A medula da Contra-Revolução em Plinio Corrêa de Oliveira

Desde a infância, pode-se dizer que Dr. Plinio teve uma verdadeira troca de vontades com a Igreja, e foi recusando, uma por uma, as coisas revolucionárias que passavam diante dele. E, em sentido oposto, gradualmente foi concebendo uma Ordem Religiosa contrarrevolucionária, através da qual vislumbrou o Reino de Maria.

 

Comigo, as devoções se inserem dentro de ciclos de pensamento e vão sendo assim relacionadas. É uma coisa muito singular. Suponho ser assim com todo o mundo, mas as pessoas não tomam o trabalho de explicitar.

A tintura-mãe mais sacral, forte, perfeita, insondável da Contra-Revolução

As graças que recebi quando pequeno, e até mocinho, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, foram muito profundas como visão de Quem e de como é Nosso Senhor. De tal profundidade e alcance que pude, depois, crescer em explicitação, mas duvido que eu pudesse — salvo um fenômeno da vida mística que não tive — conhecer mais do que conheci.

E isso foi acompanhado o tempo inteiro pela devoção a Maria Santíssima, a partir daquela graça de Nossa Senhora Auxiliadora, que se deu quando eu era ainda muito menino(1).

Na minha impostação, toda a luta da Contra-Revolução é uma defesa do que poderíamos chamar a mentalidade, o espírito do Sagrado Coração de Jesus contra a Revolução; porque é a tintura-mãe mais sacral, mais forte, mais perfeita, mais insondável da Contra-Revolução.

E daí se dar, com o passar do tempo, um contínuo relacionar disso com a luta Revolução e Contra-Revolução, por onde eu ia conhecendo o mesmo espírito, a mesma mentalidade, mas já no contraste com o oposto, aplicando e crescendo muito mais em fidelidade do que compreensão, nessa segunda fase. Em compreensão também, naturalmente, pois ia maturando com a idade; mas o crescimento da fidelidade era muito maior, porque, uma por uma, as coisas revolucionárias passaram diante de mim, e eu tive que recusá-las.

O lado positivo desse processo foi a elaboração gradual do que eu chamaria nossa Ordem Religiosa e, através dela, o vislumbre do Reino de Maria, que antigamente era para mim a mera Idade Média.

Isso levou anos e anos — quase toda a minha vida — correspondendo a elucubrações que, afinal de contas, pressupõem não haver uma concepção cultural, artística, política, moral, ou de qualquer outro caráter, que não gire direta e especificamente em torno disto: o Sagrado Coração de Jesus.

A certa altura, entrou o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luís Grignion de Montfort, e com isso uma ideia muito maior da intimidade com Nosso Senhor, por meio da sagrada escravidão a Nossa Senhora.

Então, a devoção a Ela cresceu muito, enquanto que a Ele continuou, dando numa dessas adesões estáveis, tranquilas, profundas, se Deus quiser da vida inteira, mas que parece não se mover. Precisamente por ter chegado a um certo ponto onde tem todo o necessário para alimentar o resto da trajetória.

Reflexões a partir da infinita nobreza de Nosso Senhor

Lembro-me de coisas ínfimas. Por exemplo, quando eu era pequeno, e até moço, meu quarto na casa de vovó ficava numa posição em que da janela avistava-se a escada de serviço, por onde entravam os empregados. E eu os ouvia, subindo, descendo e conversando.

Ademais, minha avó era caritativa e apareciam umas figuras populares pitorescas por lá, para pedir esmolas. Por exemplo, uma italiana, velhinha, muito branca, nariz aquilino, com umas veias azuis aparecendo pelo rosto, mãozinhas pequenas, arqueadas, as quais ela não conseguia fechar inteiramente, de tão velha que estava. Ela se arrastava, não sei de que porão das redondezas onde morava, e ia comer, juntamente com o “Antônio cego” e uma mulher chamada Serafina, embaixo da escada, que era um pequeno “Pátio dos Milagres”(2).

Eu ficava deitado na cama, fazendo a sesta, mas acordado, e ouvia o borbulhar daquela gente. Depois, olhava para meu quarto que era muito bem arranjado, agradável, espaçoso, com um papel de parede que me encantava, vindo de Paris.

Chegavam-me também os ecos da sala de jantar: minha mãe, minhas tias, minha avó conversando, com risos, exclamações, o telefone que soava, o cachorrinho lulu da minha prima, que ladrava, etc.

Ora eu analisava o meu quarto, ora os ruídos vindos de fora, e fazia reflexões sobre classes sociais que eram, no fundo, pensamentos sobre a transcendência, mas a partir da ideia da infinita nobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo, que me parecia a própria personificação do nobre.

Mas percebia que se não abrisse os olhos e não fizesse essas classificações direito, na ambiguidade de todas as coisas, eu acabaria sendo devorado para baixo. E, portanto, precisava evitar, a todo custo, decair porque deixaria de assemelhar-me a Nosso Senhor Jesus Cristo.

As maneiras “hollywoodianas” pareciam-me o contrário da sacralidade, e um atentado contra Ele. A tintura-mãe do conceito de nobreza é a sacralidade.

Podia ser que, terminada a sesta, eu conseguisse encontrar aberta a sala de visitas, a mais fina da casa. Entrava, então, escondido e ia me ambientar ali. E me regalava com aquela ambientação, que era o extremo da meditação iniciada junto à escadaria, onde estava o meu quarto, e que ia subindo, subindo, até aquele ponto.

Tudo isso representava destilações e aplicações ao concreto da fidelidade ao Sagrado Coração de Jesus. Quer dizer, era uma verdadeira meditação, por onde Ele me acompanhava nisso tudo.

Sucessão de dois estados de espírito

Lembro-me de uma espécie de dualidade que havia em mim a qual mais ou menos se resolveu, cicatrizou de todo em todo quando entrei para o Movimento Católico.

Não era a dualidade clássica, que naturalmente havia e há em nós até morrermos, entre o homem mau e o homem bom, entre o estado de graça e a tentação para o pecado mortal. Não se tratava disso. Nem a matéria de pecado estava diretamente envolvida no assunto.

Eram dois estados de espírito que se sucediam, mais ou menos como uma luz que se apaga ou se acende dentro de uma sala, por exemplo.

Um era de um personagem menino, já muito sério, com as vistas muito voltadas para o maravilhoso, para tudo quanto há de mais elevado, para todas as harmonias, todas as profundidades; portanto, para uma coisa que eu não sabia que se chamava recolhimento — mas que era uma espécie de recolhimento contínuo — e algo que eu não sabia que era piedade — porque piedade para mim existia só na hora estrita de rezar —, mas noto hoje que era piedade. Era, então, um menino muito voltado para os assuntos relacionados com a Revolução e a Contra-Revolução.

Este menino não era um asceta e julgava como natural próprio dele fruir as coisas normais que, dentro do estado de graça, o menino pode desfrutar. Não tinha ideia de santidade, não possuía o intuito de alcançar a perfeição moral, mas apenas o de realizar uma obra para a qual se sentia chamado. Entretanto, tinha um propósito firme de se manter no estado de graça.

Este estado de espírito, no fundo, apesar das misérias, era profundamente bom, elevado e revelando um chamado muitíssimo marcado, que transpassava a minha alma de lado a lado. Era congênere com este estado de espírito uma certa seriedade um tanto melancólica, tristonha, mas carregada com ânimo varonil. E detestando tudo quanto era superficial, brincadeira idiota, etc.

De repente, havia uma amnésia de tudo isso e vinha, durante uma, duas, três horas, um estado de espírito diferente, superficial, brincalhão, e me deixando arrastar pelas formas de alegria dos anos 20 — que eram muito vivas, muito comunicativas, muito “hollywoodianas” —, sempre que eu não notasse nelas qualquer coisa de revolucionário. E elas comportavam muitas coisas que não eram revolucionárias, mas constituíam uma espécie de embalagem para entrar na Revolução. Esta eu não bebia, mas o que não era Revolução eu tomava e gostava, até muito.

Por exemplo, quando tinha entre 13 e 15 anos, de repente eu cantarolava a plenos pulmões esta ou aquela música que estava na moda — e em casa toleravam, não sei como, pois sempre tive uma voz muito forte. Cantarolava ou intimamente me lembrava de alguma coisa divertida, que assistira em algum teatro, repetia aquilo e achava graça.

Nas conversas com minha irmã e meus primos, sobretudo nas quintas-feiras, quando eles iam jantar em casa, havia uma mesa dos mais moços, na qual a brincadeira era debandada e eu era um dos chefes desse divertimento. Nunca havia coisas imorais, mas eram brincadeiras de mocinho, de mocinha, com toda intimidade. Então falando mal deste, daquele, da sociedade, dos parentes deles, empregando apelidos, debicando a minha família do norte… Sem nada de insultante. E às vezes um acentuando o defeito do outro, etc.

Eram coisas que contrastavam com o estado de espírito dessa seriedade que eu devia tomar. E, se me deixasse entregar, isso me levaria depois para uma atitude de alheamento em relação à minha própria vocação, e estremeço em pensar até onde esse alheamento me poderia conduzir.  Mas disso tudo eu não tinha noção.

Como eu vivia continuamente na companhia desses primos, minha presença também determinava, excetuadas as quintas-feiras à noite, muitas conversas sérias sobre História, às vezes discussão a respeito de religião com o marido de uma prima, que era ateu, mas muito meu amigo. Chegava à discussão furibunda, e entrava muito de seriedade pelo meio.

Aos poucos fui me dando conta da contradição entre aquelas brincadeiras e o meu perfil de contrarrevolucionário, e eu mesmo comecei a acentuar o corte com aquilo, até cortar completamente.

Ouvindo músicas de Chopin e Verdi

Certas músicas e formas literárias do século XIX pareciam contrarrevolucionárias, em comparação com o que a Revolução apresentava nesse período descrito por mim. E levei algum tempo para perceber que elas, no fundo, eram revolucionárias também, embora correspondessem à Revolução atrasada.

Então, havia certos compositores que me diziam muito. Desde logo e sempre, mas com prolongamentos de condescendência até hoje — não cumplicidade, mas compreensão —, Mozart. Eu ainda não conhecia Boccherini…

Mas tinha uma certa admiração, por exemplo, por Chopin. Então, na Polonaise Triunfal eu apreciava o lado heroico, contrário ao cinema norte-americano. Na Marcha Fúnebre, via um hino da seriedade, que era o oposto dos funerais hollywoodianos, com o cadáver maquiado sentado numa sala, bem como outras coisas que já naquele tempo se faziam e repercutiam sobre mim muito desfavoravelmente.

Certos trechos de Lamartine e outros literatos franceses do século XIX me pareciam elevados, grandiloquentes, e eu não percebia diretamente o aspecto revolucionário.

Nessa idade eu não tinha conivência com a Revolução; isto posso afirmar. Havia falta de percepção. Por ingenuidade, eu via um lado que existia mesmo e, por contradição, era contrarrevolucionário. Mas não notava o aspecto revolucionário. Com o tempo, percebendo que era ruim, fui deixando também.

Confesso que até Verdi teve uma certa repercussão na minha alma. A Marcha da Aida eu reputava o auge da Contra-Revolução! Eu tinha uma vitrola, um gramofonezinho, comprava discos e certo dia adquiri o dessa marcha. Ao mesmo tempo, comprei-o pela música e pelo fato de ser feito de uma matéria vermelha. Por aí podem ver as cogitações infantis, misturadas com o encanto pelas cores, desde o começo.

Aqueles atores italianos cantavam a plenos pulmões, e eu colocava o gramofone a todo volume e a Marcha da Aida enchia a casa! Não havia quem se lastimasse com aquilo. Fico pasmo e, rememorativamente, agradecido pela paciência que todos tinham, pois eu também não percebia. Não existia a mínima ideia sensual ou sentimental com a Aída, nem nenhuma Aida no meu espírito. Mas aquilo me parecia grandiloquente, o grande drama do teatro.

Eu imaginava o Scala de Milão repleto de gente, o rei, a rainha — a Itália ainda era uma monarquia naquele tempo — assistindo em camarotes, e os atores cantando a plenos pulmões, sustentando aquela espécie de desafio, de maneira a simbolizar a pompa social e a monarquia real em termos culturais no seu esplendor.

O teatrinho ”João Minhoca”

Dou um outro exemplo.

Havia em Santos, onde íamos passar as férias no meio do ano, um parque de diversões próximo ao Hotel Parque Balneário, onde existia o “João Minhoca”, teatro de fantoches animados por um italiano. As figurinhas entravam, cantavam, diziam isto, aquilo, etc., e o bom italiano, talvez sem se dar conta, era extremamente pitoresco.

Um colega descobriu isso e convidou-me para assistir, com mais três ou quatro amigos. Fomos e fizemos propaganda. De maneira que, em certas noites, ia um farrancho de gente do Parque Balneário para ver a representação do “João Minhoca”.

Como a sociedade daquele tempo era muito mais hierarquizada do que a atual, reservavam espontaneamente os primeiros lugares para os eventuais espectadores do Parque Balneário. Então, ficávamos sentados na primeira fila, acabando por dar a nota ao ambiente, cujas pessoas aplaudiam o que aplaudíamos e achavam graça naquilo em que também achássemos.

Um dos bonequinhos representava um engraxate que entrava no palco cantando, em português macarrônico, toda uma ária. Nós achávamos muita graça quando chegava a hora do engraxate, e aplaudíamos vigorosamente. Eu, naturalmente, era dos puxadores de palmas. Depois, em casa, eu cantava a “ária do engraxate”. E todo mundo tolerava de modo surpreendente.

Mas isso revelava uma tendência para súbitos cansaços da clave superior, meio subconscientes, e repentinos anseios de levar uma vida desengajada, não responsável e feita para meu próprio lazer. Mas eu não percebia, no começo, uma incompatibilidade absoluta entre uma coisa e outra; notava serem diferentes, mas julgava que podiam coexistir bem.

Com o tempo fui percebendo que não. Nesse período, os meus olhos foram se abrindo mais para esse problema, e quando me engajei no Movimento Mariano cortei com isso completamente.

Já moço, nas fotografias tiradas antes de me formar em Direito — na Linha de Tiro, nas Congregações Marianas e em outras ocasiões —, nota-se como esse lado desapareceu e o outro preponderou, graças a Nossa Senhora.

Esperança de encontrar pessoas mais contrarrevolucionárias

Ao mesmo tempo, a consciência de minha vocação se apresentava em termos tão altos, que eu podia dizer — sem me comparar, nem de longe, com Carlos Magno — que a missão tinha um porte carolíngio. E o futuro se apresentava a mim com lufadas de caráter profético, de uma grandeza enorme!

Nessa mesma época em que, de vez em quando, eu tinha esses acessos – um misto de infantilidade e de evasão dessa grandeza, que constituíam uma tentação —, ficava na dúvida sobre o real valor dessas previsões que sentia.

