Expressão do glorioso triunfo de Cristo

Notre-Dame de Paris. Diante dela, às vezes emudecemos de admiração. A catedral é bela em cada um de seus pormenores. Se considerarmos os três portais do primeiro pavimento do edifício, vemos lindíssimos arcos ogivais, profundos, indicando bem a espessura das paredes. Em cada portal, ao longo de toda a espessura, de um lado e de outro, aparecem esculpidos episódios da História Sagrada. Na parte de cima, uma fileira de imagens de reis do Antigo Testamento.

Para se ter ideia de como a catedral é esplêndida nos seus vários pormenores, imaginemos que não existisse a parte superior, acima das imagens dos monarcas. Ainda seria um bonito monumento. Ou pensemos num edifício formado pela grande ogiva central, pelas duas laterais e as menores que estão em cima, constituindo uma espécie de colunatas de esguias, delicadas e entrelaçadas ogivas: sem dúvida comporiam uma belíssima fachada lateral de qualquer igreja.

Imaginemos, ainda, cada uma das pontas de torre transformada num oratório e posta no solo. Seria lindo! Na catedral, aparecem como três belezas superpostas. Mas o tato francês, o tal “charme mais belo que a beleza”, os fez sentir que, isolados, algo ficaria faltando. Então, atrás ergue-se uma cúpula e, no alto desta, uma flecha. A famosa flecha de Notre-Dame que confere o arremate, o toque de leveza, de graça, de grandeza, às torres que não foram acabadas.

Com efeito, no projeto original essas torres elevar-se-iam mais alto. Porém, o estilo gótico esmoreceu sob o sopro da Renascença e do Humanismo. Em conseqüência, as torres de Notre-Dame ficaram limitadas ao tamanho que têm hoje, embora repletas de encanto e de beleza.

A meu ver, uma muito agradável impressão que se tem ao contemplar a catedral resulta do contraste entre a altura e a largura. Ela é esguia, muito mais alta do que larga, mas não pode ser chamada de um edifício frágil. Graciosa, leve, possui entretanto um quê de fortaleza, absolutamente incontestável, falando-nos da plenitude do espírito da Idade Média: hierático, sacral, hierárquico, ordenado, todo voltado para o que há de mais alto, em que a maior seriedade se compagina bem com a graça mais suave e com a delicadeza mais extrema. Tal se nota, por exemplo, nas colunas e nos vitrais.

Numa palavra, os mais belos aspectos da alma católica aparecem a todo propósito, em todos os ângulos da catedral.

E eu me pergunto: é ou não verdade que, ao nos maravilharmos com Notre-Dame, temos também a impressão de que cenas desenroladas ali ainda permanecem vivas? E que, do alto do lugar onde está entronizada, a imagem de Nossa Senhora — cuja cabeça tem como auréola a própria rosácea central — sorri para os seus filhos que transitam pela praça?

Sim, um sorriso que manifesta o contentamento da Virgem Santíssima com uma Cristandade que, afinal, era e ainda é o reino do Filho d’Ela. E, de fato, há qualquer coisa da glória da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo no ar triunfal da Catedral de Notre-Dame de Paris.

(Extraído de conferência em 11/1/1989)

Onde o Arcanjo um dia pousou…

O Tibre, o velho rio Tibre, corre suavemente por uma das mais pitorescas zonas da Cidade Eterna. Em suas águas tranquilas, deixa refletir os arcos de uma robusta ponte e a silhueta de uma construção monumental, conferindo particular beleza a esse cenário romano.

A ponte, de linhas fortes e traçado muito lógico, foi feita para resistir às vicissitudes e desgastes dos séculos. Nas margens onde ela toca cresce uma vegetação nascida ao léu, com um certo espontâneo e desordenado que a tornam ainda mais atraente. Ao longo de suas balaustradas se erguem, em intervalos regulares, imagens de santos e de anjos, diante das quais os fiéis costumam rezar, enquanto se dirigem para aquele grande edifício que se espelha no Tibre. Esses peregrinos vão visitar o Castelo Sant’Angelo.

Os antigos imperadores romanos, pagãos, tinham o hábito de preparar monumentos nos quais deveriam ser enterrados. Por suas características arquitetônicas, esses mausoléus procuravam imortalizar o César ali sepultado.

Mais que um túmulo, era uma glorificação à memória do homem que, por tempo maior ou menor, governara os destinos de Roma e de seus vastos domínios. Um desses perpetuados foi o imperador Adriano, cujos restos mortais descansariam para sempre no monumento que ele mandou construir, próximo às plácidas águas tiberinas.

Na época imperial chamava-se “Mole Adriana”, nome bastante adequado se considerarmos tratar-se de um edifício de grandes e sólidas proporções. De diâmetro colossal, ele impressiona pelo sério, pelo compacto, pelo imenso. É uma afirmação do poder quantitativo, qualitativo e ordenativo de Roma, bem como de seu incontestável domínio sobre extensa parcela do mundo.

Porém, com o passar dos séculos, os ossos desse Adriano se desfizeram e dele nada sobrou. A história não o celebra, apenas o registra, porque ainda permaneceu de pé seu imponente mausoléu.

E metida a cidade de Roma nas contínuas guerrilhas e guerras da Idade Média, esse túmulo começou a ser utilizado para finalidades diversas, transformando-se numa importante fortaleza. Seu papel defensivo pode ser notado até hoje, por quem visita a sede do Papado e a Basílica de São Pedro. Visto de fora o Palácio do Vaticano, nota-se em determinado ponto um corredor todo coberto, construído sobre arcadas que, mais adiante, atravessam o Tibre e se emendam na antiga Mole Adriana, agora Castelo Sant’Angelo. De maneira que, sentindo-se ameaçado, o Sumo Pontífice podia facilmente escapar por esse corredor e se refugiar entre os robustos muros do velho monumento. Era a suprema defesa do Vigário de Cristo.

Cessados os períodos de convulsões e saques a que se expunha a Cidade Eterna, o Castelo Sant’Angelo passou a ser outro lugar de descanso e recolhimento, à disposição do Papa.

