Candura, vigilância e holocausto

Tendo por discípulos dois meninos privilegiados diariamente por uma singular visita, São Bernardo de Morlat foi agraciado com um especial convite: participar de um banquete no Céu…

 

Comentarei um fato muito bonito, narrado na “Vie des Saints, da Bonne Presse de Paris”(1), mas não sei qual é o grau de sua veracidade histórica.

Muitas vezes, intencionalmente e a bom título, essas coletâneas de vidas de santos contêm, a par de fatos indiscutíveis, alguns que são discutíveis, quer dizer, não se sabe bem se ocorreram ou não. Mas o ponto que nos interessa é o seguinte: se o fato narrado é conforme à Doutrina Católica. Então, ainda que o fato não seja exato, Deus poderia ter agido assim.

A narração que passarei a comentar dá uma noção a respeito da santidade infinita de Deus e é ilustrativa para o fiel. É a esse título que me parece muito bonito o fato.

Trajes infantis antes da Revolução Francesa

São Bernardo de Morlat, da Ordem dos Dominicanos, era sacristão no convento de Santarém, em Portugal. Tomara ele, como discípulos, a dois meninos, filhos de um cavaleiro de Santarém, os quais receberam logo o hábito e a tonsura monásticas e daí por diante passavam os dias no convento, ajudando as Missas e estudando com o Padre Bernardo.

A pedagogia antiga preceituava que as crianças, desde pequenas, se vestissem como adultos. E daí o fato de vermos, nas pinturas de até pouco antes da Revolução Francesa, as meninas vestidas de saia balão, os meninos com trajes de homem que sai à rua para tratar de negócios, ou que vai à Corte.

Os trajes propriamente infantis foram introduzidos pelo Marquês de Girardin(2), no Jardim de Luxemburgo, em Paris, pouco antes da Revolução Francesa. Eram trajes inspirados na moda inglesa e que visavam apresentar a criança não mais com a compostura e a gravidade de um adulto, mas como um ente que pula e não se quebra. Então, uma roupa qualquer do tipo que nós conhecemos. Isso foi também um dos incêndios prévios à Revolução Francesa. Uma vez que o Marquês de Girardin apresentou seus filhos assim, a moda pegou e, em poucos meses, na França inteira os hábitos antigos estavam abolidos, e as crianças “sans-culotte” já começavam a brincar pelos jardins da França, antes do “sanculotismo” estar implantado.

Mas a Igreja, sempre mais conservadora do que a sociedade temporal, ainda conservou esse hábito. E não posso deixar de me lembrar de que, quando era moço — tinha entre vinte e cinco e trinta anos —, fui visitar o então austero, magnífico, Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, para falar não me recordo com que padre; eu estava andando pelo convento e de repente vi dois menininhos, talvez com dez, onze anos, vestidinhos completamente como monges e caminhando graves no meio do claustro.

Eles passaram, conversando tão direitos e sérios, que eu tive a vaga impressão de que se tratasse de uma aparição. Quando o padre chegou, perguntei-lhe: “Mas padre, que menininhos são esses?” Ele disse: “É um velho costume beneditino. Nós recebemos vocações da mais tenríssima idade e, para os meninos se adaptarem à vida religiosa, já são vestidos como monges em pequeno.”

Nas minhas elucubrações a respeito de “geração nova”(3), ocorre-me a ideia de que o “geração-novismo” começou quando o Marquês de Girardin adotou os trajes que não davam à criança a sede da maturidade, mas o gosto de serem como eram, sem o desejo de crescer, de maturar, retardando, portanto, a normal expansão da criança.

Traje, gesto, estilo de conversar e de pensar

Alguém poderia perguntar: “Mas traje, Dr. Plinio, que diferença faz?”

Eu digo: “Meu caro, traje supõe gesto. Gesto supõe estilo de conversar. Estilo de conversar supõe estilo de pensar.”

Então podemos imaginar aqueles dois menininhos da Idade Média, vestidos como fradinhos e recebidos na Ordem Dominicana. O hábito da Ordem Dominicana, aliás, é muito bonito.

Um dos predicados da Igreja é que Ela sabe, como nenhuma instituição, com as coisas muito simples produzir efeitos estéticos extraordinários. Por exemplo, os hábitos das Ordens religiosas geralmente são bonitos. O hábito dominicano consiste numa túnica branca, com uma grande capa preta e um capuz branco; grandes mangas, que dão ao orador, quando ergue ao alto seus braços para exprimir um mais alto pensamento, atitude de grande categoria, porque as grandes mangas que pendem dão solenidade ao gesto. É a simplicidade extrema da Igreja, o magnífico senso da beleza que Ela possui em tudo quanto faz.

Então os menininhos ajudavam as Missas todos os dias e estudavam com o Padre Bernardo, que ia formando o espírito deles.

O Divino Infante participa do desjejum com dois meninos

Todos os dias os dois meninos saíam bem cedo da casa de seus pais para se dirigirem ao convento, levando consigo a provisão diária.

Não espanta que eles morassem em casa e usassem esse hábito. Porque na Idade Média o hábito religioso era muito mais frequente e normal do que se tornou depois.

Um dia de manhã, com uma familiaridade toda infantil, sentaram-se aos pés de uma imagem de Nossa Senhora, que trazia no colo o Menino Jesus…

Podemos figurar uma imagem bonita, como a de Nossa Senhora de Coromoto, com o Menino Jesus nos braços. Suponhamos toda a cena realizada diante dessa imagem, para compreendermos como fica apropriada.

…diante da qual sempre rezavam o Rosário, para em seguida tomarem o seu desjejum.

Eram, portanto, crianças piedosas. Toda criança amanhece com fome; e criança lusa não desmente a regra. Pois bem, elas rezam o Rosário para depois quebrarem o jejum.

 Enquanto comiam, um deles voltou-se para o Menino Jesus nos braços da Virgem e disse-Lhe: “Ó belo Menino, se Vos agradar, vinde comer conosco.”

O Divino Infante não Se fez de rogado, desprendeu-Se dos braços da Mãe, e de bom grado tomou lugar entre os que O haviam convidado.

Podemos imaginar, na imagem de Nossa Senhora de Coromoto, o Menino que se move e diz com voz de criança: “Pois não!” E, de coroa na cabeça, desce do colo de Nossa Senhora, toma um pouco de comida, a introduz na boca e começa a mastigar.

Os dois repartiram então com Jesus a frugal refeição. Tendo terminado, o Menino Deus agradeceu-lhes com um sorriso, subiu ao altar e voltou aos braços de Maria.

Vemos que tudo isso é de uma candura… O importante é o seguinte: eu não me interesso, como católico, senão muito pouco, em saber se isso foi ou não foi assim. O que me interessa é que podia ter sido, porque Nosso Senhor Jesus Cristo é assim; está n’Ele realizar essas coisas. Se Ele fez ou não fez, não é tão importante.

No dia seguinte, os coroinhas voltaram renovando o pedido.

E todas as vezes o Hóspede Divino dignou-se aceitá-lo, até que qualquer convite ficara supérfluo. Apenas os meninos entravam na capela e abriam o embrulho de alimentos, o Menino Jesus lá estava entre eles.

É tão delicioso, que dispensa comentários.

Isso se tornou tão familiar que não só comiam juntos, mas também conversavam, e Jesus os ajudava nas dificuldades que tinham no estudo.

Que encanto imaginá-los perguntando e Nosso Senhor respondendo, na intimidade de uma pequena capela do interior de Portugal!

O guizo da serpente

Veremos agora aparecer, ao lado de tanta candura, o drama, que tantas vezes surge nas relações entre a criatura e o Criador: a miséria humana vai se mostrar, do modo mais incoerente e mais inesperado, nesses meninos magníficos.

Uma coisa somente surpreendia os dois inocentes: é que o Menino Jesus nunca trazia sua quota de comida, enquanto eles eram obrigados a conseguir mais alimentos, embora seus pais fossem muito pobres.

 “Não haverá muitas coisas boas no Paraíso?”, perguntavam. A surpresa dos dois degenerou em murmúrios.

Coisa incrível, mas é assim a criatura humana: no conto mais encantador, ouvimos de repente o guizo da serpente, como no mais belo do Paraíso veio, também de repente, a tentação.

E resolveram confiar ao Padre Bernardo suas angústias. Este, tendo examinado bem o relato, ficou tocado por tão grande prodígio. Rogou a Deus que o iluminasse e o fizesse conhecer os seus desígnios sobre os meninos. Um dia, dirigindo-se aos pequenos discípulos, ele sugeriu: “Se o Menino Jesus continua não trazendo nenhuma provisão, não vos agradaria que Ele vos convidasse, ao menos uma vez, à casa de seu Pai?”

Não pedir alimento, mas a graça de ver o Céu

A saída do padre foi muito inteligente: não pedir ao Menino Jesus que trouxesse comida, mas que vissem o Céu.

“Oh! sim, gostaríamos muito, responderam. Mas Ele nunca nos falou sobre isso”. Disse o padre: “É preciso que Lhe peçais. Se Ele atender vosso pedido, não tereis perdido nada, pois de um só convite d’Ele recebereis mil vezes mais do que destes”.

Vemos que o padre sentiu necessidade de pôr o argumento em termos um pouquinho comerciais, para conseguir mover aquelas almas, entretanto tão cândidas e puras.

Não nos façamos ilusão! Essa é a criatura humana e é assim que devemos olhar a nós mesmos! Quer dizer, ou há muita vigilância, ou saem coisas dessas.

