Arte gótica, a expressão de desejo do Céu

A Igreja, nascida do costado de Cristo, produziu belezas feéricas. Entre elas estão as catedrais góticas, tão características da Idade Média. Ao analisar tais edifícios, Dr. Plinio, grande admirador da Cristandade, faz uma bela consideração: o gótico terá representado por inteiro o espírito católico?

Quando se observa o gótico em suas últimas manifestações, antes da Renascença, tem-se a impressão singular de ter ele chegado ao fim do caminho e atingido tal perfeição, que não se pode imaginar algo mais perfeito nessa linha. Uma nova linha estava para aparecer, não contrária à anterior, mas que seria um salto para cima.

Isso corresponde à história da humanidade. O espírito dos homens havia chegado a um ponto tal que estava para surgir algum dado inteiramente novo, o qual daria um impulso dentro da linha do antigo. É o que se chama tradição. Entretanto, apareceu o Renascimento.

Não é excessivo conjeturar que se a humanidade tivesse sido fiel às graças da Idade Média, teria começado a nascer algo que iria rumo ao Reino de Maria. Porém, com alguma coisa de novo que não se sabe o que é.

Analisemos o gótico e depois vejamos o que dele poderia florescer, a título de conjetura.

A meu ver, esse estilo, mesmo em sua fase inicial, refletia caracteristicamente os seguintes traços do espírito católico europeu da Idade Média: força tendente à perenidade, seriedade e recolhimento.

O gótico é forte e, por essa razão, tende ao perene. Aquelas construções exprimem um possante desejo de durar sempre e de nunca serem substituídas.

Ele tem, por outro lado, uma seriedade, a qual faz com que o interior dos edifícios góticos tenha um recolhimento e uma compostura próprios a quem é muito sério. A luz que neles entra é tamisada por um colorido muito bonito.

Por exemplo, a luz que penetra através dos vitrais da Catedral de Bourges (França) não é a comum, mas de um dia ideal, causando a impressão de um sonho.

É um sonho? Não. A alma, à força de desejar o Céu, conjetura, tanto quanto pode, a respeito de como ele seria. E penetrando numa igreja toda feita de vitrais da Idade Média, tem-se a impressão de que se entra no Paraíso.

Ao mesmo tempo, o gótico é delicado. Considerem aquelas colunas formidáveis das catedrais. Os medievais arranjaram um jeito de trabalhá-las, de maneira a atenuar o que nelas poderia haver de impressão de força quase brutal: esculpiram um feixe de coluninhas que se amarravam umas às outras em torno de uma só coluna. Esta sustenta o teto com muita firmeza, mas dá a sensação de leveza devido às pseudo coluninhas em que se decompõe.

A coluna gótica do lado interior de um castelo, e mesmo de uma catedral, causa a impressão de combate. Trabalhada de maneira a dar ilusão de um feixe de coluninhas, a coluna gótica de grande estilo tem qualquer coisa de tranquilo, sem agitação, e nem a tensão da luta. Ela representa muito mais o guerreiro no seu repouso e na sua oração, do que batalhando.

E a guerra medieval, quando justa, sempre visava a paz, uma solução, uma concórdia equilibrada. E a ogiva exprime isso muito bem. São as duas partes, que podemos imaginar opostas, as quais se resolvem numa posição de equilíbrio, ou seja, numa reconciliação entre elas. Por isso não é raro que no ponto onde as ogivas se encontram haja florões ou adornos, como que festejando a paz.

Também está presente no gótico uma alta noção do dever. Certas colunatas simbolizam um caminho estreito, sério, reto e, sobretudo, elevado, que conduz a uma grande solução: o Céu.

O caminho do Céu não é largo, folgado, espaçoso, agradável, mas apertado, difícil, e está sempre à beira de precipícios, de problemas e outras dificuldades. É grandioso, metódico, do qual, porém, não se pode afastar um passo, porque se perde de vista a meta e se transvia. Isto corresponde à ideia que temos da nossa própria existência, enquanto vivida à luz dos Mandamentos.

Quer dizer, se nos sentirmos opressos pela proximidade de colunas de um lado e doutro, encontraremos os grandes espaços olhando para o alto. Quando a vida estiver apertada, olhemos para o Céu. Assim deve ser a alma do católico.

As almas que fizeram o gótico, tão entusiasmadas e enlevadas com a força, tinham em si muitos outros tesouros.

