Santa Helena, Imperatriz Alma elevada e de horizonte largo

Para Dr. Plinio, não se pode deixar de reconhecer “com muita alegria” o trabalho realizado pela Imperatriz Santa Helena, cuja boa presença junto a seu filho, o Imperador Constantino, não só o converteu como o fez conceder a liberdade à Santa Igreja Católica. E além de estar na origem da irradiação do cristianismo, a partir de Roma, por todo o Ocidente, devemos a Santa Helena esse inestimável presente: a descoberta da verdadeira Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Celebra-se no dia 18 de agosto a festa de Santa Helena, Imperatriz e viúva, mãe de Constantino Magno. A ela se deve a invenção, isto é, a descoberta da verdadeira Cruz na qual Nosso Senhor Jesus Cristo foi crucificado.

Benéfica e salutar influência materna

Em vez de considerar este ou aquele aspecto da vida de Santa Helena, gostaria de ressaltar a impressão que o todo de sua personalidade nos comunica. Nesse sentido, eu diria que se trata de uma santa cuja importância para o panorama da Igreja redunda, não apenas do fato de ter sido imperatriz, mas também porque teve sobre Constantino uma evidente e salutar influência.

Quer dizer, temos Constantino, o primeiro imperador que faz uma promessa de dar livre curso ao culto católico no Ocidente, caso se visse auxiliado por Nosso Senhor Jesus Cristo na batalha de Ponte Mílvia. Ele recebe a célebre visão do “in hoc signo vinces” — “com este sinal vencereis” —, portanto uma confirmação do socorro divino, conquista a vitória e cumpre sua promessa. Com o Edito de Milão ele concede liberdade à Igreja Católica, e a partir daí começaria a ruir o paganismo sobre o qual o estado se assentava.

Diante desse acontecimento de fundamental importância para a Cristandade, não se pode deixar de reconhecer a materna e católica influência de Santa Helena sobre o filho. Quando nos lembramos de Santa Mônica rezando por Santo Agostinho e obtendo do Céu a conversão dele, ou quando recordamos o papel de Santa Clotilde junto a seu esposo, Clóvis, trazendo-o igualmente para o seio da Igreja Católica e, com ele, o povo franco, é difícil não pensar que Santa Helena impressionou a fundo Constantino, e que a atitude dele foi motivada, em grande medida, pela ascendência da mãe.

Na raiz da ordem social e temporal católica

Ora, se, católicos que somos, desejamos de toda a alma uma restauração da ordem social e temporal católica como a que vigorou nos dias áureos da Civilização Cristã, não podemos deixar de reconhecer, com muita alegria, o trabalho feito por Santa Helena com esse objetivo: não só fazer cessar as perseguições à Igreja no império romano pagão, mas também fazer com que o imperador começasse a edificar uma ordem temporal católica, prólogo da plenitude de catolicidade que alcançaria o Estado medieval.

Início este, diga-se, por vários lados verdadeiramente glorioso. Pela liberdade franqueada à Igreja, pelo fim dos cultos pagãos, e por esse ideal de unidade social católica que desabrocharia nos esplendores da Cristandade européia, os quais perdurariam ao longo de séculos.

Portanto, pela sua oração, pelo exemplo de suas virtudes, Santa Helena esteve na raiz de uma série de realizações gloriosas, de idéias grandiosas, de princípios que repercutiriam mesmo após o ocaso do Sacro Império Romano Alemão, até os nossos dias. Razão pela qual nos é particularmente cara a devoção a essa grande santa.

Oração que conduz à ação eficaz

Chamo a atenção para esse ponto acima mencionado: as orações de Santa Helena. É necessário compreender aqui o equilibrado do papel dessa oração.

Com efeito, seria equivocado imaginar que, uma vez recitadas as preces, não adianta fazer coisa alguma. Basta rezar e deixar as realizações concretas ao beneplácito da Providência. Às vezes, quando as vicissitudes o impõem, não se pode pretender outra coisa. Porém, é apropriado esperar que a oração nos mova à ação que realiza o fim almejado. E desse teor foram as preces de Santa Helena.

Enquanto a mãe rezava, o filho lutava e agia. Constantino, protegido pelo socorro do Céu, levando no seu lábaro o emblema de Nosso Senhor Jesus Cristo, combateu e alcançou a vitória. Em seguida, agiu vigorosamente, com a força temporal do Estado, para libertar a Igreja e extinguir os restos do paganismo.

 Creio ver nessa circunstância o equilíbrio perfeito entre oração e ação. Santa Helena reza, e sua oração é acompanhada certamente de atitudes e palavras evangelizadoras junto ao filho, e este cuida dos meios materiais para concretizar aquilo que, sem dúvida, sua mãe desejava realizar. A oração é a razão mais fecunda do desencadear dos fatos; os fatos produzem os frutos da prece atendida.

Aquela que tirou das entranhas da terra o Santo Lenho

Cumpre considerar, ainda, este outro e não menos belo florão na vida de Santa Helena: foi ela que encontrou a verdadeira Cruz, um acontecimento cercado de milagres e dádivas especiais de Deus. É o Santo Lenho do qual se espalharam relíquias para serem veneradas pelos fiéis do mundo inteiro.

Que glória para essa mulher ter sido, ao mesmo tempo, a mãe do primeiro imperador cristão e aquela que tirou das entranhas da terra a verdadeira Cruz, com todos os benefícios espirituais oriundos dessa descoberta!

Então admiramos ainda mais o vulto dessa Santa, conhecemos melhor a estatura dessa alma, um grande tipo de mulher que vive só para Nosso Senhor. Matrona de espírito elevado e de horizonte largo, compreendendo as coisas a partir dos seus aspectos mais sublimes e de maior alcance. E que, por causa dessa envergadura espiritual, transforma um Império e dá ao mundo o presente imensamente grandioso da verdadeira Cruz de Cristo. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 18/8/1964)

 

MATERNO PODER

Rainha dos corações enquanto tendo influência sobre a mente e a vontade dos homens, Nossa Senhora exerce esse império não por uma imposição tirânica, mas pela ação da graça, em virtude da qual Ela é capaz de nos libertar de nossos defeitos e nos atrair, com agrado e particular doçura, para o bem que nos deseja.