E continuando a falar-lhes, o Padre Bernardo fez entrever simbolicamente o palácio do Pai Celeste, com suas magnificências e delícias, e concluiu: ‘Quando o Menino da capela vier novamente comer convosco, não vos esqueçais de pedir que vos convide, por sua vez. Mas dizei a Ele que quero também ser convidado. Não vos permito que vades sozinhos à festa. Eu vos acompanharei, ou tereis que recusar o convite, porque desejo muito ter parte nesse festim”.

No dia 21 de maio de 1277, segunda-feira das Rogações…

Há uma procissão que se faz nessa ocasião, para pedir a Deus graças; a Providência se manifesta particularmente exorável nessas ocasiões.

…o Menino Jesus desceu de novo para tomar o desjejum com os dois meninos. Terminada a refeição, antes que o Divino Infante pusesse o pé sobre o pedestal de pedra para subir aos braços de Nossa Senhora, os dois pequenos expressaram timidamente o seu desejo: “Não nos convidais também uma vez?” Jesus fez um sinal de afirmação, enquanto os pequenos acrescentavam: “Nosso mestre gostaria de também participar da festa”.

Jesus então lhes disse: “Dentro de três dias será festa da Ascensão. Haverá grande alegria na casa de meu Pai. Dizei ao Padre Bernardo que Eu o convido convosco à minha mesa, onde estareis com os Anjos e os Santos”.

Contentíssimos, os dois correram para comunicar ao seu mestre a boa notícia. Ao chegarem a suas casas, avisaram aos pais que dentro de três dias iriam participar de um banquete no Céu. O Padre Bernardo comunicou o mesmo ao seu diretor espiritual.

Durante os três dias, mestre e discípulos permaneceram em oração, ajoelhados ao pé do altar do Rosário. O padre explicou aos meninos o sentido do convite de Jesus e eles, abrasados de amor, não queriam outra coisa senão deixar este mundo e entrar sem tardança na verdadeira Pátria.

Notamos que começa a haver um movimento de desinteresse, e os meninos melhoram.

Padre Bernardo e os dois meninos são levados ao Céu

Chegou o dia da Ascensão. Todas as Missas já haviam sido celebradas — isto na aldeia de Santarém. Enquanto os frades estavam no refeitório, Padre Bernardo dirigiu-se ao altar do Rosário, acompanhado por seus dois acólitos, e começou o Santo Sacrifício. Os dois discípulos receberam com grandíssima devoção, pela primeira vez, o Pão Eucarístico. Chegou a hora da ação de graças. Os três ajoelharam nos degraus do altar, aguardando com confiança o momento de partida para a morada celeste.

Mais tarde, quando a comunidade chegou à igreja para a recitação das orações após a refeição, encontraram o padre e os dois acólitos imóveis, as mãos levantadas ao céu e os olhos fixos no Menino Jesus. Aproximaram-se deles e, — oh, morte preciosa e mil vezes digna de inveja! — constataram que haviam trocado a vida terrestre pela bem-aventurança eterna. Os seus corpos foram enterrados ao pé do altar.

Não poderiam ser enterrados em outro lugar.

Em 1577, quando foi aberto o túmulo para a transladação das relíquias, os ossos sagrados exalavam um delicioso perfume. A imagem da Virgem com o Menino Jesus conserva-se até hoje num rico tabernáculo.

Candura, vigilância e holocausto

Vemos aqui a candura em seus dois contrafortes: a vigilância e o holocausto. Sem esses dois complementos, a candura jamais é candura. Para ter verdadeira candura, a pessoa precisa vigiar constantemente sobre si mesma, noite e dia, para evitar ceder aos inúmeros impulsos maus que enxameiam, formigam, no interior de cada alma; primeiro ponto.

Segundo: quando é verdadeiramente cândida, ela é convidada para o holocausto. Quer dizer, há um determinado momento em que a Providência lhe pede que se imole. Esses meninos tiveram seu mau momento, foram perdoados e depois convidados ao holocausto.

Com certeza, antes de morrer, eles souberam que iam deixar esta Terra. Foram consultados sobre se queriam a morte, e aceitaram-na; suas almas foram levadas para o Céu, docemente, suavemente.

E ficou aqui consignada, muito menos a imagem dos meninos e do padre, do que a figura do Menino Jesus, tão bondoso, tão misericordioso, tão capaz de condescender a todos os desejos dos homens e entrar com eles nessa familiaridade. A respeito de Nosso Senhor, diz a Escritura: “Minhas delícias são estar com os filhos dos homens” (Pr. 8, 31). Ao mesmo tempo, entretanto, pedindo um preço. É o preço que Ele mesmo pagou: o holocausto. Em certo momento, Ele pede o sacrifício e é preciso dá-lo. Assim, a vida deles terminou maravilhosamente bem.

Candura, vigilância e holocausto formam uma tríade, que merece ser lembrada por nós na noite de hoje.  v

 

(Extraído de conferência de 12/11/1976)

 

1) Não possuímos a ficha utilizada por Dr. Plinio nessa ocasião.

2) René Louis de Girardin (1735-1808).

3) Sendo já homem maduro, Dr. Plinio foi notando entre os jovens com que fazia apostolado uma mudança de modos de pensar, querer e agir. Enquanto as pessoas de igual ou maior idade que ele demonstravam certas qualidades de espírito, esses mais novos apresentavam debilidades, tais como falta de perfeita lógica, de segurança, de direção, de perseverança, etc. Aos primeiros, Dr. Plinio chamava de “geração velha”; e aos últimos, de “geração nova”

A Civilização Cristã: fruto da graça

Qual o papel da graça divina na educação, na distinção e nas boas maneiras de um povo? Conquistada para nós pelo Sangue de Cristo, a graça penetra nos homens  produzindo inúmeras  maravilhas.  Entre elas está a Civilização Cristã.

 

Folheando uma coleção de fotografias de pessoas de várias nações, entre as quais havia alguns marajás e um sultão do Afeganistão, eu notava a diferença existente entre a atitude, o porte e a posição dos monarcas, ou dos pretendentes a tronos, ocidentais, e os do Oriente.

No Oriente as pedras preciosas são muito maiores, mais bonitas, de melhor quilate; o subsolo é muito mais rico desse gênero de esplendores. Também as pérolas que se colhem em alguns lugares do Oriente são de uma beleza incomparável. De maneira que as figuras de destaque orientais podem constituir para si ornatos muito mais ricos do que os príncipes do Ocidente.

De outro lado, acontece que os orientais dispõem de tecelões que trabalham com tecidos feitos à mão, os quais são de uma qualidade muito superior do que os fabricados por meios industriais, como sucede em geral no Ocidente. Dessa forma, sob o ponto de vista da indumentária, os orientais se apresentam muito melhor do que os do Ocidente. Tanto mais quanto aqueles têm certa fantasia. E também não são inibidos por preconceitos revolucionários, não receando parecer por demais maravilhosos.

Uniformes de militares e diplomatas ocidentais do século XIX

Um homem no Ocidente tem medo de parecer por demais maravilhoso. Examinem, por exemplo, os uniformes oficiais dos diplomatas e dos militares de alto grau, generais, marechais, do século XIX e os do século XX. É uma degringolada medonha. No século XIX uns e outros usavam bicórneos — chapéus de dois bicos, com abas que se reuniam em cima, e tinham “aigrettes” brancas; as roupas eram bordadas com alamares e outras coisas muito bonitas; os veludos eram extraordinários. Esses fardões custavam tão caro, que ao encerrar a sua carreira o diplomata dava de presente o seu fardão a um colega da sua predileção, porque o uniforme representava uma fraçãozinha não negligenciável do patrimônio de um embaixador.

Mas atualmente um homem tem vergonha de se apresentar com esses trajes, porque o espírito de Revolução achatou todas as tendências para o belo.

Pelo contrário, no Oriente isso não foi assim. Marajás, rajás, xás, quedivas, sultões, ulemás, aparecem com essas roupas bonitas. Entretanto, se formos examinar os homens, veremos que eles são muito inferiores, como porte, aos do Ocidente. Porque durante séculos, desde que a Igreja Católica penetrou no Ocidente, neles começou a germinar a Moral católica. E quando nós consideramos uma pessoa que observa em todos os seus pormenores a Moral católica, notamos que essa pessoa, ou seu filho ou seu neto, acaba sendo de uma educação e de um porte perfeitos.

A Moral católica gera educação, distinção e correção perfeitas

Por quê? Tomem uma pessoa que pratica a Moral católica perfeitamente. É instintivo nela, ainda que não tenha recebido uma educação de salão, praticar, por exemplo, atos como este: a pessoa está se servindo à mesa com um convidado por ela; por ser convidado, este merece uma especial honra e atenção; ela então serve o convidado antes de se servir a si própria.

Essas coisas, ensinadas como regras de educação — “Você na sua casa, tendo convidados, seja o último a se servir”; “quando está na presença de mais velhos, faça que estes se sirvam antes”; “em presença de pessoas mais graduadas do que você, reconheça de boa vontade essa maior graduação, preste-lhes honras” —, são aplicações de princípios de Moral a questões de bom procedimento.

E se, numa primeira geração de católicos muito bons, não foi possível modelar todos esses costumes de acordo com os princípios morais, ao cabo de algum tempo esses princípios filtram e nascem deles uma atitude, uma distinção, uma amabilidade, uma cortesia, que no fundo fazem parte da Moral católica. A Moral perfeita tem que gerar necessariamente a educação, a distinção e a correção perfeitas.