E assim, como tantas outras construções de passadas eras, esse monumento de um imperador pagão foi incorporado às tradições e aos valores cristãos, tornando-se mais um símbolo das grandezas da Igreja.

No alto desse gigantesco castelo paira, sobranceira e protetora, a imagem de São Miguel Arcanjo. Ela é quem deu o novo nome ao antigo túmulo imperial.

Narram as crônicas que, durante a Idade Média, devastadora epidemia se alastrou por Roma, ceifando incontáveis vidas.

Compadecido e angustiado diante de tanta calamidade, o Soberano Pontífice ordenou que se fizessem procissões em toda a cidade, a fim de se alcançar dos Céus o fim daquele inclemente flagelo.

E suas preces foram atendidas. Pouco depois, como sinal da misericórdia divina, viu-se o gladífero Arcanjo pairar sobre a Mole Adriana, numa atitude de quem conjurava a peste.

Roma voltou à vida. E, desde então, a glória de um imperador em pó transformou-se em escabelo para o Príncipe da Milícia Celeste…

 

Santa Genoveva

Tendo apenas sete anos de idade, Santa Genoveva prometeu, na presença dos bispos São Germano e São Lupo, guardar a pureza de alma e de corpo. Tal promessa ela a cumpriu com toda fidelidade e teve a insigne glória de, em 451, impedir que os hunos comandados por Átila invadissem Paris, tornando-se a padroeira dessa cidade.

Em 3 de janeiro comemora-se Santa Genoveva, virgem. A respeito dela, vamos considerar a seguinte nota biográfica extraída da obra L’Année Liturgique, de Dom Guéranger: Em meio à multidão, São Germano discerne uma virtuosa menina…

Genoveva foi célebre no mundo inteiro. Ainda vivia ela nesta carne mortal, e o Oriente já conhecia seu nome e suas virtudes. Do alto de sua coluna, o estilita Simeão a saudava como sua irmã em perfeição no Cristianismo. A capital da França tinha-lhe sido confiada; uma simples pastora protegia os destinos de Paris, assim como um simples lavrador, Santo Isidro, vigiava a capital das Espanhas.

São Germano de Auxerre ia para a Grã-Bretanha para onde o Papa São Bonifácio I o estava enviando, a fim de combater a heresia pelagiana. Acompanhado de São Lupo, Bispo de Troyes, que devia partilhar sua missão, parou na aldeia de Nanterre. Enquanto os dois prelados se dirigiam à igreja onde queriam rezar pelo sucesso de sua viagem, o povo fiel os circundava com uma piedosa curiosidade.

Iluminado por uma luz divina, Germano discerniu em meio à multidão uma menina de sete anos, e foi advertido interiormente de que o Senhor a tinha escolhido. Perguntou aos presentes qual era o nome dessa criança e rogou que a trouxessem à sua presença. Assim, fizeram aproximarem-se os pais, Severo e Gerúntia. Ambos ficaram enternecidos com os sinais de ternura com que o bispo cumulava sua filha.

…que faz a promessa de manter a pureza de alma e de corpo

— Esta criança é sua? — perguntou-lhes Germano.
— Sim, senhor — responderam eles.
— Felizes pais com uma tal filha — acrescentou o bispo. Por ocasião do nascimento desta criança, saibam-no, os Anjos deram grande festa no Céu. Esta menina será grande diante do Senhor; e, pela santidade de sua vida, arrancará muitas almas do jugo do pecado.

Depois, dirigindo-se à criança, disse:
— Genoveva, minha filha…
— Padre santo — respondeu ela — vossa serva escuta.

Então, disse Germano:
— Fala-me sem temor: gostarias de ser consagrada a Cristo numa pureza sem mancha, como sua esposa?
— Bendito sejais, meu Pai — exclamou a criança —, o que me pedis é o maior desejo de meu coração. É tudo o que quero. Dignai-vos rogar ao Senhor que mo conceda.
— Tem confiança, minha filha — retomou Germano —, sê firme em tua resolução. Que tuas obras sejam conformes à tua Fé, e o Senhor acrescentará sua força à tua beleza.

Os dois bispos entraram na igreja e foi cantado o Ofício de Noa, seguido das Vésperas. Germano tinha mandado trazer Genoveva junto a si, e durante a salmodia manteve suas mãos postas sobre a cabeça da criança.

No início do dia seguinte, antes de partir, mandou o pai trazer-lhe Genoveva.

— Salve, Genoveva, minha filha — disse-lhe Germano. Lembras-te de tua promessa de ontem?
— Ó Padre santo — retorquiu a criança —, lembro-me do que prometi a vós e a Deus. Meu desejo é de manter para sempre, com o socorro celeste, a pureza de minha alma e de meu corpo.

Neste momento, Germano percebeu no chão uma medalha de cobre marcada com a imagem da Cruz. Tomou-a e dando-a a Genoveva disse-lhe:
— Faze-lhe um furo, põe-na no pescoço e guarda-a em lembrança de mim. Não leves nunca colar, nem anel de ouro ou de prata, nem pedra preciosa; pois se a atração das belezas terrenas vier a dominar teu coração, perderias logo teu ornamento celeste, que deve ser eterno.

Depois destas palavras, Germano recomendou à criança que pensasse nele frequentemente, em Cristo e, tendo-a recomendado a Severo como um depósito duas vezes precioso, tomou a estrada para a Grã-Bretanha, junto com seu piedoso companheiro.

Florilégio de Santos

Nesse episódio, podemos notar algo que explica o admirável florescimento de almas santas na Idade Média. Vejamos os homens que figuram nesta história.

Em primeiro lugar, o Papa São Bonifácio. Este envia São Germano de Auxerre para defender a Inglaterra contra os pelagianos, e São Germano tem como companheiro de viagem outro Santo, que é São Lupo, Bispo de Troyes. Quer dizer, são dois bispos santos mandados por um Papa santo para defender um país que está ameaçado pela heresia.

Compreende-se o calor da santidade, a intensidade da vida espiritual, o que era, afinal de contas, este florilégio enorme de Santos sobre os quais a Idade Média, ponto por ponto, vinha se construindo.

