Oração da despretensão e das santas proezas

Ó minha Senhora, Mãe de justiça e de misericórdia, modelai a minha alma de tal maneira que, inteiramente despretensioso, eu seja capaz das mais santas proezas. Afastai de mim a consideração de minhas qualidades naturais e até das sobrenaturais que a graça, implorada por Vós, possa me alcançar.

Abri minha alma para o exame sincero, leal, varonil de meus defeitos, sem buscar atenuantes e pretextos para indulgências falsas para comigo. Dai-me a verdadeira contrição pelas minhas faltas e o propósito de nunca reincidir nelas.

Assim, ó minha Mãe, serei verdadeiramente capaz de realizar todas as proezas por Vós, porque sei bem que só aos despretensiosos Vós concedeis as grandes vitórias.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 4/2/1980)

Rainha e Mãe de misericórdia

As primeiras palavras da Salve-Rainha inspiram a quem as recita a plena confiança de que será atendido, apesar de suas misérias.

 

Pediram-me para fazer o comentário da Salve-Rainha. Devido ao pouco tempo de que disponho, vou comentar apenas as primeiras palavras desta bela oração: “Salve Rainha, Mãe de misericórdia…”

Rainha que tudo tem e tudo pode

Salve, em latim, é uma saudação, e passou assim para o português. Os latinos costumavam dizer salve como saudação, sem nenhum nexo e sentido com a ideia da salvação, “salvai-me”. Não é isso, é uma mera saudação. Então, “eu Vos saúdo”.

Agora vem outro ponto: “…Rainha, Mãe de misericórdia”.

Vemos aqui uma harmonia muito bonita. O autor da oração coloca antes de tudo o título d’Ela de Rainha.

Nossa Senhora é Rainha? Evidentemente, Ela o é, pois é a Mãe do Rei, e um Rei que faz tudo quanto Ela deseja.

Maria Santíssima é chamada a Onipotência Suplicante. Ela, de Si, é uma criatura humana como nós, mas a súplica feita por Ela é onipotente, porque pode tudo diante de Deus.

Assim, também enquanto suplicante, Maria é Rainha, porque Aquela que pode tudo é Rainha. Então, vem desde logo uma ideia posta ao alcance do fiel: Aquela a quem ele vai se dirigir é uma rainha; logo, Ela tem e pode tudo.

A rainha e o rei são de uma riqueza enorme. Normalmente são as pessoas mais ricas do reino, que dispõem da maior soma de poderes, honrarias e riquezas de toda ordem. Ela é a Rainha, quer dizer, tudo quanto Lhe peçamos Ela pode dar.

Ademais, Deus, que é o Filho d’Ela, concede tudo quanto sua Mãe insondavelmente perfeita Lhe pede. O resultado é que, quando pedimos alguma coisa a Ela, temos a certeza de que Ela pode dar, porque Ela tem. Isso nos leva a nos encher de confiança no nosso pedido.

Não há carinho como o materno

Mas vem logo depois: “Mãe de misericórdia”.

Mãe já traz consigo a ideia de misericórdia, porque o mais misericordioso e compassivo dos entes, numa época em que a instituição da família funcione normalmente, é a mãe. Mesmo o pai pode ser muito bom e seu afeto é indispensável para completar a educação do filho. Mas o carinho é com a mãe.

Lembro-me de ter assistido, certa vez, a uma cena minúscula em casa, entre meu pai e minha mãe.

Eu costumava, naquele tempo, sair logo depois do almoço para meu escritório de advocacia. Minha mãe me acompanhava até a porta do elevador, junto à qual tem uma escada. Às vezes eu estava com muita pressa e me impacientava com a lentidão do elevador, e descia a escada a toda pressa. Lembro-me de que, enquanto eu descia, ouvia minha mãe dizer: “Filhão, cuidado com o corre-corre.” Era um último sinal de carinho.

Mas um dia desci muito precipitadamente e esqueci um objeto em casa. Chegando na rua, senti falta do objeto e voltei para apanhá-lo. Passei ao lado de uma pequena sala de estar onde ela e meu pai costumavam ficar durante o dia. Estavam conversando, certos de que eu tinha ido embora.