Quem tem boas maneiras glorifica a Deus

Às vezes acontece que uma pessoa pode ser de uma Moral perfeita e não ter uma educação perfeita. Porque não houve tempo de filtrar essa Moral no ambiente em que ela foi educada, começar a prestar atenção em pequenas questões de maneira a praticá-las. Questões que, evidentemente, estão num plano secundário; não constituem a essência da Moral.

Pelo contrário, pode suceder que uma pessoa não tenha boa Moral, mas possua uma educação perfeita. Mas ainda aí é um resto de Religião Católica. Ela, sem perceber, pratica regras da Religião Católica, porque percebe que são bonitas na prática, na atitude concreta. Infelizmente ela com isso não tem intenção de dar glória a Deus, mas imita os que dão glória ao Criador; assim, ela involuntariamente glorifica a Deus.

Guilherme II e a Imperatriz Sissi

Nas memórias do Kaiser Guilherme II, último Imperador da Alemanha, ele conta um fato cuja descrição me impressionou muito. Ele estava no jardim do palácio do avô dele, que era então o Imperador da Alemanha. Como a Imperatriz havia morrido, a mãe dele, casada com o Príncipe Herdeiro, estava fazendo as honras da casa para uma visitante muito ilustre, que era a Imperatriz da Áustria, a famosa Sissi, uma princesa bávara casada com Francisco José, Imperador da Áustria. Era de uma beleza famosa e, além disso, de uma distinção de maneiras, de uma linha, de uma categoria extraordinárias.

O Kaiser conta então que ele estava no jardim do palácio, vendo a mãe, de costas para ele, que recebia a visita da Imperatriz da Áustria. Mas ele não se aproximou enquanto não o chamaram. Pela narração, parece que ele não tinha muita curiosidade em conhecer a Imperatriz da Áustria. Em certo momento, a Imperatriz deu sinais de que queria partir, e a mãe dele se voltou para trás para ver quem estava ali para carregar a cauda da Imperatriz. E, não vendo ninguém além do seu filho, o futuro Guilherme II, ela disse-lhe: “Meu filho, venha aqui carregar a cauda de Sua Majestade a Imperatriz da Áustria”.

Quando ele se aproximou, a famosa Sissi, Imperatriz Elisabeth, estava apenas se levantando. E ele descreve a impressão que ela lhe causou. Ela se erguia muito devagarzinho, com as maneiras e o protocolo da antiga corte. Todo o jeito dela causou-lhe tal impressão, que ele nunca mais se esqueceu de que aquele protocolo dava à Imperatriz uma elegância, uma distinção, realçava de tal modo a sua beleza, que se nota ter o Kaiser ficado deslumbrado. Se formos examinar todas as regras que ela seguia — porque a corte austríaca era muito conservadora —, verificaremos que tais regras de perto ou de longe se relacionam com a formação católica, com o ideal de perfeição moral que a Religião Católica ensina.

Sentar-se sem encostar-se ao espaldar da cadeira

Coisas insignificantes. Estou falando neste auditório, onde todos estão sentados, mesmo os mais moços, e com as costas apoiadas no dorso da cadeira. Mas houve tempo em que isto era contrário às regras da boa educação. As cadeiras tinham espaldar alto, para o caso de a pessoa precisar. Mas normalmente não se deveria encostar ao espaldar. Porque era a imagem da ascese católica: a pessoa sentada, sem encostar-se ao espaldar, dominando a si mesma.

Considerem essas cadeiras de couro — pior ainda, de matéria plástica! —, com brações, que há hoje. Ao sentar-se nelas, o indivíduo afunda e fica mergulhado naquilo, quase como numa banheira. A atitude de não se encostar ao espaldar se torna impossível.

O Ocidente tem menos pedras preciosas que o Oriente, mas possui a finura católica

Isso faz com que no Ocidente ocorra o seguinte: o engenheiro ou arquiteto católico que vai planejar a decoração externa e interna de um palácio para um rei católico morar, palácio no qual o rei vai exercer o poder catolicamente sobre um povo católico, a própria respiração de sua alma católica executa a ornamentação de maneira a fazer prevalecer as coisas do espírito, que têm categoria, finura, em que a alma humana aparece na sua excelência. Pelo contrário, o homem que não tem essa assistência da graça, essa inspiração da Fé, não é capaz disso.

Considerem esses marajás e figuras semelhantes; eles estão refestelados; um sultão chupa o narguilé indefinidamente. Por quê? Porque eles não aprenderam da Religião Católica os modos de se portar. Isso também se retrata evidentemente nos prédios, no urbanismo de uma cidade, enfim, em mil outras coisas.

É isto que faz a superioridade do Ocidente. O Ocidente tem menos rubis, pérolas, esmeraldas, safiras, brilhantes; não possui rajás nem marajás, mas tem a finura católica, contrarrevolucionária, que domina todo o resto. 

Encontro do Xá da Pérsia com a Sissi

Lembro-me de outro fato ocorrido com a própria Sissi, a Imperatriz da Áustria, e um Xá da Pérsia.

Esses potentados do Oriente nunca vinham à Europa, porque eram viagens muito longas e às vezes sujeitas a risco. Mas quando surgiu, com os meios de comunicação modernos, a possibilidade de viagens seguras e com relativo conforto ­­— os primeiros transatlânticos do século XIX, os primeiros trens —, os potentados do Oriente começaram a vir ao Ocidente. E vinham com todo o luxo do Oriente.

O Imperador da China, o Xá da Pérsia, marajás e rajás em quantidade indefinida, sultões, estiveram na Europa. E quando eram recebidos, as cortes europeias seguiam todo o protocolo com que se recebia um Chefe de Estado estrangeiro. Portanto, coisa muito bonita, muito esplendorosa, rica, mas não extraordinariamente rica. Os orientais vinham com riquezas fabulosas e iam às festas com traje oriental.

Então o Xá da Pérsia — Imperador da Pérsia — foi às principais capitais da Europa e também a Viena. Nesta cidade, em certo momento da festa, chega a Imperatriz da Áustria. Então homenagens, e o apresentam a ela. Ele faz uns salamaleques à moda oriental e ela responde com distinção, com graça, um pouco sorrindo, como diante de um Conto de Mil e Uma Noites, de uma fábula.

O Xá começou a olhar para a Sissi e ficou tão deslumbrado que, terminados os salamaleques, deu uma volta por detrás dela. Queria ver se ela era inteira assim, ou se na nuca, nas costas, ela não era tão bem feita como de frente. Quando retornou à frente dela, disse: “A Sissi é realmente bonita como me disseram e até mais do que me disseram”. E fez outro salamaleque. Provavelmente, ele tinha joias muito mais bonitas do que ela, que era uma dama. Mas ela era uma joia! Tudo isso são frutos da Civilização Cristã.

Papel da graça divina

Mas o que é Civilização Cristã? É uma civilização na qual os homens, tendo pela graça a virtude da Fé, e, nascidas dela, as demais virtudes teologais e cardeais — sendo a Fé a primeira das virtudes teologais —, acabam possuindo toda essa grandeza pessoal, que é o resplandecer da graça.

E quem nos obteve a graça foi Nosso Senhor Jesus Cristo, no momento de morrer na Cruz, e já no Horto das Oliveiras, quando Ele começou a sentir tédio e pavor do que lhe aconteceria durante a Paixão. A graça, conquistada para nós pelo Sangue de Cristo, penetra nos homens e depois produz todo o resto.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/1/1989)

Um grande epistológrafo

O Bem-aventurado Sebastião Valfré escreveu alguns livros e muitas cartas, tratando de temas teológicos. A propósito do seu talento epistolográfico, Dr. Plinio faz uma meditação, mostrando a decadência dos modos de comunicar o pensamento humano e como esse mal atingiu também a causa contrarrevolucionária. Entretanto, sempre que Deus permite a sua invencível Igreja ser batida, açoitada pelos ventos, o mal é para o gênero humano, não para ela.

 

Comentaremos a biografia do Bem-aventurado Sebastião Valfré, com base numa ficha tirada da obra do Padre Rohrbacher, Vida dos Santos(1).

Variedade de cartas sobre assuntos de Teologia

Sebastião Valfré, nascido na Saboia, em 1629, morreu em Turim, em 1710. Sacerdote oratoriano, grande apóstolo da caridade, virtude em que se distinguiu durante toda a sua vida. Famoso pela santidade de vida, amor à oração e ciência, manteve enorme correspondência com bispos, sacerdotes e grandes personalidades da corte sobre assuntos de Teologia, ou dando numerosos conselhos sobre questões várias. Apesar de ter todo o seu tempo ocupado, deixou obras realmente úteis: “Curta instrução às pessoas simples”, que obteve grande sucesso, “Exercícios cristãos” e “Meio de santificar a guerra”, esta última destinada aos que abraçavam a carreira das armas.

Especialmente devoto da Santíssima Virgem, quando começava a ensinar Teologia, uma das primeiras verdades sobre a qual chamava a atenção dos alunos era a da Imaculada Conceição. Durante seis meses explicava a Ave-Maria, palavra por palavra, pois cada uma delas lhe servia de tema para as aulas. Além disso, recomendava especialmente a devoção aos Anjos da Guarda. Dizia que em todas as suas necessidades e aflições jamais deixava de invocar seu Santo Anjo e por ele nunca fora abandonado. Além disso, seu zelo era voltado às almas do Purgatório, pelas quais nunca deixava de rezar todos os dias.

Idade Média: época das grandes sumas

A dificuldade em comentar essa biografia encontra-se no fato de que ela contém os grandes traços do sacerdote santo desse período. Ora, como houve muitos sacerdotes santos nessa época, acontece que esses traços todos mais ou menos já estão estudados. Contudo, há alguns pequenos esclarecimentos que podem ser dados.

