O Bem-aventurado da grande resolução

Por meio de seus Santos, Deus faz brilhar de mil maneiras a fortaleza católica. Em Santo Ezequiel Moreno y Díaz essa virtude reluz de modo enlevante, por sua vontade resoluta em cumprir a vontade divina, disposto aos maiores sacrifícios.

Mandaram-me um quadro de um Bem-aventurado colombiano, famoso por seu antiliberalismo, Ezequiel Moreno y Díaz1. Sua fisionomia me agrada muito.

Batalhador destemido contra o liberalismo

A expressão fisionômica é digna, forte, nobre, dentro de uma grande serenidade. Nota-se uma determinação e uma resolução que não precisa de fogachos para se firmar. Ele é calmo, tranquilo, mas o que ele resolveu, resolveu.

Parece-me uma fisionomia que, a seu modo, pode emular, ser colocada à altura do semblante de Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, Bispo de Olinda e Recife no tempo do Império. Com a diferença de que o Beato Ezequiel é espanhol, o que se percebe considerando algo no rosto que dá essa ideia. Dom Vital é tipicamente brasileiro, inclusive a vivacidade no olhar é do estilo de vivacidade brasileira.

Fizeram-me um pequeno relato sobre esse Bem-aventurado, que passo a ler.

O Bem-aventurado Ezequiel Moreno y Díaz foi Bispo da cidade de Pasto, que faz fronteira com o Equador, onde está o Santuário de Nossa Senhora de Las Lajas, grande devoto d’Ela e importante promotor da construção do atual santuário.

Um dado que chama especialmente a atenção é seu combate ao liberalismo que nessa época – fins do século XIX –, tanto na Colômbia quanto no Equador, estava atacando fortemente a Igreja, desapropriando os bens eclesiásticos e perseguindo o clero.

Ele levou a luta contra o liberalismo ao ponto de escrever pastorais, nas quais chamava os católicos a se levantarem em armas contra o liberalismo, inclusive citando-lhes o exemplo dos Macabeus: Mais vale morrer do que viver numa terra devastada e sem honra (cf. I Mac 3, 59).

A prédica desse prelado deu calor aos católicos especialmente durante uma guerra havida na Colômbia entre exércitos católicos e liberais, que se desenrolou ao longo de três anos, intitulada a “Guerra dos Mil Dias”.

Outro traço da firmeza deste Bem-aventurado foi o fato de ele ter lançado uma excomunhão contra todos os pais de família que enviassem os seus filhos a um colégio, cujo diretor era uma pessoa de doutrinas liberais. O tal diretor se transladou para o outro lado da fronteira e, com a anuência de um bispo equatoriano de ideologia liberal, começou a funcionar ali uma escola.

Alguns pais colombianos mandaram seus filhos a esse colégio do Equador. Então, o Beato Ezequiel renovou a excomunhão, o que levou o bispo equatoriano a se queixar junto à Santa Sé. Resultado: a Sagrada Congregação dos Bispos desautorou o Bem-aventurado. Este foi a Roma – viagem que naquela época durava vários meses –, fez revisar todos os documentos no Vaticano e obteve que Leão XIII levantasse a condenação que havia recebido.

A correia de São Tomé, característica dos agostinianos

Isso é saber lutar bem! Notem a analogia com Dom Vital que, desautorado por uma carta de Pio IX, inspirada pelo Cardeal Antonelli, foi a Roma, obteve o julgamento do caso dele e a afirmação de Pio IX de que ele tinha andado bem. Portanto, a intriga havia subido até dentro do Vaticano.

Passo a comentar o quadro. Estamos na presença de um religioso da Ordem de Santo Agostinho. Notam-se as insígnias episcopais: o solidéu roxo, a cruz peitoral e o anel pastoral. Em seu hábito ele traz a correia característica dos agostinianos, a qual, segundo me disseram, é uma reminiscência do cinto que Nossa Senhora levava consigo e que atirou a São Tomé, enquanto Ela subia ao Céu.

Como sabemos, São Tomé foi o único Apóstolo que não assistiu à dormição e Assunção da Santíssima Virgem, no que se poderia ver uma severidade por causa daquela dúvida dele a respeito da Ressurreição de Nosso Senhor. E o que Nosso Senhor disse a ele: “Tu creste, Tomé, porque Me viste; bem-aventurados os que não viram e creram.” (Jo 20, 29); é uma censura. Santo Agostinho diz sobre essa censura uma coisa extraordinária: que a Fé de milhões de homens pelo futuro pendeu do dedo de São Tomé, porque como há muita gente com a mentalidade que São Tomé tinha antes de tocar nas Chagas de Jesus, essas pessoas se sentem tranquilizadas com tal narração.

Mais uma vez entram os desígnios ocultos, misteriosos e superiores da Providência. Em última análise, São Tomé teve um momento de dúvida, mas desta dúvida a Providência tirou uma vantagem tão grande que nos perguntamos como Ela Se teria arranjado para produzir esse efeito, se São Tomé não tivesse duvidado. Tal é a complexidade dos fatos considerados do ponto de vista da Providência.

São Tomé chegou atrasado, quando Nossa Senhora já ia subindo, e ficou naquele encantamento por vê-La. Ela sorriu, desprendeu de Si o cinto e atirou para ele. Onde, uma vez mais, entram os tais desígnios da Providência. O único Apóstolo que não esteve presente foi ele; entretanto, pelo que conste, o único a receber uma lembrança d’Ela, quando já Se destacava da vida terrena e ia subindo ao Céu, foi ele. Tem-se vontade de dizer: “Bem-aventurado Tomé!”

Distensão das grandes resoluções tomadas

Mas voltando ao quadro, o olhar do Bem-aventurado Ezequiel Moreno está fitando alto no horizonte. Esta atitude do olhar, uma pessoa romântica não tem. Porque ele está olhando para um ponto fixo, e o romântico não gosta de olhar nada de fixo, é um olhar “melado” que não se crava em nada porque fita sonhos interiores.

