprimorou e dotou Nossa Senhora de graças indizíveis, fazendo-o, segundo a expressão de São Luís Grignion, “com a magnificência de um Deus”.

Analisemos. A magnificência de um Deus é a magnificência total. O autor lembra, de passagem, que ninguém pode realizar coisas tão magníficas quanto Deus. E se é verdade que o paraíso do novo Adão foi mais esplêndido do que o do primeiro, devemos deduzir que Nossa Senhora é incomparavelmente mais bela que todo o universo. Quer dizer, estrelas, sol, lua, água, lírios do campo, nada tem qualquer paralelo com a beleza espiritual e física da Santíssima Virgem.

Terra imaculada para o corpo do novo Adão

“Esse lugar santíssimo é formado de uma terra virgem e imaculada da qual se formou e nutriu o novo Adão, sem a menor mancha ou nódoa, por operação do Espírito Santo que aí habita. É nesse paraíso terrestre que está, em verdade, a árvore da Vida que produziu Jesus Cristo. Há, nesse lugar divino, árvores plantadas pela mão de Deus e orvalhadas por sua unção divina, arvores que produziram e produzem todos os dias frutos maravilhosos, de um sabor divino; há canteiros esmaltados de belas e variegadas flores de virtudes, cujo perfume delicia os próprios anjos.”

São outras lindas comparações.

Assim como Adão foi formado a partir do barro, e em seguida Deus lhe insuflou uma alma, assim também o novo Adão foi constituído da carne virginal de Nossa Senhora, por obra do Espírito Santo. Depois, havia uma árvore da vida no paraíso antigo, porém no paraíso novo existia outra, que produziu o mais precioso dos frutos, Jesus Cristo. É uma referência à fecundidade imaculada de Nossa Senhora.

Os belos canteiros, flores e frutos variegados simbolizam os dons e virtudes de Maria Santíssima, que deixam os próprios Anjos tão santos e puros extasiados.

Fortaleza invencível, caridade abrasadora

“Há torres inexpugnáveis e fortes, habitações cheias de encanto e segurança”. Como em todo o texto de São Luís, temos aqui mais uma imagem muito bonita. Ela nos faz pensar num castelo com torres inexpugnáveis, cheias de encanto e segurança, com maravilhas dentro e robustíssimas por fora. Essa é a virtude da fortaleza que em Nossa Senhora protege todas as demais virtudes.

“Ninguém, exceto o Espírito Santo, pode dar a conhecer a verdade oculta sob essas figuras de coisas materiais. Reina nesse lugar um ar puro, sem infecção, um ar de pureza; um belo dia sem noite, da humanidade santa; um belo sol sem sombras, da Divindade; uma fornalha ardente e contínua de caridade, na qual todo o ferro que aí se lança fica abrasado e se transforma em ouro.”

São Luís Grignion, referindo-se aos elementos materiais que relacionou nesse paraíso, afirma que só com o auxílio da graça alguém pode fazer ideia do que eles significam enquanto aspectos físicos, espirituais e sobrenaturais de Nossa Senhora. Quer dizer, Ela é bela como o dia por sua natureza, mas Cristo, que habitou n’Ela, não é apenas o dia, mas é o sol, a fonte de todo o esplendor diurno. Então, Jesus é o astro soberano da divindade presente em Maria.

Depois, a igualmente magnífica simbologia da fornalha ardente e abrasadora de caridade, de amor a Deus, que é a Santíssima Virgem. Uma pessoa pode ser dura e fria como o ferro, porém, lançada nessa fornalha, isto é, sendo muito devota de Nossa Senhora e n’Ela confiando, transforma-se não apenas em ferro incandescente, mas em ouro. O contato com Maria muda a alma por completo, a nobilita e santifica.

Abundância de humildade e virtudes cardeais

“Há um rio de humildade que surge da terra e que, dividindo-se em quatro braços, rega todo esse lugar encantado: são as quatro virtudes cardeais.”