Meu pai estava sentando numa poltrona e minha mãe, em pé junto a ele, dizia:

— João Paulo, hoje para o jantar eu mandei fazer tal prato. Você acha que o Plinio ficará satisfeito ou seria melhor preparar outra coisa?

Não parei para olhar, mas tive a impressão de que meu pai estava louco para tirar uma sesta, e respondeu negligentemente que estava bem.

Não satisfeita com a resposta, ela acrescentou:

— Não, mas quem sabe se fizer de tal outro jeito seria melhor.

— Também está bem — respondeu ele.

Como ele estava querendo dormir e ela continuava a insistir, ele disse:

— Bem se vê que mãe é mãe. Se fosse comigo eu diria: “Rapaz, tem aqui para jantar tal coisa, se você não quiser, vá jantar num restaurante”.

Ora, mamãe queria exatamente evitar que eu fosse para o restaurante, pelo gosto de estar e conversar comigo. É o carinho da mãe que é todo especial, único.

Mãe toda feita de misericórdia

Entretanto, não contente com esta ideia, o autor da Salve-Rainha pôs: “Mãe de misericórdia”. É uma Mãe toda feita de misericórdia.

O que quer dizer “misericórdia”? Cordis, em latim, é o coração. Miseri, os miseráveis. Portanto, para com os miseráveis Ela é “toda coração”. Os miseráveis são aqueles que não têm do que viver, estão na miséria. Porém, moralmente falando, são os pecadores que ofenderam muitas vezes a Nossa Senhora e deram a Ela razão para estar descontente. Se esses pecadores se voltarem e rezarem para Ela, encontrarão n’Ela uma Mãe de misericórdia toda disposta a atender.

Então, está tudo reunido para inspirar a maior confiança: Ela é uma rainha que tem tudo e pode tudo; é Mãe de misericórdia, “toda coração”, inclusive para os filhos mais miseráveis.

Quem pode deixar de ter toda a confiança na bondade d’Ela em que será atendido, quando faz esta oração?

(Extraído de conferência de 5/3/1992)

 

Santa Macrina, modelo de educadora

Ao contrário do corre-corre e da dilaceração da existência nos dias de hoje, Santa Macrina cuidava dos afazeres domésticos, levando uma vida recolhida, calma e distendida, com muito espírito de oração. Dentro de sua casa, ela educou seus irmãos menores, que depois se tornaram grandes santos.

 

Tenho em mãos uma síntese biográfica de Santa Macrina, virgem, tirada da obra “Vidas dos Santos”, do Padre Rohrbacher(1).

Quatro irmãos santos

Nascida em Cesareia no ano de 327, Macrina, a Jovem, era filha de Emélia e Basílio, o Antigo, e irmã de Basílio, Bispo de Cesareia, de Gregório, Bispo de Nissa, de Pedro, Bispo de Sebaste.

Macrina era a mais velha, a “mãezinha”, a protetora, a incansável, da qual São Basílio, com emoção, fala que foi educadora perfeita.

A mãe inspirou-se na Escritura santa para formar a filha, buscando na Sabedoria de Salomão luzes para educá-la, ao passo que o Saltério foi o preceptor da jovenzinha.

Aos doze anos, ficou noiva, mas morrendo o pretendente não pensou noutra coisa mais, senão em se consagrar à educação dos irmãos.

Em 373, Emélia faleceu. Os filhos, já formados, de vez em vez vinham visitar a “Grande Macrina”, como a chamavam nos tempos da longínqua infância.

Quando doente, já perto da morte que a levou em 379, Gregório encontrou-a sobre uma tábua, com o cilício. Tomou-a carinhosamente e pô-la no leito, onde a moribunda, evocando o passado, pôs-se a render graças a Deus por tudo aquilo que, bondosamente, dignou-se conceder-lhe:

“Senhor, Tu acabaste com o medo da morte. Por Ti, a verdadeira vida começa quando se acaba a vida atual. Dormimos por uns tempos, depois nos ressuscitarás ao som da trombeta”. Depois: “Tu nos salvaste da maldição e do pecado, vindo por nossos pecados e nossa maldição”.