Esse materno poder de Maria sobre as almas nos revela quão admirável é a sua onipotência suplicante, que tudo nos obtém da misericórdia divina. E cumpre dizer: esse augusto domínio sobre os corações representa incomparavelmente mais do que ser Soberana de todos os mares, de todas as vias terrestres, de todos os astros do Céu — tal é o valor de uma alma, ainda que seja a do último  dos homens!

Plinio Corrêa de Oliveira

Um guerreiro que descansa…

Ao ver fotografias do Castelo de Coca (Espanha), Dr. Plinio analisa o estilo de vida que seus habitantes levavam, e a defesa que tal construção significava contra os inimigos.

 

A primeira impressão causada ao ver fotografias do castelo de Coca é que se trata de uma coisa irreal. Tem-se vontade de dizer: “Isto não existe”.

O artista soube fotografar o castelo numa hora de um contraste muito feliz: o céu sombrio e o castelo muito iluminado. Se o céu fosse azulzinho e não ameaçante, o castelo perderia algo.

Mas não se trata de um sombrio qualquer, pois nota-se no céu uma parte que está luminosa. Dir-se-ia que um raio acabou de passar por lá como um corisco, deixando um resto de luz a qual o ilumina tão magnificamente.

Que castelo! Tem-se a impressão de que é tão grande, têm tantas torres e muralhas, tantos salões e espaços, que se diria ser um castelo incomensurável, de conto de fada.

Imaginemos o viver delicioso dos que nele habitam. Capela interna magnífica e grande como uma catedral; estupendas salas de refeição, de recepção, de trabalho, de reuniões políticas; dormitórios extraordinários; todas as formas de conforto do tempo em que esse castelo foi construído, para um número indefinível de personagens. Personagens nobres, vestidos com riqueza, de maneiras requintadas; quando se encontram nos corredores saúdam-se com cerimônia e fazem grandes reverências, e ao mesmo tempo cochicham e fazem política uns para os outros, ou contra outros, no vai-e-vem da vida de todos os dias.

Realmente, esse castelo foi construído com uma preocupação artística muito apurada. Por exemplo, ele é marcado por umas listas brancas em toda a sua extensão: são pedras de outra qualidade, que formam uma espécie de alternância e concorrem para sua beleza.

Observado o castelo, nota-se em sua parte central um torreão, que é um maço de torres coligadas entre si. Diante desse torreão, percebe-se um pátio enorme, cercado por altas muralhas e grandes torres em cujas extremidades há um conjunto de torres especial que faz uma espécie de equilíbrio com o do centro. Depois, isso se repete, para se chegar ao pátio externo do castelo.

Parece que ele está separado por um valo de água ou um rio.

O castelo nos fala, sem dúvida, de uma requintada vida nobre com as mil delicadezas da civilização cristã. Entretanto, estas se deterioram quando existem num clima sem heroísmo. Ora, esse castelo é feito para combater. É uma fortaleza calculada para resistir a um cerco tão longo que as tropas do adversário vão ficando cada vez menos numerosas e acabem desistindo do ataque. Assim, os assediados podem mandar avisar os aliados, para que venham em socorro deles.

Esse castelo é tão enorme que quase não se imagina como uma tropa possa cercá-lo inteiro; sempre fica com uma portinhola livre para saírem os mensageiros ou entrarem os aliados. É inconquistável ou muito difícil de conquistar. Quando os adversários eram tão numerosos que conseguiam fazer o cerco do castelo, como o castelão se defendia? Mandava um aviso aos seus aliados por meio de pombo-correio, solto de uma das mais elevadas torres, a fim de levantar voo bem alto e não ser atingido pelas flechas do adversário. Numa das patinhas, levava amarrada por uma pequena argola, uma mensagem assinada pelo senhor deste castelo para algum aliado dele.

Às vezes, os castelos muito seguros tinham ainda um ou vários subterrâneos, que conduziam a lugares tão distantes, que o sitiante desconhecia: uma gruta, onde de repente se movia uma pedra e saía um mensageiro, rápido como um corisco; uma árvore, várias vezes centenária, na qual se tinha aberto uma saída de onde saltava um homem e corria levando um aviso. Em alguns casos, esses locais eram guarnecidos por um vigilante oculto, de maneira que se o adversário quisesse entrar ali, de repente uma flecha o atingia pelas costas e ele morria.

O sistema de defesa do castelo era o seguinte:

No primeiro plano se vê uma série de muralhas, no alto das quais devemos imaginar, nos grandes dias de cerco, arqueiros que atiravam flechas sobre os mais próximos inimigos; às vezes eram setas incendiárias que queimavam as pessoas atingidas; ou, lançadas na retaguarda onde estava  o nobre que dirigia o assalto, dificultavam a manutenção do ataque. Se porventura o sitiante conseguisse ultrapassar a primeira muralha, teria depois outras batalhas diante da segunda e por fim frente à terceira. De maneira que eram três guerras concêntricas.

Ora, os que assaltavam o castelo eram sempre pessoas que vinham de outras regiões. Os habitantes do lugar não lhes davam comida, indicavam-lhes caminhos errados. À noite, quando os sitiantes dormiam, a população ateava fogo em suas tendas. Durante o dia, quando os primeiros se apresentavam para combater, ficavam expostos ao ar livre enquanto que os sitiados lutavam detrás de muralhas. Compreendemos assim que um castelo destes é uma potência.

Da ideia de resistir sempre, e com coragem, provém um certo ar heroico deste castelo e que constitui o pináculo da sua elegância.