Que estava diante de mim a Revolução eu não tinha dúvida nenhuma. Que era preciso fazer a Contra-Revolução e eu teria de trabalhar muito para fazê-la, eu não tinha dúvida nenhuma.  Que ao longo de minha vida não encontrasse pessoas mais contrarrevolucionárias do que eu, tinha receio, mas uma esperança enorme que não fosse assim; pelo contrário, esperava encontrar tais pessoas, investidas de um verdadeiro direito ao mando nessa matéria, e das quais eu pudesse ser um campeão, mas nunca um diretor, um mentor.

Pensava eu: “Nas fileiras das classes sociais que a Revolução pretende destruir, devo encontrar os contrarrevolucionários perfeitos, com direito a mando, e junto aos quais eu possa exercer uma influência na linha do que está no meu espírito.”

Mas, às vezes, a esse pensamento seguia-se outro: “Coitada de Nossa Senhora! Desconfio que Ela terá que se contentar comigo. Porque vejo que fazer Ela fará, pega qualquer ‘dois de paus’ e o utiliza para realizar sua obra, se os naturalmente chamados não quiserem.”

Isso eu considerava sem ambição e, sobretudo, sem qualquer vaidade, sentindo bem minha desproporção. Aquela expressão de São Luís Maria Grignion de Montfort, “petit vermisseau et miserable pécheur”(3), entrou na minha alma até o fundo. Assim sou eu e assim é todo o mundo.

De outro lado, tinha até certo receio de que isso fosse verdade, pois exigiria de mim mais esforço para chegar ao píncaro de mim mesmo, e mais luta do que eu teria se seguisse um chefe. Mas, poderia ser eu, e deveria me preparar inclusive para isso.

Troca de vontades com a Igreja Católica

Depois de minha viagem a Europa, em 1950, a ideia de uma missão pessoal se vincou muito mais em meu espírito, dando-se uma espécie de união entre esta vocação e eu, no sentido de que, na Terra inteira, quem abriu o coração de par em par para isso, pelo menos naquela ocasião, fui eu. E mais ou menos como a pomba de Noé, que teve de voltar para a arca por não encontrar lugar onde pousar, eu sentia incidir sobre mim a vocação.

Com a convicção de que era preciso amar, mais do que nunca, todas as grandezas do passado. E não somente amá-las, mas de algum modo sê-las! De maneira tal que eu percebia tratar-se de uma tradição quase milenar que estava expirando, e que não morria inteiramente porque habitava em mim; e a partir de mim teria o seu renascimento.

Tenho até dificuldade em descrever a união de alma, a verdadeira troca de vontades com a Igreja Católica, enquanto oposta a tudo quanto a Revolução tinha feito, e trazendo em si todos os gérmens para realizar o contrário. E na Igreja Católica, ao pé da letra, com Aquele que era para mim a personificação, por superação, da Igreja Católica: o Sagrado Coração de Jesus.

Para ser bem positivo, essa espécie de troca de vontades começou em menino. E com a minha compenetração, com o exercício progressivo do papel que eu devia realizar, foi-se estabelecendo em minha alma, cada vez mais, uma união com aquilo que em determinado momento se tornou completa.

Tudo isso num processo interior do qual estou marcando algumas etapas, sem cronologia muito definida, porque não me lembro. Recordo-me apenas de que uma etapa sucedeu a outra.

Comecei a frequentar a igreja desde não sei quando. Mamãe me levava à Missa aos domingos no Coração de Jesus, e o edifício material da igreja exercia sobre mim um efeito sobrenatural da graça, que naquele tempo eu não sabia discernir. Eu pensava que decorria do aspecto do templo — de uma majestade doce, suave, acolhedora, embebida de uma tristeza compassiva, mas que ao mesmo tempo pedia compaixão —, de algo em que minha alma se sentia como diante do seu analogado primário4 do modelo perfeito que queria ter. Tudo me falava de seriedade, de bondade, até o extremo concebível! Eu via que isto se exprimia muito nas cerimônias do culto, nos paramentos, na liturgia, no órgão, etc.

O órgão me maravilhava! O que eu tinha de pendor pelo órgão, era impossível dizer. Mas eu fazia raciocínios assim: “Este órgão parece a imitação de uma voz humana. E dir-se-ia ter havido uma vez na História um homem que falou de tal maneira, que todas as sílabas pronunciadas por ele tiveram o timbre de um órgão. Quem teria sido esse homem? Como é que o espírito dele chegou até quem compôs esse instrumento?”

A imagem do Sagrado Coração de Jesus e o Santo Sudário

Não custei a perceber que a imagem do Sagrado Coração de Jesus ali presente representava isso, ou seja, a Pessoa da qual emanavam todas essas coisas. Era Ele, especificamente enquanto fazendo ver seu Coração aos homens, com todas as perfeições, todas as maravilhas de alma possíveis, tudo quanto pode haver de bom realizado de um modo que eu não podia ter imaginado.

Por não possuir ainda suficiente formação catequética, supunha discernir tudo isso n’Ele pela análise psicológica da imagem. Hoje, quando a observo, vejo como ela está distante, na realidade, daquilo que a graça me fazia ver. É uma imagem digna de respeito, não tem dúvida, a qual quero muito, mas não diz o que eu via nela.

Era uma graça obtida por Nossa Senhora para mim. Eu arquetipizava corretamente a imagem. De maneira que, por exemplo, quando vi o Santo Sudário, eu disse: “É Ele!”

Mas hoje posso afirmar que isso que eu via, por ação da graça, na imagem era ainda mais fielmente Ele do que o Santo Sudário. O que se compreende, porque o Santo Sudário é a posição d’Ele como morto e como vítima. E a imagem do Sagrado Coração de Jesus representa-O vivo, acolhedor, afável…

Donde eu deduzia o seguinte: Jesus merece adoração, e eu O adoro inteiramente. É preciso querer até o fim, ter esta mentalidade completamente, assim se deve ser, isto é o meu ideal. Eu só sou congênere com quem é congênere com Ele. E quem não é congênere com Ele não o é comigo. Eu tenho parte com Ele, e quem não tem parte com Ele, não a tem comigo também.

Por conveniências sociais, educação, necessidade de apostolado, posso conduzir um convívio cordial. Mas ter parte com minha alma, querer bem, só quem for como Nosso Senhor.

Ele é Deus, porque ninguém tem inteligência nem virtude para inventar esta figura, a começar por mim. Se eu não tivesse visto isto na Igreja, não seria capaz de ter esta ideia que tenho d’Ele.

De onde longas orações ao pé da imagem, Ladainha do Coração de Jesus, etc.

E isso era o ponto de partida da Contra-Revolução na minha alma. Porque eu via o mundo “hollywoodizado” como o contrário daquilo tudo. E o mundo que a Revolução Francesa destruiu, e que eu também arquetipizava, eu o via como realizando em grande parte aquilo que Ele era. E percebia que quando se destruiu aquilo, quis se destruir a Ele, e não se desejou o que era conforme a Ele.

Donde a medula da Contra-Revolução, em mim, ser a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Alguém poderia perguntar: “Mas por que o Sagrado Coração de Jesus, e não Jesus expirando na Cruz, por exemplo?”

A graça chama a cada um para certo tipo de devoção. É legítimo. Deus me livre de negar as outras mil formas magníficas de devoção, com que a Igreja Católica não cessa de louvar a Nosso Senhor Jesus Cristo durante a História. Mas sinto que fui chamado para adorá-Lo especialmente assim.

Dona Lucilia e o Sagrado Coração de Jesus

Meu afeto para com mamãe era por isto. Em geral, eu me sentava ao lado dela na igreja, e a olhava rezar e pensava: “É curioso, isto tudo vive nela.”

Eu a via rezar em casa para a imagem do Coração de Jesus que ela possuía em seu quarto, naquele oratório, a qual é muito anterior à imagem de alabastro do salão, e pensava: “Há uma atração entre Ele e ela. Mamãe é assim porque reza para Ele.” De onde o benquerer derivado. Eu a queria enormemente bem, mas por isto.

Para mim, a Igreja Católica é santa porque é como Ele. A influência e a presença d’Ele estão totalmente nela. A própria auréola que nimba a cabeça de Nosso Senhor é a Igreja Católica. É por isto que a amo.

A primeira coisa que me chama a atenção n’Ele é a presença de algo — que eu sei ser a divindade, mas estou procurando descrever o que vejo e não o que conheço pela Fé — de excelso, altíssimo, e que leva todas as qualidades que Ele tem a um grau inimaginável. Por mais que eu tente imaginar, qualquer qualidade d’Ele é de uma elevação, uma altitude, uma plenitude que não chego a compreender, mas vagamente entrevejo.

Por exemplo, Jesus ensinando os doutores no Templo. Aquele grupo de imagens, na Igreja do Coração de Jesus, é interessante, exprime mais ou menos isso. A crítica de homem maduro àquilo tudo eu fiz de modo completo, mas guardei com o máximo cuidado o que interessava.

Ali está Ele difundindo em torno de Si um halo de virtude divina, por onde todas as virtudes de um adolescente eram conduzidas a um elevado grau e procediam de uma fonte altíssima, insondável; por onde tudo o que no adolescente existe, por exemplo, de irrupção de vida, n’Ele era uma vida que irrompia tão cheia de elevação, de grandeza, de nobreza, que nem se sabe o que dizer. E também tão repleta de bondade, de misericórdia, de sabedoria, que galopava muito além da idade; mas que se exprimia com o timbre de voz e num vocabulário que não era inadequado para a idade. Entretanto, dizia muito mais do que todos aqueles doutores juntos.

O píncaro dos píncaros o qual nunca sonhei que existisse, a minha alma entreviu!

É mais ou menos como um monte altíssimo, no cume do qual vejo nascer um fio de água, que pode chegar até mim; mas tenho presente, durante todo o tempo em que bebo a água, que ela vem do alto daquela montanha, que eu vi nascer, a bem dizer, dentro do azul do céu.

A obra-prima de Maria Santíssima

Isto para mim é a primeira impressão, diante da qual a tendência imediata é, ao mesmo tempo, de aproximar-me de Jesus, ajoelhar-me e, se Ele tolerasse, segurar seus pés para tê-Lo junto comigo, para ver se Ele me impregna mais.

Daí eu gostar tanto do “Anima Christi, sanctifica me”(5). Porque, se eu O visse, a primeira coisa que Lhe diria é: “Santifica-me!” Porque quero ser parecido com Ele. Depois desta elevação, vem tudo quanto uma alma inocente, habitada pela graça, pode imaginar no Menino Deus adolescente: o modo de Ele responder uma pergunta audaciosa, de ser afável com outro, de liquidar uma questão com três palavras simples que os deixavam boquiabertos. Mas com a despretensão e a naturalidade de quem diz: “Olhai os lírios do campo, não tecem nem fiam…”(6). Uma coisa superior, mas de tal superioridade, que junto a ela minha alma respira. Sinto falta de ar em tudo o que não é isto.

Tudo quanto é virtude, que vejo reluzir na Igreja, brilha daquela maneira porque tem n’Ele a fonte, e que em Jesus é de um modo a perder de vista!

Por exemplo, uma procissão nos bons tempos, que sai da Basílica de São Pedro com o Santíssimo Sacramento, o Papa levado numa espécie de estrado e ajoelhado diante da Hóstia; e a longa fileira dos Cardeais, dos Arcebispos, dos Bispos, dos Superiores Gerais das Ordens religiosas, etc., que dão a volta na Colunata de Bernini e entram na Basílica pelo outro lado; os sinos que tocam, o incenso que enche o ar, as pombas que esvoaçam e a multidão genuflexa que pede perdão. Tudo isso é reflexo d’Ele.

Compreende-se como é, no fundo, a Igreja reportando todas essas coisas a Nosso Senhor e, imaginado n’Ele, tudo isto fica tão alto… Mas, nos momentos em que se tem a experiência do “petit vermisseau et miserable pécheur”, vem à nossa mente, de vez em quando, a noção aflitiva da desproporção. Porque, enquanto a afinidade é empolgante, a desproporção é acabrunhadora.

Então, Jesus mesmo preencheu essa distância com a bondade d’Ele. A obra-prima do Coração d’Ele é Aquela de quem Ele é a obra-prima. Nosso Senhor é a obra-prima de Maria, mas antes de todos os séculos Maria foi ideada como a obra-prima da misericórdia d’Ele para preencher essa desproporção. Sem Ela, eu me sentiria ao mesmo tempo atraído indizivelmente, mas apavorado e aniquilado, pensando diante d’Ele: “Si iniquitates observaveris, Domine, Domine, quis sustinebit?”(7). A Mãe d’Ele me sustenta.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 26/11/1985 e 12/12/1985)
Revista Dr Plinio 197 (Agosto de 2014)

 

 

1) Ver Revista Dr. Plinio, n. 122, p. 18-23.

2) Cf. Revista Dr. Plinio, n. 32, p. 27.

3) Do francês: vermezinho e miserável pecador.

4) Termo utilizado em Filosofia, significando matriz, padrão.

5) Do latim: Alma de Cristo, santifica-me.

6) Cf. Mt 6, 28.

7) Do latim: Se consideras as culpas, Senhor, quem poderá se sustentar? (Sl 130, 3).

A medula da Contra-Revolução em Plinio Corrêa de Oliveira

Desde a infância, pode-se dizer que Dr. Plinio teve uma verdadeira troca de vontades com a Igreja, e foi recusando, uma por uma, as coisas revolucionárias que passavam diante dele. E, em sentido oposto, gradualmente foi concebendo uma Ordem Religiosa contrarrevolucionária, através da qual vislumbrou o Reino de Maria.

 

Comigo, as devoções se inserem dentro de ciclos de pensamento e vão sendo assim relacionadas. É uma coisa muito singular. Suponho ser assim com todo o mundo, mas as pessoas não tomam o trabalho de explicitar.

A tintura-mãe mais sacral, forte, perfeita, insondável da Contra-Revolução

As graças que recebi quando pequeno, e até mocinho, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, foram muito profundas como visão de Quem e de como é Nosso Senhor. De tal profundidade e alcance que pude, depois, crescer em explicitação, mas duvido que eu pudesse — salvo um fenômeno da vida mística que não tive — conhecer mais do que conheci.

E isso foi acompanhado o tempo inteiro pela devoção a Maria Santíssima, a partir daquela graça de Nossa Senhora Auxiliadora, que se deu quando eu era ainda muito menino(1).

Na minha impostação, toda a luta da Contra-Revolução é uma defesa do que poderíamos chamar a mentalidade, o espírito do Sagrado Coração de Jesus contra a Revolução; porque é a tintura-mãe mais sacral, mais forte, mais perfeita, mais insondável da Contra-Revolução.