Depois de terem explicitado em pedra seu desejo e sua afirmação de fortaleza, o mesmo espírito que as animava começou a sorrir e manifestar a sua própria doçura, como quem continua a fazer, no granito, a descrição de suas almas.

Surgem, então, adornos que, sem atraiçoar a austeridade da coluna, transformam a catedral quase num sonho. Abole-se o granito e transforma-se tudo em cristal.

Encontramos esse sonho expresso na Sainte Chapelle, que utiliza a pedra apenas o necessário para suportar o teto e servir de encaixe aos vitrais. Mas o espírito que concebeu a Sainte Chapelle, se pudesse fazer um edifício todo de cristal, sentir-se-ia realizado.

Não devemos ver nisto uma mudança do espírito gótico, porque é algo que estava na alma do homem medieval, desde o início. Assim como uma pessoa que tem uma arca com uma série de tesouros e os vai tirando um por um para mostrá-los, os medievais eram profundamente católicos, e em suas almas havia muitas riquezas em diversas direções.

Eles foram lentamente exibindo, manifestando essas riquezas de maneira que, quando se chega ao pináculo do gótico, parece que nada mais faltava. Dir-se-ia que foi feita a descrição completa de uma alma profunda e verdadeiramente católica.

Entretanto, posso fazer a esse respeito conjeturas, sem o caráter de certeza, tendo apenas o alcance de uma probabilidade. E é nessa perspectiva que considero o assunto.

Que é o espírito gótico?

No fundo, é o espírito da Igreja, inesgotável, imenso, fabuloso. É o próprio Divino Espírito Santo que se manifesta. O espírito da Igreja nunca será inteiramente expresso, pois sempre tem riquezas novas. E nós somente o conheceremos no total quando estivermos no Céu, onde a Igreja militante desemboca na Igreja gloriosa. Podemos afirmar que no gótico havia muitas outras coisas a manifestar, porque ainda não era o espírito católico integral, mas apenas alguns de seus traços.

Por mais que o gótico tenha sido integralmente católico, o espírito católico integral não estava inteiramente representado no gótico.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/7/1989)

Quando o sol e o vitral se tornam um

Sempre me comprouve pensar que a Santa Igreja, e com ela a palavra “católico”, é como um vitral sobre o qual incide a luz da História e esta vai fazendo o percurso do astro soberano. O vitral se reveste de um aspecto na madrugada, na iminência da aurora. Em seguida, adquire outra aparência na manhã, outra ao meio-dia, e assim por diante, nas várias fases do dia até o entardecer. E ainda manifesta extrema beleza quando é tocado pelas derradeiras fulgurações do sol, e vemos suas cores brilharem discretamente, como quem nos diz: “Meu filho, até amanhã. Eu voltarei a reluzir…”

Assim, cada época histórica tem o seu modo de contemplar a Igreja, de senti-la, sem contradizer nem se opor à visualização da época anterior. Como, por exemplo, no vitral o aspecto do meio-dia não contradiz o matutino nem o vespertino, mas é um desdobrar de sucessivas facetas que se completam. Para a Esposa Mística de Cristo, essa sucessão caminhará rumo à plenitude, alcançada no fim dos tempos, quando as Igrejas militante e penitente se unirão à gloriosa no Céu. Será o maior, perene e esplendoroso reluzimento do vitral, o momento em que o sol nele se encostou e se tornaram um só!

Essa consideração suscita a pergunta: como terão as várias épocas do passado admirado a Igreja? Em especial, como foi ela vista pela Idade Média?

Ressalvando que essa análise não pretende estabelecer que as almas piedosas de outras eras históricas compreendiam menos bem a Igreja do que as medievais, creio haverem estas ter dado início a uma forma de conceber a Santa Igreja pela qual passou a ser considerada não só como espelho da luz eterna na ordem espiritual, mas também no campo temporal. Quer dizer, tomava-se consciência dessa prerrogativa que Ela sempre possuiu, e desse modo uma certa relação entre as duas ordens ia nascendo de maneira a formar uma civilização inteiramente filha da Igreja, por esta batizada e adornada.

Porém, uma coisa é a joia que uma senhora recebe de presente e usa. Outra, a joia que ela encomenda de acordo com os seus sonhos.

As civilizações grega, romana e outras em que transcorreu a existência da Igreja, não foram as que Ela desenhou para si. Foram civilizações constituídas pela História as quais a Igreja bondosa e maternalmente adotou, abençoou e utilizou como mãe para regalo e benefício desses povos.