O rosto dele está inteiramente distendido, não se nota nele a menor contração. Entretanto, não é a distensão comum do homem que dorme, mas é aquela forma de distensão que os irresolutos não têm. Estes possuem a distensão da moleza, parecem carnudos ainda que sejam magros. Aqui ele tem a distensão das grandes resoluções tomadas, do homem que resolveu tudo, entrou rijo no caminho por onde tinha que entrar e disse: “Vi, decidi e entrei! Haja o que houver, venha o que vier e custe o que custar, eu resolvi, aquilo eu faço!”

Alguém poderia me perguntar: “Como o senhor nota isso?”

Como notaria numa fisionomia viva. Quando o homem tomou uma grande resolução, algo fica marcado no rosto, onde a musculatura é definida e rija, mas ao mesmo tempo distendida, porque as dúvidas ficaram para trás e todos os sacrifícios que esse caminho traga consigo, vê-se que de algum modo ele os mediu, aceitou e pede a Nossa Senhora que o ajude a não recuar.

Resolução absoluta do Redentor e de sua Mãe Santíssima durante a Paixão

Creio que o modelo transcendental e infinito dessa resolução deveria estampar-se na face de Nosso Senhor depois que o Anjo O consolou, considerando etimologicamente o termo, ou seja, deu-Lhe força. No Horto das Oliveiras Ele pediu: “Meu Pai, se for possível afaste-se de Mim este cálice, mas faça-se a tua vontade e não a minha” (Mt 26, 39). Veio o Anjo e O fortaleceu (cf. Lc 22, 43). Ele que nunca estivera irresoluto, entretanto estava com toda a natureza humana d’Ele posta diante da previsão terrível da Paixão, mas com a determinação: “Deus Me ajuda, Eu aguento, agora vou.”

Podemos notar essa resolução de um modo divino no Santo Sudário. Uma das notas que a Sagrada Face dá é precisamente de uma resolução absoluta: ela está machucada, cuspida, nota-se que o nariz sofreu uma pancada. Nosso Senhor morreu no auge de todas as dores, mas Ele deliberou resgatar o gênero humano e resgatou.

Algo disso se deveria notar também em Nossa Senhora, no momento e depois do consummatum est: “Eu resolvi, Ele é meu Filho, Eu O ofereci ao Padre Eterno para isto. Aconteceu que meu oferecimento foi aceito e Ele morreu. Era o que Eu queria. Vamos para a frente!” É indizível isso, mas é assim. Esta é uma das razões pelas quais, sem ter nem de longe o atrevimento de negar o valor artístico da Pietà de Michelangelo, nego o valor religioso. A Pietà é um conjunto lindo; entretanto, o jeito de Nossa Senhora olhar para Ele não é aquela compaixão de quem contempla o fruto doloroso de sua própria resolução. Há qualquer coisa de mole, que não corresponde a quem acaba de beber a derradeira gota de fel e ver a última consequência da resolução tomada: “É terrível, é trágico, porém é o que Eu queria!” Compaixão é ter dor, sem dúvida, mas é participar da intenção sacrifical d’Ele.

Diversidades de brilho da graça nas almas dos Santos

Na fisionomia do Beato Ezequiel Moreno y Díaz notamos algo que eu poderia dizer que está à altura de alguém que adorou e se embebeu profundamente do consummatum est. Vê-se que ele está para além dos sacrifícios, das resoluções e das dúvidas. A atitude dele é de como quem diz: “Já sofri muito e talvez tenha muito por padecer, mas resolvi sofrer isso para atender à vontade de Deus. Nossa Senhora obteve d’Ele esta força, e eu sigo até o fim.”

Percebe-se isso na postura do corpo. A cabeça não está nem um pouco numa atitude de galo de briga; é uma posição normal, mas alta, não tem nada de cabeça “heresia branca”2, de nenhum modo. O corpo não está arqueado nem é preguiçoso, mas tem qualquer coisa de quem diz: “Não estou sequer fazendo força, porque todas as forças foram feitas. Está tudo consumado, chegarei até o fim.”

Ele poderia se chamar “o Bem-aventurado da grande resolução”.

É bonito compararmos um Santo com outro, não para saber qual é o maior, mas para ver as diversidades de brilho da graça conforme a alma. Considerem este Santo em face de seus adversários. A atitude dele é: “Eu vos combato, mas estou muito além de vós! Meus olhos pousam em outros horizontes e minha alma ama outras grandezas.”

Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, o Bispo de Olinda e Recife, é diferente. Ele olha para o adversário como quem diz: “Atrevido, que ousaste levantar-te contra o Senhor Deus dos Exércitos e contra a Imaculada Conceição de Maria. Eu te enfrento! Estou te combatendo e tenho o gáudio de estar te derrotando.”

O Beato Ezequiel polemiza, mas paira acima das polêmicas. Dom Vital não. Ele entra na polêmica como um tufão que leva tudo consigo. É outro modo de ser.

A Igreja se exprime assim, e ainda de muitos outros modos. Por exemplo, a face triste, inabalável, resoluta e angelical de São Pio X; a fisionomia batalhadora, desconfiada, férrea e dulcíssima de Santa Bernadete Soubirous. E assim poderíamos ir comparando as mil maneiras de brilhar a fortaleza católica. A do Bem-aventurado Ezequiel Moreno y Díaz é uma maneira altamente enlevante.    v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/11/1980)
Revista Dr Plinio 257 (Agosto de 2019)

1) Canonizado em 11/10/1992.

2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na arte e na cultura em geral. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

Brado de guerra

São Tiago foi o Santo que exerceu grande atração na Idade Média, e o seu nome foi usado como brado de guerra pelos heróis da Reconquista espanhola.

Para uma alma combativa, nada mais bonito do que imaginar que, quando ela já não fizer parte do número dos vivos, sua memória ficará, não como um sinal de conciliação, mas como um brado  de guerra! E que os bravos, no momento de arriscarem tudo, até a própria vida, pela causa católica, terão nos lábios esse nome como um símbolo de luta e de vitória, a ponto de ser este o último  nome que muitos deles pronunciarão, cheios de entusiasmo, antes de se apresentarem à glória de Deus e ao sorriso de Maria.