Uma das melhores definições da elegância, talvez seja esta: a leveza e a distinção do guerreiro quando descansa. Quem não é batalhador e polêmico, não tem verdadeira distinção, nem elegância. Aqueles nobres que lutavam assim contra as investidas maometanas, fortemente apoiados por seus camponeses nos quais eles viam filhos e que os tratavam como pais, fizeram, realmente, a defesa da Espanha e extirparam na Europa o perigo muçulmano. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 5/5/1984)

 

Panaceia celestial

São raras vezes, a Providência permite que se abatam sobre o homem as mais aflitivas doenças corporais, para que se volte humildemente a Nossa Senhora e suplique sua cura. Ao se ver atendido, conhece ele a insondável bondade materna de Maria, sentindo-se atraído e conquistado pela melhor de todas as Mães. E mesmo quando Esta não alivia o mal físico, não deixa de consolar a quem Lhe pede, fazendo ver ao doente o benefício que recebe com a cruz, para a sua santificação — que é o bem-estar da alma.

Por isso é Maria invocada como a Saúde dos enfermos, como o remédio para as nossas moléstias, mas, sobretudo, para as carências de alma, defeitos e lacunas espirituais. Em relação a estes a Santíssima Virgem é, por excelência, a “panaceia” celestial dada por Deus para nos livrar de tantas misérias e nos conduzir à plenitude de santidade à qual somos chamados.

Plinio Corrêa de Oliveira

Nossa Senhora e a Tradição da Igreja

Tudo quanto se referia a Nosso Senhor, Maria Santíssima conservava com enlevo em sua alma. Ela possuía uma memória perfeita porque foi concebida sem pecado original. Após a Ascensão, a Mãe do Redentor fez com que os Apóstolos e discípulos tivessem determinada mentalidade, que depois se exprimiu nos dogmas e na Liturgia; mais do que tudo, Ela manteve certo imponderável dentro da Igreja.

 

A respeito da Igreja primitiva, parece-me que ela não pode ser vista, nem conjeturada, nem analisada a não ser de dentro da Igreja atual.

Por vezes, os livrinhos de História da Igreja apresentam desenhos que não deixam de estar um pouco impregnados pela Renascença, porque, na louvável preocupação de mostrar o primitivismo da Igreja, eles carregam a nota e pintam o ambiente dos Apóstolos, de Nosso Senhor, de Nossa Senhora, não só como não tendo explicitado muitíssima coisa que há na Igreja atual — isso é legítimo —, mas como não possuindo sequer em gérmen as maravilhas que viriam depois. E isto eu considero errado.

Nos albores da Igreja, juntaram-se todas as maravilhas

Por exemplo, numa obra qualquer de História eclesiástica, onde todos nós tenhamos aprendido, não se vê nada em São Pedro e em São Paulo que faça prenunciar o que depois foi um Papa e um Cardeal. Os fatos teológicos sim, mas a ambientação não. São livrinhos perfeitos do ponto de vista apologético, mas insinuam que na ambientação da Igreja daquele tempo não havia nada que fizesse pressentir a Igreja de hoje.

Então, por uma concepção errada, a Idade Média também não estava prevista nem um pouco nas catacumbas. Ela teria florescido quando eclodiu o gótico e, portanto, é muito mais filha da barbárie do que da Revelação.

As iluminuras, que pintam com tanta candura e tanto espírito medieval as cenas, por exemplo, do Natal, não fazem propriamente aparecer aquilo que eu acho que estava na gruta de Belém. A meu ver, na noite de Natal, no “Gloria in excelsis Deo”(1), e depois nos vários episódios que marcaram a História de Nosso Senhor Jesus Cristo na Terra, os Anjos fizeram com que a graça se tornasse, nos imponderáveis, intensíssima, algo no qual já reluzia o Reino de Maria, e que era, portanto, muito superior ao que veio depois.

Seria ridículo imaginar a gruta de Belém como se fosse uma Sainte-Chapelle, quando ela não era senão uma gruta; e que o boi era um animal de raça das cocheiras de Versailles. É uma coisa completamente cretina, não é disso que estou falando. Mas, a propósito de um boizinho ou um burrinho, os mais elementares, os Anjos deviam fazer aparecer ali algo que a Sainte-Chapelle, por assim dizer, não faz senão rememorar.

Tenho a impressão de que na aurora, nos albores da Igreja, juntaram-se todas as maravilhas que foram brilhando nas várias épocas de sua História, num brilho germinativo e inicial que nos é difícil compor. Como seria impossível, por exemplo, um homem que nunca viu o branco, imaginar esta cor a partir da fusão das demais cores, sem fazer rodar aquele disco de Newton. Mas ele poderia entrever e compreender uma síntese. E ali houve uma síntese semelhante. Suponho que Nosso Senhor e toda a sua vida foram assim.

Majestade de Nosso Senhor coroado de espinhos

Creio que isso se verificava em todos os episódios, mesmo da Paixão, como a coroação de espinhos. Nosso Senhor coroado de espinhos deveria ser visto com uma forma de majestade, que não seria apenas a majestade do Profeta, habitualmente representada, mas também a majestade do Rei. E, portanto, com algo que lembraria uma invisível coroa de Imperador do Sacro Império, uma dignidade de Imperador do Sacro Império, injuriada e questionada ali, mas realmente presente.

A meu ver, havia em tudo isso uma espécie de ponto originário, que foi uma categoria de graça mística fenomenal como não se pode ter ideia, e que se prolongou durante a vida terrena d’Ele, mas que com a Ascensão teve uma certa diminuição. E essa diminuição foi intencionada; parece-me direito, normal, que tenha sido assim.

Ele não ascendeu ao Céu para castigar a Igreja primitiva por infidelidades; seria uma hipótese absurda. Ele subiu ao Céu porque tinha que subir. Mas as graças se distribuem desigualmente, segundo os períodos históricos. E há épocas de muita intensidade, às quais devem se seguir épocas de menor intensidade. E para que a ruptura não fosse muito grande, Nosso Senhor deixou a Mãe d’Ele. Temos, então, a Era de Maria, que prepara, continua a Era de Cristo.

