Santa Helena, Imperatriz Alma elevada e de horizonte largo

Para Dr. Plinio, não se pode deixar de reconhecer “com muita alegria” o trabalho realizado pela Imperatriz Santa Helena, cuja boa presença junto a seu filho, o Imperador Constantino, não só o converteu como o fez conceder a liberdade à Santa Igreja Católica. E além de estar na origem da irradiação do cristianismo, a partir de Roma, por todo o Ocidente, devemos a Santa Helena esse inestimável presente: a descoberta da verdadeira Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Celebra-se no dia 18 de agosto a festa de Santa Helena, Imperatriz e viúva, mãe de Constantino Magno. A ela se deve a invenção, isto é, a descoberta da verdadeira Cruz na qual Nosso Senhor Jesus Cristo foi crucificado.

Benéfica e salutar influência materna

Em vez de considerar este ou aquele aspecto da vida de Santa Helena, gostaria de ressaltar a impressão que o todo de sua personalidade nos comunica. Nesse sentido, eu diria que se trata de uma santa cuja importância para o panorama da Igreja redunda, não apenas do fato de ter sido imperatriz, mas também porque teve sobre Constantino uma evidente e salutar influência.

Quer dizer, temos Constantino, o primeiro imperador que faz uma promessa de dar livre curso ao culto católico no Ocidente, caso se visse auxiliado por Nosso Senhor Jesus Cristo na batalha de Ponte Mílvia. Ele recebe a célebre visão do “in hoc signo vinces” — “com este sinal vencereis” —, portanto uma confirmação do socorro divino, conquista a vitória e cumpre sua promessa. Com o Edito de Milão ele concede liberdade à Igreja Católica, e a partir daí começaria a ruir o paganismo sobre o qual o estado se assentava.

Diante desse acontecimento de fundamental importância para a Cristandade, não se pode deixar de reconhecer a materna e católica influência de Santa Helena sobre o filho. Quando nos lembramos de Santa Mônica rezando por Santo Agostinho e obtendo do Céu a conversão dele, ou quando recordamos o papel de Santa Clotilde junto a seu esposo, Clóvis, trazendo-o igualmente para o seio da Igreja Católica e, com ele, o povo franco, é difícil não pensar que Santa Helena impressionou a fundo Constantino, e que a atitude dele foi motivada, em grande medida, pela ascendência da mãe.

Na raiz da ordem social e temporal católica

Ora, se, católicos que somos, desejamos de toda a alma uma restauração da ordem social e temporal católica como a que vigorou nos dias áureos da Civilização Cristã, não podemos deixar de reconhecer, com muita alegria, o trabalho feito por Santa Helena com esse objetivo: não só fazer cessar as perseguições à Igreja no império romano pagão, mas também fazer com que o imperador começasse a edificar uma ordem temporal católica, prólogo da plenitude de catolicidade que alcançaria o Estado medieval.

Início este, diga-se, por vários lados verdadeiramente glorioso. Pela liberdade franqueada à Igreja, pelo fim dos cultos pagãos, e por esse ideal de unidade social católica que desabrocharia nos esplendores da Cristandade européia, os quais perdurariam ao longo de séculos.

Portanto, pela sua oração, pelo exemplo de suas virtudes, Santa Helena esteve na raiz de uma série de realizações gloriosas, de idéias grandiosas, de princípios que repercutiriam mesmo após o ocaso do Sacro Império Romano Alemão, até os nossos dias. Razão pela qual nos é particularmente cara a devoção a essa grande santa.

Oração que conduz à ação eficaz

Chamo a atenção para esse ponto acima mencionado: as orações de Santa Helena. É necessário compreender aqui o equilibrado do papel dessa oração.

Com efeito, seria equivocado imaginar que, uma vez recitadas as preces, não adianta fazer coisa alguma. Basta rezar e deixar as realizações concretas ao beneplácito da Providência. Às vezes, quando as vicissitudes o impõem, não se pode pretender outra coisa. Porém, é apropriado esperar que a oração nos mova à ação que realiza o fim almejado. E desse teor foram as preces de Santa Helena.

Enquanto a mãe rezava, o filho lutava e agia. Constantino, protegido pelo socorro do Céu, levando no seu lábaro o emblema de Nosso Senhor Jesus Cristo, combateu e alcançou a vitória. Em seguida, agiu vigorosamente, com a força temporal do Estado, para libertar a Igreja e extinguir os restos do paganismo.

 Creio ver nessa circunstância o equilíbrio perfeito entre oração e ação. Santa Helena reza, e sua oração é acompanhada certamente de atitudes e palavras evangelizadoras junto ao filho, e este cuida dos meios materiais para concretizar aquilo que, sem dúvida, sua mãe desejava realizar. A oração é a razão mais fecunda do desencadear dos fatos; os fatos produzem os frutos da prece atendida.

Aquela que tirou das entranhas da terra o Santo Lenho

Cumpre considerar, ainda, este outro e não menos belo florão na vida de Santa Helena: foi ela que encontrou a verdadeira Cruz, um acontecimento cercado de milagres e dádivas especiais de Deus. É o Santo Lenho do qual se espalharam relíquias para serem veneradas pelos fiéis do mundo inteiro.

Que glória para essa mulher ter sido, ao mesmo tempo, a mãe do primeiro imperador cristão e aquela que tirou das entranhas da terra a verdadeira Cruz, com todos os benefícios espirituais oriundos dessa descoberta!

Então admiramos ainda mais o vulto dessa Santa, conhecemos melhor a estatura dessa alma, um grande tipo de mulher que vive só para Nosso Senhor. Matrona de espírito elevado e de horizonte largo, compreendendo as coisas a partir dos seus aspectos mais sublimes e de maior alcance. E que, por causa dessa envergadura espiritual, transforma um Império e dá ao mundo o presente imensamente grandioso da verdadeira Cruz de Cristo. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 18/8/1964)

 

O maravilhoso na vida de Santa Clara de Montefalco

Muito maiores que as belezas do universo material são aquelas existentes nas almas dos Santos. A vida de Santa Clara de Montefalco está repleta de maravilhas. De tal modo ela amou a Cruz do Redentor que, após sua morte, em seu coração foram encontrados símbolos de instrumentos usados na Paixão de Nosso Senhor: cravos, coroa de espinhos, lança, açoite, esponja, coluna; e até mesmo três pequenas esferas representando a Santíssima Trindade.

Vamos considerar uma ficha a respeito da vida de Santa Clara de Montefalco.