Ao longo da viagem, passam por uma cidadezinha chamada Nanterre, onde a primeira providência não é se dirigirem para o hotel ou para a hospedaria, nem para um lugar onde possam se divertir. A primeira atitude que tomam, depois de uma viagem fatigante, é ir para a igreja a fim de rezar.

Tal é a iluminação desses personagens, tal o seu prestígio, a atração exercida por eles, que entram na igreja, o povo os rodeia e começa a olhá-los rezar. É o povinho fiel, os camponesinhos com o jeito, naturalmente, do que seriam os camponeses no tempo de Santa Joana d’Arc, alguns séculos depois, rodeando os dois bispos que, recolhidíssimos diante do Santíssimo Sacramento, numa pequena capela, estão fazendo uma oração intensa. E o povo olhando, maravilhado!

De repente, nesse ambiente de fervor, uma graça se faz notar por todos: aqueles dois Santos, enviados por um terceiro Santo, distinguem, entre os fiéis que os rodeiam, uma grande Santa, uma menina de sete anos. Eles a chamam e, diante de todo o povo, um deles faz a profecia a respeito do que a menina haveria de ser. E começa por dizer assim: “Fiquem sabendo que no Céu houve uma grande alegria quando esta menina nasceu.”

Quando Genoveva nasceu, houve grande alegria no Céu

Imaginem o maravilhamento de toda a aldeiazinha! Um lugarejo onde tudo é notícia, tudo é novidade, em que até a chegada de dois bispos é um grande acontecimento… De repente, esses bispos falam da “fulaninha” que eles veem correr descalça de um lado para outro, pelas ruas da cidade. Em relação a essa menina, quando ela nasceu, houve alegria no Céu!

Ninguém duvidou, ninguém pediu provas, todos acreditaram, inclusive a menina e seu pai. Porque essas pessoas são os tais bem-aventurados, dos quais nos fala o Evangelho, que creem sem ter visto.

Pensam elas: é tão natural ter havido alegria no Céu por uma menina santa que nasceu! Os Santos são tão frequentes e tão numerosos, eles estão em um contato tão contínuo com o Céu, que conhecem o que se passa lá. Portanto, é natural que eles saibam. É uma comunicação normal.

Como isto é diferente da distância que nos separa do sobrenatural em nossos dias! Antes de admitir que uma coisa vem do Céu, o homem contemporâneo se mune de todas as armas do racionalismo para ver se consegue negar. Não havendo meios de recusar, só então ele se resigna, sem grande entusiasmo a, de quando em vez, admitir a procedência celeste de algo.

Pelo contrário, naquele ambiente cheio de Fé a situação se resolveu imediatamente.

São Germano pergunta à menina:
— Você quer se consagrar a Deus?
— Meu pai — responde ela —, é o mais caro desejo do meu coração!

Está tudo resolvido. Fica um sulco de luz naquela cidade que, a partir de então, começa a ter história. A cidadezinha nasce para a História porque um grande fato sobrenatural se passou nela.

Arco voltaico de santidade

Ela, provavelmente, foi dali mesmo levada pelos pais para um convento onde a prioresa ou a abadessa seria uma Santa também, com um daqueles nomes cuja sonoridade é estranha para nós, mas uma Santa de verdade. Chegam lá e dizem:
— Viemos trazer esta menina, nossa filha.

Certamente a resposta da santa abadessa não seria: “Ah! como ela é engraçadinha”, mas sim:
— Esta menina parece ter o espírito de Deus!

E é possível que Santa Genoveva tivesse dito, com toda inocência, sem qualquer pretensão:
— Tenho mesmo.

E a abadessa perguntasse para a mãe:
— Mas por que trazes a menina?
— Ah! porque São Germano de Auxerre e São Lupo de Troyes disseram dela tais e tais coisas…
— Ah, que bonito!

A abadessa não iria perguntar se tinham um atestado timbrado da Cúria, nem nada disso. Ela acredita também, acolhe no convento a menina que já começa a santificar-se, elevando-se na vida espiritual, a partir daí, como um cedro do Líbano.

Ela cresce, enche o panorama com a sua presença e floresce como uma flor no centro do jardim do Ocidente. Não havia imprensa, rádio ou televisão; entretanto, a fama de Santa Genoveva se espalhou até o Oriente, a ponto de São Simeão Estilita, na Ásia Menor, ouvir falar dela.

Era o famoso Santo que vivia no alto de uma coluna, de onde nunca descia, rezando o tempo inteiro. Era uma forma de verdadeiro eremita. Ele então ouve falar das virtudes de Santa Genoveva e, por esses “radares” que os Santos têm para se sentirem uns aos outros, compreende que ela era irmã espiritual dele e saudou de longe, do alto de sua coluna, esta flor que nascia no “doux pays de France”.

Vemos os contatos passando por sobre os mares, as ilhas, as cordilheiras, as vastidões desertas e povoadas, e estes dois Santos formando uma espécie de arco voltaico de santidade naquela época.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/1/1966)
Revista Dr Plinio 202 – Janeiro de 2015

Os sacratíssimos Nomes de Jesus e de Maria

O Nome de Jesus é um símbolo sacratíssimo que tem o poder de atrair sobre nós todas as graças e de causar o terror nos demônios. Intimamente relacionado com ele está o Nome de Maria.

A Igreja comemora em janeiro o Santíssimo Nome de Jesus, a respeito do qual diz a Sagrada Escritura: “Que ao Nome de Jesus se dobre todo joelho no Céu, na Terra e no Inferno” (Fil 2,10).

O nome de algo deve designar sua natureza

Qual a razão pela qual se festeja o Santíssimo Nome de Jesus? Naturalmente, tudo quanto se refere a Nosso Senhor Jesus Cristo merece nossas homenagens, nossa veneração e, portanto, deve ser comemorado.

Mas por que essa insistência especial no que diz respeito ao Nome de Jesus? Por que grandes santos da Igreja afugentavam os demônios com o Nome de Jesus? O que é o nome aqui? Não dizemos também “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”? Quando fazemos algo de muito importante, por exemplo, no início da Missa o padre se persigna; na redação de um testamento, diz-se:

“Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito Santo, eu, Fulano de tal, faço meu testamento.”