E daí se dar, com o passar do tempo, um contínuo relacionar disso com a luta Revolução e Contra-Revolução, por onde eu ia conhecendo o mesmo espírito, a mesma mentalidade, mas já no contraste com o oposto, aplicando e crescendo muito mais em fidelidade do que compreensão, nessa segunda fase. Em compreensão também, naturalmente, pois ia maturando com a idade; mas o crescimento da fidelidade era muito maior, porque, uma por uma, as coisas revolucionárias passaram diante de mim, e eu tive que recusá-las.

O lado positivo desse processo foi a elaboração gradual do que eu chamaria nossa Ordem Religiosa e, através dela, o vislumbre do Reino de Maria, que antigamente era para mim a mera Idade Média.

Isso levou anos e anos — quase toda a minha vida — correspondendo a elucubrações que, afinal de contas, pressupõem não haver uma concepção cultural, artística, política, moral, ou de qualquer outro caráter, que não gire direta e especificamente em torno disto: o Sagrado Coração de Jesus.

A certa altura, entrou o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luís Grignion de Montfort, e com isso uma ideia muito maior da intimidade com Nosso Senhor, por meio da sagrada escravidão a Nossa Senhora.

Então, a devoção a Ela cresceu muito, enquanto que a Ele continuou, dando numa dessas adesões estáveis, tranquilas, profundas, se Deus quiser da vida inteira, mas que parece não se mover. Precisamente por ter chegado a um certo ponto onde tem todo o necessário para alimentar o resto da trajetória.

Reflexões a partir da infinita nobreza de Nosso Senhor

Lembro-me de coisas ínfimas. Por exemplo, quando eu era pequeno, e até moço, meu quarto na casa de vovó ficava numa posição em que da janela avistava-se a escada de serviço, por onde entravam os empregados. E eu os ouvia, subindo, descendo e conversando.

Ademais, minha avó era caritativa e apareciam umas figuras populares pitorescas por lá, para pedir esmolas. Por exemplo, uma italiana, velhinha, muito branca, nariz aquilino, com umas veias azuis aparecendo pelo rosto, mãozinhas pequenas, arqueadas, as quais ela não conseguia fechar inteiramente, de tão velha que estava. Ela se arrastava, não sei de que porão das redondezas onde morava, e ia comer, juntamente com o “Antônio cego” e uma mulher chamada Serafina, embaixo da escada, que era um pequeno “Pátio dos Milagres”(2).

Eu ficava deitado na cama, fazendo a sesta, mas acordado, e ouvia o borbulhar daquela gente. Depois, olhava para meu quarto que era muito bem arranjado, agradável, espaçoso, com um papel de parede que me encantava, vindo de Paris.

Chegavam-me também os ecos da sala de jantar: minha mãe, minhas tias, minha avó conversando, com risos, exclamações, o telefone que soava, o cachorrinho lulu da minha prima, que ladrava, etc.

Ora eu analisava o meu quarto, ora os ruídos vindos de fora, e fazia reflexões sobre classes sociais que eram, no fundo, pensamentos sobre a transcendência, mas a partir da ideia da infinita nobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo, que me parecia a própria personificação do nobre.

Mas percebia que se não abrisse os olhos e não fizesse essas classificações direito, na ambiguidade de todas as coisas, eu acabaria sendo devorado para baixo. E, portanto, precisava evitar, a todo custo, decair porque deixaria de assemelhar-me a Nosso Senhor Jesus Cristo.

As maneiras “hollywoodianas” pareciam-me o contrário da sacralidade, e um atentado contra Ele. A tintura-mãe do conceito de nobreza é a sacralidade.

Podia ser que, terminada a sesta, eu conseguisse encontrar aberta a sala de visitas, a mais fina da casa. Entrava, então, escondido e ia me ambientar ali. E me regalava com aquela ambientação, que era o extremo da meditação iniciada junto à escadaria, onde estava o meu quarto, e que ia subindo, subindo, até aquele ponto.

Tudo isso representava destilações e aplicações ao concreto da fidelidade ao Sagrado Coração de Jesus. Quer dizer, era uma verdadeira meditação, por onde Ele me acompanhava nisso tudo.

Sucessão de dois estados de espírito

Lembro-me de uma espécie de dualidade que havia em mim a qual mais ou menos se resolveu, cicatrizou de todo em todo quando entrei para o Movimento Católico.

Não era a dualidade clássica, que naturalmente havia e há em nós até morrermos, entre o homem mau e o homem bom, entre o estado de graça e a tentação para o pecado mortal. Não se tratava disso. Nem a matéria de pecado estava diretamente envolvida no assunto.

Eram dois estados de espírito que se sucediam, mais ou menos como uma luz que se apaga ou se acende dentro de uma sala, por exemplo.

Um era de um personagem menino, já muito sério, com as vistas muito voltadas para o maravilhoso, para tudo quanto há de mais elevado, para todas as harmonias, todas as profundidades; portanto, para uma coisa que eu não sabia que se chamava recolhimento — mas que era uma espécie de recolhimento contínuo — e algo que eu não sabia que era piedade — porque piedade para mim existia só na hora estrita de rezar —, mas noto hoje que era piedade. Era, então, um menino muito voltado para os assuntos relacionados com a Revolução e a Contra-Revolução.

Este menino não era um asceta e julgava como natural próprio dele fruir as coisas normais que, dentro do estado de graça, o menino pode desfrutar. Não tinha ideia de santidade, não possuía o intuito de alcançar a perfeição moral, mas apenas o de realizar uma obra para a qual se sentia chamado. Entretanto, tinha um propósito firme de se manter no estado de graça.

Este estado de espírito, no fundo, apesar das misérias, era profundamente bom, elevado e revelando um chamado muitíssimo marcado, que transpassava a minha alma de lado a lado. Era congênere com este estado de espírito uma certa seriedade um tanto melancólica, tristonha, mas carregada com ânimo varonil. E detestando tudo quanto era superficial, brincadeira idiota, etc.

De repente, havia uma amnésia de tudo isso e vinha, durante uma, duas, três horas, um estado de espírito diferente, superficial, brincalhão, e me deixando arrastar pelas formas de alegria dos anos 20 — que eram muito vivas, muito comunicativas, muito “hollywoodianas” —, sempre que eu não notasse nelas qualquer coisa de revolucionário. E elas comportavam muitas coisas que não eram revolucionárias, mas constituíam uma espécie de embalagem para entrar na Revolução. Esta eu não bebia, mas o que não era Revolução eu tomava e gostava, até muito.

Por exemplo, quando tinha entre 13 e 15 anos, de repente eu cantarolava a plenos pulmões esta ou aquela música que estava na moda — e em casa toleravam, não sei como, pois sempre tive uma voz muito forte. Cantarolava ou intimamente me lembrava de alguma coisa divertida, que assistira em algum teatro, repetia aquilo e achava graça.

Nas conversas com minha irmã e meus primos, sobretudo nas quintas-feiras, quando eles iam jantar em casa, havia uma mesa dos mais moços, na qual a brincadeira era debandada e eu era um dos chefes desse divertimento. Nunca havia coisas imorais, mas eram brincadeiras de mocinho, de mocinha, com toda intimidade. Então falando mal deste, daquele, da sociedade, dos parentes deles, empregando apelidos, debicando a minha família do norte… Sem nada de insultante. E às vezes um acentuando o defeito do outro, etc.

Eram coisas que contrastavam com o estado de espírito dessa seriedade que eu devia tomar. E, se me deixasse entregar, isso me levaria depois para uma atitude de alheamento em relação à minha própria vocação, e estremeço em pensar até onde esse alheamento me poderia conduzir.  Mas disso tudo eu não tinha noção.

Como eu vivia continuamente na companhia desses primos, minha presença também determinava, excetuadas as quintas-feiras à noite, muitas conversas sérias sobre História, às vezes discussão a respeito de religião com o marido de uma prima, que era ateu, mas muito meu amigo. Chegava à discussão furibunda, e entrava muito de seriedade pelo meio.

Aos poucos fui me dando conta da contradição entre aquelas brincadeiras e o meu perfil de contrarrevolucionário, e eu mesmo comecei a acentuar o corte com aquilo, até cortar completamente.

Ouvindo músicas de Chopin e Verdi

Certas músicas e formas literárias do século XIX pareciam contrarrevolucionárias, em comparação com o que a Revolução apresentava nesse período descrito por mim. E levei algum tempo para perceber que elas, no fundo, eram revolucionárias também, embora correspondessem à Revolução atrasada.

Então, havia certos compositores que me diziam muito. Desde logo e sempre, mas com prolongamentos de condescendência até hoje — não cumplicidade, mas compreensão —, Mozart. Eu ainda não conhecia Boccherini…

Mas tinha uma certa admiração, por exemplo, por Chopin. Então, na Polonaise Triunfal eu apreciava o lado heroico, contrário ao cinema norte-americano. Na Marcha Fúnebre, via um hino da seriedade, que era o oposto dos funerais hollywoodianos, com o cadáver maquiado sentado numa sala, bem como outras coisas que já naquele tempo se faziam e repercutiam sobre mim muito desfavoravelmente.

Certos trechos de Lamartine e outros literatos franceses do século XIX me pareciam elevados, grandiloquentes, e eu não percebia diretamente o aspecto revolucionário.

Nessa idade eu não tinha conivência com a Revolução; isto posso afirmar. Havia falta de percepção. Por ingenuidade, eu via um lado que existia mesmo e, por contradição, era contrarrevolucionário. Mas não notava o aspecto revolucionário. Com o tempo, percebendo que era ruim, fui deixando também.

Confesso que até Verdi teve uma certa repercussão na minha alma. A Marcha da Aida eu reputava o auge da Contra-Revolução! Eu tinha uma vitrola, um gramofonezinho, comprava discos e certo dia adquiri o dessa marcha. Ao mesmo tempo, comprei-o pela música e pelo fato de ser feito de uma matéria vermelha. Por aí podem ver as cogitações infantis, misturadas com o encanto pelas cores, desde o começo.

Aqueles atores italianos cantavam a plenos pulmões, e eu colocava o gramofone a todo volume e a Marcha da Aida enchia a casa! Não havia quem se lastimasse com aquilo. Fico pasmo e, rememorativamente, agradecido pela paciência que todos tinham, pois eu também não percebia. Não existia a mínima ideia sensual ou sentimental com a Aída, nem nenhuma Aida no meu espírito. Mas aquilo me parecia grandiloquente, o grande drama do teatro.

Eu imaginava o Scala de Milão repleto de gente, o rei, a rainha — a Itália ainda era uma monarquia naquele tempo — assistindo em camarotes, e os atores cantando a plenos pulmões, sustentando aquela espécie de desafio, de maneira a simbolizar a pompa social e a monarquia real em termos culturais no seu esplendor.

O teatrinho ”João Minhoca”

Dou um outro exemplo.

Havia em Santos, onde íamos passar as férias no meio do ano, um parque de diversões próximo ao Hotel Parque Balneário, onde existia o “João Minhoca”, teatro de fantoches animados por um italiano. As figurinhas entravam, cantavam, diziam isto, aquilo, etc., e o bom italiano, talvez sem se dar conta, era extremamente pitoresco.

Um colega descobriu isso e convidou-me para assistir, com mais três ou quatro amigos. Fomos e fizemos propaganda. De maneira que, em certas noites, ia um farrancho de gente do Parque Balneário para ver a representação do “João Minhoca”.

Como a sociedade daquele tempo era muito mais hierarquizada do que a atual, reservavam espontaneamente os primeiros lugares para os eventuais espectadores do Parque Balneário. Então, ficávamos sentados na primeira fila, acabando por dar a nota ao ambiente, cujas pessoas aplaudiam o que aplaudíamos e achavam graça naquilo em que também achássemos.

Um dos bonequinhos representava um engraxate que entrava no palco cantando, em português macarrônico, toda uma ária. Nós achávamos muita graça quando chegava a hora do engraxate, e aplaudíamos vigorosamente. Eu, naturalmente, era dos puxadores de palmas. Depois, em casa, eu cantava a “ária do engraxate”. E todo mundo tolerava de modo surpreendente.

Mas isso revelava uma tendência para súbitos cansaços da clave superior, meio subconscientes, e repentinos anseios de levar uma vida desengajada, não responsável e feita para meu próprio lazer. Mas eu não percebia, no começo, uma incompatibilidade absoluta entre uma coisa e outra; notava serem diferentes, mas julgava que podiam coexistir bem.

Com o tempo fui percebendo que não. Nesse período, os meus olhos foram se abrindo mais para esse problema, e quando me engajei no Movimento Mariano cortei com isso completamente.

Já moço, nas fotografias tiradas antes de me formar em Direito — na Linha de Tiro, nas Congregações Marianas e em outras ocasiões —, nota-se como esse lado desapareceu e o outro preponderou, graças a Nossa Senhora.

Esperança de encontrar pessoas mais contrarrevolucionárias

Ao mesmo tempo, a consciência de minha vocação se apresentava em termos tão altos, que eu podia dizer — sem me comparar, nem de longe, com Carlos Magno — que a missão tinha um porte carolíngio. E o futuro se apresentava a mim com lufadas de caráter profético, de uma grandeza enorme!

Nessa mesma época em que, de vez em quando, eu tinha esses acessos – um misto de infantilidade e de evasão dessa grandeza, que constituíam uma tentação —, ficava na dúvida sobre o real valor dessas previsões que sentia.

Que estava diante de mim a Revolução eu não tinha dúvida nenhuma. Que era preciso fazer a Contra-Revolução e eu teria de trabalhar muito para fazê-la, eu não tinha dúvida nenhuma.  Que ao longo de minha vida não encontrasse pessoas mais contrarrevolucionárias do que eu, tinha receio, mas uma esperança enorme que não fosse assim; pelo contrário, esperava encontrar tais pessoas, investidas de um verdadeiro direito ao mando nessa matéria, e das quais eu pudesse ser um campeão, mas nunca um diretor, um mentor.

Pensava eu: “Nas fileiras das classes sociais que a Revolução pretende destruir, devo encontrar os contrarrevolucionários perfeitos, com direito a mando, e junto aos quais eu possa exercer uma influência na linha do que está no meu espírito”.

Mas, às vezes, a esse pensamento seguia-se outro: “Coitada de Nossa Senhora! Desconfio que Ela terá que se contentar comigo. Porque vejo que fazer Ela fará, pega qualquer ‘dois de paus’ e o utiliza para realizar sua obra, se os naturalmente chamados não quiserem”.

Isso eu considerava sem ambição e, sobretudo, sem qualquer vaidade, sentindo bem minha desproporção. Aquela expressão de São Luís Maria Grignion de Montfort, “petit vermisseau et miserable pécheur”(3), entrou na minha alma até o fundo. Assim sou eu e assim é todo o mundo.

De outro lado, tinha até certo receio de que isso fosse verdade, pois exigiria de mim mais esforço para chegar ao píncaro de mim mesmo, e mais luta do que eu teria se seguisse um chefe. Mas, poderia ser eu, e deveria me preparar inclusive para isso.