Por fim, um outro conceito muito bonito. As quatro virtudes cardeais são aquelas que regulam todas as ações do homem: a justiça, a temperança, a fortaleza e a prudência. Todas as outras virtudes decorrem dessas. Então, São Luís Grignion diz que em Nossa Senhora há como que um rio de humildade, que se abre em quatro braços e dá origem às mencionadas principais virtudes.

Mas a imagem significa também que uma pessoa verdadeiramente humilde possui de modo torrencial as virtudes cardeais. E o que é ser verdadeiramente humilde?

Antes e acima de tudo é ser humilde para com Deus, reconhecendo tudo o que devemos a Ele e retribuí-lo. Sermos, portanto, em relação a Deus, amorosos, fiéis, filiais, paladinos da causa d’Ele até o último ponto, vivendo num holocausto contínuo a serviço d’Ele. A autêntica humildade coloca uma alma nessa posição, e é dessa maneira que esta última adquire, abundantemente, as quatro virtudes cardeais.

E assim era Nossa Senhora.

Aqui temos, portanto, um pouco daquele bem-estar de que falamos atrás, proporcionado pelas doçuras da Santíssima Virgem. É impossível comentar-se algo a respeito d’Ela, sem se ter a impressão de que estamos junto a um rio ou a uma árvore sobrenatural, sentindo, num plano diferente, aquela satisfação particular que experimentamos à beira dos rios ou à sombra das árvores naturais.

Acredito que, após um dia passado no corre-corre de uma cidade supermoderna, super trepidante, superdinâmica, deter-se um pouco na consideração desse panorama maravilhoso que é a alma de Nossa Senhora é algo que sempre nos fará bem…

Confiança plena em Maria

Ao comentar uma célebre passagem de São Luís Grignion de Montfort em sua obra consagrada à devoção a Nossa Senhora, Dr. Plinio nos dá a conhecer a valiosa lição de confiança contida nos primeiros milagres operados por Maria Santíssima, na ordem da graça e na ordem da natureza.

 

No seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort nos lembra uma importante passagem do Evangelho: Nossa Senhora praticando seu primeiro milagre, na ordem da graça, quando visitou Santa Isabel, a qual trazia em seu seio São João Batista.

Protótipo do devoto de Nossa Senhora

Esse acontecimento é, para nós, de muita significação. Tendo a Rainha do Céu dirigido a palavra à sua prima, São João Batista estremeceu de gozo no claustro materno, a tal ponto que ela o declarou a Nossa Senhora. Como homem predestinado que era, ao ouvir a voz da Santíssima Virgem, o Precursor sentiu frêmitos de alegria, e — conforme o parecer de abalizados teólogos — tornou-se livre do pecado original.

Se considerarmos quem foi São João Batista, e quais os traços característicos de sua alma, compreenderemos o efeito que a voz de Nossa Senhora operou nele.

Grande asceta, foi por excelência o homem da pureza, dando-nos a ideia de possuir extremo domínio sobre si mesmo. Além disso, levou o desassombro e o espírito de combatividade ao último ponto, não recuando diante do mal, invectivando e censurando os erros dos importantes de seu tempo, sem se acovardar, a ponto de ser o mártir que se deixa decapitar para manter-se fiel à sua pregação.

Todas essas graças de pureza e de fortaleza podemos supor que ele as tenha alcançado pelos rogos da Santíssima Virgem, e, portanto, não é despropositado considerarmos São João Batista como o protótipo do devoto de Nossa Senhora.

Quando, pois, rezamos ao Precursor, não lhe devemos pedir graças vagas, mas que também possamos — ao ouvir interiormente a voz da Mãe de Deus — ter ímpetos de alegria e imitar as virtudes por ele praticadas.