De acordo com a ordem profunda das coisas, que foi truncada pelo pecado original, a linguagem humana era capaz de exprimir adequadamente os seres, dando-lhes um nome. E esse nome era ma palavra que definia aquilo que havia de mais interno, mais substancial, mais característico no ser para o qual ele era aplicado.

O nome de uma coisa deve designar sua natureza mais íntima, e os orientais têm uma certa ideia disso — quando não dão às pessoas nomes como os nossos; por exemplo, alguém pode chamar-se Plinio, que para ele não quer dizer nada. Mas os orientais dão nomes com um sentido próprio. Como por exemplo, lembro de ter tomado conhecimento de que um nome oriental, do qual não me recordo, significava “Chuva de Primavera”. São nomes poéticos para indicar algo da nota dominante daquela alma. Depois do pecado original e da torre de Babel essas coisas se perderam e a linguagem humana não tem mais essa precisão. Entretanto, ficou-nos essa vaga ideia de que entre o nome e a natureza da coisa há uma relação.

Conta o Gênesis que quando os animais passaram diante de Adão, ele foi dando um nome a cada um. Ou seja, dava uma definição para, por meio de uma palavra, exprimir adequadamente — por uma relação natural entre o vocábulo e a coisa, e não apenas algo convencional — aquilo que era o ser.

Tomemos, por exemplo, a águia. Nós a chamamos com esse nome, mas não há uma relação necessária entre a palavra “águia” e o conteúdo dessa ave, aquilo que é o típico dela. É uma coisa convencional. Mas na linguagem usada por Adão, não. Entre os sons, a música, a estrutura da palavra “águia” e a realidade da águia, havia uma relação verdadeira e profunda.

A Igreja quer uma ordem sacral e hierárquica

Então o Santíssimo Nome de Jesus é, de um modo misterioso, a própria definição daquilo que na Pessoa adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo existe de mais definitivo, de mais capaz de mencionar aquilo que Ele é. E, relacionado a Ele, o Nome imaculado de Nossa Senhora. Ambos trazem consigo bênçãos, graças especiais, porque são o símbolo, a expressão misteriosa e inefável da realidade santíssima que n’Eles existe. Então podemos compreender por que Deus concede tantas graças aos que usam com frequência os Nomes de Jesus e Maria.

E, nesse sentido, o nome é uma imagem, um símbolo da pessoa, e o Nome de Jesus — do qual, aliás, o Evangelho fala com muito cuidado — é um símbolo sacratíssimo que, enquanto símbolo, tem o poder de atrair sobre nós todas as graças e de causar o terror dos demônios. E o Nome de Jesus se resume naquelas três iniciais “IHS — Iesus, hominum Salvator”, Jesus, Salvador dos homens — que se coloca abaixo da cruz, nos documentos e em certos papéis. A cruz e o Nome de Jesus são os dois símbolos perfeitos.

Um estandarte com esses Nomes — por exemplo, o de Santa Joana D’Arc — é um meio de afugentar os demônios, de atrair as graças de Deus, de conquistar a boa vontade dos anjos.

Isto tem alguma relação especial conosco? Tem, naturalmente. O Nome de Jesus, sendo a palavra que indica sua glória, é a manifestação desta. E nós queremos a glorificação dos Nomes de Jesus e de Maria. Um dos estandartes que serão lançados na alvorada do Reino de Maria, com certeza vai ser gloriosamente pintado com o Nome de Jesus, e outro com o Nome de Maria.

O que deseja a Igreja quando glorifica o Nome de Jesus? Ela quer que se dê honra a Jesus, que o Nome de Jesus esteja por cima de todas as coisas e que tudo Lhe esteja sujeito; quer uma ordem sacral baseada na única Fé verdadeira, que é a Católica, Apostólica e Romana; uma ordem que nada tenha de laicista nem de igualitário. E a festa do Nome de Jesus é uma das numerosas solenidades da sacralidade, da hierarquia e da civilização cristã.

A saudação ”Salve Maria!”

Nós temos essa prática de nos saudar, dizendo “Salve Maria!” É uma saudação na qual se repete, a todo o momento, o Nome de Nossa Senhora. Ao invés de dizermos ao outro “Bom dia”, afirmamos: “Que a Santíssima Virgem seja glorificada!” O “Salve Maria!” é uma honra, uma glorificação, um ato de amor a Nossa Senhora. Ao conscientizar o valor dessa saudação, podemos adquirir mais méritos. O “Salve Maria!” não deve ser pronunciado às pressas, nem de forma atrapalhada, mas como uma oração que lucraria em ser dita com mais piedade, mais unção, mais propósito, porque, às vezes, nos esquecemos de Nossa Senhora e o transformamos num “Bom dia”.

O “Salve Maria!” tem um alto valor próprio, que devemos ter em mente. Daí minha insistência para um máximo de piedade ao pronunciar essa saudação, em vista do valor do Nome de Nossa Senhora ou do valor infinitamente maior do Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Esses são os pensamentos que nos devem animar e é adequado pedirmos que o Nome de Jesus seja cercado de toda a glória. Que Jesus seja conhecido e adorado por todos os homens, sendo reverenciadas as coisas que são conformes a Ele. Que a Revolução seja derrotada e que a Contra-Revolução vença, porque esta é a própria vitória do Nome de Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 1/1/1965 e 1/1/1966)

Nome acima de todos os nomes

Por isso Deus O exaltou soberanamente e Lhe outorgou o nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no Céu, na Terra e nos infernos. E toda língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é o Senhor” (Fil 2, 9-11).

Fazendo suas essas ardorosas palavras do Apóstolo, o Martirológio Romano recorda, no dia 3 de janeiro, a Festa do Santíssimo Nome de Jesus. Para Dr. Plinio, tal comemoração encerra um especial significado, assim descrito por ele:

“Por que razão se exalta o Santíssimo Nome de Jesus?