Admirável virgindade

Santa Clara de Montefalco nasceu no ano de 1268 em Montefalco, cida-de da Úmbria, na Itália, e morreu em 1308. Ela conservou, durante toda sua vida, um grande ardor na oração. Na idade de cinco anos, compreendendo os perigos da vida no mundo, ela pediu a sua irmã, Joana, para admiti-la na pequena comunidade que essa irmã Joana dirigia, e que seguia as regras da Ordem Terceira de São Francisco. E a irmã só atendeu a esses pedidos ao cabo de um ano.

Uma vez, na idade de nove anos, ela deixou, ao dormir, seu pequeno pé nu sair da cama. A sua irmã Joana, que observou, a repreendeu, e lhe disse que isso não era conveniente a uma virgem. A pequena Clara teve tanto pesar que, depois disso, ela sempre envolvia muito estreitamente seus pés, antes de dormir.

Mais tarde, ela não permitiu nem sequer às religiosas de tocá-la com a mão. Ela recomendava às suas filhas nunca descobrir seu próprio corpo, mesmo na obscuridade. Ela observava isso tão estritamente para si mesma, que nunca quis mostrar ao médico nenhuma parte de seu corpo sem um véu.

Ela dizia também que as virgens não devem ter familiaridade nem com homens, nem com mulheres casadas, porque essa integridade perfeita dá a imortalidade ao corpo, que embalsamado pela flor da virgindade é preservado, assim, de toda corrupção.

Com a morte de sua irmã, Joana, ela foi eleita abadessa, e preencheu esse cargo com tanta prudência que jamais o demônio pôde alcançar êxito em enganá-la, por qualquer artifício que fosse. Como ele tinha observado que ela era muito assídua na contemplação da Paixão de Jesus Cristo, apareceu-lhe uma vez sob a forma de um crucifixo, com o corpo completamente descoberto a fim de despertar nela, por essa via, pensamentos ignóbeis. Mas a virgem reconheceu a arma escondida do adversário e deu risada. O demônio, furioso, desapareceu.

Deus lhe deu uma tal inteligência das coisas divinas que ela ousou combater uma heresia de seu tempo, participando de discussões, onde ela convenceu publicamente um de seus adeptos de mentira e de dissimulação.

Ela conhecia o pensamento oculto das pessoas e, por vezes, tinha o dom de profecia.

Nosso Senhor Jesus Cristo, Ele mesmo, veio uma vez lhe dar a Comunhão.

Após a morte, seu corpo permaneceu incorrupto

Ela teve, certo dia, um ligeiro movimento de impaciência em relação a uma irmã, que lhe assegurava que, apesar de seus esforços, não encontrava nenhuma suavidade na oração.

Não foi necessário mais do que isso para que ela fosse imediatamente privada, ela mesma, de toda consolação, acabrunhada de penas interiores. A noite de alma em que ela foi mergulhada não durou uma semana, nem um mês, mas onze anos inteiros. Depois dessa noite espiritual, o Divino Sol inundou sua alma com sua imortal claridade, e ela se viu elevada por uma concatenação de êxtases, parecendo pertencer mais ao Céu do que à Terra. Nesse estado ela ouvia o concerto dos Anjos, via o Menino Jesus na manjedoura do pobre estábulo de Belém, os Magos ajoelhados para adorar o Menino Jesus.

Certo dia, ela ouviu essas palavras dos lábios de Nosso Senhor:
— Venha Clara, venha! Tua vinda me será agradável.
— Senhor — respondeu ela — eu desejaria me dissolver para me unir a Vós.
— É preciso esperar mais um pouco, minha filha. Teu dia não chegou — respondeu o Senhor.

Uma outra vez o Senhor lhe apareceu na figura de um peregrino, carregando uma cruz sobre os ombros, e lhe disse:

— Minha filha, procurando o que poderia te oferecer de mais agradável a teu coração, me pareceu que minha Cruz seria a coisa que mais te conviria. Recebe-a, oscula-a e dá-me teu coração, a fim de que possas morrer para a Cruz, sobre a Cruz.

Ela morreu no ano de Nosso Senhor de 1308, no dia seguinte da Assunção, na idade de quarenta anos. Seu corpo foi enterrado em seu mosteiro, onde repousa ainda hoje. Conservado inteiro, e com a carnatura flexível como se acabasse de ser sepultado ontem, seu corpo é branco como o alabastro. Sua completa conservação foi constatada de novo sob o pontificado de Pio IX, de feliz memória.

Em seu coração, os instrumentos da Paixão

A santa alma de Clara, deixando seu corpo, nele fixou sinais evidentes de sua glória. E como as irmãs conhecessem sua terna devoção para com a Paixão, e tinham ouvido Clara dizer várias vezes, antes de sua morte, que ela carregava Jesus Cristo crucificado em seu coração, elas foram tomadas de desejo de se inteirarem exatamente desse fato, antes de confiar seu corpo à terra. Decidiram, portanto, fazer a autópsia e examinar o mistério de seu corpo; constataram, antes de tudo, que seu coração estava muito inchado e tinha o tamanho da cabeça de uma criança pequena. Demais, uma região estava completamente dura.

Segundo os médicos, é impossível a uma criatura humana viver nesse estado. Abriram o seu coração e nele encontraram, naturalmente em ponto pequeno, os instrumentos da Paixão. Uma irmã dividiu o coração em duas partes, e sua mão foi tão feliz que nenhum dos instrumentos da Paixão que ali estavam foi atingido. As irmãs, profundamente surpresas e felizes, deram graças a Deus pelo fato.

Na parte direita apareceu marcada a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, preso à Cruz, mais ou menos da grossura do polegar. Nosso Senhor tinha os braços estendidos, a cabeça inclinada à direita, avançando um pouco sobre os ombros. O flanco direito era lívido com a chaga aberta e sangrando. Em torno dos rins havia um tecido manchado de sangue. Havia também, nessa parte do coração, três nervos aos quais estavam presos três pregos duros e pontudos, um deles notavelmente maior que os outros. Por cima dos pregos, um nervo cor de ferro, terminado em ponta dura. Essa ponta era aguda, penetrava como ferro, e representava a lança com a qual Longinos tinha transfixado o flanco do Salvador.

Enfim, na mesma parte do coração, estava ainda uma bola de nervos menores, representando a esponja com a qual o fel e vinagre foram tornados presentes a Nosso Senhor. Na parte esquerda se encontravam os açoites: eram cinco nervos entrelaçados com muitos nós e reunidos por um cabo comum. Depois do açoite se encontrava um nervo maior, representando a coluna da flagelação, cercada por nervos sangrando, figurando as cordas com as quais o Senhor foi ligado. Por cima da coluna, a coroa de espinhos, formada por nervos entrelaçados como espinhos duros e pontudos. Todas essas insígnias, ainda que formadas de carne, eram duras como os instrumentos reais da Paixão de Nosso Senhor.