Não assim com a sociedade medieval. Quando se deu a decadência e o esfacelamento do Império Romano do Ocidente, a Igreja recomeçou a construir o mundo europeu, aproveitando alguns brilhantes da joia antiga para uma montagem nova onde Ela, por assim dizer, encomendou ao Pai Celeste outro tesouro de brilhantes, incrustando-os aqui, lá e acolá, fazendo florescer a civilização especificamente cristã da Idade Média.

Assim, a Igreja e a cristandade constituíam entre si mais ou menos como dois espelhos paralelos tendo no centro o mesmo foco de luz: multiplicavam, portanto, essa luz, um no outro de maneira indefinida. Espelho imensamente maior, a Igreja; o menor, a ordem temporal, mas as duas ordens se iluminando e irradiando uma na outra, dando origem a tantas maravilhas na arte, na cultura, na política, etc., admiradas até os dias de hoje.

Nesse sentido, poder-se-ia avolumar os exemplos que ilustram tal paralelismo entre as ordens espiritual e temporal na Idade Média. Limito-me, entretanto, a evocar aqui apenas um: as torres.

Pensemos na torre de uma igreja e na de um castelo. Como são congêneres, como é fácil transformar uma torre de castelo em torre de igreja! De outro lado, como a torre da igreja prepara a vista para compreender e amar a torre do castelo! Numa palavra, como o castelo e a igreja são irmãos!

De fato, no fundo todo castelo é um escrínio que contém uma capela, e nesta, a parte mais sagrada é o tabernáculo. Nesse sacrário, o objeto mais valioso é o cibório no qual se encerram as espécies eucarísticas, ou seja, o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo realmente presente em corpo, sangue, alma e divindade.

É uma das mais belas conjugações de temporal e espiritual, de sol e vitral que se osculam, se irmanam e se tornam um só.

Plinio Corrêa de Oliveira

O ideal expresso em beleza

A alma alemã, quando não influenciada por certas tendências contrárias ao espírito católico, é meditativa, idealista, voltada para a constante procura de uma realidade superior, invisível e metafísica. Esse apelo de alma germânico encontra-se, bastante deteriorado, nas composições de um Wagner, por exemplo. E se acha, em todo o seu esplendor, em toda a sua ousadia de voo, na Catedral de Colônia.

À primeira vista, dir-se-ia apenas duas torres, ligadas por um pequeno corpo central de edifício, espremido, quase como um belo hífen que as une.

As torres se lançam vertiginosamente para o alto, concebidas na ideia de levar o espírito para cima e, nessa vigorosa ascensão parecem emular entre si, imergindo cada qual num dos olhos do observador, atraindo-os a extraordinárias alturas. Tanto são leves, esguias, sem abandonar a característica robustez alemã.

Sozinhas, essas torres perderiam algo de sua formosura, ficariam desproporcionadas, claudicantes. Pelo contrário, juntas, harmonizam-se, apóiam-se para subir. A elevação extrema a que chegam é compensada pela base, e por um ponto invisível de equilíbrio — mais uma vez: metafísico — que paira nos ares, elo de junção insuspeitado das duas torres, que o espírito idealiza e o olhar não percebe. Este é o ponto de união no mais alto dos altos das duas torres da Catedral de Colônia.

À medida que se erguem, elas se afilam, se adelgaçam, acentuando a extensão da altura, como se se perdessem nas nuvens. O próprio rendilhado de pedras em que terminam as torres reforçam essa idéia de irreal: já meio céu, meio terra, meio obra do homem, meio obra de Deus, dentro da ilusão de ótica de quem as contempla do solo. As últimas pontas de alvenaria, não conseguindo ir mais longe, morrem sobre si mesmas com elegância e distinção. Tudo é feito para se afinar, afinar, afinar, subir…

Suas ogivas também crescem para o firmamento, e tendem a disputar com as torres a primazia nas alturas.

Ao contrário da fantasia oriental, patente nos minaretes das mesquitas, tão frágeis e delgados, a Catedral de Colônia é a expressão da fantasia ocidental: um mundo de pedras, sólida, com sua base forte, possante, cravada no chão, maravilhosamente compacta até o momento em que as duas torres se separam e começam seu voo.