“Naturalmente, tudo quanto se refere ao Verbo Encarnado merece nossas homenagens, nossa veneração e é digno, portanto, de uma festa. Porém, poder-se-ia perguntar qual o motivo dessa particular insistência no que diz respeito ao Nome do Filho de Deus. Por que grandes santos da Igreja expulsavam e afugentavam os demônios, invocando o Nome de Jesus? E por quê, ao realizarmos alguns atos comuns ou importantes de nosso quotidiano, nos persignamos e fazemos uma pequena oração que sempre se inicia com o Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo? 

“Que valor possui, afinal, um nome, e o Nome de Jesus?

“De acordo com a ordem profunda das coisas que foi truncada pelo pecado original, a linguagem humana era capaz de distinguir de modo conveniente os seres criados, dando-lhes um nome adequado, um vocábulo que definisse o que havia de mais interno, substancial e característico na criatura nomeada.

“Assim, segundo a narração do Gênesis (2, 19-20), cada animal recebeu de Adão um nome que os caracterizava e que era a definição mais apropriada de seus respectivos predicados.

“Nesse sentido, pois, o nome é uma imagem da pessoa que o porta. E mais que todos, o Nome de Jesus é um símbolo d’Ele e uma representação sacratíssima que, como tal, tem o poder de atrair sobre nós todas as graças e o poder de causar terror nos demônios. É interessante notar que, na iconografia católica, o Nome de Jesus se resume nas três iniciais — “IHS (isto é, Iesus Hominum Salvator”, Jesus Salvador dos Homens — colocadas em alguns documentos eclesiásticos, com uma Cruz sobre o “H”. Juntos, o Nome e a Cruz, os dois símbolos perfeitos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Ao celebrar, portanto, de forma especial o Nome do Divino Redentor, pretende a Igreja salientar a obrigação dos fiéis de honrar a Jesus, de glorificar o seu Nome, para que este se situe acima de todas as coisas e que tudo lhe esteja sujeito. Quer a Igreja, com essa solenidade, frisar seu anseio por uma ordem sacral, baseada numa fé católica, apostólica e romana autêntica, uma ordem na qual a festa do Nome de Jesus seja uma das grandiosas comemorações da Civilização Cristã.

“Tais são os pensamentos que nos devem animar na recordação dessa luminosa data do calendário litúrgico, e inspirar em nossas almas o pedido de que o Nome de Jesus seja de fato cercado de toda a glória. Que Nosso Senhor seja conhecido, adorado, reverenciado por todos os homens, sendo reverenciadas as coisas que são conformes a Ele. Que a Revolução seja esmagada e a Contra-Revolução vença, pois a vitória dela é a própria vitória do Nome de Jesus.”

Santíssimo nome de Jesus

Há uma misteriosa e insondável relação entre o nome de Jesus e o Verbo feito carne, de tal maneira que não se concebe outro que lhe fosse mais apropriado. É o mais suave e santo dos nomes que  jamais um homem tenha usado.

Nome que, de modo maravilhoso, é a própria manifestação da glória d’Ele. Nome que é um símbolo sacratíssimo do Filho de Deus e, enquanto tal, tem o poder de atrair sobre nós todas as graças e favores celestiais.

Plinio Corrêa de Oliveira

Autêntica Mãe dos homens

Hoje, pretendo dizer alguma coisa sobre a doutrina que ele [Bem-aventurado Grignion de Montfort] expõe no seu Tratado da Verdadeira Devoção.

Penso não errar afirmando que, em essência, o Tratado não é senão a exposição de duas grandes verdades ensinadas pela Igreja, das quais ele extrai todas as conseqüências necessárias, e cuja luz ilumina toda a vida espiritual.

Estas duas verdades são a maternidade espiritual de Nossa Senhora em relação ao gênero humano, e a mediação universal de Maria Santíssima.

* * *

Dada a espessa ignorância religiosa que reina entre nós, não falta quem suponha que a Igreja dá a Nossa Senhora o título de Mãe do gênero humano simplesmente para descrever de certo modo os sentimentos afetuosos e protetores que Ela experimenta em relação aos homens. Como estes sentimentos são próprios às mães, por analogia, Nossa Senhora seria também a nossa Mãe. E nós seríamos, em relação a Ela, pobres mendigos que, na sua generosidade, Ela protege como se fossem filhos.

A realidade, entretanto, é muito outra. Não somos filhos de Nossa Senhora simplesmente por uma adoção afetiva. Ela não é nossa Mãe apenas no terreno fictício ou na ordem sentimental, mas com toda a objetividade, na ordem verídica da vida sobrenatural.

* * *

Antes do pecado original, nossos primeiros Pais, vivendo no Paraíso, foram criados por Deus para a glória celeste, que eles poderiam atingir transpondo os umbrais desta vida em um trânsito que não teria a tristeza tétrica da morte, mas o esplendor de uma glorificação.

O pecado original, entretanto, rompendo a amizade em que o gênero humano vivia com Deus, fechou aos homens a porta do Céu, e obstruiu o livre curso da graça de Deus para os homens. Em outros termos, com a punição do pecado original, os homens perderam qualquer direito ao Céu e à vida sobrenatural da graça.

Se bem que não fosse extinto, isto é, que perdesse a vida terrena, o gênero humano perdeu, pois, o direito à vida sobrenatural. E ele só poderia readquirir tal vida se apresentasse à Justiça divina uma expiação proporcionada à enormidade de seu pecado.

Não vem a propósito, aqui, discutir a natureza deste pecado. É certo que todos os teólogos, sem exceção, afirmam nada ter o pecado de Adão de comum com o pecado da impureza, ao contrário de uma versão muito generalizada no povo. Mas a narrativa bíblica mostra claramente os requintes de rebeldia que agravaram sobremaneira o delito de nosso primeiro Pai. Aliás, um dos elementos para se aquilatar a gravidade de uma ofensa consiste em medir a dignidade da pessoa ofendida. Uma mesma impertinência quando dita a um irmão é muito menos grave do que quando dita a um pai. Um gracejo comum entre colegas poderia constituir uma grave irreverência se fosse feito a um Chefe de Estado, e assim por diante. Ora, Deus é infinitamente grande. Por aí não é difícil avaliar a gravidade do pecado original. Uma ofensa feita ao infinito só poderia ser convenientemente resgatada por meio de uma expiação infinitamente grande. E não está no poder de homem, ser contingente por natureza, e envilecido pelo pecado, oferecer ao Criador um tão valioso desagravo. Os pontos que nos ligavam a Deus pareciam, pois, definitivamente cortados e irremediável a decadência a que se atirara loucamente o gênero humano com o pecado.