Com o Crucifixo de ferro, que encerrava uma relíquia da Cruz do Salvador, que sempre trouxera consigo, morreu em paz, sendo enterrada perto do pai e da mãe.

Vemos aqui o que é uma alta genealogia; os pais tiveram quatro filhos santos: São Basílio Magno, que superou o pai; São Gregório de Nissa, também grande santo e Padre da Igreja; São Pedro de Sebaste e Santa Macrina.

Pedagogia inspirada no Livro da Sabedoria e dos Salmos

A mãe inspirou-se na Escritura santa para formar a filha, buscando na Sabedoria de Salomão luzes para educá-la, ao passo que o Saltério foi o preceptor da jovenzinha.

Bons tempos aqueles em que a mãe abria o Livro da Sabedoria para aprender como deveria educar os filhos. Hoje, a maioria das mães não se lembra disso. E se puserem esse Livro nas mãos de algumas delas, não entendem ou não concordam.

Em 373, Emélia faleceu. Os filhos, já formados, de vez em vez vinham visitar a “Grande Macrina”, como a chamavam nos tempos da longínqua infância.

Portanto, eles souberam agradecer a educação que receberam desta irmã.

A ficha colhida parece ser um pouco vazia porque, afinal de contas, narra quem são os pais e os irmãos dela, conta que ela ajudou sua mãe a educar seus irmãos e, depois, diz que ela morreu, e nada mais.

Esse vazio pode ser preenchido com algumas considerações a respeito da vida feminina naquele tempo. Creio que daí virá algo de útil para nós.

O papel da mulher é ser o centro natural da família

Uma verdade elementar, acessível a qualquer pessoa, é que sendo a mulher e o homem pertencentes ao gênero humano, são, contudo, muito diferentes, devendo também caber, a cada um, tarefas diversas nesta vida. E se é próprio ao homem velar pela manutenção da família, é próprio à mulher permanecer dentro de casa e proporcionar ao homem um verdadeiro tesouro: uma casa habitada.

Quer dizer, a mulher deve ter seus filhos e educá-los. Depois de terem completado a sua educação, os filhos se casam. O papel da mulher é de ser o centro natural da família. De maneira que sua residência é o ponto de encontro dos filhos, dos netos. E o normal é que ela passe a maior parte de sua vida dentro de casa. Não quero dizer que a mulher deva sempre ficar em sua residência; mas o sair todos os dias de casa não é próprio a uma mulher com espírito feminino completamente bem formado.

A distração, o entretenimento da mulher, o ambiente onde ela completa a sua personalidade é dentro de sua própria casa e das residências dos parentes muito próximos, os quais ela deve visitar com uma relativa assiduidade, de acordo com as circunstâncias. Mas precisa encontrar a sua satisfação em estar dentro de sua própria casa.

Fazendo o que dentro de casa? Recebendo os seus, tomando conta do lar, rezando, e rezando bastante, e levando uma vida recolhida, calma e distendida. É o que a natureza da mulher pede.

Enquanto a natureza do homem requer que ele saia, exerça alguma atividade, lute, a natureza da mulher pede esse tipo de vida especial, que lhe proporciona as circunstâncias dentro das quais ela verdadeiramente se salva, e pode se santificar.

Eu conheci senhoras para as quais o normal era não sair de casa. Quando saíam, era aos domingos para ir à Missa, e uma vez ou outra a fim de fazer compras ou alguma visita. No período em que as filhas deviam contrair matrimônio, elas tinham que sair um pouco mais. Fora disso estavam dentro de casa, onde levavam sua vida habitual.

Essa vida impregnada de calma, de piedade, podia conduzir, conforme fosse o espírito da mulher, a um alto grau de santidade, ou a uma virtude comum. Mas na maior parte das vezes, era uma virtude sólida que dava um eixo, um sustentáculo moral à vida de família.