Manter certo imponderável dentro da Igreja

Nesse período, da Ascensão à Assunção, Nossa Senhora ajudou os Apóstolos em algo que é bem o trabalho d’Ela, e que Ele não podia fazer: rememorar tudo e, naquela pletora de impressões, de recordações, de ensinamentos e de tudo o que eles deviam carregar — podemos imaginar o que aqueles homens levavam consigo do convívio com Nosso Senhor…; é indizível! —, ajudá-los a ver o que não tinham visto, a dar o devido valor a coisas que haviam banalizado, a pedir perdão pelas infidelidades cometidas, a render graças pelas virtudes que praticaram. E Maria Santíssima, poderosamente ajudada pelas graças do Espírito Santo, retificou o espírito deles a respeito do que havia se passado na vida de Jesus. Tenho a impressão de que para Pentecostes houve um trabalho preparatório d’Ela, e o levou a um certo auge, e depois Nossa Senhora ainda consolidou. Posteriormente subiu ao Céu.

Estava, então, constituída uma coisa que considero incomparável dentro da Igreja: aquilo que eu chamaria a Tradição. E a alma da Tradição da Igreja era a recordação viva neles do ambiente criado por Nosso Senhor, de sua Pessoa, e a repercussão disso, formando uma mentalidade coletiva de todos eles, ligada à instituição Igreja como um tesouro dela, brilhando como um sol, o qual já não era Ele, mas era legado de Nossa Senhora, um trabalho d’Ela consolidando a obra d‘Ele.

Foi, portanto, com a participação, com o influxo de Maria Santíssima que essa profusão de graças passou a ser uma montanha de joias e de recordações ordenadas.

Aliás, o Evangelho fala da memória d’Ela: Nossa Senhora guardava todas essas coisas e as conferia no seu Coração(2). Guardar é memorizar; uma memória contemplativa, que Ela devia ter como ninguém, pois não era concebida no pecado original. Uma memória perfeita, total. Depois, com a santidade d’Ela, era inimaginável o que trazia dentro de Si!

Mas, então, o que é a Tradição?

É possuir, por continuidade, uma determinada mentalidade, que se exprime nos dogmas, na Liturgia; antes de tudo e mais do que tudo, é um certo imponderável dentro da Igreja. E esse foi o trabalho de Nossa Senhora.

Com base nisso, qualquer fiel verdadeiramente reto poderia reconstituir a face da Igreja inteira, se ele quisesse. Eu compreendo que alguém, semi-cúmplice do ambiente de ceticismo ou desinteressado da Religião, não percebesse isso. Mas se fosse honesto, aplicar-se-ia para ele aquela frase que está no hino “Pange lingua: Ad firmandum cor sincerum, sola fides sufficit”(3).

Essa memória da Igreja, organizada por Nossa Senhora, não pode desaparecer, porque a Igreja não pode morrer.  v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/9/1982)

 

1) Do latim: Glória a Deus nas alturas. Cântico entoado pelos Anjos aos pastores, na noite de Natal.

2) Lc 2, 51.

3) Do latim: Canta, ó língua: Para convencer um coração sincero, basta apenas a fé (trecho de um hino eucarístico, de autoria de São Tomás de Aquino).

Consagração a Nossa Senhora e a graça divina – I

Ao cumprimentar um grupo de jovens que acabavam de se consagrar a Jesus, pelas mãos da Santíssima Virgem, Dr. Plinio descreve a beleza da alma que se abre para a vida da graça através do Batismo, passando a trilhar os caminhos da virtude, semeados de lutas, tentações e vitórias, até alcançar a santidade para a qual somos todos chamados.

A esplendorosa cerimônia na qual tantos jovens se consagraram a Nossa Senhora como escravos de amor, segundo o método de um dos maiores santos mariais de todos os tempos, São Luís Grignion de Montfort, suscita algumas reflexões que me parece oportuno serem aqui externadas.

A vida e todas as outras coisas, quando consideradas à luz da Fé, são muito mais belas do que observadas apenas com a luz elétrica ou solar. Assim, o ato que acabamos de presenciar, feito belamente na Terra, tem muito mais pulcritude se atentarmos para as realidades sobrenaturais nele contidas.

Duas maravilhas de Deus observadas no jovem

Quando se vê uma pessoa jovem trilhando os caminhos da existência com força, energia, ênfase e resolução, diz-se: “Como é linda a vida!”. Mas, a Fé nos ensina ter Deus criado o primeiro casal — Adão e Eva — que se multiplicou e povoou o mundo, transmitindo a vida a seus descendentes. Naquilo que é apenas carne, o Criador incute uma alma espiritual, imortal, constituída à imagem e semelhança d’Ele. Primeira maravilha.

A criança nasce. Pouco depois, segundo costume dos países católicos, é batizada, e uma outra vida misteriosa se soma à que já possuía. É a segunda maravilha. Antes do Batismo, tinha ela a vida da alma e a do corpo. Este último contém elementos dos reinos animal, vegetal e mineral. E sua alma espiritual é o princípio das vidas animal e vegetal que nele existe. O homem é um compêndio de tudo quanto há na criação, uma obra-prima de Deus.

A vida sobrenatural

Porém, mais magnífica é a vida sobrenatural.

Entre dores indizíveis, no alto do Gólgota, Nosso Senhor bradou: “Eli, Eli, lamma sabactani! — Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?!”, e inclinando a cabeça, disse: “Tudo está consumado”, exalando seu último suspiro. Ele morreu por amor a nós, redimiu todos os homens e nos abriu as portas do Céu.