É a manifestação do gênio da Idade Média que se mostra nessas belezas, lavorado de forma idealista, em busca dos esplendores indizivelmente magníficos que nos aguardam no Paraíso.

Inestimável socorro para os pecadores

Maria Santíssima, como a melhor de todas as mães, desdobra-se em solicitudes e bondades em relação a seus filhos, de modo especial para com aqueles que gemem sob o peso de seus pecados. A estes oferece Ela os tesouros de sua insondável misericórdia, a fim de resgatá-los e conduzi-los à salvação eterna. Nesse sentido, Dr. Plinio analisa uma piedosa ladainha composta por São João Eudes.

Conhecido por sua doutrina sobre os Sagrados Corações de Jesus e Maria, São João Eudes escreveu esta bela ladainha de invocações a Nossa Senhora:

Ave Maria, Filha de Deus Padre.
Ave Maria, Mãe de Deus Filho.
Ave Maria, Esposa do Espírito Santo.
Ave Maria, templo de toda a Divindade.
Ave Maria, alvíssimo lírio da Trindade, fulgurante e sempre sereno.
Ave Maria, rosa resplandecente de celestial amenidade.
Ave Maria, Virgem das Virgens, Virgem fiel, de quem quis nascer e de cujo leite quis se amamentar o Rei dos Céus.
Ave Maria, Rainha dos Mártires, cuja alma foi transpassada pelo gládio da dor.
Ave Maria, Senhora do mundo, a quem foi dado todo poder no Céu e na Terra.
Ave Maria, Rainha do meu coração, Mãe, vida, doçura e esperança minha caríssima.
Ave Maria, Mãe amável.
Ave Maria, Mãe admirável.
Ave Maria, Mãe de misericórdia.
Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco; bendita sois Vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.

E bendito é o vosso Esposo, São José.
E bendito é o vosso Pai, São Joaquim.
E bendita é a vossa Mãe, Sant’Ana.
E bendito é São João, a quem fostes confiada ao pé da Cruz.
E bendito é o vosso Anjo, São Gabriel.
E bendito é o Eterno Padre que vos escolheu.
E bendito é o vosso Filho que vos amou.
E bendito é o Espírito Santo que vos esposou.
E benditos são eternamente os que vos bendizem e crêem em Vós.

Maternal convite à conversão

Essas invocações, além de belas e tão expressivas, encerram grande valor espiritual, pois, segundo o autor que as publica, o próprio São João Eudes “recomendava que se recitasse esta prece para a conversão dos pecadores e prescrevia a seus filhos que a dissessem na cabeceira dos doentes.

“A Santa Virgem lhe prometeu que todos que a recitassem com devoção e boa vontade, se estivessem em estado de graça, Ela lhes aumentaria a devoção em seus corações, a cada uma das  saudações ou bênção.”

Portanto, cada invocação alcançaria uma graça especial, um aumento da devoção a Nossa Senhora. “E se estivesse em pecado mortal, com sua mão doce,  virginal, Nossa Senhora bateria na porta dos pecadores, a cada saudação ou bênção que dissessem, convidando-os a se abrir para a graça”.

Ou seja, um favor extraordinário de Maria Santíssima. A cada uma dessas invocações dita pelo pecador em estado de pecado grave, Nossa Senhora lhe bate à porta da alma, convidando-o a uma emenda, ao arrependimento e à penitência.

“E acrescentou que, em relação às pessoas empedernidas no pecado e difíceis de converter, seria salutar incitá-las a dizerem de bom grado essa oração. Ou, pelo menos, concordarem que a oração seja dita por elas, o que lhes faria igualmente bem.”

Compreende-se, então, como essa ladainha de invocações constitui um importantíssimo meio de conversão, e um valioso instrumento de santificação. As três primeiras invocações se referem à  Nossa Senhora como Filha de Deus Padre, Mãe do Filho Encarnado e Esposa do Divino Espírito Santo, e formam a trilogia mariana apreciada por muitos santos, teólogos e doutores. Dessa  ladainha, elas se desprenderam como três sóis, três estrelas para constituírem um tesouro especial no firmamento da Igreja.

Creio que nunca será demasiado recomendar esta linda prece a todos os católicos, mormente aos que, por infelicidade, se encontrem sob o jugo do pecado. 