Troca de vontades com a Igreja Católica

Depois de minha viagem a Europa, em 1950, a ideia de uma missão pessoal se vincou muito mais em meu espírito, dando-se uma espécie de união entre esta vocação e eu, no sentido de que, na Terra inteira, quem abriu o coração de par em par para isso, pelo menos naquela ocasião, fui eu. E mais ou menos como a pomba de Noé, que teve de voltar para a arca por não encontrar lugar onde pousar, eu sentia incidir sobre mim a vocação.

Com a convicção de que era preciso amar, mais do que nunca, todas as grandezas do passado. E não somente amá-las, mas de algum modo sê-las! De maneira tal que eu percebia tratar-se de uma tradição quase milenar que estava expirando, e que não morria inteiramente porque habitava em mim; e a partir de mim teria o seu renascimento.

Tenho até dificuldade em descrever a união de alma, a verdadeira troca de vontades com a Igreja Católica, enquanto oposta a tudo quanto a Revolução tinha feito, e trazendo em si todos os gérmens para realizar o contrário. E na Igreja Católica, ao pé da letra, com Aquele que era para mim a personificação, por superação, da Igreja Católica: o Sagrado Coração de Jesus.

Para ser bem positivo, essa espécie de troca de vontades começou em menino. E com a minha compenetração, com o exercício progressivo do papel que eu devia realizar, foi-se estabelecendo em minha alma, cada vez mais, uma união com aquilo que em determinado momento se tornou completa.

Tudo isso num processo interior do qual estou marcando algumas etapas, sem cronologia muito definida, porque não me lembro. Recordo-me apenas de que uma etapa sucedeu a outra.

Comecei a frequentar a igreja desde não sei quando. Mamãe me levava à Missa aos domingos no Coração de Jesus, e o edifício material da igreja exercia sobre mim um efeito sobrenatural da graça, que naquele tempo eu não sabia discernir. Eu pensava que decorria do aspecto do templo — de uma majestade doce, suave, acolhedora, embebida de uma tristeza compassiva, mas que ao mesmo tempo pedia compaixão —, de algo em que minha alma se sentia como diante do seu analogado primário(4) do modelo perfeito que queria ter. Tudo me falava de seriedade, de bondade, até o extremo concebível! Eu via que isto se exprimia muito nas cerimônias do culto, nos paramentos, na liturgia, no órgão, etc.

O órgão me maravilhava! O que eu tinha de pendor pelo órgão, era impossível dizer. Mas eu fazia raciocínios assim: “Este órgão parece a imitação de uma voz humana. E dir-se-ia ter havido uma vez na História um homem que falou de tal maneira, que todas as sílabas pronunciadas por ele tiveram o timbre de um órgão. Quem teria sido esse homem? Como é que o espírito dele chegou até quem compôs esse instrumento?”

A imagem do Sagrado Coração de Jesus e o Santo Sudário

Não custei a perceber que a imagem do Sagrado Coração de Jesus ali presente representava isso, ou seja, a Pessoa da qual emanavam todas essas coisas. Era Ele, especificamente enquanto fazendo ver seu Coração aos homens, com todas as perfeições, todas as maravilhas de alma possíveis, tudo quanto pode haver de bom realizado de um modo que eu não podia ter imaginado.

Por não possuir ainda suficiente formação catequética, supunha discernir tudo isso n’Ele pela análise psicológica da imagem. Hoje, quando a observo, vejo como ela está distante, na realidade, daquilo que a graça me fazia ver. É uma imagem digna de respeito, não tem dúvida, a qual quero muito, mas não diz o que eu via nela.

Era uma graça obtida por Nossa Senhora para mim. Eu “arquetipizava” corretamente a imagem. De maneira que, por exemplo, quando vi o Santo Sudário, eu disse: “É Ele!”

Mas hoje posso afirmar que isso que eu via, por ação da graça, na imagem era ainda mais fielmente Ele do que o Santo Sudário. O que se compreende, porque o Santo Sudário é a posição d’Ele como morto e como vítima. E a imagem do Sagrado Coração de Jesus representa-O vivo, acolhedor, afável…

Donde eu deduzia o seguinte: Jesus merece adoração, e eu O adoro inteiramente. É preciso querer até o fim, ter esta mentalidade completamente, assim se deve ser, isto é o meu ideal. Eu só sou congênere com quem é congênere com Ele. E quem não é congênere com Ele não o é comigo. Eu tenho parte com Ele, e quem não tem parte com Ele, não a tem comigo também.

Por conveniências sociais, educação, necessidade de apostolado, posso conduzir um convívio cordial. Mas ter parte com minha alma, querer bem, só quem for como Nosso Senhor.

Ele é Deus, porque ninguém tem inteligência nem virtude para inventar esta figura, a começar por mim. Se eu não tivesse visto isto na Igreja, não seria capaz de ter esta ideia que tenho d’Ele.

De onde longas orações ao pé da imagem, Ladainha do Coração de Jesus, etc.

E isso era o ponto de partida da Contra-Revolução na minha alma. Porque eu via o mundo “hollywoodizado” como o contrário daquilo tudo. E o mundo que a Revolução Francesa destruiu, e que eu também “arquetipizava”, eu o via como realizando em grande parte aquilo que Ele era. E percebia que quando se destruiu aquilo, quis se destruir a Ele, e não se desejou o que era conforme a Ele.

Donde a medula da Contra-Revolução, em mim, ser a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Alguém poderia perguntar: “Mas por que o Sagrado Coração de Jesus, e não Jesus expirando na Cruz, por exemplo?”

A graça chama a cada um para certo tipo de devoção. É legítimo. Deus me livre de negar as outras mil formas magníficas de devoção, com que a Igreja Católica não cessa de louvar a Nosso Senhor Jesus Cristo durante a História. Mas sinto que fui chamado para adorá-Lo especialmente assim.

Dona Lucilia e o Sagrado Coração de Jesus

Meu afeto para com mamãe era por isto. Em geral, eu me sentava ao lado dela na igreja, e a olhava rezar e pensava: “É curioso, isto tudo vive nela”.

Eu a via rezar em casa para a imagem do Coração de Jesus que ela possuía em seu quarto, naquele oratório, a qual é muito anterior à imagem de alabastro do salão, e pensava: “Há uma atração entre Ele e ela. Mamãe é assim porque reza para Ele”. De onde o benquerer derivado. Eu a queria enormemente bem, mas por isto.

Para mim, a Igreja Católica é santa porque é como Ele. A influência e a presença d’Ele estão totalmente nela. A própria auréola que nimba a cabeça de Nosso Senhor é a Igreja Católica. É por isto que a amo.

A primeira coisa que me chama a atenção n’Ele é a presença de algo — que eu sei ser a divindade, mas estou procurando descrever o que vejo e não o que conheço pela Fé — de excelso, altíssimo, e que leva todas as qualidades que Ele tem a um grau inimaginável. Por mais que eu tente imaginar, qualquer qualidade d’Ele é de uma elevação, uma altitude, uma plenitude que não chego a compreender, mas vagamente entrevejo.

Por exemplo, Jesus ensinando os doutores no Templo. Aquele grupo de imagens, na Igreja do Coração de Jesus, é interessante, exprime mais ou menos isso. A crítica de homem maduro àquilo tudo eu fiz de modo completo, mas guardei com o máximo cuidado o que interessava.

Ali está Ele difundindo em torno de Si um halo de virtude divina, por onde todas as virtudes de um adolescente eram conduzidas a um elevado grau e procediam de uma fonte altíssima, insondável; por onde tudo o que no adolescente existe, por exemplo, de irrupção de vida, n’Ele era uma vida que irrompia tão cheia de elevação, de grandeza, de nobreza, que nem se sabe o que dizer. E também tão repleta de bondade, de misericórdia, de sabedoria, que galopava muito além da idade; mas que se exprimia com o timbre de voz e num vocabulário que não era inadequado para a idade. Entretanto, dizia muito mais do que todos aqueles doutores juntos.

O píncaro dos píncaros o qual nunca sonhei que existisse, a minha alma entreviu!

É mais ou menos como um monte altíssimo, no cume do qual vejo nascer um fio de água, que pode chegar até mim; mas tenho presente, durante todo o tempo em que bebo a água, que ela vem do alto daquela montanha, que eu vi nascer, a bem dizer, dentro do azul do céu.

A obra-prima
de Maria Santíssima

Isto para mim é a primeira impressão, diante da qual a tendência imediata é, ao mesmo tempo, de aproximar-me de Jesus, ajoelhar-me e, se Ele tolerasse, segurar seus pés para tê-Lo junto comigo, para ver se Ele me impregna mais.

Daí eu gostar tanto do “Anima Christi, sanctifica me”(5). Porque, se eu O visse, a primeira coisa que Lhe diria é: “Santifica-me!” Porque quero ser parecido com Ele. Depois desta elevação, vem tudo quanto uma alma inocente, habitada pela graça, pode imaginar no Menino Deus adolescente: o modo de Ele responder uma pergunta audaciosa, de ser afável com outro, de liquidar uma questão com três palavras simples que os deixavam boquiabertos. Mas com a despretensão e a naturalidade de quem diz: “Olhai os lírios do campo, não tecem nem fiam…”(6). Uma coisa superior, mas de tal superioridade, que junto a ela minha alma respira. Sinto falta de ar em tudo o que não é isto.

Tudo quanto é virtude, que vejo reluzir na Igreja, brilha daquela maneira porque tem n’Ele a fonte, e que em Jesus é de um modo a perder de vista!

Por exemplo, uma procissão nos bons tempos, que sai da Basílica de São Pedro com o Santíssimo Sacramento, o Papa levado numa espécie de estrado e ajoelhado diante da Hóstia; e a longa fileira dos Cardeais, dos Arcebispos, dos Bispos, dos Superiores Gerais das Ordens religiosas, etc., que dão a volta na Colunata de Bernini e entram na Basílica pelo outro lado; os sinos que tocam, o incenso que enche o ar, as pombas que esvoaçam e a multidão genuflexa que pede perdão. Tudo isso é reflexo d’Ele.

Compreende-se como é, no fundo, a Igreja reportando todas essas coisas a Nosso Senhor e, imaginado n’Ele, tudo isto fica tão alto… Mas, nos momentos em que se tem a experiência do “petit vermisseau et miserable pécheur”, vem à nossa mente, de vez em quando, a noção aflitiva da desproporção. Porque, enquanto a afinidade é empolgante, a desproporção é acabrunhadora.

Então, Jesus mesmo preencheu essa distância com a bondade d’Ele. A obra-prima do Coração d’Ele é Aquela de quem Ele é a obra-prima. Nosso Senhor é a obra-prima de Maria, mas antes de todos os séculos Maria foi ideada como a obra-prima da misericórdia d’Ele para preencher essa desproporção. Sem Ela, eu me sentiria ao mesmo tempo atraído indizivelmente, mas apavorado e aniquilado, pensando diante d’Ele: “Si iniquitates observaveris, Domine, Domine, quis sustinebit?”(7) A Mãe d’Ele me sustenta.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 26/11/1985 e 12/12/1985)
Revista Dr Plinio 197 (Agosto de 2014)

 

 

1) Ver Revista Dr. Plinio, n. 122, p. 18-23.

2) Cf. Revista Dr. Plinio, n. 32, p. 27.

3) Do francês: vermezinho e miserável pecador.

4) Termo utilizado em Filosofia, significando matriz, padrão.

5) Do latim: Alma de Cristo, santifica-me.

6) Cf. Mt 6, 28.

7) Do latim: Se consideras as culpas, Senhor, quem poderá se sustentar? (Sl 130, 3).

O zelo por tua casa me devora!

Em sua elevada devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria, Dr. Plinio hauriu tanto a bondade e a misericórdia para com os pecadores verdadeiramente arrependidos, quanto o zelo ardente pela defesa da Igreja e da Civilização Cristã. 

 

No conduzir a Contra-Revolução, como historicamente ela tem sido conduzida por mim ao longo dos anos, entra algo que se pode dizer ser obra de pensamento, mas também de guerra, no sentido psy-war evidentemente, mas é uma guerra até na acepção mais elevada da palavra.

Postura diante do combate

Assim, toda a tenacidade, a confiança, a esperança, o jeito, enfim, tudo quanto eu possa ter posto de aptidões para a condução dessa longa ação foi inspirado por um determinado espírito.

Imaginem um cruzado cujo espírito tenha sido formado na Igreja do Coração de Jesus, que recebeu análogas graças e investe para a Cruzada daquele jeito, ou seja, movido por aquelas razões: é a defesa daquilo contra um adversário que quer destruir e é o desejo de aproveitar a vitória para impor a expansão daquilo. É como um cruzado que partiria para a guerra santa.

Esse cruzado levaria ao mesmo tempo uma carga de afeto, de bondade, de doçura quase iluminados, no melhor e mais ortodoxo sentido das palavras. Portanto, entraria em combate não por birra: “Esses turcos não me deixam em paz… Vou acabar com eles! Esses árabes miseráveis!”

Nada de condições dessa natureza, mas outra postura: Eu deles aceitaria tudo, não quereria nada desde que não tocassem naquele ponto, não trabalhassem para a destruição desse ponto . Pelo contrário, se tendessem a assumir aquele espírito, seriam meus amigos, meus irmãos e meus filhos .

Eu vejo como o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria os atraem, por onde saem das almas deles como que ganchos passíveis de serem elevados, percebo que podem ser ainda atraídos e, de toda a alma, eu os quero por causa disso. Mas acontece que, por culpa deles – porque não se faz uma coisa dessas sem uma culpa gravíssima –, puseram-se na inimizade mais implacável com aquilo que os ama e para cujo amor eles existem: o Sagrado Coração de Jesus, o Imaculado Coração de Maria, a Santa Igreja Católica.

É o ódio revolucionário que corresponde à recusa completa, ao fechamento total, com uma certa carga de pecado contra o Espírito Santo, em relação ao qual é difícil haver um arrependimento. E, portanto, eles estão nessa cegueira, agressivos e servindo de instrumentos para o pior inimigo da Cristandade. E durante o tempo em que ficarem assim, eu os odeio com toda a intensidade com a qual os amaria. E enquanto eles atacarem, lutarem, recusarem o amor que vai de encontro a eles, eu quero realmente liquidá-los e exterminá-los. E esse querer toma minha pessoa de lado a lado: Zelus domus tuæ, Domine, comedit me (Sl 68, 10) – Senhor, o zelo por tua casa me devora!

Ou seja, eu quero tanto que não tenho um instante, uma cogitação, sou incapaz de fazer qualquer coisa, até mesmo uma brincadeira em que não se encontre como causa remota, pelo menos, o desejo de exterminá-los. De maneira que dessa raiz de pecado e de maldição não sobre nada, para que o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria reinem, porque precisam reinar.