Sendo o que deu origem a todo o gênero humano, Adão continha de algum modo em si todos os que dele deveriam descender. Por isso o pecado original atingiu a humanidade inteira e era preciso que alguém a resgatasse. A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se encarnou no ventre puríssimo da Virgem e habitou entre nós. Jesus Cristo, Homem-Deus, expiou por essa e todas as outras faltas dos homens, e nos obteve um tesouro maravilhoso: a graça.

Esta é um dom sobrenatural criado por Deus, que nos torna participantes da própria vida divina.

Todos nós temos a felicidade de sermos católicos, pois recebemos a graça do Batismo. E embora não vejamos com os olhos da carne, pela luz da Fé sabemos que em cada um há algo da vida de Deus.

O Altíssimo não foi criado; é o Criador de todas as coisas. A graça é uma participação criada na existência incriada d’Ele. E cada um de nós é uma tocha que arde com a graça divina. Esta é a realidade, apesar de não a percebermos fisicamente.

A grande batalha do homem

Junto com esse maravilhoso início da vida sobrenatural, começa para o homem a grande batalha de sua existência neste mundo.

Antes de receber a Primeira Comunhão, a criança aprende no catecismo os Dez Mandamentos da Lei de Deus. Como eles são belos e apaziguam a alma! Lembro-me — há tantos anos! — de quando os aprendi, decorava-os e dizia para mim mesmo: “Que coisa bonita! Não mentir, não roubar, honrar pai e mãe, amar a Deus sobre todas as coisas, não tomar em vão o Santo Nome, etc.”.

E, encantado, pensava: “Se todas as pessoas agissem assim, como o mundo seria belo e diferente do atual!”

Com mais ou menos intensidade, todos devem experimentar sentimentos desses, quando aprendem os Dez Mandamentos. Porém, por mais belos que eles sejam, ao chegar a hora de praticá-los, começa a batalha! É árduo cumprir o decálogo. Conforme a pessoa, alguns Mandamentos são mais custosos ou menos. Mas, respeitá-los integral e duravelmente… oh! que dificuldade!

Donde o ensinamento da Igreja, segundo o qual ninguém, por mais virtuoso que seja, consegue praticar estavelmente todos eles, apenas pelo esforço humano. Para isso, é preciso a graça. Ela é que nos escolhe. Não fomos nós que a escolhemos. O que éramos no momento em que fomos batizados? A maior parte, uma criança levada pelos pais e padrinhos à igreja para receber o Sacramento do Batismo. Enquanto o padre o administrava, o bebê, sem o uso da razão, pronunciava ou articulava sílabas que mais tarde seriam palavras. Ele estava tendo impressões que depois seriam pensamentos. Naquele instante, era uma simples criancinha.

Certo dia, começa o uso da razão, da vontade, e chega a hora da tentação. Tem desejo de mentir, de se encolerizar com os pais, preguiça de estudar, desobedecendo portanto à ordem recebida dos progenitores; vontade de fugir da aula…

A esse propósito, recordo-me dos meus tempos de menino, quando estudava numa sala que dava para o jardim de casa, sobre o qual deixava vagar meus olhos. Nossa governanta, “Fräulein” Mathilde, fiscalizava-me e eu pensava: “Se eu pudesse andar ou correr por esse jardim!” Primeiro, para me ver livre da aritmética ou da geografia, matérias não muito apreciadas por mim. Além disso, em vez de ficar assentado junto a uma escrivaninha, estaria respirando o aroma das flores. Mas, tinha de obedecer e continuava a fazer minhas lições.

Entretanto, há um momento em que não temos mais a presença da “Fräulein”, tornamo-nos mocinhos, ninguém nos vigia e cumprimos o dever porque a consciência diz a cada um de nós: “Os Mandamentos proíbem fazer tal coisa. Você quer ou não obedecer a Deus? Do alto do Céu Ele o vê!”

Por um lado queremos; por outro, não. E pensamos: “Como é bom estar em paz com Deus, mas, como é agradável fazer aquilo que Ele proíbe… O que escolho? Deus ou o gostoso?”

Tem início a batalha, a qual se estende até o último suspiro de vida, por mais velho que o homem morra; até o derradeiro momento de sua existência ele se acha sujeito à tentação, e se nela consentir, pode perder a própria alma.

O papel da graça nessa luta

Como se fosse a mão de Deus abrindo nossos olhos, a graça sempre nos adverte: “Meu filho, tal ato não é bom; aquele outro é correto. Veja como Eu o amo. Considere o Sagrado Coração de Jesus, o Imaculado Coração de Maria; os Mandamentos, a Igreja, o seu ensinamento; a Comunhão que você pretende receber e não pode ser sacrílega. Lembre-se da confissão que fez há pouco, na qual se comprometeu a não mais pecar. E agora, você ainda vai me ofender?

Meu filho, coragem! Força!”

A pessoa diz “não!” à tentação e progride na virtude.

(Continua em próximo número)

Assumpta est Maria, gaudent angeli!

Quando ascendeu ao Céu, Maria pôde contemplar os coros angélicos e a multidão de bem-aventurados que A receberam em festa. Considerações de Dr. Plinio manifestando seu encanto com a Assunção de Nossa Senhora

 

Devoção às alegrias de Nossa Senhora

Era costume entre os antigos reportar-se às alegrias da Santíssima Virgem. Essa era uma devoção bastante difundida, a ponto de um dos santuários marianos mais famosos do Brasil, o de Guararapes, em Pernambuco, ser dedicado a Nossa Senhora dos Prazeres.

Na vida de Nossa Senhora notamos inúmeros movimentos de alegria. O mais insigne deles é evidentemente o Magnificat.

Porém, nenhuma das alegrias que a Santíssima Virgem teve nesta vida foi tão grande quanto à da sua Assunção.

Após a “dormitio”(1), Maria ressuscitou no apogeu de seu estado físico, mas também no auge de sua vida espiritual, pois a maturidade do corpo e a maturidade da alma se relacionam.