Amor de Mãe e de criatura

Escolhida desde toda a eternidade para trazer ao mundo o Unigênito de Deus, Nossa Senhora tinha em grau altíssimo todos os desvelos de uma mãe em relação ao seu filho e, ao mesmo tempo, adorava-O como o seu Criador. De maneira tal que, ao vê-Lo se distrair como criança, ao vesti-Lo ou dar-Lhe de comer, Ela pensava: “Deixe-me tomar conta de meu Filho, deixe-me tratar d’Aquele que me criou…”

Por uma profunda compreensão da união hipostática, Maria sabia que as menores ações do Menino Jesus — Segunda Pessoa divina encarnada — repercutiam no seio da Santíssima Trindade, e ao contemplar esse indizível relacionamento, cresciam na alma d’Ela suas solicitudes de Mãe e seu amor de criatura.

Chave da nossa salvação

Maternal e infalível advogada dos homens junto a seu Divino Filho, Maria Santíssima nos conheceu a cada um de nós antes que A conhecêssemos, amou-nos antes que A amássemos, e no trajeto — breve ou longo — que devemos percorrer rumo ao Céu, é d’Ela, em nosso favor, a primeira assim como a última palavra. Donde nossa peregrinação rumo à pátria celestial cumpre se fazer na serenidade, com um ato de confiança completa:

“Ela deseja me salvar mais do que eu mesmo e, portanto, com Ela caminho em paz. A chave de minha salvação está nas mãos de Nossa Senhora”.

Santa Inês

No momento de seu martírio, oprimida pelas dores, Santa Inês recompôs suas vestes por amor à pureza.

Ter essa preocupação naquela hora significa tão grande elevação de espírito, tão intenso amor à virtude, que não se pode simplesmente incluir o fato nos fioretti, como se fosse mais um tocante episódio de vida de santo.

Essa atitude da mártir é como que o brilho de uma gota do preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo; é um ato admirável de sabedoria, uma manifestação arrebatadora de apreço pela castidade, sua e do próximo.

Plinio Corrêa de Oliveira

OBEDIÊNCIA A CRISTO REI

Há séculos os católicos mantêm o belíssimo culto a Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto Rei de todas as criaturas. Mas, além das orações e da veneração aos símbolos, é preciso fazer algo mais para honrar essa divina realeza. O quê? Dr. Plinio o diz neste artigo.

A doutrina da realeza de Jesus Cristo está intimamente ligada à antiga e belíssima prática da entronização do Sagrado Coração de Jesus nos lares. Se alguém entroniza a imagem do Sagrado Coração de Jesus no lugar mais rico e mais nobre do lar, é exatamente porque reconhece que Ele é rei. Entretanto — triste constatação! —essa piedosíssima prática acha-se em nossos dias quase completamente abandonada.

Nessas condições, talvez não seja supérfluo recordar aqui a doutrina tradicional da Igreja sobre a realeza de Cristo.

Na sua infinita misericórdia, Deus dignou-se comparar o amor infinito com que nos ama, ao amor que nos têm nossos pais. Evidentemente, não quer isto dizer que Ele tenha reduzido na comparação as insondáveis dimensões de seu amor, para as amesquinhar até as proporções exíguas dos afetos de que os homens são capazes. Se Ele se serviu dessa comparação do amor paterno, foi apenas para nos dar a entender, de longe, o quanto Ele nos ama.

Se dermos à palavra “pai” o sentido  que ela tem na ordem natural, Deus não é apenas nosso Pai, mas, muito mais do que isto, por ser nosso Criador. Porém, como a função de pai, na natureza, não é senão a de coadjuvar Deus na obra da criação, se alguém merece na realidade o nome de Pai, é Deus. E nosso pai segundo a natureza outra coisa não é senão o depositário de uma parcela da paternidade que Deus tem sobre nós.

O mesmo se dá com a realeza de Jesus Cristo. Para nos fazer compreender a autoridade absoluta que, como Deus, Ele tem sobre nós, Jesus Cristo dignou-se comparar-se com um rei. Entretanto, como é por Ele que reinam os reis, e a autoridade dos reis só é autêntica por provir d’Ele, na realidade o único Rei, Rei por excelência, é Ele. E os reis ou chefes de Estado não são senão seus  humildes acólitos, dos quais Ele se digna servir-se na obra da direção do mundo. Cristo é Rei por ser Deus. Chamando-O de Rei, queremos simplesmente afirmar a onipotência divina, e nossa obrigação de obedecer-Lhe.