Foi para remediar tão insolúvel situação, que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, encarnando-se no seio puríssimo de Maria Virgem, assumiu natureza humana sem nada perder de Sua Divindade e o Homem-Deus, assim constituído, se pôde apresentar à Justiça do Pai como cordeiro expiatório do gênero humano. Efetivamente, como Homem, Nosso Senhor Jesus Cristo podia oferecer uma expiação que fosse realmente humana. Mas em virtude da dualidade das naturezas nEle existentes, essa expiação, se bem que humana, tinha um valor infinito, pois que consistia na efusão generosa e superabundante do Sangue infinitamente precioso do Homem-Deus. Assim, no Sacrifício do Calvário, Nosso Senhor aplacou a justiça divina, e fez renascer para o Céu e a vida sobrenatural da graça a humanidade que estava absolutamente morta em tudo quanto se referisse ao sobrenatural. Se Deus, Uno e Trino, é Nosso Criador, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, encarnando-Se, se tornou nosso Pai por um título muito especial, que é o da Redenção. Jesus, morrendo, deu-nos a Vida sobrenatural. E quem dá a vida é verdadeiramente Pai, no sentido mais amplo da palavra.

* * *

Se o gênero humano pôde beneficiar-se da Redenção, é porque a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se fez homem, pois que o pecado dos homens deveria ser resgatado.

Ora, se Jesus Cristo assumiu natureza humana, fê-lo em Maria Virgem, e assim esta cooperou de modo eminente na obra da Redenção, transmitindo ao Salvador a natureza humana que nos desígnios de Deus era condição essencial da Redenção. De mais a mais, Maria Santíssima ofereceu de modo inteiro, e sumamente generoso, o seu Filho como vítima expiatória, e aceitou de sofrer com Ele, e por causa dEle, o oceano de dores que a Paixão fez brotar em seu Coração Imaculado.

Assim, pois, a Redenção nos veio por Maria Virgem, e sua participação nessa obra de ressurreição sobrenatural do gênero humano foi tão essencial e tão profunda, que se pode afirmar que Maria cooperou para nos fazer nascer para a vida da graça. Pelo que, Ela é, autenticamente, nossa Mãe. Autenticamente, acentuo, pois que não se trata aí de divagações sentimentais ou literárias, mas de realidades objetivas, que, se bem que sobrenaturais, não deixam de ser absolutamente verdadeiras por isso mesmo que são sobrenaturais.

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Convidando os fiéis a adorar o Santíssimo Sacramento, a Igreja exclama na Sagrada Liturgia: “Quantum potes, tantum aude”, isto é, tem o arrojo de amar tanto quanto te permitir o teu coração.

O mesmo se deve dizer a esta altura. Diante da maravilhosa realidade da maternidade de Maria em relação aos homens, realidade que constitui uma verdade séria, teológica, profundamente substanciosa, o homem deve romper decididamente para que ele se dilate plenamente os limites acanhados de seu coração, sem susto, e singre sem cuidado, pelo oceano de amor que se descortina ante seus olhos. Não são indispensáveis, aí, os artifícios da retórica humana. Uma consideração madura da realidade será suficiente para encher o homem de amor.

De acordo com toda a doutrina católica, o Beato Grignion de Montfort mostra, então, as grandezas de Maria Santíssima. Demonstrando que Ela é Mãe, o que há de mais conveniente e de mais necessário até do que o conhecimento da suprema dignidade e da inexcedível misericórdia que Ela possui?

São Tomás de Aquino diz que Nossa Senhora recebeu de Deus todas as qualidades com que seria possível a Deus cumular uma criatura. De sorte que Ela se encontra no ápice da criação, firmando seu trono acima dos mais altos coros angélicos, e sendo inferior apenas ao próprio Deus, que, sendo só Ele infinito, está infinitamente acima de todos os seres, inclusive de Nossa Senhora.

Costuma-se dizer que Nossa Senhora brilha mais do que o sol, tem a suavidade da lua, a beleza da aurora, a pureza dos lírios, e a majestade do firmamento inteiro. Muita gente supõe que tudo isto não passa de hipérboles, estas comparações pecam por sua irremediável deficiência. O sol, a lua, a aurora, e todo o firmamento são seres inanimados, e estão, portanto, colocados na última escala da criação. Não é admissível que Deus os fizesse tão formosos, dando ao homem dons menores. E, por isto mesmo, a mais apagada das almas mortas em paz com Deus, tem uma formosura que excede incomparavelmente a de todas as criaturas materiais. Que dizer-se, então, de Nossa Senhora, colocada incalculavelmente acima não só dos maiores Santos, mais ainda dos Anjos mais elevados em dignidade junto ao trono de Deus? Um caipira que fosse assistir à solenidade da coroação do Rei da Inglaterra, voltando aos seus pagos natais, possivelmente não encontrasse outros termos para explicar a magnificência daquilo que viu, senão afirmando que foi mais belo do que as festas em casa do Nhô Tonico, o homem menos pobre da zona. Se o Rei da Inglaterra ouvisse isto, que outra coisa poderia fazer senão sorrir? Pois nós, quando procuramos descrever a formosura de Nossa Senhora com os termos escassos da linguagem humana, fazemos o mesmo papel… e Ela também sorri.