Para muitos, este nome foi o de “Santiago!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/7/1967)

Santo Inácio de Loyola

O grande Santo Inácio, fundador da Companhia de Jesus, à qual se deve a primeira e talvez a mais gloriosa e mais eficaz das Contra-Revoluções, que é a Contra-Reforma, tornou-se famoso pelo seu espírito pugnaz, pela sua penetração política, sua psicologia finíssima e pela capacidade que possuía de pregar extraordinários exercícios espirituais.

Homem capaz de guardar segredo, de fazer no silêncio uma longa, complexa e subtil trama política, dotado de um espírito de autoridade invulgar, Santo Inácio exercia sobre os seus religiosos um mando total, que fez da Companhia de Jesus o próprio símbolo da obediência.

Entretanto, esse mando que Santo Inácio exercia sobre os outros, ele começou por praticar sobre si mesmo: é um homem que tem o completo domínio sobre si.

Ao contemplar sua fisionomia, tem-se a impressão de que se estourasse uma bomba nas proximidades, ele não se assustaria.

Se tivesse que pegar uma espada para combater, ele não mostraria sanha, mas deveria ser um combatente excelente. Entretanto, ele possuía não o hábito de esgrimir com a espada, mas sim com argumentos. E, por nobre que seja esgrimir com espadas, é mais nobre ainda esgrimir com argumentos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/1/1986)

A confiança produz grandes acontecimentos

São Joaquim, esposo de Sant’Ana, provavelmente seria desprezado por não ter filhos, devido à esterilidade de sua esposa. Naquele tempo, isso constituía uma tristeza, pois o casal estéril estava privado de ser da ascendência do Messias.

Por meio deste sofrimento aceito com confiança, Deus preparava a vinda do Salvador, do qual São Joaquim foi o avô.

É assim que Deus prepara os grandes acontecimentos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/8/1968)

Pedido a Maria assunta aos Céus

Na vossa Assunção, ó Maria, vossa Pureza, vossa Fé e vossa Fortaleza encontraram, por fim, o prêmio merecido.

Fazei-me puro, cheio de fé e forte para lutar convosco na Terra e vencer a Revolução, de modo a contemplar-Vos eternamente no Céu.

Do alto da glória de onde reinais, sede para mim a Mãe de Misericórdia, apoiando-me em todas as minhas defecções, reerguendo-me em todas as quedas, perdoando-me em todas as faltas e amando-me em todos os instantes, de maneira que em tudo Vos ame, ó Rainha santa, que deveis ser o enlevo de toda a minha vida.

Plinio Corrêa de Oliveira

Admiração: suprema alegria!

Deus colocou uma nota de admirável em tudo quanto fez, porque quis incutir nos homens a convicção de que seu espírito deve estar voltado para o mais alto, através da admiração. Essa admiração supõe dois graus: um é por aquilo que a pessoa tem diante de si; outro é o de reportar tudo a Deus Nosso Senhor.

 

Ouvimos a descrição da investidura de um cavaleiro, tão bem apresentada por Léon Gautier(1). Não é verdade que achamos muito agradável presenciar toda essa cena? Por quê?

Uma alegria que somente as almas admirativas possuem

Sem dúvida, devido à beleza da cena, mas também porque essa pulcritude nos trouxe uma determinada forma de alegria que o mundo hoje em dia não conhece mais. É um modo de alegria ligado à admiração. Nós admiramos tudo isso, mas num enfoque, numa luz tal que nos produziu a alegria. E enquanto o mundo atual só concebe a alegria no deboche, na desordem, no extravagante, no grotesco, no ridículo, no dissipado, nós tivemos exatamente um júbilo que pudemos tocar com as mãos, sentimos em nossa própria alma, e que foi decorrente da contemplação de um ambiente e de uma cerimônia, e de pessoas vivendo nesse ambiente todas elas cheias do sentimento de admiração e de respeito pelo que faziam. Pareceu-nos agradável ser esse cavaleiro, e por certo houve aqui pessoas diante de cujo espírito passou a ideia: “Como eu gostaria de ser armado cavaleiro!”

Ser armado cavaleiro é algo que o mundo de hoje detestaria, porque leva a se preparar para o contrário da vida securitária oferecida aos homens pela sociedade atual. Não é inscrever-se num instituto de aposentadoria e pensões, nem conseguir um direito à promoção para poder comprar um automóvel melhor. Pelo contrário, é expor-se ao risco sem ganhar dinheiro, pelo mero amor ao heroísmo, à virtude, à Igreja Católica; expor-se a morrer transpassado por uma lança num deserto, ou naufragado num barco que conduz cavaleiros para a Terra Santa e que, numa procela do Mediterrâneo – diminuta para os transatlânticos de hoje, mas considerável para os pequenos barcos daquele tempo –, afunda repleto de cavaleiros; ou morrer numa luta contra albigenses ou mouros no próprio território europeu.

A perspectiva do risco trazia para os homens daquela época a admiração ao heroísmo, com a ideia de um grande destino. A esperança de vencer ou morrer na realização dessa obra magnífica e, por esta forma, dar à sua vida um grande sentido, a admiração pelo que significa viver para consumar esse holocausto é a causa dessa alegria. Daí a cena tão alegre do jovem que inicia a vida de sacrifício e vai para ela jubiloso, satisfeito por causa do grande holocausto de sua vida. Ele conhece o sentido de sua existência, ama, admira o sacrifício e tem aquela forma de alegria especial que só as almas que admiram possuem.

 Tudo quanto é admirável incute nos homens a convicção pelo que há de mais elevado

Deus colocou pelo menos uma nota de admirável em tudo quanto fez, e sem nenhuma exceção. Essa nota de admirável, ora se mostra evidente de maneira a encantar os homens, ora aparece no fundo de uma longa e árida pesquisa científica. Em certo momento o homem encontra o admirável. Se o Criador pôs o admirável em tudo é porque Ele quis incutir nos homens, de todos os modos e de todas as formas, essa convicção de que seu espírito deve estar voltado para o mais alto, para algo que lhe causa admiração e que a luz de sua vida é a admiração das coisas verdadeiramente admiráveis.

Tudo quanto Deus fez é admirável e Ele quer que vivamos numa contínua admiração das criaturas, para admirarmos a Ele que se reflete nelas. Por essa admiração feita de veneração, de adoração, deseja que nós O sirvamos heroicamente a nossa vida inteira.