Esta foi, sem dúvida, a vida de Santa Macrina.

Cuidar dos afazeres domésticos com espírito sobrenatural

Depois de ter cumprido a sua missão na Terra, educando três santos para a Igreja, e transmitindo-lhes a educação que recebera, ela não entrou para um convento. Poderíamos esperar que, sendo uma santa, tivesse resolvido entrar para um convento, ou então ir para uma Tebaida, um lugar remoto. Não. Ela ficou em sua residência e ali levou a vida de uma dona de casa. Fez o menu, cuidou que as coisas não se deteriorassem, dirigiu as criadas, manteve um certo número de relações que era natural que mantivesse, e consagrou o principal de seu tempo à oração. Fez tudo isto com espírito sobrenatural, tornando-se uma grande santa.

É um modo de santificar-se nas condições normais de uma existência sadia, razoável, e não o corre-corre e a dilaceração da vida nos dias de hoje, tão contrária à natureza da mulher e mesmo do homem. Normalmente, uma mulher virtuosa, vivendo aquela vida e impregnando-a intensamente do sobrenatural, se salva. Compreende-se que, não tendo recebido de Deus uma vocação especial, Santa Macrina permanecesse em casa com seus pais.

E essa sua vida foi coroada, em primeiro lugar, pela presença de um tão grande santo, irmão dela, para assistir à sua morte. Foi coroada também pelas lindas palavras que ela proferiu antes de morrer. Palavras de Fé, de quem sabia que não ia terminar, mas ressuscitaria depois, confiante de que a misericórdia divina a receberia no Céu.

Ela levou até o fim da vida uma cruz de ferro, dentro da qual estava embutido um fragmento da verdadeira Cruz. Podemos notar, através desses dados, que ela morreu como tinha vivido, quer dizer, santamente, e foi objeto da veneração dos três santos por ela formados e que a chamavam a “Grande Macrina”.

O que essa “Grande Macrina” fez? Aparentemente nada. Ela educou três crianças, que depois se tornaram grandes santos. E o que mais? Educou-os em sua casa, magnificamente, rezando e vivendo piedosamente uma existência normal. Com isso ela se santificou, adquiriu uma virtude heroica e está no Céu. A Igreja a canonizou. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 24/7/1971)

 

1) Cf. ROHRBACHER, René François. Vidas dos Santos. Vol. XIII. São Paulo: Editora das Américas, 1959. p. 178-179.

 

AS VIRTUDES DE MARIA, remédio para nossa alma

Tesoureira das dádivas do Senhor e Mãe de Misericórdia, Nossa Senhora pode obter para nós a graça da santificação, apesar de todas as nossas carências e debilidades. Ao  comentar uma bela oração escrita por São Luís Grignion de Montfort, dirigida a Maria, Dr. Plinio evidencia uma importante realidade: a devoção à Santíssima Virgem como  meio necessário para a nossa salvação.

Atendendo o filial pedido que me fazem, passo a comentar um trecho da prece composta por São Luís Grignion de Montfort, “Oração a Maria para seus fiéis escravos”:

Ó Maria, minha querida Mãe, (…) dou-me a vós todo inteiro na qualidade de escravo perpétuo, sem nada reservar para mim ou para outrem. Se vedes em mim qualquer coisa que não Vos pertença, eu Vos suplico de tirá-la agora e de Vos tornar Senhora absoluta de tudo o que possuo; de destruir e desarraigar e aniquilar em mim tudo o que desagrada a Deus; de implantar, promover e operar tudo o que Vos agrada. Que a luz de vossa fé dissipe as trevas de meu espírito; que vossa humildade profunda tome o lugar de meu orgulho; que vossa contemplação sublime suste as distrações de minha imaginação vadia; que a vossa vista contínua de Deus encha minha memória de sua presença; que o incêndio de vosso Coração dilate e abrase a tibieza e a frieza do meu; que vossas virtudes substituam meus pecados; que vossos méritos sejam meu ornamento e suplemento perante Deus.