A verdadeira combatividade

De onde implacabilidades inesgotáveis! Totalidades de propósitos beligerantes irredutíveis e gosto requintado das coisas mais truculentas! E, na medida em que for operacionalmente útil, encanto pela proeza! Mas a proeza não pode ser vista só como uma obra de arte, nem como uma atitude, eu quase diria, escultoricamente bonita. Não. Ela é bela na medida em que for conduto para o amor do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria. Fora disso, não venham com conversa porque não me interessa. Não estou para perder tempo com “espadachinadas” e coisas análogas. Sou um homem tranquilo e cordato, e só faço isso na medida em que diga respeito a Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Igreja, porque, do contrário, eu não faria. Mas a serviço deles realizo qualquer coisa e vou até o fim.

Se quiserem chamar de fanatismo, desfira-se um pontapé na boca de quem chamou e acabou-se! Não tenho que dar satisfação de nenhum jeito. Então, volto-me contra esse também e não me incomodo de ficar um verdadeiro miliardário de inimigos, que tem inimigos como outros possuem dólares aos milhões, desde que eu possa obter essa vitória.

O pulchrum disso vem da beleza infinita do Sagrado Coração de Jesus e da beleza insondável do Imaculado Coração de Maria. Eles têm uma pulcritude moral que, passando por esses reflexos, mostram-se ainda mais belos. Se fizéssemos uma ladainha do Coração de Jesus, incluiríamos outras invocações. E, portanto, ao lado de “Coração de Jesus, fonte de toda consolação”, eu poria: “Coração de Jesus, fonte de toda combatividade inexpugnável”; “Coração de Jesus, fonte de toda incompatibilidade insanável”; “Coração de Jesus, fonte da guerra santa, tende piedade de nós e dai-nos força!” Então aí fica uma combatividade que não é a do Bismarck, nem do Moltke. Eu elogio muito aquele vorwärts do Moltke. Mas, passando pela minha alma, quem vai para a frente é Ele, é Ela! É uma coisa completamente diferente. E o vorwärts d’Ele e d’Ela é o avançar de uma outra índole.

Tenho vontade de chorar quando ouço alguém dizer, por exemplo, “Dr . Plinio é combativo”, entendendo mal o significado dessa palavra. Eu sei que sou combativo, mas isso não diz nada. Será que não percebem qual é o ponto de partida dessa combatividade? Eis o que se deveria ver, e não se vê: o Santíssimo Sacramento, Nosso Senhor realmente presente entre nós. Se forem tocar ali, a combatividade não é a mesma daquela de um homem que está defendendo seu cofre! Então seria preciso comparar isso com as formas erradas de combatividade.

Abundância, precisão e riqueza das observações de Dr. Plinio

Outro lado seria o do pensamento. Mas ainda é o mesmo ponto de partida. A inocência primeira, o gosto de todas as coisas que nós temos proclamado, é apenas uma disposição de alma que, levada às últimas consequências e posta diante desses dados sobrenaturais, entrega-se ao sobrenatural inteiramente como sendo o cume do que existe, o qual, se negado, todo o resto perde o sentido.

Para mim tudo se desfaria, nada tomaria significado. Nenhuma coisa bela ser-me-ia atraente e nada de hediondo me seria repulsivo, se esse cume não existisse, porque, de fato, só amo aquilo, e só aquilo me explica. Examinem-me em tudo quanto conhecem de mim, no meu passado. Pessoas que me conhecem há tantos anos presenciaram fatos, ditos meus, expressões fisionômicas, afirmações, viram-me avançar, recuar, descansar, raras vezes brincar um pouquinho, gracejar, dormir. A esses pergunto: No que, uma vez e um pouco que seja, notaram que eu, no fundo, não tinha isso em vista?

Por exemplo, mamãe. Eu queria tão bem a ela, e no momento em que me refiro a ela já a estou querendo bem. Mas na realidade, eu amava nela esse cume. Se a alma dela não fosse como que um relicário disso, eu teria o afeto e o respeito devidos à minha mãe. Mas não o afeto e o respeito que eu tenho a ela, que é muito maior por sentir nela isso.

É muito bonito aliar o pensamento à ação, a meditação à observação. A observação enriquece a meditação e esta esclarece a observação; isso forma um círculo muito bonito. Essas coisas para mim são verdadeiras, mas vazias. Não me moveriam.

Mas se a meditação e o pensamento estão inspirados no Sagrado Coração de Jesus, no Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, se têm como ponto de partida, como inspiração, como conteúdo, como dinamismo e ponto de chegada esse cume, então me explico. Porque sou um homem muito observador, mas em função desse ponto. Se não for em função disso, não me interessa.

Isso explica a abundância, a precisão e a riqueza de minhas observações. Porque é a partir desse ponto onde se observa que as coisas tomam sua fisionomia e se explicam. Assim vale a pena observar, porque elas não se explicam nem se classificam sem isso.

Há quem me diga: “O senhor é muito inteligente, veja quantas coisas o senhor observa!” Sobretudo, fui favorecido com essa graça. Observo com critério verdadeiro, a partir do único critério, do único ponto de vista, do único elemento seletivo, e esse eu tenho aos borbotões porque Nossa Senhora teve a misericórdia de me fazer vir à ideia de dizer “Salve Regina, Mater Misericordiæ”, e sorriu para mim. Veio tudo da bondade d’Ela.

Escravo dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria

Notem como de tal maneira estou querendo exaltar o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria que, aos poucos, até fui deixando de falar da Igreja Católica, para deixar este ponto bem claro. Mas foi a Santa Igreja que transmitiu essa fisionomia, tinha um reflexo dessa fisionomia. Sem ela, eu não teria isso de nenhum modo. Mas eu queria que a fisionomia moral do Sagrado Coração de Jesus e do Coração Imaculado de Maria fosse bem ressaltada, antes de nossa atenção pousar, como deve, nesses outros elementos. Como homem de ação, eu me vejo como um escravo do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria que não tem vontade e faz, a todo momento, o que é necessário para que Eles triunfem; sem preferências, idiossincrasias, amores-próprios, sem recusar nenhuma humilhação, sem fugir diante de nenhum rebaixamento, sem disputar nenhuma honraria. Contanto que não seja uma autodemolição, a qual moralmente não posso praticar, eu cedo de bom grado, desde  logo, tanto quanto queiram. Aquilo que chamam habilidade, vista do lado da vontade é, sobretudo, uma flexibilidade para nunca fazer o que eu gostaria, mas sim o dever do momento. Avançar, recuar, dar jeitinho, investir, etc ., inteiramente flexível. A única coisa que me preocupa é que aquele amor vença!

Quem me conhece pode dar testemunho. Nunca me viram fazer algo sem ter isso por meta. Mas também, tão logo eu perceba haver vantagem para a Causa Católica, faço sem atrasar nem antecipar inutilmente. Estar ociosamente perdendo tempo, por exemplo, folheando uma enciclopédia e por causa disso dizer “esperem que eu já vou”, nunca viram nada de parecido com isso.

Isso é bonito porque caracteriza um homem muito capaz? Vamos deixar o homem capaz de lado. Há capacidades dentro disso, vejo bem, mas isso não é nada. O que vale é o amor com que isso é feito, ou seja, valem Aqueles a quem eu amo. Aí estou explicado. Se em algo não sou assim, peço a Nossa Senhora que me perdoe, mas não vejo no que eu não o seja.

Está resumido, dito em duas palavras o que era preciso dizer. Não tenho o mínimo receio de alguém ser tentado a achar que é gabolice de minha parte. A minha posição é muito simples: é a alma sedenta de conhecer a perfeição suprema e, tendo-a conhecido, aderir a ela inteiramente. Há, portanto, uma sede de perfeição e um encontrar a fonte de água viva na qual a pessoa se dessedenta. Então, se eu a encontrei, não arredo pé. Aqui eu vivo, aqui eu morro. É isto!  

 

(Extraído de conferência de 2/11/1985)

Sagrado Coração de Jesus

Em todas as imagens do Sagrado Coração de Jesus podemos perceber uma nota de suave tristeza, pois em meio à harmonia e formosura da alma d’Ele estavam presentes a cruz e o sofrimento.

Homem-Deus, Nosso Senhor possuía em grau insondável, todos os títulos para ser amado e venerado, aos quais acrescentou as maravilhas de seus milagres e doutrinas.

Jesus realizou o inimaginável, e por certo despertou imensa admiração. Porém, seus admiradores se cansaram d’Ele. Essa rejeição, por ser imerecida e constituir um grande pecado, causava profunda dor à sua humanidade santíssima. No fundo do seu Coração Sagrado havia, pois, habitualmente uma nota de pesar, devido a essa  incorrespondência em relação a quem se dava com tanto amor.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Corações semelhantíssimos

Com grande sabedoria a Igreja instituiu a Festa do Imaculado Coração de Maria no dia seguinte à do Sagrado Coração de Jesus, celebrada este ano na primeira sexta-feira de junho. Assim, a liturgia une no louvor da Terra e do Céu os dois corações que foram sempre inseparáveis, denominados de “semelhantíssimos” (Ladainha do Coração de Maria), pulsando por amor aos homens, e que desde a Assunção de Nossa Senhora se encontram juntos no Céu, em seus corpos gloriosos.

Ao longo de sua vida, Dr. Plinio professou uma ardorosa devoção aos dois Corações. Em sua própria residência venerava as imagens do Sagrado Coração de Jesus que eram de Dona Lucilia, assim como uma estampa do Imaculado Coração de Maria — reproduzida em nossa capa — que o acompanhou desde os primórdios de sua lide profissional, abençoando seus trabalhos e apostolado no escritório de advocacia: “Imagem especialmente piedosa, comentava ele, exprimindo de modo tocante o insondável afeto de Mãe, a bondade, a misericórdia, a pureza e todas as excelsas virtudes que Nossa Senhora possui num grau inconcebível por nós. O quadro A representa no seu resplendor, segurando o coração com a mão, como se este houvesse rompido o peito para se mostrar aparente aos homens e oferecido pela Santíssima Virgem: ‘Ele é vosso; dou, se me pedirdes’. Portanto, é um convite à prece, à súplica ao Imaculado Coração d’Ela, feito por Ela mesma: ‘Sede devotos do meu Imaculado Coração e recebereis graças incontáveis’.”

Esse amor que tributava aos Sagrados Corações de Jesus e Maria e a confiança plena que neles depositava, fonte de sua invariável e inabalável serenidade, Dr. Plinio procurou alimentá-los igualmente na alma de seus discípulos. Perante um Sacrário, rezava sempre três vezes: “Cor Iesu Eucharisticum”, para venerar o Sagrado Coração na Eucaristia. Ao Coração da Mãe de Deus, costumava louvar com um tríplice “Dulcis Cor Mariae”. E a essa união dos dois Corações assim se referia:

“Se considerarmos o Coração de Jesus formado no seio virginal de Nossa Senhora, com a matéria-prima que a mãe fornece para a constituição do corpo do filho, temos que a carne e o sangue preciosíssimos do Redentor, ligados à divindade em união hipostática, são a própria carne e o próprio sangue de Maria. Portanto, o Coração de Jesus é, de algum modo, o Coração de Maria.

“Se evocamos esse processo de geração tão admirável pelo qual a Mãe como que se desdobrou e deu de si mesma tudo para compor o corpo do Filho, se nos lembramos que a humanidade do Verbo Encarnado foi assim engendrada no claustro da Santíssima Virgem, num incêndio de amor e adoração a esse Filho Divino, entenderemos ainda mais como o Coração de Nosso Senhor está unido ao Coração Imaculado de Maria. E como, em conseqüência, podemos nutrir uma confiança sem reservas na eficácia da intercessão de Nossa Senhora junto a Jesus, pois Este nada recusará a essa Mãe perfeitíssima que O cumula de superlativo e total contentamento, cuja carne sabe ser a própria carne d’Ele, e cujo Coração — por assim dizer — é o seu próprio Coração.

“A meu ver, não existe devoção mais significativa para nós do que esta aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, fonte de inesgotáveis favores, dons e misericórdias celestiais.”

 

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 87 (Junho de 2005)

Sagrado Coração de Jesus

Salve Maria!

 

Junho é o mês escolhido pela Igreja para reparar o Sagrado Coração de Jesus e retribuir o amor que Ele tem por nós.

Isso teve início quando Jesus apareceu a Santa Margarida e mostrou o Seu Sagrado Coração coroado de espinhos, dizendo:

“Eis o coração que tanto amou os homens e foi tão desprezado por eles”

A partir daí, quem abraçou com fervor essa devoção recebeu torrentes de graças. E milagres estupendos aconteceram.

Ainda mais beneficiados foram aqueles que passaram a usar o Escudo do Sagrado Coração, fazendo um ato concreto de reparação às ofensas contra esse amor misericordioso.

Eu sempre tive desejo de que a Campanha lhe pudesse oferecer a possibilidade de praticar essa devoção para que você também pudesse receber essas graças. Hoje, esse dia chegou.

Pelos anos de 1673/1675 Santa Margarida Maria Alacoque teve visões e revelações do Sagrado Coração.

Durante anos, Jesus mostrou a Margarida o amor que tem pelos homens e seu ardente desejo de salvar os pecadores.

Mas lamentou-se também de que esse Coração que tudo fez para salvar os homens, é esquecido e desprezado por eles.

E fez magníficas promessas a quem consolasse o Seu Coração e reparasse as ofensas cometidas contra o seu amor:

  • Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
  • Eu os consolarei em todas as suas aflições.
  • Serei seu refúgio seguro na vida e principalmente na hora da morte.
  • Darei bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e empreendimentos.
  • Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte inesgotável de misericórdia.
  • Minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de meu Coração.
  • As pessoas que propagarem essa devoção terão seus nomes inscritos para sempre no meu Coração.

E nós precisamos da graça de Deus! Muitos riscos nos esperam todos os dias: assaltos, seqüestros, acidentes de automóvel, sem contar os perigos morais, não é verdade?

Por essa razão, neste mês de junho, seguindo o conselho de Jesus, vamos rezar uns pelos outros.

Além disso, o Secretariado da Campanha lhe dará um presente especial. Mandaremos celebrar em todos os dias de junho uma missa especial por você e sua família.

Mais ainda, você poderá dar as suas próprias intenções para serem incluídas nessas santas missas.

De minha parte, prometo incluir o seu nome nas intenções das missas que mandarei celebrar durante todo o mês de junho pelos participantes da nossa campanha.

Certo de que o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria derramarão tesouros de graça e misericórdia sobre você e toda a sua família, despeço-me com muita estima.

Em Jesus e Maria

 

 

João Sérgio Guimarães

coordenador de campanhas

 

Acesse este PDF e conheça um pouco da mensagem de Jesus a Santa Margarida Maria e o que é o Detem-te: Clique aqui

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Novena irresistível ao Sagrado Coração de Jesus

Esta novena merece este título por ser uma oração na qual a pessoa se dirige ao Sagrado Coração de Jesus apresentando-Lhe as razões mais fortes para alcançar as graças temporais e, sobretudo, espirituais desejadas.