No dia de sua Assunção, Nossa Senhora estava na plenitude da santidade. Sua alma santíssima, que não deixou de progredir um minuto sequer durante toda a sua existência terrena, tinha chegado ao clímax. A Virgem Maria chegara à suprema perfeição. Possuía incomparável beleza de alma, pois estava repleta de virtude; seu amor a Deus atingira o apogeu. Essa santidade transluzia em toda a sua pessoa e Lhe dava uma beleza incomparável.

Entrada de Maria no Céu

Podemos imaginar sua alegria, sabendo que, a partir daquele momento, entraria no Céu com corpo e alma. Passaria por um cortejo incontável de Anjos, que prestariam a Ela homenagens como nunca nenhuma rainha deste mundo, nem de longe, recebeu. E Ela compreendia a natureza de cada Anjo, sua luz primordial(2), a graça recebida por cada um, seu amor a Deus, e o amor de Deus para com cada um deles. Maria Santíssima tinha o conhecimento perfeito da hiperdulia que as miríades de Anjos Lhe prestariam. E Ela, tendo uma alegria completa por cada um desses louvores, sabia que os merecia, porque tinha sido a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e seu espelho fidelíssimo.

Imaginemos que um Anjo da guarda aparecesse para um de nós e dissesse: “Meu filho dileto, você é extraordinário! Sobre você pousam todas as minhas complacências. Você é inteiramente digno de minha benevolência.” Esta pessoa teria grande tentação de vaidade. Um elogio desses, feito por uma natureza angélica, imensamente maior do que a nossa, é algo inebriante…

Sendo mera criatura humana, Nossa Senhora estava recebendo o amor entusiástico de todos os Anjos, e a corte que durante milhares de anos tinha esperado sua Rainha ficou transformada em algo lindíssimo, porque Ela estava chegando. A beleza do mundo angélico não atingira toda a formosura para a qual fora criado, porque era preciso que uma criatura humana o governasse. Nossa Senhora coroava com uma perfeição altíssima a beleza do Céu.

Certamente, Ela deve ter se encontrado com as almas santas que tinham subido ao Céu após a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, e sem dúvida encontrou-se com São José, com quem permutou uma saudação cheia de respeito e afeto sobre a qual nem sequer podemos ter ideia. Como deverá ter sido a alegria da alma de São José ao rever Nossa Senhora?

Beleza do transluzimento da santidade em Nossa Senhora

Maria Santíssima crescia continuamente em graça e santidade, por isso, quando chegou a hora de sua morte, Ela era muito mais santa do que quando São José morreu. Quando ele A viu ressurrecta, repleta de toda a santidade que deveria atingir segundo os planos de Deus — e que de fato Ela atingiu —, notou que a santidade transluzia em toda a sua pessoa com uma beleza incomparável. Com que veneração São José, afinal, via Nossa Senhora em corpo e alma, cujo esplendor era ainda maior do que Ela possuía na Terra!

São Joaquim e Santa Ana, sendo pais de Nossa Senhora, devem certamente ter tido o privilégio de assistirem, a partir de um lugar de destaque o ingresso d’Ela no Céu. Sabemos que os pais têm uma propensão natural por seus filhos, sobretudo quando são excelentes pais. Afinal, era justo que, tendo dado Maria Santíssima ao gênero humano, assistissem de um lugar especial a sua entrada no Céu.

Adão e Eva, os primeiros pais do gênero humano, deveriam estar ali presentes. Depois de verem tantas desgraças causadas por seu pecado, puderam contemplar o remédio concedido por Deus para solucionar esse pecado, fazendo nascer Nosso Senhor Jesus Cristo e glorificando de tal maneira a Mãe Imaculada do Redentor.

Podemos ainda imaginar o desfile maravilhoso das almas eleitas e dos Anjos que A receberam no Céu, por assim dizer gradualmente, num como que desfile esplêndido, cantando hinos de glória. E, afinal, todo o paraíso celeste pondo-se a cantar, enquanto Ela sobe até o trono da Santíssima Trindade.

Por fim, a Assunção chega ao seu auge: a coroação de Nossa Senhora como Rainha dos Anjos e dos Santos, do Céu e da Terra, pela Santíssima Trindade. Houve então uma verdadeira festa no Céu. Não é uma hipérbole, mas uma festa autêntica, em termos e modos que não podemos imaginar. Foi o mais alto grau de alegria que possa haver. Ela foi coroada por ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filha do Padre Eterno e Esposa do Divino Espírito Santo.

 

(Extraído de conferências de 15/8/1966 e 1/11/1975)

 

1) A morte d’Ela foi tão leve que se compara a uma dormição.

2) Dr. Plinio assim designava o conjunto de virtudes ou atributos divinos que cada Anjo, ou cada alma, é especialmente chamado a conhecer e amar.

A Assunção e o maternal legado da Virgem Maria

Ao concluir seu Evangelho, São João afirma que se fossem narrados todos os feitos do Salvador, “nem o mundo inteiro poderia conter os livros que seria preciso escrever”(1).

Não obstante a beleza e profundidade desta afirmação, quem de nós leu os Evangelhos sem se lamentar, nesta ou naquela passagem, da ausência de certos detalhes que julgávamos indispensáveis à nossa piedade?

Se isso ocorre com as narrativas evangélicas, o que dizer, então, dos episódios que, por misteriosos desígnios de Deus, nem sequer foram mencionados nas páginas sagradas?

Tal se dá com a Assunção da Santíssima Virgem, cujos esplendores ocultam-se misteriosamente sob o véu do silêncio, rompido apenas pela Tradição e pela elucubração teológica, entretanto suficientemente eloquentes para fundamentar tão augusta verdade. Com efeito, a força da Tradição, que Dr. Plinio relaciona intimamente a Maria nesta edição(2), afirma-se de modo incontestável no dogma da Assunção de Nossa Senhora ao Céu.