Então, essa admiração supõe dois graus: um é a admiração próxima por aquilo que a pessoa tem diante de si; outro grau é reportar a Deus Nosso Senhor, de maneira a estar no termo final da admiração. O Criador, que é o Autor disso que estou admirando, tem essa maravilha de um modo infinito. E quando algum dia, pela misericórdia d’Ele e pelo mérito do preciosíssimo Sangue que Nosso Senhor derramou por mim, pelas lágrimas e pelos rogos da Mãe d’Ele, eu chegar ao Céu e admirá-Lo face a face, isso que estou vendo agora vou contemplar diretamente n’Ele por toda a eternidade.

Isso se verifica nas menores coisas. Por exemplo, sou muito sensível ao belo das pedras; é uma peculiaridade individual. Outro será mais sensível ao pulcro das aves, da música, etc. A mim me agrada, enquanto estou fazendo esta conferência, olhar para a superfície deste molhador de dedos que tenho diante de mim, adornado com uma pedra verde. Sei muito bem não se tratar de uma esmeralda maravilhosa, e não seria posta na coroa do Xá da Pérsia, nem de longe. Entretanto, é um verde que me agrada olhar. Mas não fico no agrado puramente sensitivo de um bicho que olha para uma coisa verde, e abana bobamente a cabeça sem saber por que, pois Deus fez-me homem e, muito mais do que isso, fez-me católico, apostólico, romano; batizado na minha infância, nasci na Igreja pela misericórdia d’Ele.

Devo, então, perguntar por que esse verde me agrada, pois não existe apenas um motivo sensitivo, mas uma razão de caráter mental, uma afinidade de temperamento e de modo de ser, por onde o fato de eu gostar dessa cor exprime algo de minha pessoa. Mas há uma consideração infinitamente superior: se algo de minha pessoa se exprime porque eu olho para esta pedra e gosto, algo da Pessoa que a criou se exprime pelo mesmo princípio. Logo, Deus considerou isto belo e digno de exprimi-Lo, e pôs este objeto diante de mim para, desde que eu reflita um pouco a respeito d’Ele, dizer-me esta verdade fundamental:

“Meu filho, você que vê e gosta disto por haver nisso uma afinidade com sua personalidade, saiba que minha perfeição infinita tem também uma expressão aqui, e que você e Eu nos encontramos na consideração dessa pedra. É misterioso, mas é verdade. Vendo-a e gostando dela, você de fato nota algo que é um lampejo de Mim. Contemple-a, um dia você Me verá face a face.”

Se sou capaz dessa reflexão, eu digo: “Que mistério! Quando, meu Deus, chegará esse dia em que, afinal, poderei ver-Vos face a face e descobrir o mistério que pusestes por detrás dessa pedra?”

Assim, essa pedra não é um objeto para o qual olhei de qualquer jeito, calculei o preço, verifiquei se é adequada para conter esponja com água, e avaliei apenas mercantilmente. Ela deve ser até considerada mercantilmente, porque tem o seu preço, mas não é essa a razão mais alta para eu avaliar a pedra. Nela encontrei uma espécie de ângulo de incidência por onde o Criador e eu nos encontramos. Eu admirei e, ao admirar, fiz uma reflexão que me elevou até Deus.

Meditar a partir de um ato de admiração

Isso que se dá com uma pedra, passa-se evidentemente ainda mais em relação a um animal. Por exemplo, um leão rugindo, magnífico, com aquela força, aquela juba, aquele domínio, aquela capacidade de ataque, se quisermos olhá-lo do ponto de vista sobrenatural, presta-se a considerações verdadeiramente de primeira ordem. Estou olhando o leão, vejo aquele furor magnífico e pergunto: “Mas, afinal de contas, contra quem esse furor? Contra mim? O leão ainda nem me viu, está lá longe furioso com o quê?”

Se me reporto à cólera divina contra o pecado, vejo como é lindo o furor da majestade, do direito, da força contra aquilo que é errado, torto, sujo, revoltado, arrogante. Um rugido do leão não tem alguma coisa da beleza do rugido da cólera de Deus por todos os espaços celestes? E quando eu vejo tanto pecado, tanta impiedade, tanta tibieza pútrida e asquerosa que se espalha em torno de mim, desejo uma retificação disso e uma punição, e me lembro do furor do leão, compreendo por que a Escritura chama Nosso Senhor Jesus Cristo de “Leão de Judá” (cf. Ap 5, 5). O Redentor, embora morto, derrotado, quando ressuscitou implantou a derrota de tudo aquilo que se pôs contra Ele. Foi o vencedor e sobre todo o mundo suas catedrais magníficas levantaram as suas torres. É verdadeiramente o rugido do Leão de Judá.

Compreendo que Deus, ao criar os leões, quis, sobretudo, que nós, católicos, à vista do leão fizéssemos uma meditação sobre a magnificência da cólera d’Ele. E nunca, ainda que víssemos todos os leões do passado, do presente e do futuro, veríamos algo de tão magnífico, tão divinamente leonino como no momento em que Deus, no Juízo Final, se voltar para os réprobos e mandar todos para o Inferno. São palavras de rugidos que aos réprobos deixarão horrorizados e enfurecidos.

Creio que eu desmaiaria de encanto vendo o furor do Leão de Judá. “Afinal Vos vingais, afinal afirmais a vossa glória! Ah, como Vos aplaudo, ó Deus, terrível perseguidor dos vossos adversários! Adoro o vosso direito, a vossa cólera e a vossa força!”

Não é bom, pensando num leão, elevar assim meu espírito? Não se faz, deste modo, uma boa meditação? É um ato de admiração por onde admirei o leão em tudo quanto Deus de Si quis simbolizar nele. Mas depois admirei no leão fatos da História no passado ou preditos para o futuro sobre as relações de Deus com os homens, para compreender toda a História da humanidade e, atrás dela, Deus Nosso Senhor. Assim fiz uma meditação a partir de um ato de admiração.

A admiração deve estar presente em todas as atitudes da alma

Eu poderia fazer o mesmo ato de admiração, por exemplo, em relação a uma pomba para ser comida. Com que suavidade e inocência ela está nas mãos daquele que a mata! Como ela é linda, pura no momento em que vai ser morta!