Talvez cause certa surpresa ver que a correspondência ocupava na vida dele um papel importante. Mas precisamos tomar em consideração que ele viveu exatamente no tempo de Luís XIV, ou seja, no auge do “Ancien Régime”, em que as condições de comunicação do pensamento eram muito diferentes das hodiernas, mas de algum modo já as prenunciavam.

É uma coisa curiosa na história dos descobrimentos, das invenções e das modificações da vida social, como vem nascendo no espírito das nações, com longas antecedências, apetências para as coisas que mais tarde os descobrimentos inesperados vão fazer surgir.

Ao analisarmos as obras escritas na Idade Média, notamos aquelas grandes coleções. É a era do pensamento sério, das sumas; livros escritos em pergaminho, em material volumoso, bibliotecas com aquelas coleções enormes. Quando aparece a imprensa, começam a surgir os livros menores. O material vai se tornando mais leve, mas também, simultaneamente, começam a desaparecer as grandes sumas e as grandes obras de conjunto.

O espírito humano torna-se fragmentário: os livros especializados e as cartas

O espírito humano, perdendo aquela unidade medieval, vai se tornando fragmentário, produzindo obras menores sobre pontos específicos e perdendo apetência para as grandes universalidades, os grandes conjuntos do pensamento. De onde as coleções de livros ainda continuarem a existir, mas com uma tendência a desaparecer e darem origem ao ensaio, ao livro especializado.

Mas já no tempo de Luís XIV e, portanto, da Madame de Sevigné, começam as cartas a tomarem um papel paralelo ao dos livros. As estradas se tornaram muito mais seguras, o transporte por mensageiros a cavalo e a carruagem começou também a se tornar mais fácil, mais seguro e, com isso, a correspondência postal, sem ter adquirido a institucionalização que obteve no século XIX, foi, entretanto, se tornando também mais metódica. Assim, começou a aparecer um estilo novo de comunicação de pensamento mais delgado do que o livro, que é a carta.

Havia cartas de duas espécies: uma tratando de um assunto doutrinário, e outra dando notícias. As que tratavam de assuntos doutrinários eram grandes cartas escritas por personagens eminentes.

Anteriormente a esse nosso Santo, o infame Erasmo, por exemplo, um pouco posteriormente a ele o infamíssimo Voltaire, fizeram uma obra revolucionária enorme através de cartas que eram, muitas vezes, doutrinárias ou de análise de fatos, que eles mandavam a vários outros homens célebres do tempo. Célebres por sua cultura, por seu talento, pela alta posição política, pela ligação que tinham com os acontecimentos da época, ou pela categoria eclesiástica ou nobiliárquica que ocupavam.

Essas cartas, depois, eram copiadas. Por exemplo, um sujeito qualquer que recebesse uma carta de Erasmo ou de Voltaire, tomava a missiva recebida mais a resposta dele e publicava. Aquilo era impresso e distribuído. Ele mesmo mandava para seus relacionamentos, a fim de verem que ele escreveu uma coisa tão importante que o grande Erasmo, o grande Voltaire se dignou responder. Então, as duas cartas constituíam quase que um tratadinho a respeito de algum tema.

Coisa muito apreciada era a carta sobre uma controvérsia entre dois personagens sumos a respeito de determinado assunto. Uma troca de correspondência entre o Cardeal Caetano e Lutero, por exemplo, constituía um fino alimento para os espíritos eruditos.

Surgem os artigos de revista e de jornal

Vemos, assim, como vai nascendo, de longe, o artigo de revista e de jornal. Antes mesmo de haver a revista e o jornal, o espírito humano ia engendrando algo que preparava as condições para esses meios de comunicação.

Concomitantemente, havia os noticiários que circulavam largamente. Antes de a imprensa chegar ao desenvolvimento que ela atingiu no século XIX, existiam nas capitais dos países agências que mandavam as notícias manuscritas para o interior, mediante assinatura. Já eram, portanto, “jornais” manuscritos, antes de haver propriamente os jornais, de tal maneira o espírito humano vai adiante da descoberta. Depois é que vem a descoberta e alcança celebridade. Mas é porque havia condições no espírito humano para notar aquele progresso e aproveitá-lo. Do contrário, aquilo passava desapercebido e ninguém se incomodava.

É bonito notar como a Igreja vai engendrando, para cada nova forma de comunicação, formas novas de talento. De maneira que a epistolografia, a qual desde os tempos dos romanos havia decaído, tomou exatamente a partir do século XVI um realce muito grande. Assim, vemos surgir grandes Santos epistológrafos.

O apogeu do gênero epistolar

O Bem-aventurado Sebastião Valfré, grande teólogo e filósofo, escreveu três livros e uma multidão de cartas que, com certeza, circularam amplamente no tempo dele e fizeram muito bem, pois este era um estilo clássico de se comunicar.

Hoje a carta decaiu enormemente de importância e de qualidade, pois foi substituída pelos modernos meios de comunicação: jornal, rádio, televisão, telefone, etc. Quando estes não existiam, a tendência de quem escrevia cartas, sabendo que as notícias seriam tão bem aproveitadas, era de aprimorar o estilo, arranjar um bonito papel e elaborar uma linda caligrafia. Quer dizer, tudo quanto cerca uma carta chegou ao seu apogeu nesse período. Temos então, nesse tempo, um grande Santo que é também um grande epistológrafo.

No século XIX tivemos o grande jornalismo católico, cujo rei foi Louis Veuillot. Ele se tornou o jornalista católico perfeito, realizando uma coisa que poderia parecer impossível: num estilo definidamente baixa de nível, fazer coisas de alto nível. A forma do jornalismo de Louis Veuillot era a seguinte: ele tinha uma visão penetrante e clara dos “flashes” da realidade. Ele não era nem um pouco um espírito capaz de fazer uma suma. Um ou outro livro de grande porte que ele escreveu não foi bem sucedido. Mas ele tinha uns “flashes” a respeito da realidade, uns “aperçus”, em que ele pegava a coisa com muita clareza. E tinha um francês ligeiro e insolente que exprimia aquilo sucintamente. Em três gotas de tinta ele construía ou destruía uma pessoa, uma argumentação ou uma refutação. Dessa maneira ele teve a forma de talento própria ao estilo jornalístico para defender a causa contrarrevolucionária.

Devemos ver os desígnios de Deus nos castigos que Ele impõe

Notamos aqui os desígnios secretos da Providência. E como são insondáveis as coisas de Deus. É bonito que Deus Nosso Senhor tenha constituído talentos que se adaptassem a essas várias formas que foram aparecendo. Nós não vemos um talento que tenha dado um brado de alarme contra as sucessivas baixas que essas formas representavam. Por quê? Evidentemente, castigo de Deus para a humanidade. Deus, descontente, permitia que a casa fosse caindo em ruínas, e ia dando engenheiros para colocarem escoras nela. Mas não deu engenheiros capazes de deterem a ruína e reconstruírem a casa. Porque havia pecados no mundo que provocavam a cólera d’Ele. Por causa disso, chegamos ao momento em que a casa está a ponto de ruir.

Alguém dirá: “Mas Dr. Plinio, com isso não foi derrotada a Igreja? Ora, se Deus ama a Igreja, não seria razoável que Ele evitasse para ela essa humilhação?”

Cada vez que a Igreja é aparentemente vencida, a derrotada não é ela, mas sim a humanidade. Porque a Igreja existe para beneficio dos homens. Portanto, sempre que Deus permite a sua invencível Igreja ser batida, açoitada pelos ventos, o mal é para o gênero humano, não para ela. Devemos ver os desígnios d’Ele nos castigos que Ele impõe.

Nós temos, com isso, uma meditação a respeito do talento epistolográfico desse Bem-aventurado.

 

(Extraído de conferência de 30/12/1969)

 

1) Cf. ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. v. XXII, p. 211-216.

 

A Jesus, por Maria

Para comungarmos bem, devemos pedir a Nossa Senhora que venha espiritualmente à nossa alma, e preste a Nosso Senhor atos de culto. Dessa forma, nossa Comunhão será inteiramente marial, conforme ensina São Luís Maria Grignion de Montfort.

Acho conveniente deter hoje nossa atenção na invocação de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, quer dizer, a Virgem Maria considerada especialmente em suas relações com a Divina Eucaristia.

Procurarei ser esquemático ao indicar alguns pontos para meditarmos, a fim de que caiba a maior quantidade possível de matéria dentro de pouco tempo.

Nossa Senhora obteve o Santíssimo Sacramento para o gênero humano

Consideremos o seguinte: uma das maiores graças que o gênero humano recebeu foi a instituição da Sagrada Eucaristia, ou seja, da presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo em todos os sacrários da Terra, até o fim do mundo, e a renovação incruenta do Sacrifício da Cruz.

Para medirmos a importância dessa graça, basta considerarmos como julgaríamos magnífico se, de repente, tivéssemos o Redentor visível aqui entre nós. Com toda razão, julgaríamos que uma eternidade não bastaria para agradecer esse favor.

Ora, Nosso Senhor, embora de modo não visível, está realmente presente no Santíssimo Sacramento.

Se recebemos todas essas graças é porque nos vieram a rogos de Maria, por meio d’Ela. De maneira que devemos esses favores insondáveis a Nossa Senhora. Ela obteve o Santíssimo Sacramento para o gênero humano. Mais ainda: todas as graças que Nosso Senhor distribui no Santíssimo Sacramento, Ele o faz pelos pedidos da Virgem Maria. Se Ela não pedisse, não as obteríamos.