Assim como o melhor dos pais atende com maior solicitude a um filho, de acordo com o pedido e o modo de pedir, também o Sagrado Coração de Jesus é mais propenso a nos conceder o que precisamos quando, por meio do Imaculado Coração de Maria, alegamos altas razões em nosso favor.

E as alegações indicadas nesta novena tornam-na irresistível.

Passo a comentá-la:

Ó meu Jesus, que dissestes: “Em verdade vos digo: pedi e recebereis, procurai e achareis, batei e ser-vos-á aberto”. Eis que eu bato, procuro e peço… (fazer o pedido).

É um pedido admirável e inteiramente racional. Tomando as palavras do Sagrado Coração de Jesus, que jamais mente, invoca esta promessa de misericórdia diante d’Ele. Então, quando tivermos problemas espirituais, sobretudo, dizer isto a Ele, na Comunhão ou em outras ocasiões, é soberanamente eficiente.

Ó meu Jesus, que dissestes: “Em verdade vos digo: qualquer coisa que peçais a meu Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá!” Eis que a vosso Pai, no vosso nome, eu Vos peço… (fazer o pedido).

Realmente, é outra promessa d’Ele que se deve invocar. Quem pedir ao Pai Eterno algo em nome de Jesus e, consequentemente, quem pedir a Nosso Senhor em nome de Nossa Senhora, obterá.

Ó meu Jesus, que dissestes: “Em verdade vos digo: passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras jamais!” Eis que, apoiado na infalibilidade de vossas santas palavras, eu Vos peço… (fazer o pedido).

Primeiro vêm duas palavras d’Ele, em seguida, lembramos-Lhe que essas palavras são infalíveis.

É um modo de rezar altamente piedoso e benfazejo, próprio de uma piedade raciocinada e clara, que realmente arrasta o Sagrado Coração de Jesus: “Vós dissestes isto e aquilo, garantindo-me que serei atendido. Ora, Vós nunca mentis, e eu Vos peço, portanto, que realmente me atendais”.

Depois vem a parte final que é muito bonita:

Ó Sagrado Coração de Jesus, a quem uma única coisa é impossível, isto é, não ter compaixão dos infelizes, tende piedade de nós, míseros pecadores, e concedei-nos as graças que Vos pedimos, por intermédio do Coração Imaculado de vossa e nossa terna Mãe.

Sobretudo é impossível ao Sagrado Coração de Jesus, quando solicitado por Nossa Senhora, não ter compaixão daqueles que sofrem as dificuldades, as agruras, as tentações e, diríamos até, as misérias da vida espiritual.

Rei e centro de todos os corações

Era a festa do Sagrado Coração de Jesus. No auditório Nossa Senhora Auxiliadora(1), sob o comprazido olhar de Dr. Plinio, um grupo de jovens discípulos entra em cortejo portando uma bela imagem de Nosso Senhor, enquanto entoava-se a ladainha com invocações a Ele dirigidas. Ao final do cântico, pronunciou Dr. Plinio as palavras aqui recordadas.

 

A celebração de hoje possui tantos aspectos quantas as invocações desta ladainha, tão ricas que sobre cada uma delas se poderia fazer uma conferência.

Com efeito, todo católico que permanece fiel aos mandamentos da Lei de Deus precisa admirar as virtudes suplicadas nessa prece, pois são essenciais para a vida espiritual. Em sua existência terrena, Nosso Senhor deu exemplos salientes, flagrantes e belíssimos dessas virtudes; exemplos indeléveis que iluminarão o mundo durante toda a História da humanidade na Terra, e os bem-aventurados no Céu, por toda a eternidade.

Mais do que reinar sobre pessoas

Há, porém, uma invocação especialmente digna de nota e sobre a qual tecerei alguns comentários: Coração de Jesus, Rei e centro de todos os corações.

Na Igreja, todas as coisas, por mais que toquem no sentimento — e isso é bom —, têm razão de ser profunda, porque baseadas na Teologia e, portanto, numa doutrina muito sólida e segura.

Devemos nos perguntar, então, qual a diferença entre ser Rei e centro de todos os corações.

Sendo Nosso Senhor verdadeiro Deus e verdadeiro homem, é Rei de todas as coisas e, por conseguinte, dos homens. Mas, há diferenças entre governar um povo e reinar nos corações dos súditos.

Um monarca é capaz de exercer efetivamente o poder por direito, entretanto se não manifestar as virtudes e qualidades próprias à realeza, poderá ser malquisto e até detestado pelo seu povo. Donde, reinar nos corações é muito superior a imperar apenas sobre as pessoas.

Senhor da nossa vontade

Estendamos a análise. Segundo antiga simbologia, o coração representa a afetividade do homem. Assim, a mencionada invocação significa que Jesus tem o direito e, de fato, o poder de atrair o afeto e o carinho de todos os homens.

Porém, tais sentimentos fazem parte de um todo, a vontade humana, maior do que as partes, da qual Nosso Senhor é, pois, o Rei e o centro. Assim, cumpre que essa vontade reconheça o dever de amá-Lo, e cabe a nós praticar o ato volitivo ordenado a esse amor, embora às vezes nos encontremos na aridez e numa completa falta de sensibilidade de carinho e afeição (provação, aliás, freqüente na vida espiritual). Seja como for, importa termos a vontade firme, de têmpera, séria, a qual se acha convicta de que Jesus tem o direito de ser este seu Rei, centro de todos os corações.

Na prática, uma realeza não reconhecida

Tal verdade, considerada e compreendida desse modo, é realmente irretorquível e bela. Mas, poder-se-ia perguntar, na prática, no quotidiano dos homens, será efetiva?

Recordemos as cenas da Paixão do Redentor. No Horto das Oliveiras, Jesus se queixou dos Apóstolos que O acompanhavam, porque não vigiaram com Ele durante uma hora. Enquanto isso, Judas se apressava em traí-Lo. Por duas vezes veio ao encontro dos discípulos, banhado em sangue que transudara por causa do seu estado de aflição e pavor, e que deveria incutir neles compaixão pelo Mestre. Porém, suas sensibilidades não se moveram. Apenas despertaram, viram-No e continuaram a dormir…

Mas, o pior consistiu em que eles não tinham firme vontade e resolução de Lhe fazer companhia, de consolá-Lo e depois segui-Lo até o alto do Calvário. Os episódios subsequentes o demonstram de forma dolorosamente clara.

Ora, como acima entendemos, Nosso Senhor tinha o direito de ser Rei daqueles corações. Entretanto, não o era de fato, porque aquelas vontades não reconheciam a sua realeza, não era desejado nem querido como deveria sê-lo.

Toda a falta de responsabilidade dos Apóstolos nos acontecimentos culminantes da Paixão mostram do que é capaz o homem, quando tem para com o Redentor apenas um carinho sensível, e não a força de vontade a qual, na aridez e até na desolação, o torna fiel.

Reino de Maria, Reino do Coração de Jesus

Então, nos indagamos: quando o reinado do Sagrado Coração de Jesus será efetivo na Terra?

Respondemos com o grande São Luís Grignion de Montfort: no Reino de Maria.

Compreende-se. Nossa Senhora está sempre voltada para Cristo. Estabelecer o reino d’Ela é instaurar o do Sagrado Coração de Jesus.

Pelas preces insistentes da Santíssima Virgem, já agora e, sobretudo, no seu reino, será concedido aos homens, não apenas os maiores graus de sensibilidade para com o Coração de Jesus, mas uma extraordinária firmeza de vontade em relação aos seus régios desígnios. Quer dizer, sendo Ele nosso Rei por direito, auxiliados pela graça tomaremos sempre a atitude de súditos diante de seu monarca, não recuando sequer face à necessidade de dar a vida em defesa de seu reinado, batalhando nos degraus do trono.

O papel das firmes convicções

É necessário acrescentar que ninguém terá vontade firme se não possuir igualmente convicções sólidas. Quem não estiver persuadido, por uma fé inabalável, da divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, será incapaz de grandes resoluções. Chegada a hora do sacrifício e do holocausto, haverá um choque. O instinto de conservação da vida ou dos bens que lhe convêm — como a riqueza, a reputação, a posição social, a saúde, etc. — estando ameaçados, a tendência será poupá-los em benefício do interessado. O egoísmo é a hipertrofia desse instinto.

Nesse momento, surgirá uma pergunta soprada pelo próprio instinto: “O motivo pelo qual me vou sacrificar a Ele, resistirá verdadeiramente ao raciocínio?”

Tal indagação será um jeito que a covardia humana encontrará para fugir do dever, sem ter a sensação de o estar violando: “Afinal, eu me examinei naquela circunstância, e me dei conta de que minhas razões não eram suficientemente definidas e vigorosas; portanto, não tenho obrigação de me sacrificar. Não estou persuadido da necessidade de semelhante atitude”.

Compreendemos, então, como a persuasão é um elemento fundamental desse conjunto de fatores por onde Nosso Senhor Jesus Cristo é aceito como autêntico Rei dos corações.

Assim, nossas certezas precisam ser tão firmes ou mais quanto nossas resoluções. O católico deve dizer para si mesmo: “Tenho uma fé inabalável, a qual exclui qualquer dúvida de que Jesus Cristo é meu Deus e Redentor, esteve na Terra, realizou todas as ações narradas no Evangelho, entre outras a de fundar a Igreja, ensinou a doutrina e fez os milagres ali descritos; provou por meio de sua Ressurreição e Ascensão, a veracidade de tudo quanto Ele é e disse. Convicto dessas razões, estou disposto a morrer por Nosso Senhor”.

Corações feitos à imagem do de Jesus

Ora, não raramente observamos o contrário dessa certeza: o relativismo. “Jesus Cristo foi tão bom e santo, uma figura extraordinária que, provavelmente, tenha existido. Certeza disso não tenho, porque não estou habituado a ter certezas. Meu espírito vagabundo, relaxado e cínico, que não diferencia claramente a verdade do erro, mas baila num terreno pantanoso, não possui convicções. E, por mais que estudasse a questão — não o farei, porque não costumo estudar nada — sou incapaz de formar uma certeza, a qual supõe um coração firme”.

Percebemos, portanto, que na raiz da convicção encontra-se uma vontade segura e séria: “Verdade, eu te quero. Por causa disso, meu espírito à tua procura deve ser como um gládio que corta em duas partes as trevas e obtém a luz!”

Estes são os corações feitos segundo o Coração de Jesus. Ele nos deu todas as provas possíveis de ser o nosso arqui modelo, tendo feito seu sacrifício a ponto de bradar no alto da Cruz: “Meu Pai, meu Pai, por que me abandonaste?”, e, em seguida, expirar. Vale recordar que tal brado é o início de um salmo profético (cf. Sl 21, 2). Além disso, a frase de Nosso Senhor para o bom ladrão — “Hoje estarás comigo no Paraíso” — manifesta sua certeza e determinação de ir até o fim, através dos piores escolhos e das maiores dificuldades. O Coração de Jesus é, pois, nosso exemplo arqui perfeito da fé, da vontade e das convicções inabaláveis.

Manancial de graças e misericórdias

Mais ainda. É a própria fonte de onde irradiam as graças pelas quais somos capazes de adquirir essa certeza e a força de vontade que o homem, por si mesmo, é incapaz de possuir quando tem em vista fins sobrenaturais. Somente o consegue mediante o auxílio das graças do Céu.

Compreendamos então o aspecto sensível do símbolo: o Coração de Jesus é o receptáculo repleto de misericórdia e afeto para quem Lhe rogue essas graças. Ele deseja concedê-las e está à espera, na infinidade de suas riquezas, de alguém que Lhe peça uma parte ou a plenitude delas — conforme caiba na alma de cada pessoa — para atender com inimaginável abundância.

Acredito serem tais considerações extremamente propícias a nos secundar em nosso progresso na vida espiritual, pois nos apresentam os elementos necessários para vencermos a tibieza e a indolência que eventualmente nos assaltem nas vias de piedade que devemos trilhar.

Observados esses princípios que acabamos de analisar, Nosso Senhor, Rei de direito, torna-se Rei de fato. Se os homens forem assim — e não importa que o sejam todos numericamente falando, mas a parte de maior influência e irradiação na sociedade, aquela capaz de conduzir as vontades conforme o Sagrado Coração de Jesus — o Reino de Maria estará implantado.

Multiplicidade de aspectos da devoção ao Sagrado Coração de Jesus

Enquanto a Revolução quer que as pessoas não tenham amor autêntico umas às outras, mas sejam completamente egoístas, a Contra-Revolução promove um relacionamento humano fundamentado no verdadeiro amor, o qual converge para o Sagrado Coração de Jesus, que é o centro de tudo. Portanto, Ele é o centro da Contra-Revolução.

 

O fenômeno revolucionário, examinado como ele está descrito em meu livro Revolução e Contra-Revolução, é antes de tudo um problema espiritual. O resto é secundário, colateral, por maior importância que tenha.

Portanto, o aspecto mais importante é a atitude que o fiel toma em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo, e mais especialmente ao Sagrado Coração d’Ele, que é a quintessência de tudo quanto há n’Ele de perfeição e de amor.

Por que esse é um ponto fundamental?

A relação dos homens com o Sagrado Coração de Jesus é o centro do relacionamento humano

O centro das relações humanas é o amor que as pessoas tenham entre si. É uma coisa evidente.

Se nas relações de duas pessoas o centro é a simpatia e a antipatia existente entre elas, tomando em consideração uma qualidade muito maior do que essas meras disposições humanas, a observação é válida do mesmo modo, ou até vale mais acentuadamente.

É por esta razão que uma senhora, por exemplo, afeita a considerar a devoção como centro da vida espiritual, e o Coração de Jesus centro dessa devoção, pode ser o ponto de partida e o centro de toda a Contra-Revolução.

Assim, em última análise, aquele dito de Dona Lucilia “viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem” indica o centro da vida do homem na Terra.

De fato, na medida em que um homem tem pessoas a quem ame, com as quais conviva, às quais queira bem e das quais é, por seu turno, bem-querido, ele pode ser o centro de um entrelaçamento enorme de relações, em que tudo corre retamente, porque esta é a própria definição da retidão das relações dos seres humanos entre si.

E para que tudo corra bem e retamente nessas inter-relações, é preciso compreender que se deve ter como ponto de partida o próprio homem, e tudo aquilo que ele faz. Por causa disso, a relação dos homens com o Sagrado Coração de Jesus é o centro de tudo. Logo, o centro da Contra-Revolução.

No caso concreto, a Revolução quer, sobretudo, que as pessoas não tenham amor autêntico umas às outras, amor a nada nem a ninguém, mas sejam completamente frias, egoístas.