Enfim, mui querida e bem-aventurada Mãe, fazei, se for possível, que não tenha outro espírito senão o vosso para conhecer Jesus Cristo e suas divinas vontades; que não tenha outra alma senão a vossa para louvar e glorificar o Senhor; que não tenha outro coração senão o vosso para amar a Deus com um amor puro e ardente como Vós.

Foco de virtudes que sanam nossos defeitos

Nesse trecho transparece a unção e o fogo dos melhores textos de São Luís Grignion. Ele se apresenta e fala como se fosse uma alma pecadora, contendo em si inúmeros defeitos que deseja corrigir, e cuja solução se apóia no seguinte princípio: Sendo Nossa Senhora, por disposição divina, o receptáculo de todas as virtudes que possam reluzir numa criatura humana, Ela é o canal dessas excelências a serem distribuídas pelo universo. Dessa sorte, cada perfeição de Maria produz como que um efeito medicinal sobre a nossa lacuna moral oposta: sua pureza é dotada de uma capacidade de extinguir nossa impureza; sua humildade, de extirpar nosso orgulho; sua piedade, de erradicar nossa falta de devoção; seu recolhimento, de eliminar nossa dissipação.

Portanto, Nossa Senhora se assemelha a um foco do qual se difundem graças invulgares e dons especiais, próprios a vencerem nossas mazelas. Então, é legítimo dirigirmos uma oração a Ela pedindo-Lhe infunda em nós suas virtudes, para que estas nos transformem.

Como as curas do Divino Mestre no Evangelho

Revela-se-nos aqui o princípio da atuação intensa e sanativa da graça nas almas.

De fato, obedecendo aos desígnios de Deus, a graça pode descer sobre uma alma e num minuto modificá-la por completo, assim como, na expressão da Escritura, uma pedra é capaz de se tornar outro filho de Abraão. Quer dizer, pode tomar a pessoa mais radicada num defeito, mais tíbia, mais entregue a um vício, na situação mais aflitiva e miserável, e num momento livrá-la de todos esses males, desde que peça e seja ouvida por Nossa Senhora.

Assim, desejosa de se corrigir, mas acovardada diante da imensidade de suas imperfeições, contra as quais se verificam vãos todos os seus esforços, ela se volta para Maria Santíssima, rogando o socorro de graças superabundantes e necessárias para a sua conversão.

Daí São Luís Grignion formular essa prece pela qual o homem fraco, tíbio, pecador, em cujo fundo de alma lateja o anseio das mais altas virtudes, pode realmente resolver seu problema e encontrar os meios para galgar a elevada montanha da santidade.

Devemos, pois, pedir a Nossa Senhora uma atuação d’Ela em nosso coração, como eram as de Nosso Senhor no Evangelho ao curar os doentes. Na verdade, cada milagre daqueles significava uma ação divina sobre um organismo que apresentava um defeito, uma disfunção ou algo do gênero, remediando-o num instante. E quando os evangelistas narram tais curas, deixam ver que Nosso Senhor, restabelecendo os corpos, fazia entender que Ele podia sanar as almas, sendo cada uma daquelas debilidades físicas o símbolo de uma carência moral.

O socorro de Nossa Senhora, quando menos se espera

Exemplo magnífico dessa influência do sobrenatural numa alma temos no fato da conversão de São Paulo Apóstolo. Ferrenho perseguidor da Igreja nascente, em determinado momento, na estrada de Damasco, é ofuscado por uma luz, cai ao chão e, recompondo-se, a primeira pergunta que brota de seus lábios é: “Senhor, que quereis que eu faça?”. Quer dizer, ele se pôs inteiramente às ordens da graça para operar de acordo com a vontade dela.

Como este, inúmeros exemplos há na Igreja de pessoas que se convertem e mudam radicalmente, por uma ação fulminante da graça. Ouviram uma palavra, perceberam um gesto, tiveram um pensamento que as tocou e transformou por inteiro.