Além disso, a única criatura humana que presta ao Santíssimo Sacramento um culto inteiramente digno e perfeito é Nossa Senhora. As outras criaturas humanas sempre têm algum defeito, que macula o alcance desse culto.

Nossa Senhora conhece todos os lugares da Terra onde há o Santíssimo Sacramento, e Ela, do alto do Céu, está adorando continuamente as Sagradas Espécies por toda parte.

Onde as Sagradas Espécies são adequadamente cultuadas, Maria Santíssima presta um culto jubiloso. Quando são tratadas com indiferença ou até com blasfêmia ou sacrilégio, Ela presta um culto reparador.

A devoção ao Santíssimo Sacramento é uma graça; logo, é obtida por Nossa Senhora.

Modo de um escravo de Maria comungar

Cada um desses pontos de meditação nos deve ajudar a comungar como São Luís Maria Grignion quer. Todas as nossas Comunhões são atos de culto a Nosso Senhor Jesus Cristo, mas com Maria, por Maria, em Maria.

Então, dadas todas essas relações que Nossa Senhora tem com o Santíssimo Sacramento, devemos preparar-nos para a Comunhão com o auxílio d’Ela. O que quer dizer isso?

Precisamos pedir a Maria Santíssima que venha à nossa alma, e diga por nós a Nosso Senhor tudo quanto Ela diria se estivesse comungando.

Devemos receber a Eucaristia junto com Nossa Senhora, ou seja, pedir que Ela esteja como que à entrada de nossa alma para acolher a Nosso Senhor e preste os atos de culto a Ele. Como todos sabem, os atos de culto são quatro: adoração, ação de graças, reparação e petição dos dons divinos que precisamos.

No momento de nossa Comunhão, digamos a Nosso Senhor o seguinte: “Meu Deus, Vós encontráveis vosso Paraíso estando em Maria durante vossa Encarnação e durante as comunhões d’Ela. Como é inferior a acolhida que eu Vos dou! Tende, entretanto, em consideração que em espírito vossa Mãe está presente em mim, dispensando-Vos uma acolhida incomparável. Recebei, assim, com benignidade, meus pobres atos de culto, enriquecidos por passarem através d’Ela a fim de chegar a Vós”.

Assim, nossa piedade eucarística se torna inteiramente marial, embebida do espírito de São Luís Maria Grignion de Montfort. Esse é o modo de comungar de um escravo de Maria.

Receber a Eucaristia com a alma plenamente confiante e jubilosa

Dessa forma, se evita que, ao comungar, caiamos em dois erros.

Um é a ideia da inacessibilidade de Deus.

Nosso Senhor Jesus Cristo é tão infinitamente Santo, que não há nenhuma proporção possível entre nós e Ele, debaixo de nenhum ponto de vista.

Então, tendo isso em vista, corre-se o risco de comungar acanhado, quase deprimido.

Mas se se considera que Nossa Senhora está em nós espiritualmente — não realmente como está Ele — comunga-se alegre, porque, apesar de sermos o que somos, Ela se encontra em nossa alma.

Dou um exemplo: imaginem um mendigo que vai receber a visita do maior rei da Terra. Ele não tem nada para oferecer ao monarca, mas consegue que a rainha-mãe lá esteja para acolher o rei. O mendigo está tranquilo; não lhe falta nada. Ao chegar o soberano, a rainha-mãe está na entrada do tugúrio e lhe diz: “Meu filho, eu quis honrar esta casa com a minha presença. Ela é minha, entre!” O dono da casa não tem outra coisa a fazer senão sorrir, regozijar-se, transbordar de alegria porque a recepção está à altura do rei.

Então, devemos comungar com a alma plenamente confiante, jubilosa.

Se cada um de nós for pensar em seus defeitos, ficará acanhado, encafifado. Mas em sua alma está Nossa Senhora! Que tranquilidade, alegria, paz de alma, esperança para tudo!

Conjunção da adoração com a maior das ternuras

Assim, evita-se também a falta de respeito, que teria, por exemplo, um mendigo a quem o rei vai visitar todos os dias. Nunca o mendigo tem algo para oferecer ao monarca. Certo dia, ele diz para o rei: “Sentai-vos ali e conversai comigo. Se vós quiserdes vir em minha casa, só possuo isto para vos oferecer: meu café velho e minha caneca rachada. Não tenho outra coisa; não posso me virar pelo avesso”.

Então, a devoção a Nossa Senhora equilibra isso. Tira o acanhamento, o encafifamento, e também a rotina, o desrespeito.

Há, portanto, uma espécie de equilíbrio da piedade eucarística simplesmente magnífico, pela conjunção da maior das venerações, que se chama adoração, de um lado, com a maior das ternuras. Assim, eu posso tomar com Nosso Senhor as liberdades mais afetuosas, porque fui trazido pela Mãe d’Ele.

Eu quisera que todo membro de nosso Movimento, habitualmente, comungasse nesse espírito, tomando cada dia um desses pontos para considerar.

Por exemplo: “Minha Mãe, eu Vos devo a instituição da Sagrada Eucaristia. Todo o gênero humano Vos deve essa instituição. Ajudai-me a agradecê-la a vosso Divino Filho, vinde à minha alma.” Ao receber a Comunhão, agradecer a Ele. Está feita uma Comunhão excelente.

Acho que este seria um método ideal para a Comunhão, evitando assim a falta de respeito e também a rotina: as Comunhões nas quais as pessoas têm a impressão de que não sabem o que dizer a Deus, como dois velhos amigos que se encontram todos os dias e já não têm mais o que falar um para o outro.

Para Nosso Senhor, nós sempre temos coisas novas para dizer, aprofundando esses horizontes. Cada um desses pontos encheria o tempo da ação de graças de uma Comunhão. Que Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento nos conceda a graça tão preciosa de uma piedade eucarística em união com Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/5/1969)

Repleta de perdões

Quando pensamos na condescendência de Nossa Senhora para conosco, ficamos emudecidos de enlevo e gratidão.

Invocar a Rainha do Céu e da Terra, o tabernáculo vivo do Verbo Encarnado, à qual Este obedeceu como um servo à sua senhora, e d’Ela recebermos um infatigável auxílio, é deveras mais do que nossas pobres palavras podem comentar.

Maria é a medianeira de todas as graças, mas essa medianeira é também nossa Mãe. Apesar de nossas faltas e fraquezas, sempre se acha propensa a nos atender: com comprazimento sôfrego, sorridente, repleto de perdões, desde que para Ela nos voltemos como filhos repassados de devoção e confiança.

Apresentação do Menino Jesus

Quando Maria, ainda menina, ingressou no Templo de Jerusalém, este atingia um auge na sua história. Porém, alcançou a plenitude no momento em que Ela ali retornava como a Mãe do Messias, trazendo em seus braços o Verbo Encarnado, sendo recebida por Simeão e Ana, representantes da fidelidade do povo eleito. Então os fiéis reconheceram o “desejado das nações”, e se fechou o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa divina, finalmente, cumprida.

Nossa Senhora

Alma de uma imensidade inefável, alma na qual todas as formas de virtude e de beleza existem com uma perfeição supereminente, da qual nenhum de nós pode ter uma ideia exata.

Nossa Senhora é bem aquele mar, aquele céu de virtudes diante do qual o homem deve ficar estarrecido e enlevado, e que com todas as suas forças deve procurar amar e imitar.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência 15/11/1958)

Os novíssimos do homem – II

Continuando suas considerações acerca dos novíssimos do homem, Dr. Plinio ressalta os dois caminhos diante dos quais todo homem deve fazer a sua escolha: os horrores das penas imputadas aos réprobos, ou as maravilhas contempladas pelas almas eleitas.

 

No Juízo Final, quando os réprobos forem com seus corpos para o inferno, estes não estarão sujeitos à lei da gravidade. E aquelas chamas farão as pessoas rolarem, de um jeito e de outro, no meio das imprecações, das maldições e dos ódios recíprocos, porque eles se odeiam, se atracam e se maltratam entre si.

É a cidade eterna do ódio e do desespero. Não haverá remédio para nada. Nunca, nunca, nunca! E os condenados ali ficarão eternamente, eternamente, eternamente!

Isso causa terror, porém há mais.

É o próprio Deus que determina os tormentos

Eles terão no inferno — ao menos certos santos viram assim — como que vermes horríveis, corroendo-os e enchendo-os como que de doenças, as quais não os matam, não os consomem, mas os atormentam ainda mais. No meio dessa dor tremenda, os precitos sabem que Deus é o Autor de tudo isto, porque Ele é a causa primeira de todas as coisas. Se Deus é o Criador do Céu e da Terra, é também o Criador do inferno. Não houve outro ser que tenha criado o inferno. Ele é o motor primeiro de todas as coisas. Todas as coisas se movem, em última análise, pelo movimento comunicado por Deus. Portanto, Deus — talvez através dos anjos bons — está animando continuamente todos os tormentos do inferno. 

São João Bosco, narrando os célebres sonhos dele — que, no fundo, eram revelações privadas —, conta que Deus lhe deu ordem para descer e ver o inferno; ele foi e, chegando próximo do inferno, deparou-se com uma muralha. Então um anjo disse-lhe que pusesse a mão na muralha. O santo sentiu que a muralha estava quentíssima — era a muralha mais externa, portanto a mais fresca do inferno —, ficou com medo e não quis colocar sua mão.  Mas o anjo ordenou que o fizesse e ele apenas encostou a mão na muralha. Consequência: São João Bosco passou vários dias com a mão queimada e inutilizada…

Houve santos que receberam a ordem de Deus de verem o lugar que lhes estava destinado no inferno, caso não correspondessem à graça. A grande Santa Teresa de Jesus viu o local onde ela ficaria como uma prancha dobrada em dois, com pregos atravessando seu corpo; entraria numa espécie de forno, e dali somente seria tirada para padecer outros tormentos.