Como os Evangelistas, também a proclamação deste dogma mariano não fornece detalhes… Contudo, isso favorece a ação do Espírito Santo em nossas almas, permitindo-nos imaginar piedosamente aquilo que a Revelação e o Magistério não explicitaram.

Para Dr. Plinio(3), a Assunção começa com a manifestação de todas as glórias que havia em Nossa Senhora, como ocorrera com seu Divino Filho no Tabor, causando nos presentes exclamações de admiração.

Ao mesmo tempo, no auge dessa “mariofania”, todos devem ter experimentado uma tal intimidade e união com Ela, vendo-A “tão meiga, tão afagante, tão tonificante, tão reparadora e tão mãe, que se sentiam como ajoelhados junto a Ela, recebendo suas carícias, ‘embebidos’ d’Ela, como um papel pode estar impregnado de perfumado azeite”.

Em determinado momento, “começam os ares a se mover, e os ventos como que a tomar forma e flutuar de modo singular; definem-se figuras angélicas e o céu se revela sucessivamente povoado de Anjos a cantar. Nossa Senhora, atingindo o auge de esplendor indescritível, torna pálidos os puros espíritos, entretanto tão majestosos!

“Chega a hora da despedida… A Virgem Maria começa a mover-se, olhando um a um com afeto, na tentativa de transpor a distância física que aumenta a cada instante. Os Anjos cantam celestialmente e, por fim, Nossa Senhora desaparece no céu. Os cânticos angélicos fazem-se ouvir por mais alguns instantes para consolar os homens, mas depois vão desaparecendo também gradualmente.”

Restava à humanidade enlevada, a doce lembrança desse augusto momento, perpetuada ao longo dos séculos pela Tradição e por um certo imponderável, maternal legado da Santíssima Virgem que permitirá sempre, a qualquer fiel verdadeiramente sincero, reconstituir e reconhecer a face inteira da Igreja(4).

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Jo 21, 24.
2) Ver seção “Reflexões teológicas”, número 185 da Revista Dr Plinio, p. 22-25.
3) Citações adaptadas, extraídas de conferência de 15/8/1980.
4) Cf. “Reflexões teológicas”, no número 185 da Revista Dr Plinio, p. 25.

O fato mais glorioso da História, depois da Ascensão

Durante a Assunção de Nossa Senhora, toda a natureza e os próprios Anjos refulgiam magnificamente, como nunca, refletindo de modos diversos, à maneira de uma verdadeira sinfonia, a glória de Deus. Porém, nada disso podia se comparar com o esplendor da Santíssima Virgem subindo ao Céu.

 

Um fato que chama a atenção, na História Sagrada, é Nosso Senhor ter querido subir ao Céu aos olhos dos homens; e que acontecesse o mesmo com a Assunção de Nossa Senhora. Por que a Ascensão e depois a Assunção deveriam dar-se à vista dos homens?

Ascensão e Assunção

Quanto à Ascensão há várias razões e a mais protuberante delas é de caráter apologético. Era preciso que os homens pudessem dar testemunho deste fato histórico duplo: não só de que Jesus ressuscitou, mas de que Ele subiu ao Céu, a sua vida terrena não continuou. Subindo ao Céu, Ele abriu o caminho para incontáveis almas e Se assentou à direta do Padre Eterno. Ele, na sua humanidade santíssima, foi a primeira criatura – e ao mesmo tempo é Deus – a subir aos Céus em corpo e alma, como nosso Redentor, abrindo o caminho dos Céus para os homens.

Mas havia uma outra razão: era necessário que Ele, tendo sofrido todas as humilhações, recebesse todas as glorificações. E glória maior e mais evidente não pode haver para alguém do que subir aos Céus, porque é ser elevado por cima de todas as alturas.

E aqueles que se salvarem transcenderão todo esse mundo onde nos encontramos, e irão para o Céu empíreo aonde Deus Nosso Senhor está, para se unirem a Ele eternamente. E assim como Nossa Senhora havia participado como ninguém do mistério da Cruz, o Redentor quis que Ela tivesse a mesma forma de glória, participasse como ninguém da glorificação d’Ele. E a glorificação de Maria Santíssima se dava por esta forma, sendo levada aos Céus. E no momento em que lá entrou, a Virgem Maria foi coroada como Filha dileta do Padre Eterno, como Mãe admirável do  Verbo Encarnado e como Esposa fidelíssima do Espírito Santo. Anjos rutilantíssimos Nossa Senhora teve uma glorificação na Terra e depois uma glorificação no Céu. Portanto, nós precisamos considerar a Assunção como tendo sido um fenômeno gloriosíssimo.

Infelizmente os pintores, a partir da Renascença, não sabem representar de um modo adequado a glória que deve ter cercado este espetáculo. Devemos imaginar o seguinte: É próprio às coisas da Terra que quando se quer glorificar uma pessoa, em sua residência, por exemplo, todos vestem seus melhores trajes, se exibem os mais belos objetos, colocam-se flores e tudo aquilo que há de  mais nobre para homenageá-la.

Tal regra está dentro da ordem natural das coisas e é seguida também no Céu. O maior brilho da natureza angélica, o fulgor mais estupendo da glória de Deus nos Anjos deve ter aparecido exatamente no momento em que subiu ao Céu Nossa Senhora. E se foi permitido aos mortais verem os Anjos com seus próprios olhos, eles deveriam estar rutilantíssimos, com um esplendor absolutamente invulgar. E se não foi dado a todos os mortais contemplar os Anjos nesta ocasião, é certo, pelo menos, que a presença deles se fazia sentir de um modo imponderável, porque muitas vezes na História isso ocorreu, embora não fosse propriamente uma visão, ou uma revelação deles.

A glória interior de Nossa Senhora ia transparecendo como no Tabor

É natural também que nesta hora o Sol tenha brilhado de um modo magnífico, que o céu tenha ficado com cores variadas, refletindo de modos diversos, como uma verdadeira sinfonia, a glória de Deus. E que as almas das pessoas felizes ali presentes tenham sentido essas glórias em si de um modo extraordinário, de maneira tal que houve uma verdadeira manifestação do esplendor de Deus em Nossa Senhora.