Obediência! Eis aí um dos conceitos contidos essencialmente no conceito da realeza de Nosso Senhor. Cristo é Rei, e a um rei deve-se obediência. Festejar a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo é festejar seu poder sobre nós. E, implicitamente, nossa obediência em relação a Ele. Como é que se obedece a um rei?

A resposta é simples: conhecendo-lhe as vontades e cumprindo-as com amorosa e pormenorizada exatidão. Assim, pois, o único modo de obedecermos a Cristo Rei é conhecer sua vontade, e segui-la.

Dessa noção tão clara, tão simples, tão luminosa, segue-se um programa de vida, também ele claro, luminoso e simples.

Para conhecer a vontade de Cristo Rei, devemos conhecer o Catecismo. Porque é ali, através do estudo dos Mandamentos, estudo este que só será completo com o estudo de toda a doutrina católica, que conhecemos a vontade de Deus. E para seguir essa vontade, devemos pedir a graça de Deus pela oração, pela prática dos Sacramentos e por nossas boas obras. Finalmente, pela vida interior, isto é, pela devoção a Nossa Senhora — tesouro doutrinário e espiritual constituído pela Igreja ao longo dos séculos —, seguiremos a vontade de Deus.

Disse Nosso Senhor que o Reino de Deus está dentro de nós mesmos. Ora, este pequeno reino — pequeno como extensão mas infinito como valor, porque custou o Sangue de Cristo — cada um de nós deve conquistar para Nosso Senhor, destruindo tudo aquilo que, dentro de nós, se oponha ao cumprimento de sua Lei.

Finalmente, as leis de Cristo se aplicam, não apenas a um indivíduo em particular, mas aos povos e nações.

Que os povos conheçam e pratiquem na sua organização doméstica, social e política, os ensinamentos tradicionais da Igreja, que são a expressão da própria vontade de Deus, e Jesus Cristo será Rei.

Plinio Corrêa de Oliveira (Transcrito da “Última Hora”, de 8/1/1982. Título nosso.)

Bondade régia da Virgem do Miracolo

Segundo afirma Dr. Plinio, um estupendo milagre ocorrido no século XIX prefigura os prodígios de conversão que a Santíssima Virgem deverá operar em nossos dias, tornando-se Ela a Rainha de todos os corações.

Entre as centenas de igrejas que a piedade católica edificou na Cidade Eterna está a de Santo Andrea delle Fratte (Santo André dos Frades), onde se venera uma linda imagem de Nossa Senhora, sob a invocação de Madonna del Miracolo, ou Nossa Senhora do Milagre.

Como facilmente se intui, esse título se refere a um grande milagre realizado pela Mãe de Deus, no mesmo lugar onde hoje é cultuada por seus inúmeros devotos: A conversão do judeu Ratisbonne.

Era 20 de janeiro de 1842. Que se passou naquela ocasião?

Para a maioria dos que então se encontravam em Roma, era apenas mais um dia frio e corriqueiro de inverno. Não o seria, porém, para um turista de passagem pela capital da Cristandade.

Afonso Tobias Ratisbonne, francês aparentado com a influente família dos Rotschild, era judeu de raça e religião. Mais dado ao ceticismo, alimentava uma não pequena animosidade contra a fé católica. Naquele dia, porém, cedendo aos rogos do Barão de Bussières (que desejava a conversão dele), e um tanto por bravata, concordou em colocar ao pescoço a Medalha Milagrosa, muito difundida no período imediato às aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, em 1830, na capela das Filhas da Caridade, na rue du Bac, em Paris.

Além disso, a convite do mesmo amigo, dirigiram-se à igreja de Santo Andrea delle Fratte, onde o Barão devia encomendar uma missa de sétimo dia pela alma de um conhecido. Chegados ali, o amigo foi até a sacristia, enquanto Ratisbonne, por um interesse artístico, mas com ar meio de mofa, começou a percorrer o recinto sagrado, detendo-se aqui e ali, diante dos altares laterais.

Quando o Barão retorna, depara com esta cena surpreendente: o judeu ajoelhado, completamente em êxtase, transfigurado, rezando com inusitado fervor em frente de uma das capelas  secundárias.

O Barão de Bussières apressou-se em lhe perguntar o que acontecera, e Ratisbonne comovidíssimo abraçou-o dizendo:
— Eu vi a Mãe de Jesus Cristo! Ela me apareceu…. aqui!