Lembro-me de um padre jesuíta que, durante uma aula, pôs o seguinte problema: Todo ser se alegra quando realiza o seu fim. Ora, ao criar a galinha, Deus tinha como uma de suas finalidades que ela servisse de alimento para o homem. Portanto, transpondo o exemplo para a pomba, se esta pudesse entender que vai ser morta em holocausto a um homem, ela se alegraria por cumprir com sua finalidade. Então, devemos imaginar a frustração da pomba velha que morre sem ter sido devorada, porque ela não realizou a sua finalidade natural; ou, pelo contrário, o instinto de conservação, que faz o ser sentir pavor de sua própria destruição, a levaria a não querer ser destruída?

Disse o sacerdote que tanto uma hipótese quanto outra é admissível, pois ambas partem de um pressuposto absurdo, isto é, um ente irracional pensar. Com efeito, de si, repugna à inteligência a ideia de um ser racional feito para o holocausto a outro ser criado.

A meu ver, o padre respondeu muito bem. Mas eu gostava de pensar como resolveria a coisa se fosse o animal imolado. Alegando a favor da alegria de se deixar imolar, o sacerdote imaginava o animal olhando para um homem e pensando: “Como esse homem é superior a mim, e me alegro em saber que daqui a pouco a minha carne vai ser carne dele! Que honra e promoção para mim ser devorado por ele! Ó momento como que de êxtase a hora em que eu sentir minha vida se exalar, mas sabendo que, de algum modo, vou ser humanizado e promovido”.

O raciocínio do padre me parecia evidentemente claudicante, e ele o apresentava como tal, pois era um bom professor e sabia bem o que dizia. Mas tinha um lado bonito que apresento aqui para compreendermos a beleza da pomba que se imola, representando algo de infinitamente mais alto do que isso: Nosso Senhor Jesus Cristo, Vítima que Se deixou imolar por nós, o Cordeiro de Deus que lavou os pecados do mundo inteiro com o seu preciosíssimo Sangue. Como é bonito, estando junto a um tabernáculo e vendo pintado um cordeiro imolado, pensarmos que ali está o Cordeiro de Deus realmente presente! Que coisa magnífica é admirar o cordeiro para adorar o Cordeiro de Deus, Nosso Senhor!

Por aí percebemos como em absolutamente tudo deve estar presente a admiração, em todas as atitudes da alma humana e de um modo preponderante. Essa admiração assim presente, nós a devemos considerar não apenas para com seres inferiores a nós – portanto, um animal, uma planta, uma pedra –, mas, sobretudo em relação aos seres iguais e superiores a nós.    v

(Continua no próximo número)

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/2/1977)

Revista Dr Plinio 256 (Julho de 2019)

 

1) Cf. Revista Dr. Plinio n. 255, p. 31.

 

São Charbel Makhlouf Modelo de contemplação e obediência

As poéticas e lendárias montanhas do Líbano foram testemunhas e guardiãs de uma maravilhosa história de santidade: entre elas viveu e sublimou sua alma nas vias da perfeição o monge maronita Charbel Makhlouf. Um dos mais esplendorosos modelos de espírito contemplativo, conforme salienta Dr. Plinio ao analisar a extraordinária fisionomia deste santo.

 

Para bem compreendermos a figura de São Charbel Makhlouf devemos nos situar no panorama e no povo em que ele viveu.

Cenário majestoso e poético

Era árabe e habitava no Líbano, naquelas regiões repletas de poesia e tantas vezes descritas pela Escritura: altas montanhas junto ao Mediterrâneo, que deixam apenas uma língua de terra entre elas e o mar. Montanhas revestidas por algo de sagrado, pois lembram particularmente a Deus Nosso Senhor, talvez pela proximidade da Terra Santa e pela sua majestade. Evocam também Nossa Senhora, comparada a um monte colocado acima de todos os outros.

Essas regiões eram recobertas por uma vegetação maravilhosa — hoje muito dizimada —, constituída sobretudo pelos cedros do Líbano, possantes e bonitos, os quais na linguagem da Bíblia representam a árvore por excelência.

Tipicamente contemplativo

A alma do árabe pode ser considerada sob três aspectos. O contemplativo, que vive no alto de um monte, recolhido, isolado, imaginoso, sedento do maravilhoso: olha para as estrelas e para os cedros, e parece ver estes tocarem naquelas; sente a brisa e a compara com o espírito.

Há ainda o árabe prático, ativo, realizador, e também o guerreiro, cujas proezas o tornaram famoso na História.

São Charbel Makhlouf era tipicamente um árabe contemplativo, que traz no fundo do olhar todo o mistério das noites do Oriente, assim como os de suas próprias meditações, de sua própria alma. Um homem que passou a vida inteira num cenóbio, imerso no mais completo silêncio, em contínua contemplação e numa inteira obediência, procurando única e exclusivamente conhecer e amar a Deus, e fazer a vontade d’Ele custasse o que custasse. Nesse intuito, enfrentou dificuldades e catástrofes, com o espírito sobrenatural e a obstinação dos santos.

Total desapego

Adquiriu alto grau de interioridade, um total desapego de si mesmo, mantendo-se invariável quando era humilhado e desprezado dentro de sua comunidade religiosa. Por exemplo, ele praticava a obediência ao pé da letra, conforme prescreve a regra monástica. Porém, em certas situações, é intuitivo que o religioso deve tomar uma atitude não prevista na regra. Posto diante de circunstâncias assim, São Charbel se dirigia ao superior, e este lhe dizia:

— Não lhe darei resposta, porque é impossível que o senhor seja tão burro a ponto de não compreender o que deve fazer nessa emergência!

Não se pode menosprezar mais alguém do que tratá-lo dessa maneira. Mormente se o outro nos vem consultar, manifestando toda a sua dependência e vassalagem. Ora, qual era a reação de São Charbel Makhlouf?

Permanecia parado diante do padre superior, até que este o dispensasse. Nosso santo fazia uma vênia e se retirava. Sem externar a menor queixa, nem lamentação nem gemido. Aquela inclinação de cabeça significava dizer interiormente: “faça-se em mim a vontade de Deus, expressa na vontade de meu superior”.