Quando as religiosas viram todas essas maravilhas e consideraram uma a uma com respeito e admiração, elas informaram — na ausência do Bispo de Spoleto — ao seu vigário Béranger, que fez um exame minucioso e pôde se inteirar da realidade do que acaba de ser dito. Ele espantou-se, sobretudo com o fato de que esses instrumentos, separados do coração, tinham toma-do consistência pela dureza da madeira e da pedra. Várias dessas insígnias foram postas nas mãos do Papa João XXII, quando ele fez o exame da vida de Clara, para a beatificação.

Símbolo da Santíssima Trindade

As irmãs recolheram o sangue que corria do coração, quando ele foi aberto e o puseram em uma ampola de vidro.

O sangue difundiu, nesse momento, um odor suave. Ele permaneceu coagulado até hoje. E quando uma tempestade grave ameaça a Igreja, vê-se que esse sangue se agita e se põe em ebulição, o que significa a cólera de Deus.

A região endurecida foi aberta igualmente e examinada pelos médicos. Ali encontraram três pequenas esferas, cor de cinza e manchadas de vermelho; eram todas as três da mesma grossura e do mesmo peso, duras como sílex, e colocadas em forma de triângulo. Elas representavam manifestamente o mistério da Santíssima Trindade; eram absolutamente iguais umas às outras em tudo. O que causa maior admiração é que cada uma dessas bolas era exatamente do mesmo peso que as outras duas.

Isso é mais notável, porque parece uma contradição: pondo numa balança de duas conchas as três bolas, cada vez que se punha uma bola separada, ela pesava tanto quanto as outras duas. Isso é altamente teológico, porque é outro modo de exprimir que as três Pessoas da Santíssima Trindade são tão iguais entre si, que não se pode dizer que duas valham mais do que uma. O que é o auge, o suprassumo da igualdade.

E ao ser colocada numa das conchas da balança uma das bolas e, na outra, uma pedra ou qualquer objeto de peso igual, e que se acrescentasse as outras duas esferas na balança, onde já havia uma, a balança permanecia imóvel como na primeira operação.

Sem dúvida, um verdadeiro milagre.

Era um sinal manifesto da Santíssima Trindade; una quanto à essência, diversa quanto às Pessoas. Uma das três bolas partiu-se por si mesma no momento em que a França, maculada pela heresia de Calvino, causou tantos males à Igreja.

Santa Clara de Montefalco foi canonizada por Leão XIII, no dia 8 de dezembro de 1881.

O universo é repleto de maravilhas

Trata-se de uma vida toda ela feita para causar certo arrepio no homem contemporâneo. Enquanto estava lendo, olhei meus ouvintes com os olhos do espírito, quer dizer, com o conhecimento que tenho do homem de nossos dias, e me pareceu que, para além da ficha que eu lia, sentia no ar algumas vozes se levantarem dentro de alguns — que quero crer não tenham dado consentimento a essas vozes — dizendo interiormente o seguinte:

“Mas como pode ser uma coisa dessas? Como é possível tanta maravilha, uma em cima da outra? Isso deve ser inventado, porque uma maravilha, vá lá; duas maravilhas, vá lá; mas cinquenta maravilhas acumulando-se uma em cima da outra sobre essa freira! Manifestamente, tantas maravilhas juntas não pode ser.”

Eis a curteza de vistas a que o positivismo leva o homem contemporâneo. A mania de só tomar em consideração a realidade concreta, e a ideia de que a maravilha é algo excepcional; que o normal das coisas é que elas não sejam maravilhosas, e que já é puxado aceitar uma maravilha; é duro demais aceitar duas, ou três, ou cinco…

Precisamos compreender até que ponto essa ideia é absurda.

O universo que nos cerca é cheio de maravilhas. Cada estrela é uma maravilha. Olhem para o céu: quantas estrelas percebemos? Deus, que fez tantas maravilhas, realizou ainda maiores para ilustrar a alma de alguns Santos. Tudo quanto existe foi criado para a santificação do homem.

Ora, para santificar os homens, terá Deus feito maravilhas maiores do que os Santos, que eram objeto de todas essas maravilhas? Quer dizer, o meio foi melhor do que o fim? O poder, a sabedoria e a bondade de Deus foram mais extraordinários nos instrumentos do que na realização da meta deles?

Num mundo opaco, horrendo, trágico, conspurcado e abandonado…

Tornando mais clara a argumentação:

Tudo quanto existe no universo visível foi criado para a santificação do homem. Não tem outra razão de ser. Portanto, estrelas e todas as outras maravilhas são belas a fim de que o homem tenha uma ideia da perfeição e da beleza divinas, para que assim santifiquem os homens. Logo, tudo isso não é senão um meio para a santificação. O meio tendo sido tão maravilhoso, o fim precisa ser muito mais maravilhoso, porque seria um absurdo Deus fazer o meio mais belo do que o fim. O meio é sempre inferior ao fim.

Se é assim, Ele há de ter posto nas almas dos Santos maravilhas incomparavelmente maiores e mais numerosas do que as que vemos em torno de nós. Portanto, é muita mesquinharia de espírito, lendo uma vida de Santo, dizer: “Deus não há de ter feito tanta maravilha para uma só pessoa.”

Pois se Ele fez tantas maravilhas para a pessoa ficar santa, não faria maiores ainda no realizar a santidade dessa pessoa, que é o ponto terminal da operação d’Ele? Quem pode pôr isso em dúvida? Que um ateu duvide, compreende-se. Mas que um católico ponha isso em dúvida é o auge do irracional.

Isso nos leva a uma outra consideração, a meu ver muito importante. Eu a formulo da seguinte maneira:

Devemos compreender que é por causa desse mundo revolucionário, dos pecados que temos cometido, do castigo divino em relação a esse mundo, que Deus se ausenta dele e deixa–o como está: opaco, horrendo, trágico, conspurcado e abandonado. Esse é o mundo do qual se retirou o amor de Deus, e que está entregue à sua cólera.

Então, não se notam hoje as maravilhas de outrora. Mas antigamente, quando as maravilhas de Deus apareciam num mundo a quem Ele amava e que amava a Deus, isso tudo tinha qualquer coisa de paradisíaco e a Providência era muito mais larga com sua generosidade, com sua bondade, do que é nos dias de hoje, em relação aos filhos da Revolução.