E descreveu a aparição de Nossa Senhora, cuja celestial figura correspondia em tudo à que vira Santa Catarina Labouré, alguns anos antes, em Paris. Segundo ele, a Santíssima Virgem cingia uma coroa de Rainha e vestia uma bela túnica comprida, presa à cintura por uma faixa preciosa; pousava os pés virginais sobre a toalha de linho do altar, e lhe sorria maternalmente, com os braços estendidos e as mãos abertas. Como se vê, a mesma silhueta da imagem esculpida na medalha que ele então trazia.

Ante essa extraordinária visão, Ratisbonne compreendeu que se encontrava na presença da Mãe de Deus: caiu de joelhos e se converteu no mesmo instante. Poucos anos depois tornar-se-ia o Padre Afonso Maria Ratisbonne, secundando seu irmão na fundação da Congregação do Sion, voltada de modo particular para o apostolado católico com os israelitas.

Estratégia da Providência contra a impiedade

A notícia dessa conversão logo se difundiu, revestindo-se de profundo significado no contexto psicológico e doutrinário da época. No século XIX, a impiedade insistia no sofisma de que o homem racional, procurando julgar as coisas de acordo com a razão, não encontra fundamentos suficientes para afirmar a veracidade da Igreja Católica. Não tem meios de provar que Deus existe, que  Jesus Cristo é Deus, que a Igreja tenha sido fundada por Ele. Portanto, todo o edifício das doutrinas e da Fé no catolicismo não passa de um arcabouço inaceitável e ilegitimável pela razão humana.

É um mito, como qualquer outro da antiguidade romana ou grega, como os da religião hindu ou das crenças africanas. Não poucas almas estavam perdendo a Fé, cedendo culposamente ao dilúvio de objeções — a maior parte das quais constituída por chicanas e sofismas, além de alguns argumentos capciosos contra a Igreja Católica. A fim de combater essa investida diabólica, a Providência  fez milagres em diversos lugares, e o ocorrido na Igreja de Santo Andrea delle Fratte foi um dos mais insignes a comover a Cristandade.

Qual fato poderia causar maior estupor do que um filho do judaísmo, aparentado com uma das famílias mais ricas do mundo, sem a menor necessidade de agradar a Igreja Católica, declarar-se de repente convertido por ter visto Nossa Senhora? E que, como prova de sua sinceridade, abandona a vida mundana e abraça para sempre uma existência de renúncia e sacrifício. Ainda por cima, ajuda a fundar uma Congregação religiosa destinada a trabalhar pela conversão de seu povo. Maior manifestação de autenticidade, ele não poderia dar.

Para a humanidade daquele tempo, sacudida pela multidão de argumentos dos inimigos da Religião Católica, esse evidente milagre caía como uma refrescante gota d’água num deserto.

Nossa Senhora desferia um golpe sumamente estratégico e bem calculado, pisando na cabeça da serpente infernal. Pelo testemunho de um ex-adversário, Ela demonstrava de modo maravilhoso quanto a Igreja Católica é verdadeira.

Pouco depois, como num requinte desse “plano de ataque ”, Ela daria início aos milagres de Lourdes, que viriam a constituir a mais acentuada série de celestiais prodígios na história da Igreja.

Diante da imagem, uma contínua “aparição”

Logo depois da aparição a Ratisbonne, foi pintada a imagem da Madonna del Miracolo, de acordo com as indicações do vidente. Como sói acontecer, o símbolo ficou devendo à Simbolizada, pois, por mais bela que seja a figura retratada por mãos humanas, a formosura de Nossa Senhora excede a qualquer esplendor. Ela não é pintável, assim como não é descritível.

Trata-se de uma imagem romântica, bem no estilo do século XIX, bastante comunicativa, e que deve ser vista com certo recuo. Ou seja, contemplada com olhos que sejam capazes de ver muito mais e além do que os próprios olhos possam apreender. Há nela um sorriso, uma express ão de fisionomia, uma afabilidade no gesto, que transcendem a cor do vestido e outros pormenores dos adornos.

Considerando-a, certas almas chegam mesmo a sentir algo do autêntico sorriso de Nossa Senhora. Ela cria em torno de si uma atmosfera sumamente benfazeja. As pessoas que rezam diante do quadro, na Igreja de Santo Andrea delle Fratte, mantêm-se em geral recolhidas, deixando perceber em suas faces o quanto se sentem penetradas pelas graças efundidas pela Santíssima Virgem.