Sem mistérios para si mesmo

Feita essa introdução do personagem, analisemos uma difundida fotografia de São Charbel Makhlouf. Exceptuado a Sagrada Face do Santo Sudário de Turim, e algumas imagens de Nossa Senhora, não conheço fisionomia que a mim fale tanto quanto essa. Ela é útil para adequarmos nosso modo de ver. Pois, assim como duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si, assim duas pessoas que admiram a mesma fisionomia têm homogeneidade entre si.

À primeira vista chama a atenção a predominância da cor preta na fotografia: o gorro e o traje de São Charbel são negros, contrastando com a barba muito alva que se divide ao meio. Trata-se de uma pessoa inteiramente categórica: o que pensa, pensa; o que quer, quer, e o que faz, faz. Exímio observante da obediência, mas um homem de vontade férrea. Há uma extraordinária regularidade dos traços: o oval proporcionado da face, o bonito desenho das sobrancelhas, e as maçãs do rosto formando um todo muito harmonioso, como se fossem a expressão de sua coerência. O nariz, tipicamente árabe, possui algo de aquilino, da grandeza e da firmeza da águia. Dir-se-ia que esse homem, se tivesse asas, voaria como essa ave e alcançaria o mais alto do céu.

O que mais impressiona, porém, são os olhos. Fixos num ponto indefinido, são olhos de pensador, do homem de meditação que não se preocupa com banalidades, mas considera todas as coisas sabendo que, detrás e acima delas, está a grandeza de Deus. Seu olhar acha-se voltado, ao mesmo tempo, para o infinito e para si mesmo. Sua alma não lhe reserva mistérios, pois é objeto de um contínuo exame de consciência. Ele conhece o que se passa no seu interior e a qualquer momento pode dizer se cresceu, se diminuiu no amor de Deus. Enfim, é um espelho para si mesmo.

Diante dele, respeito e silêncio

Nota-se nele uma indiferença em relação a tudo que não se refere a Deus; não lhe afligem ambições de honras, nem preocupações com dinheiro; nada de vaidade, sentimentalismo, pena de si. Somente uma firme constância em atingir o ideal — Deus — e uma limpeza de alma por onde, confiando na misericórdia divina, ele sabe que O agrada.

 Se alguém pretender oferecer-lhe qualquer coisa que o desvie de sua trajetória espiritual, a recusa será tão completa que não se terá coragem de fazê-lo. Ele desarma previamente qualquer proposta desonesta. Diante desse homem, a única atitude razoável é o silêncio, o respeito e, por fim, o pedido de orações.

Sofrimento padecido com temperança

A fotografia revela também a alma de um sofredor. Percebe-se montanhas de sofrimento cristalizadas em seu interior. Porém, padeceu com tanta temperança, que todas as tempestades sopraram dentro dele e o deixaram mais rígido, mais firme. De maneira que se trata de um ancião, é verdade, mas inteiramente composto, e não decrépito. Homem profundamente equilibrado, que aceitou o sofrimento por completo e ficou além da dor; nada mais o assusta. Na Terra, não tem outro medo senão o de pecar; outra esperança, senão a do Céu.

Imaginemos que, no canto de um claustro, encontremos de repente um homem desses. Seríamos colhidos por uma sensação de sumo respeito, e não ousaríamos dizer-lhe nada de trivial. Provavelmente, permaneceríamos silenciosos.

Mansidão e bondade autênticas

Poder-se-ia, então, objetar que um homem com tanta força de espírito não teve bondade, mansidão, misericórdia e paciência.

Ora, sendo ele um santo canonizado pela Igreja, foi portanto muito compassivo, misericordioso, paciente e manso. A palavra de Nosso Senhor — “bem-aventurados os mansos porque possuirão a Terra” (Mt 5, 5) — realizou-se nele por inteiro, uma vez que era um bem-aventurado.

Cumpre, porém, esclarecer que os homens verdadeiramente mansos, pacientes, bondosos e misericordiosos não são os que têm fisionomia perpetuamente risonha e que condescendem com os maus. As virtudes sempre são homogêneas e uma atrai outra. Assim, o homem severo é misericordioso; o de espírito lógico, tem pena do ilogismo do próximo; o desapegado sente compaixão pelos apegados; e o que possui vida interior tem misericórdia da dissipação dos outros.

São Charbel Makhlouf é o patrono não só das almas parecidas com a dele (para que se tornem cada vez mais perfeitas), mas também daquelas que padecem dos defeitos opostos às suas qualidades, as dissipadas, as “microlíticas” ou “megalóticas”(1), aquelas voltadas para as ambições terrenas, agitadas, aflitas, inconstantes. Certo estou de que se uma pessoa nessas condições se aproximasse de São Charbel, apesar dos defeitos dela, seria recebida com uma doçura inimaginável.

Gorro singelo e imponente

Uma palavra sobre o gorro usado pelo santo. O desenho assemelha-se ao de uma pequena pirâmide. De uma só cor, forma singela, entretanto digno, imponente e até majestoso. É próprio da genialidade da Igreja inspirar a pobreza e nela inserir uma distinção que chega a torná-la grandiosa. Esse gorro, talvez imposto pelo clima e outras circunstâncias daquela região do Líbano, é simples como um chapéu de camponês; sobre a fronte venerável de Charbel Makhlouf torna-se harmonioso e digno, adequado a este santo admirável e meditativo, de cuja vida conhecemos algumas edificantes passagens(2).

Mártir da vida de obediência

Quando menino, levava uma vaca para pastar num campo pertencente à sua família. Ali havia uma espécie de gruta que servia de refúgio durante o calor. Quando ele notava que o animal tinha se saciado, dizia-lhe: “Repouse aqui; agora é minha vez e vou recitar minhas orações”. A rês então se deitava e ficava quieta até ele terminar de rezar. Esse prodígio repetiu-se tantas vezes que o lugar mudou de nome e passou a chamar-se “el-Qaddis”, ou seja, “o santo”.