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Não espanta, pois, que seja verdade de Fé que Deus se compraz tanto em Nossa Senhora que um pedido feito por meio dEla é sempre atendido, ainda que não conte senão com o apoio dEla. E que se todos os Santos pedissem alguma coisa sem ser por meio dEla nada conseguiriam. Porque, como diz Dante, querer rezar sem Ela é o mesmo que querer voar sem asas…

Assim, pois, todas as graças nos vêm de Nossa Senhora, e é Ela a medianeira universal de todos os homens, junto a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mas, se todas as graças nos vêm dEla, e se nossa vida espiritual não é senão uma longa sucessão de graças a que correspondemos, ou renunciamos a ter vida espiritual, ou devemos compreender que esta será tanto mais suave, mais intensa e mais perfeita, quanto mais próximos estivermos junto daquele único canal de graça que é Nossa Senhora. Deus é a fonte da graça, Nossa Senhora o único canal necessário, e os Santos meras ramificações, aliás veneráveis e dignas de grande amor, do grande canal que é Nossa Senhora.

Queremos ter a graça inestimável do senso católico? Queremos ter a virtude inapreciável da pureza? Queremos ter o tesouro sem preço, que é o dom da Fortaleza, queremos ser ao mesmo tempo mansos e enérgicos, humildes e dignos, piedosos e ativos, meticulosos em nossos deveres e inimigos do escrúpulo, pobres de espírito se bem que jungidos às riquezas do mundo, em uma palavra, fiéis e devotos servidores de Nosso Senhor Jesus Cristo? Dirijamo-nos ao trono que Deus deu a Nossa Senhora, e, no recesso amoroso da Igreja Católica, nossa Mãe, peçamos a Nossa Senhora, também nossa Mãe, que nos faça semelhantes a seu Divino Filho.

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São Gregório Nazianzeno

Bispo, Doutor, monge e poeta, São ­Gregório Nazianzeno foi um ­varão de grande clareza de princípios, de uma sólida firmeza no proceder e que triunfou ­magnificamente na ­batalha mais importante e difícil que o ­homem tem na vida:

a batalha contra si mesmo. Por isso, foi um pastor de almas amado por sua bondade e respeitado ­pela austeridade de seus ­sábios conselhos.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 10/5/1971)

Bendita Mãe de Deus

“Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus” — dizemos a Nossa Senhora quando recitamos a Ave-maria, depois de A exaltarmos como bendita entre todas as mulheres.

Ela, excelência do gênero feminino, transmitiu essa maravilhosa primazia ao Esperado das Nações, o Messias, o Redentor do mundo.

A Escritura nos apresenta grandes heroínas da fé e da virtude, virgens e mães santas, cujo elogio os autores sagrados se comprazem em cantar. Porém, nenhuma outra mereceu o incomparável louvor que o Anjo trouxe do Céu para manifestá-lo a Maria Santíssima. Ela é o pináculo das mulheres, o píncaro das mães.

Entre todas Bendita, deu-nos o Bendito entre todos.

Mãe de Deus e nossa Mãe

Deus, estabelecendo a união hipostática com a natureza humana, dignificou toda a Criação. Ele quis que essa união se operasse no seio virginal de Maria Santíssima, Aquela que supera todas as meras criaturas.

A importância da Maternidade Divina de Nossa Senhora para a piedade católica está em que todas as graças extraordinárias pela Virgem Maria recebidas — que fizeram d’Ela uma criatura única em todo o universo e na economia da salvação — têm como título e ponto de partida o fato de Maria ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O espírito contrarrevolucionário ama o matiz

Podemos ver como na obra de Deus estabeleceu-se uma espécie de hierarquia, e como todas as coisas da Providência são matizadas.

O espírito revolucionário é a favor das simplificações. O espírito contrarrevolucionário, pelo contrário, ama o matiz. E quando vê algo antitético, difícil de entender, ama aquilo porque sabe que naquela aparente antítese há, no fundo, uma verdade muito bonita que se vai acabar por compreender.

Desde pequeno, eu tinha surpresas quando via certas coisas na Igreja que me deixavam confuso. Mas depois aprofundava a observação e percebia que, quanto mais esquisito era o que eu via, tanto mais bonita era a explicação daquilo.

Habituei-me, então, à ideia de que toda objeção que se tente fazer à Igreja é como os pequenos furos que se encontram na areia da praia, dos quais saem umas borbulhas. Cava- se um deles e aparece um caramujo. Assim também na Igreja. Sabendo-se esperar e aprofundar, tudo quanto parece esquisito ou antitético e contraditório, que não se entende bem, em certo momento Nossa  Senhora nos faz compreender aquilo  e encontramos uma “pérola”, uma verdadeira maravilha. Isto é próprio da Igreja: numa coisa eriçada de contradições, encontra-se sempre algo de uma harmonia profunda que esconde uma verdade.

Para um espírito cartesiano, que afirmação pode parecer mais absurda do que “Mãe de Deus”? Uma pessoa que nunca teve aula de Doutrina Católica abismar-se-ia sabendo que a Igreja Católica ensina ser Deus eterno, puro espírito e, ao mesmo tempo, que tem Mãe. Mãe material, carnal, de um ente espiritual; Mãe temporal de um ente eterno.

Vê-se aí uma série de contradições. Tratando-se da Igreja, em tudo quanto se julga absurdo não há absurdo. Existe uma harmonia profunda e superior presa a um princípio extraordinário. A questão é esperar para compreender.

Essência da devoção mariana

Deus infinito, eterno, perfeito, cria os Anjos e, abaixo deles, os homens. Mas a Encarnação, a união hipostática, é estabelecida não com Anjos, mas com a natureza humana. Parece também uma  contradição,  pois a dignidade superior dos Anjos pediria que a união hipostática fosse feita com o mais alto dos coros angélicos.

Ora, Deus, estabelecendo a união hipostática com a natureza humana — portanto num grau menos elevado que o angélico —, opera maravilha maior do que se fizesse essa união com um Anjo, pois dignificaria apenas as criaturas espirituais.