De outro lado, quando oramos pela conversão de alguém, nada melhor do que pedir a Maria Santíssima falar-lhe palavras ricas em dons celestiais, como fez com São João Batista. A esse propósito, cumpre nos lembrarmos de que não se consegue a conversão ou o afervoramento de uma pessoa apenas pelos raciocínios a ela apresentados. Seria bazófia presumir: “Dei-lhe um argumento poderoso e a converti”. Diferente deve ser nossa afirmação: “Dei-lhe um forte argumento, e Deus a fecundou com sua graça de tal maneira que ela mudou de vida”.

Quer dizer, a conversão é produto da graça divina, e os argumentos que eventualmente saibamos aplicar não passam de simples veículo ou ocasião para que ela atue numa alma. Assim, devemos desejar que em nossa voz jamais entrem acentos meramente humanos, e sim que Nossa Senhora fale por nós, pois só através d’Ela se obtém a graça de Deus.

É também oportuno salientar que os efeitos das palavras de Maria formando um justo, fazendo-o estremecer desde o ventre materno — por lhe ter sido apagada a mancha original —, devem ser um incentivo para confiarmos n’Ela quanto ao êxito de nosso apostolado.

As bodas de Caná

Já na ordem da natureza, pode-se considerar como sendo o primeiro milagre realizado pela intercessão de Nossa Senhora, a transformação da água em vinho nas bodas de Caná, uma vez que a intervenção e o pedido d’Ela junto a seu Filho foram determinantes para tal acontecimento.

Embora o episódio seja muito conhecido, gostaria de ressaltar um aspecto. O Evangelho recomenda que o verdadeiro fiel tenha uma fé capaz de transportar montanhas. É desta fé que ali nos dá exemplo a Santíssima Virgem. Colocada numa situação onde Jesus poderia fazer um milagre, não tem dúvida alguma quanto ao poder do Redentor, nem de que Ele atenderá sua oração. Limita-se simplesmente a falar àqueles servidores: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). O Mestre ordena e, ato contínuo, o milagre se opera. Nossa Senhora nos mostra, portanto, que, pela virtude da fé, verdadeiras maravilhas são realizadas.

Falta de fé, falta de milagres

Cabe aqui uma pergunta: por que vemos hoje tão poucos milagres? Na Idade Média, por exemplo, quantas manifestações do sobrenatural! Atualmente, quão raras são as que podemos contemplar! Outrora havia quem enfrentava potentados, filósofos e reis ímpios, dirigindo-lhes a palavra e operando suas conversões, o que em nossos dias parece impossível. Em diversas situações nas quais os católicos corriam graves riscos de sobrevivência e liberdade, saíam vitoriosos porque lhes apareciam Nosso Senhor, Nossa Senhora ou algum Santo para socorrê-los.

Coisas semelhantes quase não mais acontecem, porque o homem contemporâneo não procura imitar a Virgem Santíssima, modelo de fé que move montanhas. Ele não tem a convicção absoluta de que, de fato, o Criador está presente em sua vida, vai ajudá-lo e, se pedir, o atenderá efetivamente. Considera Deus quase como um ser de razão, perdido num céu muito alto, sem nenhum contato nem interesse para com ele. A doutrina católica a respeito da Providência Divina, da sua intervenção na existência de cada um e da Igreja são ensinamentos aceitos, porém não com espírito de fé bastante para se ter, face às dificuldades, a certeza de que Deus agirá no momento preciso.

Total confiança em Nossa Senhora

A respeito dessas virtudes de Nossa Senhora, devemos conservar em nossa mente sobretudo esta ideia: se, ao longo de nosso apostolado, nos encontrarmos em situações de apuro tal que se faça necessário um milagre de primeira grandeza, devemos esperá-lo. E confiarmos na Santíssima Virgem como Ela — à vista do apuro daqueles esposos em Caná — confiou que a água seria transformada em vinho. É desta ordem a confiança que precisamos ter em Nossa Senhora.