Tornando-se moço, entrou na Ordem religiosa de eremitas maronitas e vestiu o hábito que, na linguagem florida do oriente, era conhecido como o “traje angélico”: túnica preta, com tecido abundante, e um cordão feito de pele de cabra. Foi-lhe dado o nome de Charbel, um mártir de Edessa do segundo século, comemorado no rito maronita em 5 de setembro.

Enquanto noviço, São Charbel destacou-se pelo cumprimento perfeito da regra, com muita humildade. Poder-se-ia pensar que essa observância representa uma falta de personalidade, de domínio de si, pois a pessoa faz aquilo que os outros mandam. Nada de mais equivocado, pois não há nenhum homem para quem não seja difícil fazer o que os outros ordenam. A vida de obediência, em si, é um verdadeiro martírio. Esse martírio São Charbel Makhlouf viveu, numa imolação para fazer tudo de acordo com o espírito do Fundador e não a seu talante, movido por inspiração mundana.

Vontade de ferro no cumprir os Mandamentos

Porém, quando se tratava dos Mandamentos, ele manifestava a sua vontade de ferro, até mesmo contrariando suas obrigações de obediência, como atesta o seguinte fato. Certa vez uma moça, impressionada com a seriedade e dignidade do noviço, quis submetê-lo a uma prova e por duas vezes atirou-lhe no rosto um casulo, querendo assim forçar Charbel a sair de sua imperturbabilidade e de seu silêncio. O noviço ficou tão indignado que, percebendo os subentendidos maliciosos desse gesto, naquela mesma noite, sem dizer nada a ninguém, saiu furtivamente do mosteiro e dirigiu-se para outro bem distante, o de São Maron de Annaya, a fim de ali continuar seu noviciado.

Importa salientar que essa atitude não era contrária à regra, pois ele tinha direito de mudar de convento para outro, sem consultar os superiores. E segundo a biografia, ele andou durante 4 horas, à noite, até chegar ao Convento de São Maron de Annaya, onde passaria o resto dos seus dias. Refulge, em tal episódio, a intransigência de um santo quando se trata de guardar a virtude e, nesse intuito, não poupar nenhum sacrifício.

Estabilidade na santidade

Em 1853, Frei Charbel Makhlouf foi admitido a receber o hábito monástico e pronunciar os votos solenes que tornavam irrevogável seu propósito de entrega total a Deus e de perfeição no exercício das virtudes. Recitou a fórmula dos votos de obediência, castidade e pobreza segundo a regra da Ordem, bem como o de renunciar à procura de qualquer dignidade ou proeminência, tanto na Ordem quanto fora dela.

Recebeu a ordenação sacerdotal em 1859 e, segundo seu biógrafo, um exame atento de todos os testemunhos recolhidos para a causa de beatificação de Charbel dão a exata impressão de que, do primeiro ao último dia de sua existência religiosa, ele permaneceu firme num modo de vida sempre igual, seguro, homogêneo, uniforme. E embora ele tenha passado um período eremítico fora das paredes do convento, a mudança das condições exteriores em nada influenciou o seu progresso interior. Quer dizer, desde o princípio ele demonstrou ser um grande santo, e se manteve nesse planalto até o fim de seus dias. Aliás, essa estabilidade na santidade é inteiramente concorde com a fisionomia que acabamos de analisar.

Fé profunda

Atestam seus contemporâneos que, em tudo quanto fazia, sentia-se sua fé profunda. Por exemplo, rezando a Missa, no momento da Consagração, às vezes lágrimas lhe saltavam dos olhos. O Pe. Francesco as-Sibrini, que conheceu São Charbel treze anos antes de sua morte, dizia: “Ele não permitia que o material usado antes da celebração da Missa, como o sabão e a tolha de mão, fosse utilizado para outra finalidade. Terminada a Eucaristia, logo depois da ação de graças, mandava lavar a toalhinha, para sempre ter as mãos modelarmente limpas ao celebrar o santo sacrifício.”

Se ele assim cuidava para retirar a poeira das mãos, quanto mais fazia para extirpar a da alma!

Outros religiosos diziam: “Assistíamos freqüentemente a Missa celebrada por ele e parecia-nos que via com seus olhos o Filho de Deus. Sua voz era baixa e seu rosto refletia a alegria interior”. Quer dizer, tinha-se a impressão de que São Charbel conversava com Nosso Senhor durante a celebração eucarística.

Um irmão leigo disse que ele parecia não saber fazer outra coisa senão rezar, celebrar a Missa e observar a regra. E outro afirmou: “Charbel se distinguia de todos os outros monges, como um grande carvalho se diferencia de uma ervinha do campo”.

Uma lâmpada acesa com água…

Por fim, vale recordar o famoso milagre da lamparina. Certa ocasião, Charbel voltou de seu trabalho no campo, na hora do jantar. E, na presença dos outros monges, pediu ao irmão despenseiro — que guarda os mantimentos do mosteiro e os distribui aos frades — colocasse um pouco de óleo em sua lamparina, para que ele pudesse rezar o Ofício na cela. O irmão o reprovou:

— Por que não viestes antes, durante o dia?

— Eu estava no campo — respondeu Charbel, confuso.

— Por penitência, não tereis óleo esta noite. Ide embora.

Charbel inclinou a cabeça, obedeceu e retirou-se. Perto do refeitório havia uma jarra cheia de água sobre um banco, e ao passar por ela Charbel tomou um pouco daquele conteúdo para sua lamparina e seguiu em direção à cela.Com a máxima simplicidade, acendeu o pavio e rezou o Ofício com a luz bruxuleante, durante duas horas.

Quando soou o sino indicando o início do silêncio, todos os monges apagaram suas luzes, permanecendo acesa apenas a do quarto de Charbel. Compreende-se, pois ele era obrigado a recitar diariamente o Breviário. Aconteceu, porém, que o Superior do convento reparou naquela luz que continuava a rebrilhar, e perguntou a um servente que se achava junto dele naquele momento:

— Quem está com a luz acesa?

— Não sei.

Preocupado com aquela infração da regra, o superior dirigiu-se rapidamente na direção daquela luz solitária e deu-se conta de que provinha da cela do Padre Charbel Makhlouf. Abriu com energia a porta, e perguntou:

— O senhor não ouviu o sino? Por que não apagou a luz? Não fez por acaso voto de pobreza?