De maneira que devemos ter o espírito pronto para a seguinte ideia: É verdade que na atual ordem da Providência, a maravilha, o milagre é uma exceção. Mas não é algo tão raro quanto se pensa. Ademais, coisas maravilhosas não claramente milagrosas são muito mais frequentes do que se pensa. É questão apenas de se ter uma alma sedenta de maravilhas, crendo que estas podem ser numerosas e que Deus as multiplica ao longo de nossos passos. Pedindo-as e desejando-as muito, o Altíssimo fará as maravilhas em nós também. Sermos sedentos de maravilhas, maravilháveis, tornará maravilhosas as nossas almas. E Deus poderá fazer também por nós coisas que Ele realizou por Santa Clara de Montefalco.

…Nossa Senhora fará maravilhas ainda maiores

Assim nós devemos abrir os horizontes de nossas almas enormemente; e tomar outra envergadura; ter o espírito completamente voltado para uma outra dimensão, outro sistema de medir as coisas. E compreender que rezando, pedindo, esperando, desejando, nós poderemos receber incomparavelmente mais do que aquilo que conseguiríamos imaginar.

De algum modo nosso Movimento é isso. Eu estou lhes narrando, aos sábados, a história de nosso Movimento, e verificamos que ocorreram coisas as quais no começo da estacada se reputavam impossíveis. Estão feitas. Se o impossível está realizado, não há limite para o impossível. A partir do momento em que esta sineta colocada sobre minha mesa, por si mesma, se suspenda cinco centímetros, é igualmente fácil que ela chegue até a Lua. O primeiro ponto é ela levantar os cinco centímetros. Mas se há um poder sobrenatural que a ergue cinco centímetros, para esse poder não é nada levantá-la acima de todas as coisas da Terra; e não é nada levá-la até a Lua, ou a qualquer outro astro. A questão é levantar os cinco primeiros centímetros.

Nossa Senhora levantou os “cinco primeiros centímetros” na história de nosso Movimento. E é preciso reconhecer que nós fizemos força em sentido contrário…

Essa é talvez a maior das maravilhas: a aeronave subiu com muita gente dentro chorando de saudades da Terra, e olhando pela janelinha, dizendo adeus para círculos mundanos, pulando para ver se a aeronave não subia. A aeronave subiu cinco centímetros. Se nós aproveitarmos bem lições como essa, o que há de maravilhoso na vida de Santa Clara de Montefalco, então compreenderemos bem quanto é de esperar que Maria Santíssima faça ainda mais maravilhas muito maiores. Essa é a lição que a vida de Santa Clara de Montefalco nos traz.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/12/1973)

Voz do povo, voz de Deus

Para compreendermos toda a riqueza potencial de uma determinada nação, a sua capacidade de florescer e atingir a plenitude de desenvolvimento, importa tomarmos em consideração este princípio: a fisionomia completa, quer da sociedade pequena, quer da grande, só se conhece nas suas originalidades. Desse modo, quando chegamos a entender o que um povo tem de único, e damos às suas legítimas peculiaridades o espaço que merecem na vida, a pujança latente desse povo emerge à luz do sol.

E tais originalidades vamos encontrá-las, por excelência, nos costumes e organizações regionais.

A meu ver, a região é uma criatura de Deus num sentido especial da palavra. Assim como Ele criou o universo, constituiu também micro-universos — as regiões — cada qual com uma forma de natureza própria que se distingue do conjunto do país, como a espécie se distingue do gênero, determinando o sabor orgânico da regionalidade.

Mais ainda. Para que a colaboração popular seja proveitosa e possa dar o seu melhor, é preciso saber interrogar a gente nessas suas originalidades, para deixá‑la dizer o que tem a manifestar. Daí os foros em Portugal e, algo mais característico, as autonomias de certas regiões da Espanha, às vezes reivindicadas de maneira não muito pacífica…; outras, porém, revelando pitorescos e encantadores costumes que são a boa voz do povo se exprimindo e construindo uma civilização conforme os desígnios divinos. Como diz acertadamente o provérbio: “vox populi Dei, vox Dei”.

Exemplo paradigmático desse regionalismo e dessa originalidade acredito ser o célebre Vale do Roncal, na Navarra espanhola. Havia ali diversas aldeias, cada qual com autonomia e independência de pequena república, representando algo que me parece um néctar: é uma republicazinha, não por razão metafísica, por julgar a monarquia injusta, mas por motivos consuetudinários, ciente de ser esta a melhor forma de existirem. Compreendem e amam o Rei, mas conservam seus direitos, tradições e valores de aldeias.

Tenho a impressão de que nada se compara ao sabor dessa característica regional. Não é a aristocracia, e sim o povo como deve ser organizado.  Na sua admirável autonomia, porém amando a autoridade suprema do país. Daí o privilégio concedido aos roncaleses de enviar, em determinadas épocas do ano, filhos de sua região para servirem como sentinelas junto à porta dos aposentos do soberano espanhol…

Coisa popular, sendo entretanto rica e até senhoril, de quem afirma: “Não somos nobres, mas há nobreza na nossa condição, e por causa disso temos nexo com os primeiros da nação. Embora não lhes sejamos iguais, somos os degraus de uma mesma escada, de um mesmo mármore”.

Isto é o orgânico, que nasce, floresce e não possui cópia no mundo inteiro. É a originalidade da expansão popular, surgida do profundo dos costumes, do dia a dia, etc., fazendo ouvir a sua voz a ecoar pela História.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 89 (Agosto de 2005)

MATERNO PODER

Rainha dos corações enquanto tendo influência sobre a mente e a vontade dos homens, Nossa Senhora exerce esse império não por uma imposição tirânica, mas pela ação da graça, em virtude da qual Ela é capaz de nos libertar de nossos defeitos e nos atrair, com agrado e particular doçura, para o bem que nos deseja.

Esse materno poder de Maria sobre as almas nos revela quão admirável é a sua onipotência suplicante, que tudo nos obtém da misericórdia divina. E cumpre dizer: esse augusto domínio sobre os corações representa incomparavelmente mais do que ser Soberana de todos os mares, de todas as vias terrestres, de todos os astros do Céu — tal é o valor de uma alma, ainda que seja a do último  dos homens!

Plinio Corrêa de Oliveira

“Raffinement”

Como já tive oportunidade de comentar, um dos preciosos frutos da Civilização Cristã foi, a meu ver, o desejo da perfeição e do equilíbrio aplicado aos mais variados aspectos da sociedade, da cultura, da arte, etc., impregnados de temperança e senso católico.