Mas nenhum desses esplendores podia se comprar com o próprio esplendor da Santíssima Virgem subindo ao Céu. À medida em que Ela ia se elevando, certamente, como numa verdadeira  transfiguração, a exemplo do Tabor, a glória interior d’Ela ia transparecendo aos olhos dos homens.

Falando de Nossa Senhora, diz o Antigo Testamento: “Omnis gloria eius filiæ regis ab intus” (Sl 44, 14), toda glória da filha do rei lhe vem do interior, daquilo que está dentro dela, e com certeza essa glória interna que Maria Santíssima possuía se manifestou do modo mais estupendo quando, já no alto de sua trajetória celeste, Ela olhou uma última vez para os homens, antes de definitivamente deixar esse vale de lágrimas e ingressar diante da glória de Deus.

Relíquia concedida a São Tomé

Compreende-se que deve ter sido, depois da Ascensão de Nosso Senhor, o fato mais esplendorosamente glorioso da História da Terra, comparável apenas com o dia do Juízo Final, em que Nosso Senhor Jesus Cristo virá em grande pompa e majestade, diz a Escritura, para julgar os vivos e os mortos; e com Ele, toda reluzente da glória do Divino Salvador, de um modo indizível aparecerá também Nossa Senhora aos nossos olhos.

Devemos considerar a impressão que tiveram os Apóstolos e os discípulos quando A viram subir ao Céu, recordando o fato que a tradição narra a respeito de São Tomé. Ele duvidou da Ressurreição e por isso foi convidado por Nosso Senhor a meter a mão na chaga sagrada do flanco d’Ele, para comprovar que era realmente Jesus. Depois recebeu o Espírito Santo em Pentecostes, ficou um Apóstolo confirmado em graça e tornou-se um grande Santo. Mas conta uma tradição venerável que, por ter duvidado, na hora da morte de Nossa Senhora, São Tomé não se encontrava  presente. Quando a Santíssima Virgem estava subindo ao Céu, já a certa distância da Terra, São Tomé foi trazido por Anjos para contemplar o final da Assunção. Aí vemos aquilo que poderíamos chamar a índole de Nossa Senhora, para cuja qualificação a palavra “materna” não basta, seria uma índole super materna, arqui materna, incomparável.

E ao receber esse castigo pungente, merecido, por uma culpa tão reparada de não ter podido estar presente à morte e ao início da Assunção de Nossa Senhora, ele olhou para Ela. Então, a Mãe de Deus sorrindo concedeu-lhe uma graça que não deu a nenhum outro. Ela desatou o seu cinto e, de lá de cima, fê-lo cair sobre São Tomé, de maneira tal que ele recebeu não direi o perdão, porque já estava perdoado, mas uma suprema graça, que era uma relíquia d’Ela atirada para ele do mais alto dos céus.

Nossa Senhora é assim quando tem algo a perdoar de algum filho muito dileto. Às vezes Ela nem sequer pune, mas quando castiga Ela faz seguir essa punição de um sorriso bondoso, de um perdão completo e de uma grande graça. Poder-se-ia imaginar que São Tomé, voltando para casa com os Apóstolos, mostrou-lhes esse presente dado a ele e disse: “O felix culpa – Ó feliz culpa –,  eu por desgraça duvidei de meu Salvador, mas em compensação tive a felicidade de receber esta relíquia celeste de minha Mãe Santíssima”. O último sorriso, o último favor d’Ela, a amenidade mais extrema, a bondade mais suave Nossa Senhora deu exatamente a São Tomé, e isto nos deve encorajar.

Que a Santíssima Virgem nos prepare para os dias terríveis que se aproximam Não há nenhum de nós que em relação à Santíssima Virgem não tenha falhas, e não precise pedir algum perdão. Nós devemos rogar a Nossa Senhora, nesta preparação da solenidade da Assunção, que proceda assim maternalmente conosco; que Ela olhe para nossas falhas, mas nos dê um perdão.

E que esse perdão seja o seguinte: Nós estamos cada vez mais claramente na orla dos acontecimentos preditos por Nossa Senhora em Fátima, e é possível que, analisando as nossas próprias almas com aquela severidade implacável que a condição de seriedade de todo exame de consciência exige, consideremos estarmos chegando um pouco atrasados na nossa preparação espiritual para esses acontecimentos.

Pois bem, nós devemos fazer uma oração, lembrando-nos de São Tomé. Se chegarmos atrasados, que Ela nos dê o favor especial particularmente rico e suave, por onde, de um momento para outro, nos preparemos de maneira tal que, quando bater à porta de nossas almas a graça dos dias terríveis que se aproximam, estejamos prontos, cheios de enlevo e capazes de seguir a vocação que Nossa Senhora nos deu.

Esta é a reflexão que me ocorre por ocasião da Assunção de Nossa Senhora. Se quisermos fazer uma meditação bonita sobre a Assunção, podemos ler as revelações de Fátima, narrando o milagre do Sol, que se manifestou de um modo tão terrível e esplêndido naquela ocasião. O astro-rei há de ter sido esplêndido, sem terribilidade, por ocasião da Assunção de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira

REALEZA TRIIUNFANTE

A realeza de Nossa Senhora, fato incontestável em todas as épocas da Igreja, veio sendo explicitada cada vez mais a partir de São Luís Grignion de Montfort, até aquele 13 de julho de 1917, quando Maria anunciou em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!” É uma vitória conquistada pela Virgem, é o seu calcanhar que mais uma vez esmagará a cabeça da serpente, quebrará o  domínio do demônio e Ela, como triunfadora, implantará seu Reino sobre as vastidões da Terra.

Plinio Corrêa de Oliveira (“Coroação da Virgem”, Basílica de Santo Antônio de Pádua – Itália)