Insisto nessa confiança total em Maria, devido a uma nota característica de nossa obra e de tantos movimentos semelhantes. Refiro-me à desproporção flagrante, cruel, entre o que se deseja realizar e os meios disponíveis para isso. Por exemplo, almejamos a construção de uma nova civilização católica, ou seja, a restauração do reinado de Jesus Cristo no mundo, alicerçados na promessa feita por Nossa Senhora em Fátima de que, por fim, seu Imaculado Coração triunfará. Nossos meios, entretanto, são tão ridiculamente insuficientes que, se não contássemos com o sobrenatural, seria o caso de duvidarmos de nossa sanidade mental. Nossos ideais se deparam com tanta dificuldade de frutificar que, embora contemos apenas dezoito pessoas, quando nos reunimos e nos entreolhamos, somos tentados a achar que constituímos um grupo já numeroso!

Através desse fato, podemos avaliar qual a nossa fraqueza, do ponto de vista humano. Nossa situação poderia ser comparada à de um paralítico que quisesse transportar o Pão de Açúcar com o polegar, e um dia exclamasse: “Hoje consegui me mexer na cama! Estou, portanto, a caminho de me levantar, e, quando me erguer, transmudarei o Pão de Açúcar”. A desproporção de forças é verdadeiramente chocante.

Por isso há momentos em que nos colhe o desânimo e tudo parece remoto. Sobretudo, há ocasiões nas quais, após pressentirmos o advento de muitas coisas boas, ficamos afinal decepcionados, como se tivéssemos na mão uma série de bilhetes de loteria sem valor, porque não foram sorteados. Algo semelhante a uma viagem de automóvel: ao lado de horas agradáveis, de conversa animada, existem outras em que a estrada parece interminável; temos a impressão de estarmos viajando há vários dias, de ainda faltar outro tanto, e até mesmo de que a viagem deverá prolongar-se indefinidamente…

Assim é a vida de apostolado. Há ocasiões em que se está eufórico e outras nas quais tudo se nos afigura caminhar mal, lento, emperrado, e não conseguimos remover os obstáculos. Pois bem, esta é a fase áurea, se soubermos sempre manter o ânimo.

Uma ação de graças por meio de Maria

A melhor maneira de reverenciar, louvar e pedir graças a Jesus enquanto Este se encontra presente em nosso interior, após a Sagrada Comunhão, é fazê-lo por meio de Maria. “Um Rei entra em nossa casa — diz Dr. Plinio — e temos algo em comum com Ele: a mesma Mãe!”

 

Segundo uma prática piedosa mais que recomendável, quando recebemos Nosso Senhor eucarístico — cuja presença dentro de nós se estenderá por algum tempo — convém nos dirigirmos a Jesus pelas mãos de Maria Santíssima, Mãe d’Ele e nossa, cogitando, por exemplo, no seguinte:

“Sinto em meu interior algo que me diz: ‘Deus está aqui’, e duas impressões se apoderam de meu espírito. Primeiro, a de ser um sacrário no qual se acha Aquele que eu julgava inatingível. Oh! honra! Oh! maravilha! Mas, em segundo lugar, a noção de que eu conheço esse sacrário… Lembro-me de quantas vezes fui infiel e dos defeitos com os quais convive minha pobre alma. E este homem ingrato, ser tabernáculo d’Aquele que é infinitamente santo, perfeito, meu Senhor, meu Criador! Eu não existia e Ele me tirou do nada, deu-me a vida. “Ecce enim in peccato concepit me mater mea” (cf. Sl 50, 7) — eis que no pecado me concebeu minha mãe, devem dizer todos os homens, filhos de Adão e Eva, porque nasceram com o pecado original, raiz de nossas faltas pessoais. Não sou digno de recebê-Lo! Preciso ter uma ponte com esse Rei que entrou em minha casa. Há algo em comum entre Ele e eu: temos a mesma Mãe!”