Como é verdadeira a expressão “Medita nos teus novíssimos e não pecarás eternamente”

Todos os sentidos do homem sofrem no inferno. Os cheiros são nauseabundos. Os espetáculos, hediondos. Os ruídos, o que pode haver de mais cacofônico. A música moderna, por mais medonha que seja, não dá senão uma ideia do que é o eterno ranger de dentes do inferno. As coisas mais pútridas enchem a boca. O tacto é desolado pelo fogo. Quantos outros horrores lá existem! E se pecarmos mortalmente, de um momento para outro, poderemos ir para o inferno.

Como é bom pensar nisso na hora da tentação!

Se todas as pessoas fizessem de manhã, logo após se levantarem, uma meditação rápida de um ponto a respeito do inferno, e durante o dia se lembrassem, de vez em quando, desse ponto, seria ótimo. Há despertadores que soam de tantas em tantas horas; quando ele tocasse, a pessoa se recordaria: inferno!

Li as revelações de Sóror Mariana de Jesus Torres — não está canonizada, mas morreu em odor de santidade —, à qual apareceu Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Quito.

Ela aceitou ficar espiritualmente no inferno durante cinco anos, padecendo, para pagar os pecados e evitar que se perdesse uma freira, a qual havia se revoltado contra ela, que era a superiora. O que ela sofreu durante esse tempo, não há palavras que possam exprimi-lo! Nesse sentido, o inferno de vez em quando dá uma lambida e com a ponta da língua pega os que estão na Terra…

Considerem os martírios mais cruéis promovidos pelos imperadores romanos.  Por exemplo, São Lourenço que foi assado vivo e sentia, entre  outras coisas, a gordura de seus braços suspensos cair sobre seu peito em chamas. Causa horror! Ninguém aguentaria esses tormentos se não fosse uma graça especial de Deus. Isso não é nada em comparação com o inferno!

Não compensa correr o risco de esperar a misericórdia final

E a todo momento estamos a um fio disso.

Alguém poderia dizer: “Não é bem assim! Há tanta gente que peca e não vai para o inferno. Deus, na sua infinita misericórdia, leva a maior parte dos homens para o Céu. À última hora, vem uma graça e a pessoa se arrepende.”

Conta-se a história de um santo que viu um pecador cair de uma ponte, talvez tenha cometido suicídio. Presumo que era uma ponte alta, para a história ser verossímil. Então uma pessoa perguntou-lhe se o pecador tinha ido para o inferno. O santo respondeu: “Da ponte ao rio há algum tempo. Nesse tempo, é possível que a graça de Deus interviesse.” É verdade.

Mas São Luís Grignion de Montfort dá um princípio muito verdadeiro: estes são os casos excepcionais. Normalmente a alma, no estado em que vive, ela morre. E essas graças de última hora existem e são maravilhas da misericórdia de Deus; porém, são raras. Queremos correr o risco?

Se, fazendo algo, pudéssemos ficar com câncer, não quereríamos correr o risco. O inferno é muito pior do que isso!

A visão de Deus face a face

Viremos agora a página de nossas cogitações, e passemos para um campo completamente diferente: o Céu. É o contrário.

No Céu, a alma do eleito vê Deus face a face. Daqui onde estou sentado, vejo esses estandartes suspensos ao teto e um escudo com o leão rompante; conheço-os, porque estou vendo-os diretamente.  Aqui na Terra, não podemos ver a Deus, a não ser que, por um fenômeno místico reservado a quão poucos dos seus eleitos, Ele nos aparecesse — isso nunca me aconteceu.  Ele sabe a quem aparece! Não vemos Nosso Senhor Jesus Cristo, que recebemos na Eucaristia.

Ver Deus face a face é a maior alegria e o maior contentamento que um homem possa ter. Literalmente, inunda o homem de um gáudio, um gosto, de que não conseguimos fazer ideia, porque excede a tudo quanto seja possível imaginar.

Podemos usar umas comparaçõezinhas, de certa utilidade para que nossos sentidos, nossa fantasia, nos ajudem a imaginar o Céu, mas sabemos desde logo que não há nenhuma comparação possível.

Imaginemos que uma pessoa fosse colocada num astro — quem sabe se isso existe! —, o qual fosse o ponto por onde ela pudesse ver o universo com maior beleza. E ali pudesse contemplar um fulgor da pulcritude do universo, pela ordenação, pelo brilho, pela graça, força, grandeza, sabedoria que o ordena; ela ficaria pasma. Suponhamos ainda que esse astro fosse ele mesmo lindíssimo, todo feito de cristal, e de cristal transparente, através do qual passariam os raios de luz de todos os astros luminosos, de maneira que, de vez em quando, olhando para dentro dele, veria em ponto pequeno o jogo de luz que contempla em volta.

Inundados por uma felicidade que não se pode imaginar

Para recorrer a uma fantasmagoria de Platão, imaginemos que esse astro, girando, produzisse uma música inebriante. E dele desprendesse um pó com um perfume magnífico, e proporcionasse um sabor extraordinário e infatigável. Suponhamos também que a pessoa pudesse sentar-se numa elevação desse astro, com uma comodidade tal como nenhum assento na Terra lhe pudesse fornecer.

Durante algum tempo, ela ficaria encantadíssima, mas depois quereria uma criatura humana para conversar. Temos razões para estarmos fartos um do outro; porém, colocados num astro, porque nossa natureza é sociável, desejaríamos um ser inteligente a fim de mantermos conversação.

Digamos que Deus misericordioso não lhe enviasse um homem para aborrecê-la, e sim um anjo que, num agitar de asas encantador, lhe aparecesse em forma humana, magnífico. A pessoa se poria em oração diante do anjo, o qual sentando-se perto dela lhe dissesse: “Vamos conversar”.

Sabemos que a natureza angélica é tal que o menor dos anjos é mais inteligente, sábio, poderoso, majestoso, afável, íntimo e grandioso do que o mais perfeito dentre os homens.

A pessoa começa a conversar maravilhada e, de vez em quando, o anjo canta louvores a Deus para ela ouvir. Dá jornais falados do Céu, pois ele está também no Paraíso e narra o que vê: “Nesta hora a gloriosa falange dos serafins desfila diante de Nossa Senhora, aclamando-A. Está acontecendo isso, aquilo etc.” E ela percebe no anjo o gáudio de tudo isso.

Diante dessa hipótese, pensamos: “Poderíamos passar uma eternidade conversando com esse anjo, pois sempre haveria temas para se tratar com ele”.

Ilusão!

Ao cabo de mil anos, nós o teríamos conhecido e lhe perguntaríamos com muito jeito: “Não tendes um companheiro?” E com jeitinho brasileiro: “Como é vosso superior?”

Digamos que esse anjo, com muita bondade, nos obtivesse a vinda do superior dele. Depois de mais mil anos, o fato se repetiria. Quando toda a fileira dos anjos fosse esgotada, no final diríamos: “Como o Céu é enorme, entretanto eu vi tudo e ainda não me saciei!”

Mas isso não sucede com Deus, que é absoluto, perfeito, eterno. Somente Ele nos sacia inteira e perfeitamente! E quando o beneplácito d’Ele desce sobre nós e nos chama pelo nosso nome, Plinio, Pedro, Antônio, sentimos o nexo e semelhança com Ele, bem como sua glória. O Criador nos glorifica, acaricia, ama, sem um minuto de interrupção, nem de diminuição de intensidade.

Eternamente afagado por Deus

Sendo infinito e absoluto, Deus é totalmente insondável para nós. E poderíamos passar — se se pudesse dizer no plural a palavra eternidade, pois ela é uma só — uma eternidade de eternidades olhando para Ele, que sempre seria para nós inteiramente novo.

Não é só!

Deus se mostraria a nós e nos faria saber o que a Fé nos ensina: se olharmos para os outros bem-aventurados, veremos algumas coisas que Ele não nos revela. Contemplando Nosso Senhor Jesus Cristo, teremos razões de encantamento inexcedíveis; Ele é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, hipostaticamente unida à natureza humana. Em Nossa Senhora, teremos o espelho perfeito de Deus. E depois os nove coros de anjos; cada anjo, a seu modo, nos diz mais alguma coisa de Deus; eles estão continuamente se dando os jornais falados, ou melhor, cantados, de Deus. Isso para o elemento principal de nosso ser, que é a alma.

Mas, haverá também, depois da ressurreição, maravilhas para o nosso corpo.

O auge do deleite para todos os sentidos

O grande e incomparável Cornélio ensina que, além do Céu onde se vê Deus, há um local físico no qual ficarão os corpos dos bem-aventurados unidos às suas almas. Enquanto a alma vê a Deus face a face, o corpo — o homem ressurrecto está totalmente vivo, sem doenças, sem misérias, nem sujeito à morte —, que não produz mais podridão como sucede nesta Terra, se encontra num lugar de felicidade perfeita. E para adestrar e dar alegria aos seus sentidos — uma vez que os sentidos dos condenados têm tormentos, é justo que os dos bem-aventurados tenham alegria —, neste Céu empíreo há todo um mundo material que enche o homem de encantos mil, muito superiores ao Paraíso Terrestre; é o que se chama Paraíso Celeste.