Então, se confiarmos na oração, se compreendermos a sua necessidade e sua eficácia, temos a possibilidade de obter os frutos espirituais mais inesperados e magníficos. Sobretudo se nos compenetrarmos de que essa prece é dirigida a Deus por meio de Maria, nossa Mãe de misericórdia e nossa vida. Sem Ela não haveria valor, nem doçura nem esperança em nossa existência. Com Ela, nossa vida é plena de vida, nossas doçuras são repletas de doçura e nós, em qualquer situação na qual nos achemos, devemos ter esperanças superabundantes e imensas. Nossa Senhora se compadece de nós e nos atende, pois é nossa Mãe. Em dado momento, nos tomará pelos braços e nos conduzirá à santidade a que somos chamados.

Cumpre considerar, entretanto, que o modo de Nossa Senhora exercer sua bondade para conosco é insondável. Assim, não raro as almas que recebem graças fulminantes são as mais provadas, depois de caminharem de provação em provação até um ponto onde não entendem mais o que se passa com elas, encontrando-se numa espécie de beco-sem-saída da perplexidade e do sofrimento. Nessas horas se dão as ações admiráveis de Maria em nosso favor.

Quantas vezes tenho visto almas nessas encruzilhadas da vida espiritual, tão aflitas e atormentadas que chegam a chorar. Observando-as, sinto o desejo de dizer a cada um: “Meu caro, espere, Nossa Senhora virá quando você menos imagina e vai socorrê-lo”. E com freqüência, no momento em que se tem a impressão de não haver saída para mais nada, a pessoa recebe uma graça magnífica e tudo se resolve pelas mãos de Maria, de um modo mais esplêndido do que jamais se poderia esperar.

Sacrossanta importunidade

É necessário, pois, tomar em consideração essa preciosa verdade: podendo rezar e possuindo uma Mãe como Nossa Senhora, nunca, nunca, nunca se deve ter desespero nem sequer a menor dúvida a respeito do auxílio do Céu. A quem bate, se abrirá; a quem pede, se dará. A nós de sermos insistentes na oração.

Lembremo-nos da célebre parábola do Evangelho, onde um homem se achava deitado na cama com seus filhos e aparece um vizinho importuno a lhe bater à porta, pedindo pão. O que já havia se recolhido não queria atender. Porém, o pedinte tanto insistiu que o pai de família se levantou, abriu a porta e lhe deu o pão. Comentário de Nosso Senhor: “Se esse homem não fosse importuno, não teria sido atendido”.

Portanto, a virtude aconselhável ante essas palavras é a da sacrossanta importunidade. Precisamos fazer violência ao Céu: pedir, pedir, pedir; bater, bater, bater. Seremos ouvidos, por maiores que sejam nossas dificuldades.

Pedir as graças próprias à nossa vocação

E o seremos, de maneira especial, no tocante ao nosso desejo de corresponder à vocação de perfeitos servos de Nossa Senhora.

Nesse sentido, poder-se-ia perguntar se caberia algum pequeno aditamento, repassado de enlevo, veneração e ternura, a essa prece de São Luís Grignion. Parece-me que sim, entendido nos seguintes termos.

Em uma instituição ou movimento católico semelhante ao nosso, o conjunto apresenta mais virtudes do que a soma das qualidades morais de seus membros. Compreende-se, pois ele recebeu uma série de graças que costumam estar em nosso ambiente, pairar em  nosso meio, como patrimônio do grupo. Elas são o tesouro do qual vivemos, e não significam outra coisa senão a própria projeção da misericórdia de Maria Santíssima entre nós, comunicando-nos suas virtudes e nos convidando continuamente a pedir essas graças.

Então, se Nossa Senhora nos chama para pertencer ao movimento, é natural que supliquemos a Ela nos obtenha os dons e dádivas celestiais específicos para o cumprimento dessa missão à qual fomos destinados. Dádivas e dons estes de que seu Coração Imaculado está repleto, aguardando nossa prece feita, como disse, com ternura, veneração e enlevo profundos.