Em francês se diria o “raffinement” de todas as coisas. Um requinte, um auge de excelência e de harmonia que atinge aquela forma de beleza plena, acabada, na qual ninguém ousa mexer, porque nada há a lhe alterar. Essa característica sobressai de maneira particular em duas obras nascidas da alma medieval e que até hoje nos deixam repassados  e encanto e admiração.

A primeira delas, constante objeto de meus elogios e enlevos, é a Catedral de Notre-Dame de Paris. Nela — como em geral nas produções do estilo gótico — me parece estar refletida a temperança que coroa as virtudes e qualidades do coração justo. Sobretudo na sua fachada, podemos discernir esse espelho de todas as boas disposições da alma humana.

O maravilhoso semblante desse templo é “raffinesíssimo”, se assim nos é dado dizer, no sentido de que nos revela uma série de sentimentos levados à sua completa finura, convivendo urbanamente no mesmo frontispício.

E talvez seja este o lado pelo qual ela tanto me atrai. De sorte que, procuremos ali uma expressão do carinho de Nossa Senhora, é logo a encontramos. Ou se quisermos ver algo da seriedade de Maria, lá está. Algo da severidade d’Ela contrabalançada por uma insondável bondade e misericórdia, também achamos naquelas pedras esculpidas de modo primoroso. Contemplamos, ainda, a realeza, a majestade da Mãe de Deus, rebrilhando na riqueza dos lavores e entalhes com que os artífices medievais esculpiram  aquelas imagens.

Enfim, Nossa Senhora na ação, na paz, na glória, na fulguração de todas as suas virtudes, encontra-se expressa na fachada de Notre-Dame, um requinte de esplendor.

* * *

Outro tesouro “raffiné” que nos legou a Idade Média é a fascinante arte dos vitrais. Mais uma daquelas manifestações de equilíbrio intocáveis, fixas de modo perene na sua perfeição, na sua magnificência e beleza. O vitral admirável, requintado, ninguém terá coragem de lhe modificar qualquer detalhe. Por exemplo, na feeria da Sainte Chapelle,  as rosáceas de Chartres, de Bourges, quem pensaria em mexer nelas? São dessas formas de realizações que alcançaram, no gênero, toda a perfeição possível, e qualquer alteração que sofrerem significa um movimento de decadência. Digamos, substituir as luminosas policromias por algum vidro transparente reputado de excelente qualidade, com inúmeras vantagens óticas, práticas, etc., etc. — seria um desastre.

Por quê? Porque o vitral representa uma tal síntese, sempre prodigiosamente equilibrada, de cores diversas e desconcertantes, que temos neles todas as variedades, todas as formosuras que nunca cansam, dentro de uma unidade harmoniosa, sossegada, tranquila, passando-nos uma agradável sensação de plenitude.

Assim, o vitral seria uma forma de requinte ideal. E tão proporcionado que numa mesma cena representada em tal rosácea vamos encontrar cavaleiros saindo de sua fortaleza, monges trabalhando na sua abadia, etc., e, pelo meio, um homem usando um chapéu verde que ninguém conceberia portar algo semelhante. Entretanto, a tonalidade dessa cor, quando batida pelo sol, revela-se de uma tal excelência, que até mesmo na cabeça daquele personagem deixa de ser ridícula. Pelo contrário, ele carrega consigo um esplendor. Um “raffinement”…

Um guerreiro que descansa…

Ao ver fotografias do Castelo de Coca (Espanha), Dr. Plinio analisa o estilo de vida que seus habitantes levavam, e a defesa que tal construção significava contra os inimigos.

 

A primeira impressão causada ao ver fotografias do castelo de Coca é que se trata de uma coisa irreal. Tem-se vontade de dizer: “Isto não existe”.

O artista soube fotografar o castelo numa hora de um contraste muito feliz: o céu sombrio e o castelo muito iluminado. Se o céu fosse azulzinho e não ameaçante, o castelo perderia algo.

Mas não se trata de um sombrio qualquer, pois nota-se no céu uma parte que está luminosa. Dir-se-ia que um raio acabou de passar por lá como um corisco, deixando um resto de luz a qual o ilumina tão magnificamente.

Que castelo! Tem-se a impressão de que é tão grande, têm tantas torres e muralhas, tantos salões e espaços, que se diria ser um castelo incomensurável, de conto de fada.

Imaginemos o viver delicioso dos que nele habitam. Capela interna magnífica e grande como uma catedral; estupendas salas de refeição, de recepção, de trabalho, de reuniões políticas; dormitórios extraordinários; todas as formas de conforto do tempo em que esse castelo foi construído, para um número indefinível de personagens. Personagens nobres, vestidos com riqueza, de maneiras requintadas; quando se encontram nos corredores saúdam-se com cerimônia e fazem grandes reverências, e ao mesmo tempo cochicham e fazem política uns para os outros, ou contra outros, no vai-e-vem da vida de todos os dias.

Realmente, esse castelo foi construído com uma preocupação artística muito apurada. Por exemplo, ele é marcado por umas listas brancas em toda a sua extensão: são pedras de outra qualidade, que formam uma espécie de alternância e concorrem para sua beleza.

Observado o castelo, nota-se em sua parte central um torreão, que é um maço de torres coligadas entre si. Diante desse torreão, percebe-se um pátio enorme, cercado por altas muralhas e grandes torres em cujas extremidades há um conjunto de torres especial que faz uma espécie de equilíbrio com o do centro. Depois, isso se repete, para se chegar ao pátio externo do castelo.

Parece que ele está separado por um valo de água ou um rio.

O castelo nos fala, sem dúvida, de uma requintada vida nobre com as mil delicadezas da civilização cristã. Entretanto, estas se deterioram quando existem num clima sem heroísmo. Ora, esse castelo é feito para combater. É uma fortaleza calculada para resistir a um cerco tão longo que as tropas do adversário vão ficando cada vez menos numerosas e acabem desistindo do ataque. Assim, os assediados podem mandar avisar os aliados, para que venham em socorro deles.

Esse castelo é tão enorme que quase não se imagina como uma tropa possa cercá-lo inteiro; sempre fica com uma portinhola livre para saírem os mensageiros ou entrarem os aliados. É inconquistável ou muito difícil de conquistar. Quando os adversários eram tão numerosos que conseguiam fazer o cerco do castelo, como o castelão se defendia? Mandava um aviso aos seus aliados por meio de pombo-correio, solto de uma das mais elevadas torres, a fim de levantar voo bem alto e não ser atingido pelas flechas do adversário. Numa das patinhas, levava amarrada por uma pequena argola, uma mensagem assinada pelo senhor deste castelo para algum aliado dele.