O Paraíso Terrestre é tão lindo! O Paraíso Celeste é incomparavelmente mais belo! Os sentidos do homem terão uma festa constante e perfeita, dentro da temperança mais exemplar, da satisfação mais inteira; o auge da beleza para os olhos, da harmonia para os ouvidos, da delicadeza para o tacto, o pináculo de tudo que se possa imaginar existirá inebriando o corpo, ao mesmo tempo em que o homem contempla a Deus face a face.

Mais ainda, Cornélio cita autores os quais dizem que os anjos se comunicarão de maneira a serem percebidos pelos sentidos do homem. Então formarão jogos de cores, de nuvens etc., que são mensagens deles, porque o olho humano não pode ver o puro espírito. E acrescenta ele que, assim como o músico comunica seu pensamento pelo som, os anjos, por essas figuras, comunicarão seu ser, seu amor, e estaremos continuamente inebriados de toda espécie de alegria possível.

Então, meus caros, não haverá mais quem nos diga aquela frase “Fugit irreparabile tempus”(1); pelo contrário, tudo cantará uma palavra maviosa: Eternidade!

Quando formos convidados para um sacrifício, um ato de virtude, devemos pensar o que eles nos vão conquistar na eternidade.

Li um livro do século XIX, que tinha “imprimatur” — não sei o que a sã Teologia diz hoje a respeito disso, e eu me conformo com a sã Teologia —, escrito pelo Abbé de Broglie, francês, que sustentava que o homem no Paraíso Celeste tem a circulação sanguínea, respiração e se alimenta de vinhos e comidas deliciosas, que o regalam sem depois se transformar em podridão, porque o corpo do bem-aventurado está na glória e não tem misérias. Podemos, assim, imaginar o auge das delícias que um homem tem no Céu empíreo.  v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/7/1983)

 

1) O tempo foge irreparavelmente. Com frequência Dr. Plinio terminava suas exposições para os mais jovens pronunciando essa frase.

 

A beleza e a harmonia dos opostos que se unem

A majestade real resplandeceu num dos atos mais belos da história da Inglaterra quando o Rei Santo Eduardo, cumprindo o desejo do Papa, conduziu em seus ombros um mendigo ao qual curou de uma terrível doença. Analisando o fato, Dr. Plinio nos aponta, com profundidade, a beleza do princípio de ordem e harmonia que nele está refletido.

 

Num trecho do livro “La Baja Edad Media”(1), de autoria de Cristopher Bruck, Professor de História Medieval da Universidade de Liverpool, está descrito o seguinte fato da vida de Santo Eduardo, a respeito do qual eu gostaria de fazer algumas considerações.

A imagem medieval da pobreza, a realeza e a vontade divina se ilustram na vida do Rei Eduardo, o Confessor, do século XII.

Essa história narra que Gila Michael, um irlandês, foi a Roma em busca de remédio, mas São Pedro lhe disse que sanaria o mal se o Rei Eduardo da Inglaterra o levasse sobre os ombros desde a “Westminster Hall” até a Abadia de Westminster.

São Pedro, neste contexto, quer dizer o Papa.

O virtuoso monarca consentiu. Pelo caminho, o intumescido irlandês sentiu que se afrouxavam os seus nervos e suas pernas se distendiam.

O sangue de suas chagas corria pelos trajes reais, mas o Rei o levou até o altar da Abadia. Ali chegando, o pobre doente ficou curado; começou a andar e pendurou as muletas na Abadia, como sinal do milagre.

“Basta o Rei carregar-te aos ombros”

Como lemos acima, um homem vítima de grave e dolorosa enfermidade, a qual fazia com que seus nervos se contraíssem, produzindo, com isso, feridas que dificultavam extremamente seus movimentos. Certo dia, esse homem conseguiu que o levassem até o Papa para que lhe pedisse a cura. Este respondeu ao enfermo que ele seria curado, mas para isso era necessário que o Rei da Inglaterra o pusesse sobre os ombros e o levasse da grande sala de Westminster até a Abadia, onde por fim encontraria a cura do mal que o atormentava.

Voltando à Inglaterra, o pobre homem teve certamente de percorrer longos trajetos, por estradas onde a todo momento estava em risco de cair em mãos de salteadores. Por outro lado, quanto bom trato e hospitalidade não terá o viajante recebido nos conventos pelos quais passava. Talvez as pessoas generosas lhe ofertassem esmolas para assim poder prosseguir a aventura que consistia tal viagem.

A majestade e a repugnância se encontram

Tendo chegado, por fim, à Inglaterra, o doente dirigi-se ao palácio real. Alegando trazer uma mensagem pontifícia, ele conseguiu comparecer à presença do soberano. Imagine-se como terá sido a cena daquele homem chegando diante do Rei, o qual provavelmente se encontrava em seu trono, cingindo o diadema e as vestes reais, resplandecente de majestade, mas ao mesmo tempo de bondade e afabilidade.

— O que quer? Interroga-lhe o Rei.

— Senhor, eu venho da parte do Papa.

— Então, diga-me do que se trata.

— Ele pede que vós me cureis.

— Mas como poderei fazer isso?

— É ordem do Papa…

Quanto contraste nesta cena! De um lado, o pobre homem, provavelmente um mendigo, coberto de chagas sangrentas e repugnantes; do outro lado, o Rei, saudável, presumivelmente jovem e cheio de majestade.

O recado que é transmitido consiste na manifestação do desejo do Papa de que esse grande monarca, glorioso chefe da nação, carregue ao pescoço aquele mendigo chagado e purulento, apresentando-se nessa postura humilhante pelas ruas, ao longo de todo o percurso.

O santo soberano atende o pedido. E, na pequena Londres de então, o Rei sai de seu palácio, enquanto as sentinelas se perfilam e um arauto toca trombeta avisando que Sua Majestade vai passar.

Provavelmente, nas ruazinhas estreitas da cidade de Londres, o povo se espanta com a saída do Rei, sobretudo porque ele não está, como de costume, montado em seu magnífico corcel, nem tampouco numa carruagem, mas está a pé, sozinho, sem guardas nem tropas e fazendo-se montar por aquele indivíduo.

Dos mais belos fatos da monarquia inglesa

Naquela cidade pequena, onde todo mundo se conhece, certamente o povo deve ter comentado: Logo Gila Michael, esse mendigo miserável, carregado assim pelo Rei! Nosso augusto Rei, Santo Eduardo, símbolo da Inglaterra e da virtude da Igreja Católica, ele tão majestoso, digno e altivo como um lírio, trazendo um mendigo montado sobre si! Que coisa extravagante!”

Enquanto isso, tanto o mendigo quanto o Rei vão rezando, e pedindo a Nossa Senhora a esperada cura.

Atrás do Rei o povo atônito forma um cortejo que caminha rumo à Abadia de Westminster, a fim de ver qual será o desfecho daquela curiosa cena.

No caminho, porém, as vestes reais vão se enchendo de pus e sangue que começam a verter das chagas daquele homem, o qual ao mesmo tempo começa a sentir que algo nele está se dando.

Ao entrar na Abadia, em meio à expectativa geral, talvez devido ao fato de o povo pressentir que uma das mais belas cenas da história daquele recinto estava prestes a acontecer, o monarca dirige-se para junto do altar, lá tira o precioso fardo de seus ombros e o põe no chão. Então, o homem, que montando no Rei, vinha trazendo nas mãos suas muletas, larga-as e começa a andar, pois suas chagas estavam inteiramente secas e ele miraculosamente curado.

Por outro lado, o Rei está com seus trajes gloriosamente cobertos de sangue e pus. Enquanto se operou por seu intermédio um grande milagre através do qual a majestade real resplandeceu esplendorosamente num dos atos mais belos de toda a história da monarquia inglesa.

Belo como fato ou como lenda

Alguém poderia levantar dúvida sobre a historicidade desse fato. A meu ver, isto não tem grande importância, pois ainda que venha a ser um mito ou uma lenda, o importante é ter havido numa determinada época multidões desejosas de que as coisas tivessem se passado deste modo; caso contrário, nem mesmo seriam capazes de inventar algo assim.

Pode tratar-se de uma lenda baseada num fato verídico, o qual foi glosado e embelezado para atender mais plenamente a apetência das pessoas, porém, o que importa é ter existido um povo que tivesse o estado de espírito tendente a se entusiasmar com a possibilidade das coisas se passarem desta forma.

Como vibram de entusiasmo por realidades diferentes as pobres multidões hodiernas, infelizmente tão massificadas, materializadas e quase aniquiladas!

Este episódio é indiscutivelmente belo, porém é necessário fazermos uma análise a fim de que a beleza que nele se encontra não permaneça apenas como convicção, mas seja fundada no raciocínio, para desta forma podermos compreender mais profundamente o esplendor da Igreja Católica, sem a qual tais fatos seriam impossíveis, seriam impensáveis.

A espera só aos fortes é pedida

O primeiro aspecto encontra-se na Fé daquele homem, que não hesita em ir candidamente pedir ao Papa um milagre. Por outro lado, também, quanto prestígio gozava o Papado naquele tempo! Pois, o enfermo foi até ele com certeza de que seria curado.

Como a Providência tratou a Fé desse homem?

Poderia tê-lo curado logo, mas não o fez. Pelo contrário, inspirou ao Sumo Pontífice de enviá-lo de volta à Inglaterra para lá ser miraculado. Tal ato de confiança Nossa Senhora pede aos fortes. Enquanto aos débeis na Fé, a maior parte das vezes Ela atende imediatamente.