Essa seria, a meu ver, uma forma magnífica de completar essa linda oração de São Luís, de maneira a alcançarmos as graças para sermos conformes a Jesus Cristo e a Nossa Senhora, atingindo o auge da perfeição em fazer a sua sacrossanta vontade enquanto seus filhos e servos amorosos.

Prece a Nossa Senhora do Carmo

Meus olhos e minha alma se voltam hoje para Vós, Senhora do Carmo:

Vós que fostes a inspiradora de um grande veio de profetas, desde Elias até o carisma profético da Santa Igreja no Novo Testamento; Vós que ensinastes antes mesmo de existir, e fostes o modelo daqueles que creram no Salvador prometido pelas Escrituras; Vós que representastes o apogeu da esperança desses varões de Deus, pois fostes a nuvem da qual choveu o Redentor — Vós sois hoje a Arca da Aliança da qual há de vir a vitória para o mundo, conforme anunciastes em Fátima: “Por fim, meu Imaculado Coração triunfará!”

Inundai minha alma, ó Mãe, da certeza deste triunfo, e da coragem de estar de pé na derrota, na adversidade, esperando o dia de vossa glória.
Assim seja.

(Proferida por Dr. Plinio em 16/7/1971, Festa de Nossa Senhora do Carmo)

Mater et Décor Carmeli

Festejamos Nossa Senhora do Carmo, a título especial Rainha dos Profetas, “Mater et Décor Carmeli” – Mãe e Esplendor do Monte Carmelo.

Ela é a Mãe porque protege todos aqueles que lutam sob seu estandarte. E o melhor da proteção é acalentar suas almas com a esperança da vitória.

“Décor”, decoro é, propriamente, a beleza da dignidade. É o belo majestoso, distinto, diferenciador da grandeza que atrai a si as almas verdadeiramente capazes de compreendê-la.

Nossa Senhora reina maternalmente, mas decorosamente. Ela é a beleza do gênero humano.

Do alto desse monte, o cume profético por excelência, Maria Santíssima reina e sorri para o universo, governa a História e infunde terror aos demônios.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/7/1982)

Fátima, profetismo e mudança de mentalidade

A devoção a Nossa Senhora de Fátima se desdobra em duas outras invocações: Nossa Senhora do Carmo e Imaculado Coração de Maria. Assim, naquele conjunto de fatos nos quais se inserem as aparições em Fátima, a Santíssima Virgem quer ser venerada também por meio desses dois títulos. Que relação têm eles com o assunto Fátima?

Nossa Senhora do Carmo está relacionada com o Monte Carmelo e, portanto, com o Profeta Elias e toda a família de almas que, passando por São João Batista e chegando  até São Luís Grignion de Montfort, representam o profetismo dentro da Igreja. Isso representa um convite a que tenhamos o espírito profético.

Outro é o significado de Nossa Senhora apresentar-Se sob o título de Imaculado Coração de Maria. O coração simboliza a mentalidade. Essa devoção supõe a renúncia à  nossa mentalidade revolucionária para assumirmos a participação na mentalidade do Imaculado Coração de Maria. Quer dizer, é o esmagamento do orgulho e da  sensualidade que são as duas raízes da Revolução. Sem dúvida, a Virgem Maria brilhou de um modo perfeito em todas as virtudes, mas aquelas que, a justo título, os  pregadores costumam pôr mais em realce são a humildade e a pureza. Isso corresponde, portanto, a assumir uma mentalidade contrarrevolucionária.

Há, pois, um sentido profundo na jaculatória que costumamos rezar: “Cor Sapientiale et Immaculatum Mariæ, opus tuum fac – Ó Coração Sapiencial e Imaculado de Maria,  realizai a vossa obra”.

O Coração Sapiencial de Maria é a mentalidade cheia de sabedoria da Mãe de Deus, oposta à demência revolucionária. Poder-se-ia dizer: “Coração contrarrevolucionário de  Maria”. “Opus tuum fac” significa que a completa mudança da alma para assumir a mentalidade de Nossa Senhora depende de uma iniciativa d’Ela. Corresponde, portanto, a pedir à Rainha dos corações que faça a obra específica de mudar a mentalidade dos homens.