Às vezes, os castelos muito seguros tinham ainda um ou vários subterrâneos, que conduziam a lugares tão distantes, que o sitiante desconhecia: uma gruta, onde de repente se movia uma pedra e saía um mensageiro, rápido como um corisco; uma árvore, várias vezes centenária, na qual se tinha aberto uma saída de onde saltava um homem e corria levando um aviso. Em alguns casos, esses locais eram guarnecidos por um vigilante oculto, de maneira que se o adversário quisesse entrar ali, de repente uma flecha o atingia pelas costas e ele morria.

O sistema de defesa do castelo era o seguinte:

No primeiro plano se vê uma série de muralhas, no alto das quais devemos imaginar, nos grandes dias de cerco, arqueiros que atiravam flechas sobre os mais próximos inimigos; às vezes eram setas incendiárias que queimavam as pessoas atingidas; ou, lançadas na retaguarda onde estava  o nobre que dirigia o assalto, dificultavam a manutenção do ataque. Se porventura o sitiante conseguisse ultrapassar a primeira muralha, teria depois outras batalhas diante da segunda e por fim frente à terceira. De maneira que eram três guerras concêntricas.

Ora, os que assaltavam o castelo eram sempre pessoas que vinham de outras regiões. Os habitantes do lugar não lhes davam comida, indicavam-lhes caminhos errados. À noite, quando os sitiantes dormiam, a população ateava fogo em suas tendas. Durante o dia, quando os primeiros se apresentavam para combater, ficavam expostos ao ar livre enquanto que os sitiados lutavam detrás de muralhas. Compreendemos assim que um castelo destes é uma potência.

Da ideia de resistir sempre, e com coragem, provém um certo ar heroico deste castelo e que constitui o pináculo da sua elegância.

Uma das melhores definições da elegância, talvez seja esta: a leveza e a distinção do guerreiro quando descansa. Quem não é batalhador e polêmico, não tem verdadeira distinção, nem elegância. Aqueles nobres que lutavam assim contra as investidas maometanas, fortemente apoiados por seus camponeses nos quais eles viam filhos e que os tratavam como pais, fizeram, realmente, a defesa da Espanha e extirparam na Europa o perigo muçulmano. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 5/5/1984)

 

São Bernado

O aparecimento de São Bernardo na história foi como um esplendoroso nascer de sol. Ele é um dos sóis da Ordem Beneditina, é um dos sóis da Igreja Católica, é um dos sóis de toda a devoção mariana. É, por excelência, o homem da penitência e da mortificação. Homem que se transformou numa tocha ardente, numa chama de fogo deambulando pela Cristandade, purificando todas as  coisas pela sua eloquência e seu espírito repassado de indomável fervor. Homem da polêmica, que enfrentou e venceu em luta estrênua os maiores adversários do catolicismo no seu tempo.

Ao mesmo tempo, é o varão dulcíssimo, o “Doctor Melifluus” — Doutor com palavras doces como o mel  — , que soube como ninguém louvar a bondade e a misericórdia insondáveis de Nossa Senhora. D’Ela falou com tanta unção e arrebatamento, que pode ser considerado o literato, o poeta de Maria Santíssima na Igreja do Ocidente.

Plinio Corrêa de Oliveira

Panaceia celestial

São raras vezes, a Providência permite que se abatam sobre o homem as mais aflitivas doenças corporais, para que se volte humildemente a Nossa Senhora e suplique sua cura. Ao se ver atendido, conhece ele a insondável bondade materna de Maria, sentindo-se atraído e conquistado pela melhor de todas as Mães. E mesmo quando Esta não alivia o mal físico, não deixa de consolar a quem Lhe pede, fazendo ver ao doente o benefício que recebe com a cruz, para a sua santificação — que é o bem-estar da alma.

Por isso é Maria invocada como a Saúde dos enfermos, como o remédio para as nossas moléstias, mas, sobretudo, para as carências de alma, defeitos e lacunas espirituais. Em relação a estes a Santíssima Virgem é, por excelência, a “panaceia” celestial dada por Deus para nos livrar de tantas misérias e nos conduzir à plenitude de santidade à qual somos chamados.

Plinio Corrêa de Oliveira

As almas orantes, esteios da Igreja

A Esposa Mística de Cristo se nutre de almas consagradas de modo particular à oração, pois estas alcançam de Jesus, por meio dela, a força indispensável para vencer as  situações excepcionais que pontilham sua existência ao longo dos séculos. Cônscio dessa verdade, Dr. Plinio não se cansava de enaltecer as vocações contemplativas,  sobretudo quando as discernia entre seus próprios filhos e discípulos.

 

Nunca será supérfluo insistir no mérito da oração e na sua eficácia para alcançarmos do Céu as graças e benefícios que favoreçam as nossas mais variadas necessidades  espirituais e temporais.

Valor da oração para o apostolado

Essa importância da prece, porém, cresce de vulto quando se trata de afervorar a Fé nos corações, de incentivar no próximo sua correspondência e entrega à Religião católica. Com efeito, tais objetivos não se atingem senão com muita impetração, humilde e perseverante, do socorro divino. Por isso nos ensina Dom Chautard, na sua “Alma de todo apostolado”, serem a oração e a vida interior o fundamento de qualquer ação apostólica. Essa verdade é corroborada, de modo curioso, pelo fato de que Nosso Senhor  suscita determinadas vocações, não diretamente para a evangelização, mas para rezarem pelo êxito desta, empreendida por outros. Assim, essas almas entregues à súplica  apresentam a Deus o quantum de oração que as almas dedicadas ao apostolado, embora tão imbuídas de zelo e intensa vida interior, não têm tempo de fazer.

E desde os primórdios do cristianismo reluziram essas almas orantes que abandonam tudo e passam sua existência rezando, a fim de obter do Céu graças em abundância,  determinantes para o sucesso das obras apostólicas — e, portanto, da Igreja Católica — ao longo dos séculos. Essas pessoas são como um turíbulo com incenso de agradável odor que sobe continuamente até Deus, por 17 meio de Nossa Senhora, na glória eterna, rogando-Lhe misericórdia para todos nós.