Mas realizando-a com a natureza humana Ele dignifica os Anjos porque o homem, enquanto tendo alma e corpo, participa da dignidade espiritual dos Anjos; e enobrece ainda todo o reino material, pois o homem é também feito de matéria. Assim, todo o cosmos se dignifica muito mais com a aparente incongruência da união hipostática  feita com a natureza humana, do que se ela   fosse realizada com uma natureza angélica. Estabelece-se, desse modo, uma hierarquia admirável: acima de tudo Deus, infinito, incomparável a qualquer criatura; depois, a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, em  Quem a condição de criatura é aceita em união hipostática com a natureza divina: Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Após Nosso Senhor Jesus Cristo há naturalmente um abismo.

Porém esse abismo é preenchido por Aquela que supera tudo quanto pode existir na mera Criação: Maria Santíssima, Mãe do Verbo encarnado. A Santíssima Virgem é o espelho mais perfeito que de Deus possa  ser uma mera criatura.

É a Rainha dos Anjos e dos homens, Rainha do Céu e da Terra, revestida de todas as outras qualidades e graças, de todos os outros títulos que Ela possui, inclusive o da mediação universal; tudo isso pelo fato de ser Ela Mãe de Deus. A Maternidade de Nossa Senhora, de algum modo, é a própria raiz, a própria essência da devoção mariana.

Espírito simplificador revolucionário

Há uns vinte anos, eu quis fundar  uma Congregação Mariana num bairro de São Paulo, e uma das pessoas por mim convidadas para fazer parte dela disse: “A congregação chamar-se-á Nossa  Senhora, Mãe de  Deus.”

Pareceu-me irrepreensível e perguntei- lhe: “Mas por que você escolheu esse título pouco usual?” Resposta: “Porque, afinal, em Nossa Senhora apenas importa o fato de ser Mãe de Deus. Todos os outros títulos dados a Ela não valem nada”.

Evidentemente havia nessa concepção um desequilíbrio. Seria o mesmo que dizer: na árvore só se deve considerar a raiz e o tronco; a galharia, as flores, os frutos não importam.

Entrava nisso a influência do espírito simplificador protestante, revolucionário que, sob o pretexto de ir às raízes, rejeita a galharia, afirmando que, uma vez aceita a doutrina, procura-se despojá-la de toda essa complexidade e variedade de títulos de invocação, para ficar só o tronco. O espírito católico é o oposto dessa mentalidade. Ele procura venerar imensamente esse título de Nossa
Senhora, respeitando-o como merece  ser respeitado, mas por isso mesmo sendo sequioso de tirar dele todas as suas consequências. Assim, volta-se para as mil invocações já existentes e para as novas que se  criarão até o fim do mundo, a fim de cultuar a Santíssima Virgem debaixo de mil aspectos, sempre decorrentes da Maternidade Divina.

Ainda sobre essa invocação podemos considerar um ponto muito importante. Nossa Senhora como Mãe de Deus é, a título especial, Mãe dos homens e, portanto, nossa Mãe. A mais preciosa graça que podemos receber, em matéria de devoção a Maria Santíssima, é a de Ela condescender em estabelecer, por laços inefáveis, com cada um de nós uma relação verdadeiramente materna. Isso se pode dar de mil maneiras diferentes.

Mas geralmente Nossa Senhora revela-se verdadeiramente nossa Mãe quando nos tira de algum apuro de um modo especial, que nos fica gravado indelevelmente, ou quando Ela nos perdoa alguma falta particularmente imperdoável, por uma dessas bondades que só é dado às mães terem. Jesus Cristo curava a lepra, de maneira a não ficar nada da doença.

Realmente, nada naquela falta merecia ser perdoado, nada ali tinha atenuante, tudo pedia somente a cólera de Deus; porém Ela como Mãe, com seu poder soberano, indulgente como só as mães conseguem ser, com um sorriso apaga tudo, elimina o passado que fica queimado e completamente esquecido.

Mais um sorriso, mais um perdão

Nossa Senhora concede às vezes essas graças de um modo tal que, na vida inteira, fica a alma marcada com fogo. É fogo do Céu, não da Terra e menos ainda do Inferno: a convicção de que podemos recorrer a Ela em circunstâncias mil vezes mais indefensáveis, e sempre Ela nos perdoará de novo, porque abriu para nós uma porta de misericórdia que ninguém fechará.

É propriamente do que a nossa família de almas vive. Um crédito de misericórdia aberto por Nossa Senhora, mas de misericórdia como poucas vezes terá havido. Não merecendo nós coisa alguma, Ela tem ainda para nós mais um sorriso, mais um perdão. “Porque eles eram fracos, Eu lhes abri uma porta que ninguém poderá fechar”, diz o Apocalipse (cf. Ap 3, 8). Muito legitimamente podemos ver aplicadas essas palavras ao Imaculado Coração de Maria e ao Coração Materno de Maria para conosco.

De maneira que, propriamente, quando se fala da graça especial do nosso Movimento, não se deveria entender como graça merecida por nós; isto é conversa fiada com C e F maiúsculos! Mas enquanto dada por Nossa Senhora e imerecida, eu não conheço verdade mais palpável, mais digna do nosso amor e de nossa gratidão. Para dar uma imagem criada, muito reles, que me vem agora ao espírito, nós estamos para Maria Santíssima como o Brasil para com os Estados Unidos: pagamos empréstimo, contraímos novo empréstimo em que andam incorporados os juros do empréstimo anterior; estamos  completamente entalados. Só que Ela nos trata como os Estados Unidos estão muito longe de nos tratar.

Se Nossa Senhora nos der a graça, ao cabo deste dia ou desta semana de ter no íntimo da alma um sentimento de confiança — não porque tenhamos razão de estar contentes conosco, mas porque sabemos como Ela é boa —, tenho a impressão de que o dia e a semana foram inteiramente pagos.

Existe um antigo adágio que diz: “Mais vale cair em graça do que ser engraçado”. Quando um potentado, um rei, por exemplo, acha graça em alguém, é melhor do que de fato alguém ter graça. Se o potentado achou graça,  todas as coisas passam como se fossem engraçadas. Porém, adianta ter graça quando o potentado não acha graça? Isso acontece conosco em relação a Nossa Rainha, Maria Santíssima: não temos graça, mas caímos em graça, o que deve ser para nós motivo de alegria e satisfação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/10/1965)