Por outro lado, ela quer que esse enregelamento de volições e de apetências seja durável e perpétuo. Então nós temos todo um relacionamento humano errado, enquanto que se considerarmos o relacionamento humano voltado inteiramente para o bem, veremos como a situação muda completamente de aspecto.

Então, o ponto principal é saber por que os homens devem amar especialmente o Sagrado Coração de Jesus e se, de fato, O amam. Se não amam, como devem fazer para adquirir esse amor? Esse é o centro da espiritualidade católica.

Uma das formas de retidão do Reino de Maria

Essa devoção marcou a vida inteira de Dona Lucilia e foi certamente neste ponto que ela mais atuou sobre mim. Quer dizer, as relações de mamãe com as pessoas a quem ela quis bem eram desenvolvimentos desse relacionamento com o Sagrado Coração de Jesus.

Quando eu era pequeno, tinha o defeito de ser muito volúvel em minhas relações de amizade. Fazia relações boas e, de repente, aquilo me cansava, eu metia um “pontapé” naquele amigo como se nunca tivesse existido e pegava outro. E Dona Lucilia não gostava nada disso.

— Onde é que está tal amigo seu? — perguntava ela.

— Mamãe, ele está por aí — eu já tinha dado o “pontapé” nele e não queria saber.

— Mas por aí aonde? Ele saiu da Terra?

— Não, meu bem, quer dizer, ele…

— Olha, Plinio, eu já estou vendo o que aconteceu. Você já se enfarou dele e já lhe meteu um “pontapé”. É uma pessoa que lhe queria bem e a quem você não podia fazer uma coisa dessas.

— Mamãe, ele é muito sem graça… 

— Você lá sabe se outras pessoas não acham você sem graça e, entretanto, devem querer bem a você? Queira bem aos outros…

Vê-se que para ela as relações afetuosas, bem centradas sobre os temas em que deviam ser, era uma coisa inestimável. É compreensível que Dona Lucilia queira nos obter isto de Nossa Senhora e fazer disto uma das formas da retidão no próprio Reino de Maria na Terra.

De fato, nas revelações a Santa Margarida Maria Alacoque, o Sagrado Coração de Jesus dava a entender que a devoção a Ele traria ao mundo uma era que os devotos do Sagrado Coração de Jesus chamaram de “o reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo”, o qual corresponde ao Reino de Maria. 

Em determinado momento virá, sem dúvida, uma graça excepcional de devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e tem-se a impressão de que surgirão almas privilegiadas que deverão espelhar, cada uma a seu modo, a multiplicidade de aspectos da devoção ao Sagrado Coração, e por esta forma dar a Ele uma glória especial.

Erros que avançavam à maneira da lava que escorre das montanhas

Por outro lado, quando vemos Nosso Senhor falar a respeito da consagração ao seu Sagrado Coração, tem-se a impressão de que Ele considera a batalha entre a piedade e a impiedade, o bem e o mal, a verdade e o erro, um combate que se porá sempre, em termos gerais, na linha em que ele estava posto já no tempo de Santa Margarida Maria Alacoque.

Sem que esta visão deixe de ser exata, é preciso considerar, entretanto, que um aspecto dessa batalha foi mudando com o passar dos séculos, a ponto de merecer ser analisado separadamente. É o modo pelo qual o erro começou a combater a verdade, disfarçando-se de tal maneira, primeiro no modernismo, e depois, cortado o modernismo por São Pio X, em erros congêneres até nossos dias.

Dir-se-ia que o erro passou a ser tão envolvente, penetrante e dominador, dentro da própria Igreja, que o curso das coisas mudou na perspectiva do Sagrado Coração de Jesus — o que seria um absurdo —, e que se inaugurou um clima de luta onde nem a devoção ao Sagrado Coração de Jesus tinha muita coisa a fazer, porque já não é mais o erro contra a verdade, mas a pseudo verdade contra a verdade, o pseudo bem contra o bem.

De tal maneira que a luta principal passou a ser interna e produziu na Igreja movimentos tão desastrados, que devoções como a do Sagrado Coração de Jesus e a do Imaculado Coração de Maria saíram da ordem do dia na piedade corrente.

Sempre me chamou muito a atenção, na devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a noção de que Ele estava sendo ofendido, traído, abandonado de um modo horrível pelo ateísmo, pelas formas expressas de combate contra a Igreja, mas também por uma espécie de moleza dos católicos em reagirem contra todas essas ações anticatólicas.

Parecia-me que o conjunto da luta da impiedade declarada e o relaxamento, a moleza e a indiferença de pessoas que se diziam católicas — e o eram, mas católicos relaxados na miserável força do termo — constituía um pecado, uma ofensa enorme a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Tanto quanto eu percebia, esse movimento vinha de muito antes, avançando à maneira da lava que escorre das montanhas: um líquido espesso, viscoso que vai indo com um jeito meio pesadão, cobrindo e dominando tudo. Nosso Senhor Jesus Cristo, portanto, nessa perspectiva era ofendido.

Ademais, eu notava outra coisa que também me chocava muito: falava-se, certamente, da devoção reparadora à apostasia social em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo e ao reinado de seu Sagrado Coração. Contudo, não era o ponto sensível das cogitações sobre o Sagrado Coração de Jesus.

O ponto sensível — aliás, ponto adorável, admirável que, se bem orientado, faz prever a vitória d’Ele de um modo muito assinalado — era a ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo era a personificação da misericórdia.

Na simbologia do tempo, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus era a devoção do pecador ao qual pesa andar mal, mas não tem coragem nem força para tomar a resolução de passar a andar bem e que, portanto, só teria razões para se desesperar.

Entretanto, esse pecador nessas condições, tomando em consideração a misericórdia infinita do Sagrado Coração de Jesus, se implorasse essa misericórdia e recebesse graças intensas e fortes, se realizariam nele as palavras do Salmo: “Asperges me hyssopo, et mundabor; lavabis me, et super nivem dealbabor” (Sl 50, 9) — aspergi-me e ficarei puro; lavai-me e me tornarei mais branco do que a neve.

Devoção que cessava na emoção e não gerava frutos de verdadeira conversão

Tudo isso é verdadeiro. Entretanto, o desvio estava na difusão da ideia de que essa transformação se dava sem esforço do pecador, por um movimento concebido como partindo do Sagrado Coração de Jesus e mais nada, e trazendo automaticamente uma correção, uma retificação da posição moral do pecador, quase por encanto, e muitas vezes consistindo em uma graça recebida na hora da morte.

Quer dizer, pessoas que se consideravam tão más que sabiam não adiantar vir com correções durante a vida, mas, na hora da morte, receberiam uma graça assim. E a pessoa, nesse último instante, ganhava o Céu.

Essa concepção dava a inúmeros católicos um desejo de acabar se salvando, mas não um desejo muito ardente de correção moral nesta vida. É uma espécie de loteria para, nas vésperas ou no dia da morte, ser ganha e ir para o Céu. O resto do tempo, a pessoa levou vida gostosa na Terra.

No modo de tratarem da devoção ao Sagrado Coração de Jesus e de falarem dela ao pecador, poucas coisas estimulavam o desejo de uma retificação e de um bom andamento espiritual diante de Jesus ofendidíssimo querendo uma reparação.

Estimulava-se um movimento emotivo diante de tanta misericórdia. Mas esse movimento emotivo cessava na emoção, a qual não era geradora de penitência, em grande número de casos, mas apenas de uma piedosa tristeza que não dava em nada, conservando-se inteiramente estéril.

Então, essa devoção, insinuada assim, com essas supressões de determinados aspectos inerentes a ela, acabaria sendo uma forma de piedade que era a melhor possível para o pecador, considerados os interesses meramente terrenos dele.

Porque, em última análise, ele recebia graças inefáveis, e não era obrigado, e nem sequer estimulado, a uma contrapartida, mas simplesmente a chorar: “Ah! como eu tenho pena de estar nessa vida de pecado, ofendendo a Deus… Que pena! Mas afinal, continuarei nessa vida… Posso até usar um escapulário do Coração de Jesus, conservar um detente, com a efígie de Jesus mostrando seu Sagrado Coração, para evitar que tiros possam bater em mim…”

Isso contribuía para dar ao pecador uma presunção temerária de salvar-se sem estar, de fato, tocado por uma autêntica devoção.

Conheci incontáveis pessoas nas quais essa devoção era vivida assim.

Para esse tipo de gente, não havia a preocupação da globalidade da sociedade que está se perdendo, nem da batalha em favor de conservar ou não uma Civilização Cristã no mundo. Tinham a questão da salvação, sobretudo, como uma preocupação individual: para si, a esposa, os filhos, e acabou-se.

Entre essas pessoas não vi um caso de alguém que quisesse converter outro por ser este capaz de converter um grande número de pessoas. Esse horizonte maior, de converter muita gente, se esfumaçava na concepção dessa atitude devocional e isso desaparecia.

Desvio provocado pelo sentimentalismo

Notava-se muito isso nas orações compostas ao Sagrado Coração, que giravam, na imensa maioria dos casos, em torno de problemas pessoais. Eram, em geral, muito sentimentais.

Para os adeptos desse tipo de devoção, a lógica parecia uma coisa dura, inflexível, contrária à bondade. De maneira que até mesmo o uso de argumentos muito lógicos para propagar a devoção não era visto como o melhor meio. O melhor meio era apresentar Nosso Senhor nos fazendo grande bem, sem a preocupação de retribuir-Lhe adequadamente. Porque, afinal, que mal havia em não Lhe retribuir adequadamente? Não existia a noção clara, definida, de um pecado contra a justiça.

O principal era incutir a ideia de que o pranto do Sagrado Coração, em rigor de sentimentalismo, deveria provocar um pranto nosso que fosse o eco do d’Ele, mas o eco afetivo.

Assim, o coração era apresentado como sendo a impressionabilidade sentimental, e não a mentalidade, o propósito, o ânimo, a decisão do homem.

Por causa disso a pessoa, não sendo sentimental, ficava meio exilada desse campo. E, como tal, embora não fosse malvista nem perseguida, também não era promovida; ela ficava no ‘bas-fond’ do mundo das associações religiosas, quer dizer, na parte dos ignorados, dos não influentes dentro dessas associações.

Não quero fazer a mínima censura — porque isso estaria longe da boa doutrina — ao uso largo do sentimento como elemento da piedade. A minha ideia é essa: quantum potes tantum aude — quanto se possa tanto se ouse — utilizar o sentimento como elemento indispensável e complementar da piedade. Mas fazendo entender bem que sem o raciocínio iluminado pela Fé, sem a decisão firme e forte da vontade motivada por razões doutrinárias específicas e adequadas, o resto não está bem. E é exatamente neste ponto em que entramos em desacordo com essa concepção equivocada de devoção.

Cheguei a ouvir críticas a essa devoção no sentido de que o amor amolece, é uma espécie de ópio que anestesia as firmezas, as vitalidades da alma e, portanto, era preciso deixar de lado, para dar lugar ao raciocínio. Contra isto eu protesto com toda a força de minha alma. Mas que esteja ausente, ou fora do lugar que lhe é devido na hierarquia das coisas, a parte intelectiva e a volitiva, com isso não posso concordar de nenhum modo.

Quando Nosso Senhor deseja vencer pela misericórdia e quando pela punição?

Há outro aspecto importante a considerar na devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Quando Nosso Senhor disse a Santa Margarida Maria Alacoque “vencerei”, o tom que está presente objetivamente, não como uma elucubração, é o de que, em muitos casos, a misericórdia d’Ele chegará a tal extremo que vai tocar os mais miseráveis e os mais infames, e alcançará, por esta via, conversões fulgurantes. Portanto, a vitória é sobre os improváveis, os inimagináveis, por meio dessa misericórdia que vai até o fim, por onde Nosso Senhor venceu, por exemplo, o Bom Ladrão.

Uma questão muito bonita seria: quando é que Nosso Senhor deseja vencer pela misericórdia e quando Ele quer vencer pela punição?

Eu tive um manualzinho, um tratadinho de devoção ao Coração de Jesus, que comprei exclusivamente pelo seguinte: folheando, antes de comprar, vi que o título do primeiro capítulo era “As iras do Coração de Jesus”.

O capítulo sustentava a tese de que Nosso Senhor, tendo a natureza humana perfeita, não podia deixar de ter iras também. O livro indicava os episódios da vida de Jesus nos quais Ele manifestou essas iras. E concluía que uma devoção ao Coração irado de Jesus teria todo o cabimento teológico.

Mas eu não ouvi falar de um caso no mundo de devoção ao Coração irado de Jesus, que pedisse aos outros corações a ira santa tão necessária para bem conduzir o bom combate.

Vê-se nisso um combate à combatividade que, por silêncio e ablação, criavam um ambiente devocional falso. Ora, esse silêncio é próprio a despertar as iras do Coração de Jesus.

Como reparação por esses equívocos, poder-se-ia rezar, por exemplo, a seguinte jaculatória: “Ó Coração irado de Jesus, comunicai-me a vossa ira santa, de maneira a fazer de mim um competente batalhador por Vós.”

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 24/4/1994 e 22/1/995)

 

Morar no Sagrado Coração de Jesus

Eminentemente contemplativo, Dr. Plinio discernia em uma imagem as virtudes do Sagrado Coração de Jesus, cuja consideração maravilhada levou-o, do desejo de uma vida deleitável na prática do bem, ao encanto pelo heroísmo e à luta contra a Revolução.

 

É conhecida a experiência pela qual, fazendo-se girar em alta velocidade um disco composto das cores do arco-íris, cria-se a ilusão de que o disco tornou-se branco. É inegável que o branco tenha sua beleza, como síntese e matriz de todas as cores.

As virtudes se relacionam entre si à maneira das asas de uma borboleta azul e prata

Entretanto, há outro modo das cores se inter-relacionarem que notamos, por exemplo, nas asas da borboleta azul e prata. Não que uma asa seja azul e outra prateada — seria um pesadelo —, mas, conforme o movimento da luz, o azul se transforma em prateado e o prateado em azul. De maneira que, por assim dizer, se teria a ilusão de que uma cor habita na outra.

O conjunto de verdades ou de virtudes numa alma só manifesta sua inteira beleza vista assim, na linha deste furta-cor do azul e prateado na asa da borboleta. Quer dizer, quando se olha uma virtude, de repente, fixando a atenção não apenas especulativa, mas também descritiva, percebe-se sair de dentro outra virtude.

Isso se dá muito com as virtudes cardeais. Considerem, por exemplo, a fortaleza. Em determinado momento, percebe-se que se desprende dela, no mesmo ato da mesma pessoa, algo que se aprecia no ato total, mas seria simplificar chamar apenas de fortaleza. Essa “cor” que se faz notar seria a virtude da prudência. E assim também com as outras virtudes cardeais.

Naturalmente, numa esfera muito mais alta, provavelmente se poderá dizer o mesmo das virtudes teologais.