Charbel se pôs de joelhos e, inclinando a cabeça até o solo, pediu humildemente perdão:

— Voltei do campo e sou obrigado ainda a rezar o Ofício. Estou agora cumprindo esse dever.

O servente que acompanhava o superior confirmou a explicação de Charbel, acrescentando:

— É estranho. Onde pôde ele encontrar o óleo, se o despenseiro lho recusou?

O superior então perguntou a Charbel:

— De onde o senhor tirou esse óleo?

O Padre Charbel hesitou em responder, ajoelhou-se novamente e disse:

— Perdoe-me, pelo amor de Nosso Senhor.

Quer dizer, como se tivesse sido culpado, quis ocultar o milagre. Porém, face à insistência do superior, confessou:

— Coloquei um pouco de água em minha lamparina, para concluir a recitação do Ofício.

O superior estava disposto a crer apenas se visse com os próprios olhos. Tomou a lamparina, a qual logo se apagou em suas mãos. Então entornou o líquido no chão e, à luz de uma vela, verificou do que se tratava; era mesmo água! O superior enrubesceu e, ao se retirar, murmurou ao Padre Charbel:

— Reze por mim…

O fato é tão extraordinário que dispensa comentários.

“Como se houvesse morrido há pouco”

Ele morreu na vigília do Natal de 1898. No dia 15 de abril de 1899 começou a singular aventura do corpo do santo. Com a presença do superior do convento, dos monges e de um grupo de leigos dos quais dez haviam assistido 4 meses antes ao sepultamento, o túmulo foi reaberto.

Devido a infiltrações de água, o local tornara-se um pântano no qual parecia boiar o corpo de Charbel. Este, embora coberto ligeiramente por uma espécie de musgo, estava completamente intacto. Tenro, todas as juntas flexíveis, os cabelos e a barba como ele os tinha em vida, com um ou outro fio prateado. Nos flancos do cadáver eram visíveis ainda os traços do cilício que ele usara a vida inteira. O corpo transudava continuamente, sem explicação, um líquido sanguinolento.

O corpo de Charbel foi depositado numa urna e a cada duas semanas os monges precisavam mudar seu hábito. Médicos do país e especialistas da Europa foram interpelados, em várias ocasiões, a respeito dessa transudação sanguínea, mas ninguém logrou dar uma explicação do fenômeno, tanto mais estranho quanto mais constante. Como é natural, esse líquido foi usado para curas e operar milagres. Era uma relíquia do santo.

Em 15 de outubro de 1926, o cadáver foi sujeito a novo e apurado exame. A pele, em várias partes, ainda estava fresca e as articulações flexíveis. Tinha-se a impressão de que Charbel havia morrido há pouco. Eram ainda visíveis os traços do cilício e, nos joelhos, os calos devidos às suas intermináveis orações. E continuava a misteriosa transudação do líquido.

Temos assim, um modelo magnífico de varão que abraçou as vias da santidade desde os primórdios de sua existência e a levou até o fim de seus dias. E depois de sua morte, essa trajetória de perfeição é coroada por estupendos milagres.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em  24/1/1972 e 1/2/1972)

 

1) Microlítico e megalótico: Termos criados por Dr. Plinio para caracterizar, o primeiro, as almas dominadas pelo vício da “microlice”, ou seja, as que se preocupam apenas com coisas pequenas (micros), tornando-se mesquinhas e de estreitos horizontes. O segundo se refere às pessoas eivadas pelo vício da “megalice”, isto é, julgam erroneamente possuir grandes (“megas”) qualidades ou exageram as que têm.

2) Dr. Plinio comenta alguns trechos do texto biográfico “O perfume do Líbano”, de Salvatore Garofalo, Editora Àncora, Milão.

 

 

Combatividade, sagacidade e obediência

Em Santo Inácio de Loyola brilha de modo muito particular um santo radicalismo. Ele nunca tomou uma atitude que, em seu gênero, não fosse radical. Todas as suas tomadas de posição visam um fim último. E essa é, a meu ver, a nota mais bela da vida de Santo Inácio.

Uma das maiores belezas da alma dele é o seu desejo de ir até o extremo em todas as virtudes, das quais, três me encantam particularmente: a combatividade, a sagacidade e a obediência. Nestas, Santo Inácio chegou a extremos realmente admiráveis!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 31/7/1964 e 21/3/1974)

Suave e gloriosa Assunção

É difícil conceber como terá sido o luto da natureza por ocasião da morte e do sepultamento de Nossa Senhora. Menos dificultoso, porém, é imaginar a glória sumamente delicada, suave, virginal e maternal  de Maria no momento em  que Ela ressurge, abandona o sepulcro e sobe aos Céus!

Ao passo que Nosso Senhor Jesus Cristo, na sua Ascensão, manifestou grandeza e bondade, a Santíssima Virgem externa mais bondade do que grandeza. Seus lábios dirigem um sorriso materno aos que A olham fixamente nessa hora de incomparável esplendor, conhecendo-A e compreendendo-A melhor. Sentem-se todos cada vez mais atraídos por Ela, à medida que vai se elevando ao Céu, até desaparecer.

Uma claridade especial se espalha, nesse momento, sobre tudo e sobre todos, como uma promessa d’Aquela que já não vêem: “Eu, na realidade, fiquei convosco. Rezai, porque estarei sempre presente, e sempre unida a vós”.

Lentamente essa luminosidade se extingue, deixando lembranças que duram por toda a eternidade.

Plinio Corrêa de Oliveira

Pedido a Maria assunta aos Céus

Na vossa Assunção, ó Maria, vossa Pureza, vossa Fé e vossa Fortaleza encontraram, por fim, o prêmio merecido.

Fazei-me puro, cheio de fé e forte para lutar convosco na Terra e vencer a Revolução, de modo a contemplar-Vos eternamente no Céu.

Do alto da glória de onde reinais, sede para mim a Mãe de Misericórdia, apoiando-me em todas as minhas defecções, reerguendo-me em todas as quedas, perdoando-me em todas as faltas e amando-me em todos os instantes, de maneira que em tudo Vos ame, ó Rainha santa, que deveis ser o enlevo de toda a minha vida.

Plinio Corrêa de Oliveira