Beata Ana Maria Taigi

Na história dessas vocações, uma pode ser destinada por Deus a interceder em favor de determinada alma, instituição, etc. Por exemplo, o chamado singular, misterioso,  mas extraordinário que teve a Beata Ana Maria Taigi para rezar e expiar pelos membros da família Bonaparte. Apesar de os parentes mais próximos do célebre General não terem se distinguido por uma séria correspondência aos preceitos católicos, Nossa Senhora se compadeceu deles, e suscitou aquela bem-aventurada — cozinheira na casa dos príncipes Colonna — para tal missão.

E suas orações e sacrifícios tiveram efeito. Conta-se que Paulina Bonaparte, irmã de Napoleão e mulher de costumes pouco louváveis, foi assistida na hora da morte por São Vicente Strambi, sacerdote passionista. Quando este saiu do quarto da agonizante, depois de lhe ter ministrado os derradeiros sacramentos, tranquilizou os circunstantes, afirmando que ela falecia em disposições muito boas. Quer dizer, com suas fervorosas preces, Ana Maria Taigi alcançara a salvação daquela alma.

Os contemplativos

Esse chamado especial para a vida de oração aparece com maior intensidade nas ordens contemplativas, masculinas e femininas. Entre estas últimas, há aquelas que cuidam  e modo particular da própria congregação. Assim, as redentoristinas, as dominicanas, as franciscanas, etc., devem rezar sobretudo pela fecundidade do apostolado dos institutos religiosos a que pertencem. Claro está, não deixam de pedir, com não menos empenho e ardor, por todos os fiéis, pela perseverança dos bons e pela conversão dos pecadores.

Compreende-se que os contemplativos tenham a missão mais caracteristicamente impetratória, posta a essência de sua vida. Esta consiste em que o religioso, despojado por completo das preocupações meramente terrenas, pode se consagrar ao que São Bento chama de “vacare Deo”. Ou seja, ter a disponibilidade mental suficiente para que sua  tenção esteja voltada de maneira fundamental e contínua para as coisas de Deus. Ora, a clausura é uma condição favorável para isto, por óbvias razões.

A pessoa não sai e, sobretudo, ninguém entra no convento ou mosteiro, de sorte que os monges permanecem afastados do mundo.

Além disso, para os que vivem cercados pelas abençoados muros do claustro, uma série de anseios de ordem temporal, como carreira, projeção, fortuna, etc., ficam  limitados, embora a miséria humana possa se manifestar em qualquer situação e ambiente. Mas, em via de regra, o enclausurado renuncia às pretensões mundanas, e as distrações e diversões da vida temporal também não penetram em sua alma. Dessa forma, sua fantasia e imaginação têm maior facilidade de se dirigirem para as grandezas divinas.

Então, meditar e ter a atenção habitualmente posta em Deus, seja conversando com Ele, seja considerando todas as coisas à luz da doutrina católica, é um modo de oração próprio da existência contemplativa.

No movimento, o inestimável papel dos “orantes”

Antes de encerrar essa breve reflexão, gostaria de salientar um ponto de muito interesse para movimentos, como o nosso, que se dedicam ao apostolado. Existem entre nós  aqueles mais empenhados na ação externa, no trabalho assíduo e denodado junto às almas que devemos atrair para Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Mãe Santíssima.

E há os que têm a venturosa possibilidade de se consagrarem mais à vida de oração e recolhimento. Sabemos bem que nosso apostolado é árduo, e nossa correspondência à vocação, não raro dura e difícil — e, portanto, gloriosa — pois não é fácil ser fiel, imerso nos desvarios do século em que vivemos. Para suportar esse apostolado, para corresponder a essa vocação, é preciso haver tais almas orantes, cujas preces incansáveis, insistentes, alcancem para a obra todas as graças de que necessita.

Além das suficientes, as extraordinárias, sem as quais não podemos vencer nossas grandes batalhas, sobretudo as de ordem espiritual, que cada um trava no seu interior.

Quantas e quantas vezes, aconselhando a um e a outro, sou obrigado a reconhecer que minha ação individual chegou ao termo, pois não tenho mais influência sobre ele, nem a possibilidade de ajudá-lo. Tudo o que estava ao meu alcance, segundo as vias comuns da graça, foi feito em favor dele. E de nada adiantou.

Confiando em Nossa Senhora, entregamos aos seus desvelos maternais a solução para aquela alma. Mais dia, menos dia, esta recebe uma graça extraordinária com a qual não se contava e retoma sua trajetória de ascensão espiritual.

Essa situação é tão freqüente em nossa vida, que torna soberanamente claro o fato de que o movimento somente se mantém porque lhe são concedidas essas dádivas divinas extraordinárias, inesperadas, e às vezes fulminantes.

Elas são o “pão nosso de cada dia” na vocação para a qual fomos chamados, obtidas pelas orações de almas muito diletas.

E devo confessar, com profunda gratidão, que é para mim uma alegria, um consolo, um estímulo quando chego em casa à noite e penso: “Eu só tive tempo de rezar minhas preces diárias (que, aliás, não são poucas). Porém, esses filhos que Nossa Senhora me deu oraram e suplicaram bastante segundo as intenções de nosso apostolado.

E por isso, mais um dia de conquistas, de batalhas vencidas, de missão cumprida em todas as nossas frentes, termina sob as bênçãos e o afago de Maria Santíssima”.

Plinio Corrêa de Oliveira

Nossa Senhora e a Tradição da Igreja

Tudo quanto se referia a Nosso Senhor, Maria Santíssima conservava com enlevo em sua alma. Ela possuía uma memória perfeita porque foi concebida sem pecado original. Após a Ascensão, a Mãe do Redentor fez com que os Apóstolos e discípulos tivessem determinada mentalidade, que depois se exprimiu nos dogmas e na Liturgia; mais do que tudo, Ela manteve certo imponderável dentro da Igreja.

 

A respeito da Igreja primitiva, parece-me que ela não pode ser vista, nem conjeturada, nem analisada a não ser de dentro da Igreja atual.

Por vezes, os livrinhos de História da Igreja apresentam desenhos que não deixam de estar um pouco impregnados pela Renascença, porque, na louvável preocupação de mostrar o primitivismo da Igreja, eles carregam a nota e pintam o ambiente dos Apóstolos, de Nosso Senhor, de Nossa Senhora, não só como não tendo explicitado muitíssima coisa que há na Igreja atual — isso é legítimo —, mas como não possuindo sequer em gérmen as maravilhas que viriam depois. E isto eu considero errado.