Nosso Senhor, Maria e nós, na Sagrada Comunhão

Ela é a mais perfeita das meras criaturas, ornada de todos os dons necessários para ser a Mãe do Verbo Encarnado. Concebida imaculada, Virgem antes, durante e depois do parto, em todos os instantes de sua vida não cessou de corresponder à graça de Deus, atingindo uma insondável elevação de virtude, até o momento bendito em que o Redentor resolveu colhê-La da Terra e levá-La para o Céu.

Ora, essa excelsa criatura é também nossa Mãe, e a verdadeira mãe nutre ternuras e compaixão até pelo filho mais esfarrapado, torto e desarranjado que seja. Então devemos nos voltar a Ela e dizer: “Minha Mãe, aqui está Plinio. Como sempre o fizestes, mais uma vez tende pena de mim. Nunca recebemos uma graça que não seja a vosso rogo. Se estou comungando a Ele, é porque Vós me obtivestes de seu Filho esta dádiva, pedistes a Ele que entrasse numa cabana tão indigna chamada Plinio. Purificai-a, ordenai-a, enfeitai-a para que seja do agrado d’Ele.”

Nossa Senhora ornando minha alma, o Rei do Céu e da Terra olhará para mim com satisfação, e dirá: “Aqui me encontro com gosto, porque minha Mãe querida está ordenando sua alma”.

Adoração e agradecimento

Ao ser objeto de mais essa bondade, minha primeira atitude deve ser de adoração. Ou seja, depois de reconhecer minha pequenez e indignidade insondáveis, devo reconhecer também a infinita perfeição de Nosso Senhor. E estando a Santíssima Virgem — espiritual e não realmente — presente em mim, não tenho receio e Lhe digo: “Minha Mãe, fazei com que eu voe para Deus!”

Sorrindo, com muito afeto, Nosso Senhor fala no meu íntimo: “Tu és um filho amado por Maria, minha Mãe. Ela quis que Eu aqui viesse. Pede-me o que quiseres”. Digo-Lhe, então: “Senhor, antes de pedir, eu Vos agradeço tanta bondade e misericórdia”. Em seguida, dirigindo-me a Nossa Senhora: “Mãe e Rainha do Céu, agradecei por mim, porque a minha ação de graças é insuficiente”.

Ardorosa reparação

E sempre por meio de Maria, acrescento: “Senhor Jesus, sei que pequei e preciso Vos pedir perdão de minhas faltas. O mundo inteiro peca contra Vós, Senhor. Sois a própria bondade e tão clemente para comigo, como posso, a menos que seja irremediavelmente vil, não me indignar diante de tantas ofensas de que sois alvo?

“Contristam-me, Senhor, os pecados cometidos por mim e pelos outros contra Vós. Perdão, Senhor! Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, tende compaixão de nós. Senhor, podeis tornar limpo quem é asqueroso, desde que este corresponda à graça. Mais uma vez, tende compaixão do mundo, e de mim, pelos rogos de Maria!

“E se houver pessoas que continuem infiéis, aceitai como reparação minha atitude indignada. Sabeis — pois vosso olhar penetra até o fundo de nossas almas — que eu gostaria de estar em todos os lugares do mundo ao mesmo tempo, censurando os impenitentes e combatendo o mal com a força de invectiva que Vós me concederíeis.

“Não me é dado estar em toda parte, porém aceitai esse desejo que vossa graça infunde no meu coração, e não pode ser inútil. Fazei, Senhor, que em todos os lugares onde sois ofendido, minha alma de certa forma ali esteja, admoestando e fazendo recuar os fautores do mal.

“Terminada essa prece, começarei a laborar no apostolado ao qual me destinastes: acolho um, falo com outro, sorrio para um terceiro, tomo uma deliberação, atendo um telefonema, leio uma revista, um jornal, um livro. Rezo. Tomai, Senhor, cada uma dessas ações como se eu as estivesse praticando no mundo inteiro, junto a todas as almas, diante de todos os sacrários da Terra, suplicando-Vos graças para todos os homens, falando no interior de cada um deles.”