A meu ver, o inconfundível “unum” de uma pessoa não se deixa ver a não ser por meio de refrações como essas, pelo menos nesta Terra. Esse é o “unum” que representa aquele fundo da alma que, ao tratarmos com um indivíduo, passamos a vida inteira procurando e conhecendo sempre melhor, sem nunca conhecê-lo até o fundo.

Impressões causadas pela Igreja do Sagrado Coração de Jesus

Digo isso para vermos como devemos analisar nossos modelos. Nunca os compreendemos tão bem como no momento em que de uma virtude se desprende outra. Na hora do “borboletear” da coisa é que se pega bem o que é o total.

Se nos perguntamos se a asa da borboleta é azul ou prateada, a resposta é: para além de azul e de prateada, ela tem algo que a capacidade cromática da vista humana não capta, e que não é o contrário do azul nem do prateado, mas uma coisa que não podemos alcançar porque ora se mostra azul, ora prateada. E o azul e o prateado não mentem quando nos dizem ser aquela asa azul ou prateada; mas ela o é de um outro modo que nós não somos capazes de perceber. Há uma coisa mais bela dentro disso.

Por exemplo, no caráter espiritual-temporal no Império Austro-Húngaro, o que era mais bonito: o caráter acidentalmente espiritual que marcava esse Império, ou o caráter essencialmente temporal, enquanto marcado pelo espiritual? Essas coisas não se discernem. Mas, assim como com o azul e o prateado, de uma coisa sai a outra.

Creio que esse fenômeno não é privativo dos santos de comprovada heroicidade de virtudes e próprios a serem canonizados, mas se verifica em todas as almas virtuosas, entendidas como tais as que estão na graça de Deus. Assim, eu poderia explicitar um pouco mais as impressões que tive, quando pequenino, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, e depois as que, a vida inteira, deu-me a Igreja Católica.

A seriedade do Sagrado Coração de Jesus, por exemplo, me impressionava muito. Mas era uma seriedade na qual eu poderia distinguir pelo menos alguns aspectos; porque no seu fundo a seriedade traz consigo que a pessoa, ao observar algo ou alguém, considere-o enquanto inserido em todo o contexto do Universo.

Isso remete a realidades sobrenaturais tão altas que o indivíduo fica meio desconcertado. E a seriedade, vista debaixo desse ângulo, é meio amedrontadora. Há mesmo qualquer coisa dela que muitos homens creem não poder suportar.

Um pequeno episódio da vida doméstica

Por exemplo, uma criança é meio estabanada e deixa cair um copo d’água no tapete. Este episódio tem um inconveniente minúsculo para a vida doméstica; é preciso secar a água e talvez tomar uma pequena providência para não danificar o tapete.

Digamos que isso se dê na casa dos avós da criança, onde também estão presentes seus pais. O trabalho da mãe é passar um pitozinho na criança, para ela aprender a não ser estabanada; mas um pito com leveza, proporcionado à banalidade do que aconteceu, obrigando a criança a trabalhar para secar aquela água, praticar um pouquinho de penitência. Mas deixando-a entrever que aquilo não vai ter muita duração; é um pequeno episódio. À noite, na hora de dormir, ela já nem se lembra do que aconteceu.

A mãe, portanto, tem em vista operações práticas — salvar o tapete —, mas também a educação da criança, que é uma finalidade mais alta. Mas ela visa as vantagens imediatas da criança, evitar que fique tonta, não ganhe prêmio no colégio, etc.; enfim todo o futuro psicológico da criança.

O pai olha com muito menos sensibilidade, preocupado com outras coisas, considerando aquilo meio uma bagatela, mas ao mesmo tempo tomando uma atitude diante do fato por onde a criança compreenda que, se isso se repetir, o ajuste de contas será com ele, que agirá com muito mais severidade do que a mãe.

O avô está lendo um jornal, e a avó uma revista ilustrada. Ao ver o que o menino fez, a avó cai na gargalhada:

— Que engraçado, olha como foi estabanadinho…

O avô:

— Se começa assim, começa mal, porque nessa idade já se tem que aprender…

A avó o defende:

— Não, não, coitadinho!

O avô:

— Olha, muita gente se perdeu porque se disse “coitadinho” em casos semelhantes…

E sobe às mais altas considerações.

Seriedade expressa pela imagem do Sagrado Coração de Jesus

Qual é a imagem perfeita da seriedade aí? No fundo é o avô, porque ele tem razão. Mas se uma criança fosse educada exclusivamente por esse avô, ela ficaria insegura, e não sei onde as coisas iriam parar. Sem dúvida, é verdade que muita gente foi para o Inferno porque, quando criança, não teve um avô para corrigir o estabanamento; mas é verdade também que, se a todo propósito se vai falar do Inferno para a criança, cria-se um ambiente impossível.

Algo dessa seriedade avoenga eu percebia que a imagem do Sagrado Coração de Jesus queria fazer entender. O modo de Nosso Senhor segurar o Coração, rodeado de espinhos e com uma chama, no centro da qual uma cruz; o Coração vermelho daquele modo, por mais bonito que seja, tirado de dentro do peito e exposto, dá uma ideia de certa violência. Tudo isso fazia lembrar a Paixão que Ele tinha sofrido. E a carga desses símbolos significava para mim uma pergunta feita por Nosso Senhor: “Você se dá conta de que, em cada ato mau, você feriu meu Coração? Olhe como Eu sou bom, meça o mal que você fez!”

E em cada imagem do Sagrado Coração de Jesus, feita com um mínimo de idoneidade artesanal ou artística, isso se exprime, a simbologia é essa.

Neste sentido, o apelo do Sagrado Coração de Jesus é admirável, e é bela a dimensão desse apelo: Como as coisas do homem tocam ao infinito! Como é bonita a vida quando se considera que cada pequeno fato toca no Céu, no Inferno! Como tudo é grande!

Tudo isso me vinha muito à mente na consideração do Sagrado Coração de Jesus, e também no ambiente imponderável da igreja. É fora de dúvida que se tratava de uma graça pela qual eu sublimava a imagem. Esta diz algo nessa direção, mas eu a sublimava involuntariamente por efeito da inocência. Mas de fato, para mim, aquela imagem dizia isto, era mesmo a primeira mensagem da imagem.

Doçura

Depois vinha a segunda mensagem: “Entretanto, meu filho, Eu não lhe digo isso para perdê-lo, mas perdoá-lo. Desejo perdoá-lo porque há em Mim a fonte de um afeto, de um carinho mais suave do que o veludo, mais ameno do que qualquer brisa do mar, completamente envolvente e capaz de inundá-lo inteiramente, nas últimas fibras do seu ser.”

De maneira que, logo depois da noção de cobrança, vinha-me a seguinte ideia:

As mãos d’Ele e um de seus pés, que aparece debaixo da túnica, estão chagados; meus defeitos concorreram para isso. Sinto que em mim há matéria-prima, não reprimida ainda, que pode vir dar em maldade. Eu até agora não sou alheio a esses defeitos; eles constituem minha pessoa e, embora sejam defeitos potenciais, não os rejeitei ainda.

Sinto que isso que Ele está me mostrando não é para cobrar algo de mim, para me castigar, nem se vingar, nem pôr o seu pé chagado, mas vencedor, sobre minha cabeça desvairada e pecadora; é para me dizer que, sem nenhum interesse próprio que não seja o amor da própria glória de Deus, Ele absolutamente não me cobraria nada, e está disposto a me pagar o bem pelo mal.

Porque me quer apesar de tudo, tem pena de mim, considera minha pequenez, meu isolamento, considera tudo, e tem algo a mais do que tudo isso, que me inunda como um mar: é a doçura d’Ele. Entra aqui outra ideia da grandeza: a seriedade d’Ele indica uma dimensão dessa doçura, que eu não seria capaz de medir só pela doçura.

Eu sentia bem que Ele dizia isso a mim, interiormente — não era aparição nem visão, mas estava na economia comum da graça —, não como quem vê passar pela estrada um pimpolho, perdido no meio de milhões de outros homens, e para o qual afirma: “Uma vez que você está aqui, Eu tenho algo a lhe dizer. Agora ande e trate de tirar proveito!” Se fosse isso, já teria sido boníssimo, muito mais do que eu mereço.

Mas é um Pastor, um Rei que empreendeu de me governar, vai me dar conselhos, indicações, ordens, me prepara o caminho para eu voltar até Ele. E que, portanto, quer absolutamente que eu seja dócil ao que Ele indique, porque, em primeiro lugar, Ele merece: Olha a perfeição d’Ele! Em segundo lugar, se eu não fizer isso, estou perdido. Vejo bem tudo quanto formiga em mim de ruim e, ou eu deito a atenção nisso ou, então, não sei até onde vou chegar!

E eu percebia bem que chegaria espantosamente até o fim de qualquer caminho que tomasse. E que, portanto, toda cabeça de caminho ou era bem escolhida, ou seria um bordo de precipício. Aliás, isso é com todo o mundo, não só comigo; eu não me sentia uma pessoa diferente das outras.

Asseio, boas maneiras, intransigência

Outra coisa que me encantava era o asseio e as boas maneiras de Jesus.

Por vezes Ele é apresentado como tendo uma túnica de uma cor que me atrai especialmente, o vermelho, com uma discreta bordadura dourada que me parecia indispensável à grandeza d’Ele. Sem ouro Nosso Senhor não teria sabido reverenciar sua própria grandeza como devia. E a consciência que Ele tinha da sua grandeza era uma coisa que me encantava.

E a túnica dava ideia de estar Ele perpetuamente limpíssimo, não tinha mancha nenhuma, nem na alma, nem na roupa. E essa limpeza na indumentária se manifestava ainda mais na limpeza do Corpo d’Ele. Não só não tinha nenhuma mancha, nada de ensebado ou de doente, mas parecia emitir luz.

E eu dizia a mim mesmo o seguinte: “Veja as boas maneiras d’Ele, como está em pé com distinção! O modo com que Ele segura o Coração é de uma pessoa bem educada. Como a impostação da cabeça é de uma pessoa que teve uma boa formação! Como a barba está bem arranjada, sem faceirice! Que supremo aristocratismo natural no cabelo! Tem-se a impressão de que Ele nem pensa no seu cabelo, mas não há um cacho, um fio, que não esteja inteiramente no lugar, para dar uma ideia perfeita d’Ele mesmo”.

Sei que foi um artista, um artesão que esculpiu essa imagem, mas percebo, pela perfeição moral d’Ele, que era de fato assim, e o artista quis exprimir uma coisa que havia na alma de Nosso Senhor. Então, meu encanto!

Conclusão: Como Ele é amigo da ordem universal! E coerente com essa ordem! Todas as coisas Ele as ama na ordem própria e no mais belo aspecto que elas podem apresentar de si mesmas. E com que carinho Ele as ama! Jesus gosta dessa rosa que foi posta aos pés d’Ele, um pouco como gosta de mim que estou aqui aos seus pés também. Ele é afim com tudo o que é reto, que não tem pecado.

Mas olhe a intransigência: basta ter um pecado, que Ele mostra o Coração ferido! Veja a pureza! Depois, como tudo isso está bem calculado, bem posto n’Ele! Que sabedoria!

Comer éclair ou Apfelstrudel com “chantilly” aos pés da imagem

À medida que eu via essas coisas — não com a precisão com que estou dando agora, mas com aquela intuição de uma criança —, ia me sentindo impregnado por elas, de fora para dentro. Quer dizer, Ele era assim; essas coisas não tinham sua nascente em mim, mas Nosso Senhor as comunicava. E daí o desejo evidente de me unir a Ele.

E não só de me unir, mas morar n’Ele. Se eu pudesse estudar, rezar, conversar com amigos, enfim, fazer tudo quanto faz um menino, aos pés da imagem do Sagrado Coração de Jesus, seria para mim uma explosão de alegria, porque a imagem impregnaria dessas perfeições tudo o que eu realizasse, inclusive meus amigos.

Notem uma particularidade: eu poderia afirmar que quereria estar o tempo inteiro rezando lá, dizendo não às brincadeiras, à comedoria, ao leito bom, ao meu conforto, tudo por amor a Ele. Não era isso, mas algo diferente: como seria bom se Jesus pudesse estar presidindo tudo isso! Toda a minha vida gostei muito de éclair e de Apfelstrudel com “chantilly”. Se pudesse trazer às escondidas esses doces e comer aos pés d’Ele, como eu ficaria contentíssimo!

Creio que não tinha nada de mau nisso. E, portanto, também dizer a Ele: “Senhor, aqui está um Apfelstrudel — ou um éclair — tão afim convosco, que eu vou me unir a Vós comendo-o e pensando em Vós. Abençoai este doce!”

E se eu não pudesse fazer tudo lá, depois iria embora dizendo: “Senhor, infinitas graças pela boa companhia que me destes!”

Explicitando a vocação

Há nisso, em raiz, a vocação da “consecratio mundi”, da sacralização da ordem temporal.

Não estava em mim ser nem asceta, nem revolucionário. Eu era um menino da ordem temporal, que gostava da ordem temporal, alegrando-me muito em poder deleitar-me com ela, mantendo meu estado de graça e sabendo que nesse meu deleite não entrava pecado, pelo contrário, era bom e afim com Ele.

E neste sentido, eu gostava enormemente, em certas horas, de estar só. Não propriamente rezando — embora isso já fosse oração —, mas eu me deleitava em ver como tudo aquilo não era pecado, como era bom. E se nesses momentos alguém me dissesse, com provas de evidência, que o Sagrado Coração de Jesus não existia, eu era capaz de ter uma convulsão, um ataque e morrer. Portanto, era uma atitude profundamente religiosa.

Nessas horas de silêncio, eu sentia uma paz e um gáudio sensível da virtude, da união com Ele, mas intensa, que era minha alegria de viver. E, como não conhecia a Revolução, eu pensava que a vida inteira seria assim.

Naquela fotografia onde apareço sentado no braço de uma poltrona — postura da qual não gostei, por ser esportiva e contrária às boas maneiras; mas o fotógrafo mandou, e vi que ele estava sancionado pela “Fräulein” —, eu estou feliz e sentindo que minha felicidade me vem disso que estou descrevendo. Lembro-me bem daquele momento.

Veio depois o contato com o Colégio São Luís e o encontro com a Revolução. Então, estouro! Apresenta-se o sofrimento, batendo na porta, inopinadamente. Começa a batalha!

Todo esse edifício anterior para o que serviria?

De um lado, ajudou-me enormemente, porque foi para mim um elemento de apoio para a resistência. De outro lado, diante das solicitações do mundo, o desejo de uma vida temporal honesta, limpa, com o tempo passou a ser uma vida temporal admiradora do heroico, que já não tem sentido a não ser em função do heroísmo.

Era minha vocação que ia se explicitando através dessas evoluções.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/10/1985)