Nos albores da Igreja, juntaram-se todas as maravilhas

Por exemplo, numa obra qualquer de História eclesiástica, onde todos nós tenhamos aprendido, não se vê nada em São Pedro e em São Paulo que faça prenunciar o que depois foi um Papa e um Cardeal. Os fatos teológicos sim, mas a ambientação não. São livrinhos perfeitos do ponto de vista apologético, mas insinuam que na ambientação da Igreja daquele tempo não havia nada que fizesse pressentir a Igreja de hoje.

Então, por uma concepção errada, a Idade Média também não estava prevista nem um pouco nas catacumbas. Ela teria florescido quando eclodiu o gótico e, portanto, é muito mais filha da barbárie do que da Revelação.

As iluminuras, que pintam com tanta candura e tanto espírito medieval as cenas, por exemplo, do Natal, não fazem propriamente aparecer aquilo que eu acho que estava na gruta de Belém. A meu ver, na noite de Natal, no “Gloria in excelsis Deo”(1), e depois nos vários episódios que marcaram a História de Nosso Senhor Jesus Cristo na Terra, os Anjos fizeram com que a graça se tornasse, nos imponderáveis, intensíssima, algo no qual já reluzia o Reino de Maria, e que era, portanto, muito superior ao que veio depois.

Seria ridículo imaginar a gruta de Belém como se fosse uma Sainte-Chapelle, quando ela não era senão uma gruta; e que o boi era um animal de raça das cocheiras de Versailles. É uma coisa completamente cretina, não é disso que estou falando. Mas, a propósito de um boizinho ou um burrinho, os mais elementares, os Anjos deviam fazer aparecer ali algo que a Sainte-Chapelle, por assim dizer, não faz senão rememorar.

Tenho a impressão de que na aurora, nos albores da Igreja, juntaram-se todas as maravilhas que foram brilhando nas várias épocas de sua História, num brilho germinativo e inicial que nos é difícil compor. Como seria impossível, por exemplo, um homem que nunca viu o branco, imaginar esta cor a partir da fusão das demais cores, sem fazer rodar aquele disco de Newton. Mas ele poderia entrever e compreender uma síntese. E ali houve uma síntese semelhante. Suponho que Nosso Senhor e toda a sua vida foram assim.

Majestade de Nosso Senhor coroado de espinhos

Creio que isso se verificava em todos os episódios, mesmo da Paixão, como a coroação de espinhos. Nosso Senhor coroado de espinhos deveria ser visto com uma forma de majestade, que não seria apenas a majestade do Profeta, habitualmente representada, mas também a majestade do Rei. E, portanto, com algo que lembraria uma invisível coroa de Imperador do Sacro Império, uma dignidade de Imperador do Sacro Império, injuriada e questionada ali, mas realmente presente.

A meu ver, havia em tudo isso uma espécie de ponto originário, que foi uma categoria de graça mística fenomenal como não se pode ter ideia, e que se prolongou durante a vida terrena d’Ele, mas que com a Ascensão teve uma certa diminuição. E essa diminuição foi intencionada; parece-me direito, normal, que tenha sido assim.

Ele não ascendeu ao Céu para castigar a Igreja primitiva por infidelidades; seria uma hipótese absurda. Ele subiu ao Céu porque tinha que subir. Mas as graças se distribuem desigualmente, segundo os períodos históricos. E há épocas de muita intensidade, às quais devem se seguir épocas de menor intensidade. E para que a ruptura não fosse muito grande, Nosso Senhor deixou a Mãe d’Ele. Temos, então, a Era de Maria, que prepara, continua a Era de Cristo.

Manter certo imponderável dentro da Igreja

Nesse período, da Ascensão à Assunção, Nossa Senhora ajudou os Apóstolos em algo que é bem o trabalho d’Ela, e que Ele não podia fazer: rememorar tudo e, naquela pletora de impressões, de recordações, de ensinamentos e de tudo o que eles deviam carregar — podemos imaginar o que aqueles homens levavam consigo do convívio com Nosso Senhor…; é indizível! —, ajudá-los a ver o que não tinham visto, a dar o devido valor a coisas que haviam banalizado, a pedir perdão pelas infidelidades cometidas, a render graças pelas virtudes que praticaram. E Maria Santíssima, poderosamente ajudada pelas graças do Espírito Santo, retificou o espírito deles a respeito do que havia se passado na vida de Jesus. Tenho a impressão de que para Pentecostes houve um trabalho preparatório d’Ela, e o levou a um certo auge, e depois Nossa Senhora ainda consolidou. Posteriormente subiu ao Céu.

Estava, então, constituída uma coisa que considero incomparável dentro da Igreja: aquilo que eu chamaria a Tradição. E a alma da Tradição da Igreja era a recordação viva neles do ambiente criado por Nosso Senhor, de sua Pessoa, e a repercussão disso, formando uma mentalidade coletiva de todos eles, ligada à instituição Igreja como um tesouro dela, brilhando como um sol, o qual já não era Ele, mas era legado de Nossa Senhora, um trabalho d’Ela consolidando a obra d‘Ele.

Foi, portanto, com a participação, com o influxo de Maria Santíssima que essa profusão de graças passou a ser uma montanha de joias e de recordações ordenadas.

Aliás, o Evangelho fala da memória d’Ela: Nossa Senhora guardava todas essas coisas e as conferia no seu Coração(2). Guardar é memorizar; uma memória contemplativa, que Ela devia ter como ninguém, pois não era concebida no pecado original. Uma memória perfeita, total. Depois, com a santidade d’Ela, era inimaginável o que trazia dentro de Si!

Mas, então, o que é a Tradição?

É possuir, por continuidade, uma determinada mentalidade, que se exprime nos dogmas, na Liturgia; antes de tudo e mais do que tudo, é um certo imponderável dentro da Igreja. E esse foi o trabalho de Nossa Senhora.

Com base nisso, qualquer fiel verdadeiramente reto poderia reconstituir a face da Igreja inteira, se ele quisesse. Eu compreendo que alguém, semi-cúmplice do ambiente de ceticismo ou desinteressado da Religião, não percebesse isso. Mas se fosse honesto, aplicar-se-ia para ele aquela frase que está no hino “Pange lingua: Ad firmandum cor sincerum, sola fides sufficit”(3).

Essa memória da Igreja, organizada por Nossa Senhora, não pode desaparecer, porque a Igreja não pode morrer.  v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/9/1982)

 

1) Do latim: Glória a Deus nas alturas. Cântico entoado pelos Anjos aos pastores, na noite de Natal.

2) Lc 2, 51.

3) Do latim: Canta, ó língua: Para convencer um coração sincero, basta apenas a fé (trecho de um hino eucarístico, de autoria de São Tomás de Aquino).