Petições repassadas de zelo

Como nos ensina a Santa Igreja, os atos de piedade são: adoração, ação de graças, reparação e petição. Assim, depois de oferecermos a Nosso Senhor os três primeiros, vem o momento de Lhe apresentarmos nossas súplicas, dirigidas a Ele pelas mãos da Virgem Santíssima.

“Devo, Senhor, pedir coisas para mim, para aqueles a quem estimo e até pelos que não conheço. Antes de tudo, rogo-Vos que em todo cargo da Sagrada Hierarquia eclesiástica — desde o sólio de São Pedro até uma simples paróquia — haja fervorosos apóstolos de Maria, ardorosos escravos d’Ela segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, em toda a força do termo”.

É o intenso desejo do Reino de Maria que surge no fundo de nossas almas. Com efeito, além das necessidades da Igreja, nos é dado conhecer as da sociedade temporal. Amamos todas as nações da Terra, e quereríamos que Nossa Senhora as fizesse florescer, no maior esplendor de sua piedade, para dar glória a Ela e a seu Divino Filho, numa nova e mais luminosa Cristandade. Poderíamos compor uma ladainha enumerando todos os países e, a propósito de cada um, suplicar graças específicas.

“Senhora, Vós pusestes em minha alma tanto amor por tal nação; tornai-a inteiramente vossa. E tais povos, raças, culturas, civilizações… Ó minha Mãe, intercedei por tudo isso junto a Deus, e obtende que desabrochem no vosso Reino, para a glória de Cristo Senhor nosso!”

Temos também obrigações especiais para com os que nos são mais próximos. Ou seja, em certo sentido, nossos irmãos de vocação, sobretudo pelos que nos mantêm, pelo seu exemplo e seu impulso, nos caminhos da Santa Igreja. Com não menos solicitude devemos rezar por aqueles que nos parecem em dificuldades na vida espiritual: “Minha Mãe, notei, pela fisionomia, que tal filho vosso se acha muito provado. Socorrei-o! Outro vai bem, mas precisa melhorar. Ajudai-o!

“Agradou-me ver um terceiro progredindo; minha Mãe, não permitais que ele esmoreça na virtude!”

Como se nota, quase que instintivamente nos dirigimos a Nossa Senhora, embora estejamos fazendo uma ação de graças após comungar o Corpo e o Sangue de Jesus. Compreende-se, pois é por meio d’Ela que nossas preces chegam mais segura e rapidamente ao Altíssimo.

Rezemos, em seguida, pelos nossos mais chegados quanto ao vínculo de sangue; aqueles dos quais nascemos, nossos irmãos segundo a carne, nossos familiares. Devemos querê-los segundo o amor de Deus e, portanto, ter para com eles, ao mesmo tempo, todo o afeto e o desapego preceituados pelos mandamentos da Lei divina. Peçamos que eles amem a Deus acima de todas as coisas, e nos queiram a nós também por amor ao Criador. Assim, pelas mãos de Maria Santíssima, estaremos rezando pelo bem da alma deles, e este é o maior tesouro que podemos lhes oferecer.

Pelos amigos e também pelos inimigos

Rezaremos pelos nossos amigos, mais próximos ou distantes, nas mesmas intenções. E, por fim, uma prece por aqueles que porventura alimentem injusta hostilidade em relação a nós; desejando que a clemência e a misericórdia infinitas de Nosso Senhor toquem os seus corações e os conduzam ao arrependimento e proporcionada penitência.

Para estes, poderíamos dizer a Nossa Senhora: “Minha Mãe, na medida de vossa compaixão, rogai a Deus que não os castigue nem nesta vida nem na outra; sobretudo, o que Vos peço é que os salveis, pela glória da Igreja. Dai-lhes tudo o que de Vós os aproximam e tirai-lhes tudo o que de Vós os afastam”.

Deste modo terão passado os minutos do convívio com Jesus Eucarístico em nosso interior, e estará feita nossa ação de graças pelas mãos de Maria Santíssima.