Então, se quisermos ter uma devoção inteiramente refletida, ponderada a Nossa Senhora de Fátima, devemos desenvolver essa reflexão: Nossa Senhora de Fátima  acompanhada com uma impostação de alma rumo ao profetismo representado na Rainha do Carmo, e ao Sapiencial e Imaculado Coração de Maria enquanto Aquela que age nos corações dando às pessoas a verdadeira mentalidade que devem ter.

A realeza de Nossa Senhora, fato incontestável em todas as épocas da Igreja, veio sendo explicitada cada vez mais a partir de São Luís Grignion de Montfort, até aquele 13 de  julho de 1917, quando Maria anunciou em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. É uma vitória conquistada pela Virgem, é o seu calcanhar que outra vez  esmagará a cabeça da serpente, quebrará o domínio do demônio, e Ela, como triunfadora, implantará seu Reino. Portanto, devemos confiar em que Maria já determinou atender as súplicas de seus filhos contrarrevolucionários, e que Ela, Soberana do universo, pode fazer a Contra-Revolução conquistar, num relance, incontável número de almas. Nossa Senhora Rainha haverá de expulsar desta Terra os revolucionários impenitentes, que não querem atender ao seu apelo, de maneira que um dia Ela possa dizer: “Por fim o meu Coração Imaculado triunfou!”

Plinio Corrêa de Oliveira

Auxiliadora até dos mais miseráveis

Minha Mãe, eu, sucumbindo ao peso da tentação, não andei bem.

Pequei. Tenho o receio de me habituar ao pecado e de nele me embrutecer. Por outro lado, imensa é a minha vontade de me regenerar.

Sei que não mereço a vossa proteção, mas, porque sois a auxiliadora de todos os cristãos, não apenas dos bons, porém até dos mais miseráveis, peço-Vos: vinde e auxiliai-me.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 24/5/1965)

Onipotência Suplicante

Mediante a Encarnação do Verbo no seio puríssimo de Maria, Deus, por um ato de sua infinita bondade, criou os vínculos que O ataram ao gênero humano e Nossa Senhora, tornando-Se Mãe d’Ele, passou a ser também a Mãe espiritual de todos os homens.

Em vista disto, quando Ela pede a seu Divino Filho por nós, é como uma mãe que intercede junto a um filho em benefício de outro irmão deste. É impossível não atendê-la. 

Por isso os teólogos atribuem a Nossa Senhora o título de Onipotência Suplicante. Em virtude de suas insondáveis perfeições, Ela é sempre ouvida por Deus em suas preces a nosso favor, e d’Ele nos obtém aquilo que, por nós mesmos, não mereceríamos.

Quantos exemplos atestam essa incansável solicitude de Maria para com os homens! Compreende-se, assim, a importância da intercessão de Nossa Senhora, como ela  alivia a nossa penosa existência e enche de júbilo nossas almas. Como seria soturna a vida de um católico se não fosse a proteção da Virgem. Ao contrário, como ela é leve, cheia de esperança, de perdão e de afeto materno, com a contínua assistência de Maria, a Onipotência Suplicante!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/9/1991)

Obra-prima da misericórdia divina

Para honrar a Esposa do Espírito Santo e Mãe do Verbo Encarnado, a Santíssima Trindade coroou Nossa Senhora como Rainha do Universo: todos os Anjos e Santos, todos  os homens vivos, todas as almas do Purgatório, assim como todos os réprobos e demônios, devem obedecer à Celeste Soberana. De sorte que Maria, além de medianeira das graças, é igualmente a do poder de Deus. É por intermédio de sua Mãe que Ele executa todas as suas obras e realiza todos os seus desígnios.

Mais ainda. Nossa Senhora não é somente o canal por onde o império divino passa e se manifesta na criação, mas é também a Rainha que decide por uma vontade própria,  consoante os desejos do Rei. Ela é, na verdade, uma obra-prima do que poderíamos chamar a habilidade de Deus de ter misericórdia em relação aos homens.