Outro aspecto de beleza é a certeza do pobre homem de que o Rei Eduardo o iria curar. Caso fosse rabugento poderia pensar: “Por que fui até Roma se eu tinha tão perto de mim quem me podia curar?” Mas, não possuindo esse defeito, ele aceitou que Nossa Senhora dispusesse dele como quisesse, indo ter com o Rei cheio de tranquilidade e uma Fé que move montanhas.

Um rei “cavalgado” por um mendigo

Chegando à Inglaterra, o mendigo pede a cura apresentando ao Rei a condição do Papa para alcançar o milagre. Era de que ele “cavalgasse” o Rei.

A condição não poderia parecer mais extravagante, pois o Rei podia curar o mendigo ali na mesma hora. Então, por que deixar-se cavalgar por um doente como aquele? Por outro lado, tratando-se de irem até a Abadia de Westminster, não podiam os dois para lá se dirigir sentados numa carruagem?

Aquele pedido do Papa, o qual no fundo manifestava o desejo da Providência, parece ser a inversão de toda a ordem, pois Deus criou os reis para governar e não para serem montados por mendigos. Isso é uma desordem?

Não, a ordem encontra-se profundamente presente nesse fato. Por quê?

A grandeza de se fazer pequeno

Trata-se do seguinte: É lindo o fato de o poder público dominar, é verdadeiramente maravilhoso e nobre que os inferiores prestem aos detentores deste poder o respeito que lhes é devido.  Sobretudo quando se trata de alguém que reconhece a origem divina de seu poder.

Mas, é também esplendoroso que, em certas ocasiões, o maior, às vezes heroicamente, seja pai, amparo e auxílio do menor. Por isso, é bonito que um rei, homem posto no mais alto píncaro da hierarquia social, se lembre de que ele é homem como o outro, pois de certa forma todos são iguais. São desiguais apenas em seus acidentes, os quais por vezes são de uma importância muito grande, mas, em sua essência, o rei é homem como o outro.

Por causa disso, o maior deve ser capaz de servir o menor, respeitando assim a qualidade de homem que ambos têm em comum.

Estes são os dois aspectos lindíssimos desse fato: um pobre resignado, mas que com essa naturalidade e Fé pede ao Rei para que o leve sobre os ombros; um Rei que reconhece a altura de sua realeza, mas é capaz de dizer: “Meu filho, pois não. Suba e vamos juntos pedir o milagre que você necessita.”

A maravilhosa harmonia das desigualdades

Há neste episódio uma harmonia que corresponde à lei profunda das harmonias, a qual admite que os extremos se toquem: é belo ver a realeza tocar na mendicância e, assim, ambas se unirem harmoniosamente.

É belo, portanto, ver ambas se aproximarem do altar junto ao qual está Deus que se encanta ao ver o esplendor daquela obra da qual Ele próprio é Autor. Ele criou o mendigo e também o rei. Ele quis que no mundo houvesse realeza, mas também pobreza, sofrimento, dor, doença, mendicância. E em tudo isso Ele pôs uma harmonia perfeita.  

 

(Extraído de conferência de 28/6/1974)

 

 

1) “La Baja Edad Media”, Ed. Labor, Barcelona, 1968, p. 32.

 

Escravidão de amor a Nossa Senhora

Eis a conclusão das palavras dirigidas por Dr. Plinio a um grupo de jovens que acabavam de fazer a consagração a Nossa Senhora, pelo método de São Luís Grignion de Montfort. Dr. Plinio lhes explicara inicialmente o contexto no qual esse Santo explicitou e desenvolveu suas doutrinas.

Em seu “Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem”, São Luís Grignion estabelece vários princípios que justificam a nossa consagração a Ela como escravos de amor.

Medianeira desejada pela Providência

O mais importante deles é a mediação universal de Nossa Senhora. Ou seja, o fato de que Ela é a medianeira entre Deus e os homens para a obtenção e a distribuição de todos os dons divinos que pedimos ao Céu.

De tal modo essa intercessão de aria é querida pela Providência que — ensinam os teólogos — nada do que os fiéis pedem a Deus seria alcançado, se a Santíssima Virgem não rogasse também por eles. Pelo contrário, se Ela sozinha fizer a mesma oração em seu favor, será atendida.

Compreende-se. Escolhida para ser a mãe do Verbo encarnado, sempre imaculada e cheia de graça, a união que Nossa Senhora tem com Jesus é a mais alta que uma simples criatura humana pode ter com Deus. Em virtude desse vínculo extraordinário, Nosso Senhor nada recusa à sua Mãe, o que faz d’Ela uma intercessora onipotente junto a Ele. Esse é o princípio  ensinado por São Luís Grignion e reconhecido pela Igreja.

Passemos a outro ponto.

Co-redentora do gênero humano

Quando foi decidido pelo Pai Eterno que Jesus Cristo deveria morrer para expiar nossos pecados, quis Ele ter o consentimento da Santíssima Virgem, o que representou para Ela um golpe espantoso.

Pensemos em nossas mães. Se alguém lhes dissesse: “Quer me dar seu filho, para que ele sofra blasfêmias, seja ridicularizado, perseguido, preso, entregue ao desprezo e ao ódio do povo, flagelado, coroado de espinhos, obrigado a carregar sua cruz até o Calvário e morra de modo atroz?” — nenhuma delas cederia o filho! Não há mãe que queira isso para aquele que ela trouxe ao mundo.

Porém, Nossa Senhora sabia ser necessário esse holocausto para a redenção do gênero humano. Ela deu seu consentimento, e com isso sofreu uma dor intensíssima, como se um gládio Lhe transpassasse o coração. Daí vem a devoção a Nossa Senhora das Dores, e a imagem d’Ela com o coração aparente, atravessado por uma espada.

É uma evocação do sacrifício que Ela fez.

Nos seus eternos desígnios, Deus quis que esse padecimento de Maria fosse unido ao de Nosso Senhor para resgatar os homens, e por essa razão Ela é chamada pela Igreja de Co-redentora do gênero humano.

Nossa Senhora é nossa arqui-mãe

Em conseqüência dessa participação de Nossa Senhora na redenção do mundo, podemos dizer, com inteira propriedade, que Ela é nossa mãe: sem o auxílio e o consentimento d’Ela, não teríamos nascido para o Céu e para a vida da graça. Ela aceitou e quis o sacrifício de seu Divino Filho por todos e cada um dos homens, até o fim dos tempos, e é, portanto, mãe de todos e cada um de nós.

Mãe a um título mais alto que simplesmente o de mãe natural, posto ser mais alta a vida sobrenatural para a qual Ela nos gerou. Em certo sentido, Ela é a nossa arqui-Mãe, a Mãe das mães. E tem, então, para conosco, uma tal misericórdia, que São Luís Grignion de Montfort não hesita em afirmar que Maria ama cada um em particular mais que todas as mães somadas amariam seu filho único. Daí, diga-se de passagem, a entranhada confiança que devemos depositar na clemência d’Ela.

É louvável que nos consagremos a Nossa Senhora

Ora, se Nossa Senhora nos deu de tal maneira seu sacrifício, sua alma, se Ela nos amou a tal ponto, se é tão autenticamente nossa mãe, se Ela nos ofereceu seu Filho, o Filho de Deus, se O imolou por nós, se nos cumulou de tantos bens, é justo e louvável que nos consagremos a Ela por completo.

Eis a tese de São Luís Grignion. Pertencemos a Ela, de direito, pelo que Ela fez por nós. O santo autor diz muito bem que, quando um rei (ele se referia aos monarcas absolutistas) conquista um povo, torna-se senhor desse povo.

Nossa Senhora nos comprou e nos conquistou por seu sacrifício, e por isso Lhe pertencemos. Mas, como somos seres inteligentes e livres, é preciso que, por uma deliberação nossa, nos entreguemos a Ela. Com nosso consentimento, essa união se torna completa.

De fato, não pode haver dom mais proporcionado ao que Nossa Senhora nos fez, do que a doação de nós mesmos a Ela, como seus devotíssimos escravos. Quer dizer, a escravidão de amor à Santíssima Virgem Maria como Mãe de Deus, como nossa Co-redentora e nosso celestial amparo.

Características dessa escravidão

Por essa escravidão consagramos nossa vida nas mãos de Maria Santíssima, e Lhe entregamos todos os nossos méritos para que disponha deles como melhor quiser. Convenhamos, não é um muito bom negócio para Ela… Que são os pobres méritos dos homens em comparação com os que Ela alcançou! Mas, se é este o desejo d’Ela, deixemos que Nossa Senhora use de nossos méritos como Lhe aprouver, em benefício de terceiros, em tal intenção da Igreja, etc., etc. São Luís Grignion, entretanto, procura nos fazer ver a inestimável vantagem dessa entrega, aplicando à  generosidade de Nossa Senhora uma  expressão francesa muito interessante: “Em troca de um ovo, ela nos dá um boi”.

Ou seja, damos diminutos méritos e, em retribuição, Ela nos concede uma torrente de graças.  Devemos, pois, fazer tudo o que Nossa Senhora deseja que façamos, quer dizer, cumprir a lei de Deus e procurar sermos perfeitos. Em outras palavras, tudo o que sabemos que seja o melhor para os interesses da Igreja, segundo a moral e a perfeição cristã.

Em compensação, Ela nos toma sob sua proteção de modo especial, e nos torna beneficiários de méritos superabundantes. Eis no que consiste essa consagração de amor à Santíssima Virgem.