Envolve-as uma impressão de paz e calma, de céus abertos, e de que Nossa Senhora, exorável, dispõe-Se a atender a todos os pedidos. Uma sensação de que o tempo não se encontra apartado da eterna bem-aventurança, e de que a benignidade de Nossa Senhora transpõe distâncias incomensuráveis para se nos tornar acessível e acolhedora. Experimenta-se uma verdadeira consolação, uma verdadeira confiança, uma verdadeira resignação, uma certeza de que, em última análise, tudo dará certo.

Lembro-me, emocionado, de que venerei essa imagem em dias de muitas e penosas preocupações. Nesse período, o sorriso dela era a grande esperança que me iluminava e guiava, beneficiando-me da unção característica que ela comunica em torno de si.

Em diversos momentos, era tomado pela impressão singular de que a pintura continuava a aparição, adquirindo uma luminosidade cambiante, uma luz que me sorria mais ou menos conforme o dia e conforme o modo de Nossa Senhora olhar-me. Isso trazia uma espécie de garantia de graça concedida, de bondade dada, de favor outorgado, a sensação de que o sorriso de Nossa Senhora cicatrizava todas as dores e sofrimentos do dia, e me armava de alento para a jornada seguinte.

Nesse tempo que passei em Roma, cheio de momentos aprazíveis, mas também de graves apreensões, essa imagem me animou numerosas vezes com uma contínua efusão de graças. Consolou-me, fazendo-me sentir que Ela estava mais próxima de mim, a espargir seu incansável amor materno. Pedir e esperar grandes milagres que renovem o mundo Uma consideração final.

A Virgem do Miracolo é, portanto, a Virgem que praticou um grande milagre. Ela converteu, de um momento para outro, um homem mundano, com toda espécie de preconceitos contra a Religião Católica. Passando por cima dessas tremendas barreiras, Nossa Senhora fez o milagre de o converter, maior até que o de lhe aparecer. Por assim dizer, Ela entrou na alma dele e o transformou completamente.

É o milagre moral, mais estupendo que qualquer milagre material.

Cumpre observar que, em virtude de uma lei superior da Providência, milagres assim tornam-se mais freqüentes nas épocas em que são mais necessários. Desse modo, sempre que a situação no mundo vai se apresentando mais precária, que a impiedade vai crescendo — como vemos em nossos dias —, o número de milagres deverá aumentar. Poderão demorar mais ou menos tempo para começar, mas virão na hora certa e farão sua obra.

E nós, católicos, devemos contar com eles para abrirmos caminho no meio de tantas provações, confusões e decadências. Deus tem desígnios e mistérios que não nos cabe alcançar. Apenas  devemos confiar e esperar que Ele, a rogos de Maria Santíssima, intervenha de modo miraculoso para tocar o coração da humanidade contemporânea.

Por ocasião da festa de Nossa Senhora do Miracolo, nada mais oportuno do que pedirmos com fervor e empenho que Ela, como fez com Ratisbonne, entre triunfalmente em nossas almas e nas de todos os homens, vencendo nossos vícios, nossos pecados, nossas misérias e quaisquer outros obstáculos que pudéssemos Lhe opor. De maneira que Ela se torne verdadeiramente Rainha de  nossos corações, e opere um maravilhoso milagre moral que transmude e renove a face do mundo.

Plinio Corrêa de Oliveira

Miliciano de Nossa Senhora e de Nosso Senhor Jesus Cristo

Podemos imaginar São Sebastião na força da idade, na glória do uniforme romano, no esplendor do capitaneio da coorte imperial, que se esgueira e, sem encontrar resistência da parte das sentinelas das prisões, por ser ele quem era, vai entrando pelos cárceres, pelas enxovias e alimentando, com a sua coragem, os anciãos, os jovens de ambos sexos, as pessoas de todas as condições que ali estavam para serem martirizadas.

São Sebastião sabe que sua atitude vai acarretar para ele também o martírio, mas caminha rumo ao suplício com aquela serenidade, deliberação e superior entrega de si mesmo à Cruz de Cristo, Nosso Senhor, que faz com que ele não estremeça, mas permaneça, durante todos esses riscos, sempre heroico e senhor de si, até entregar a sua alma a Deus, com uma tranquilidade diante da morte própria a um militar miliciano de Nossa Senhora e de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/1/1967)