Lição das flores

A rosa, a orquídea, a tulipa, três belas flores criadas por Deus. Que ensinamentos elas nos dão? Acompanhemos Dr. Plinio na consideração destas maravilhas.

 

Há três flores que especialmente me agradam: a tulipa, a rosa e a orquídea.

A rosa

Para meu gosto pessoal, a rosa ocupa o primeiro lugar entre as flores. Ela é inteiramente bonita, perfeita e acabada, é uma glória, uma beleza, uma maravilha.

A rosa é eminentemente ordenada. Nela, todas as pétalas estão postas em ordem e todas as suas formas de beleza obedecem a um raciocínio. Eu estaria longe de afirmar que a rosa é planejada, mas dir-se-ia que, como que, um poeta a planejou. Sim, Deus Nosso Senhor a planejou, a destinou.

Ela tem o perfume próprio à sua forma de beleza. A rosa tem a beleza da ordem prevista, racional e explícita, ela é uma soberba explicitação do conceito da beleza.

A orquídea

Depois da rosa, na escala das flores, está uma que é abundante no Brasil e na Colômbia: a orquídea.

Se a rosa traz consigo o esplendor da ordem, a orquídea é bem o contrário! Ela é singular, prega surpresas. Suas pétalas se “movem” semelhantemente a um “ballet”. Parece dançar um “ballet” vegetal para direções que ninguém imagina.

Sua parte central possui uma beleza magnífica, mas imprevista. Algumas destas flores têm, por exemplo, uma coloração branco-avermelhada na orla de suas pétalas que vai se intensificando e assumindo uma profunda cor vermelha à medida em que se aproxima da parte central, de modo que quanto mais se aproxima do interior da flor, mais misteriosa fica. Tem-se a impressão de que há um vermelhíssimo sublime que não se mostra, por uma espécie de recato.

Assim, as orquídeas possuem uma beleza fantasiosa, inesperada, de uma alta distinção, mas de uma distinção que parece dizer a quem a vê: “Confessa que tu não me imaginavas e que eu sou superior a tudo quanto pensavas”.

Há um “não me toque” na orquídea, que faz parte de outra família de beleza. Não é a beleza da desordem — porque a desordem não tem nenhuma forma de beleza —, mas é uma forma superior da ordem, que o raciocínio não constrói e que só a fantasia sabe compor.

Dir-se-ia que a orquídea é semelhante ao espírito de duas nações latino-americanas psicologicamente muito parecidas: Brasil e Colômbia.

O capricho, o inesperado, o entusiasmo; às vezes, o ressentimento, a vingança; conforme a ocasião, a violência, mas sempre seguida de uma reconciliação afetuosa; todo este “vai-e-vem temperamental” muito comum no brasileiro e no colombiano, estão marcados de alguma maneira na orquídea.

A tulipa

A tulipa, por sua vez, é uma flor tão bonita que, quando a vemos, nos perguntamos se algo pode ser mais belo do que ela. É grande sua variedade de cores, mas entre as mais belas está a bordeaux. Ao contrário das cores da orquídea, a tulipa tem uma coloração leal, estável, definida.

Enquanto a orquídea é, como que, uma parasita, o todo da tulipa fala de autossuficiência, de independência. Ela se levanta altaneira, e carrega, bem na ponta, uma espécie de equilíbrio. É um equilíbrio um pouco altivo, as próprias folhas cercam a haste e se desprendem para deixar passar a haste, a qual vence todos os obstáculos, se afirma quase como uma lança.

Alguém poderia perguntar: em síntese, qual é então a beleza da tulipa? Eu diria que é beleza da harmonia. Há uma proporção entre a altura, o diâmetro, o tamanho de cada pétala, que faz dela uma obra-prima de coerência. E quando se admira isto, sente-se alegria de ser um ente racional, sente-se a beleza da razão. É uma ordem de belezas no estilo da maravilhosa Europa: equilibrada, racional!

Certa vez, ao saber que existiam tulipas negras, tive certa perplexidade e me perguntei: “Para que servirá uma flor preta? Será para cruzes de Missas de defunto? Eu não compreendo. Mas haverá uma razão qualquer para que Deus tenha criado a tulipa negra”.

Qual não foi minha surpresa quando, passando de automóvel por uma rua de Paris, vi um jarro com tulipas de várias cores, entre as quais havia também uma negra, posto junto à vitrine de uma loja.

O automóvel passou rápido — com a rapidez dos velhos táxis da França —, e eu arregalei os olhos com aquilo, mas, sobretudo, regalei minha inteligência, compreendendo a razão de ser daquela maravilha de Deus.

Ao analisar o jarro e ver como a tulipa negra realçava a beleza de todas as outras cores, eu compreendi por que Deus criou as tulipas pretas. Era tal o contraste produzido por ela junto às demais cores, que se alguém quisesse tirá-la de lá eu diria: não tire, porque é uma das notas mais bonitas do jarro.

Era uma forma de fantasia racional, à maneira francesa. Era um teorema a respeito de cores.

Escala de valores

A análise destas flores nos dá uma interessante lição:
Para muitos homens, só tem verdadeiro valor aquilo que for de primeira ordem; o que for de segunda não serve para nada, é lixo. Isto não é verdade, há uma gradação entre as coisas, a qual nos incita a amar a beleza própria a cada grau.

Bela como a rosa, para meu gosto, a tulipa não é. Entretanto, ela não é de “segunda classe”, no sentido pejorativo da expressão.

A escala hierárquica não impõe um achatamento do inferior, mas sim um “resplandecimento” do superior.

Até entre as flores há uma hierarquia de valores. Aplicando o princípio de hierarquia à análise feita, podemos dizer que a rosa e a tulipa são as flores do anti-igualitarismo. Uma é bela no grau supremo; a outra, não sendo a primeira, dá a Deus glória, mostrando a beleza que há também nos graus intermediários.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/3/1971)

Erguei-Vos, Senhor!

Já fizemos ver que nossos dias  se inserem no longo processo histórico iniciado com o humanismo, a renascença e o protestantismo, acentuado fundamente com o enciclopedismo e a Revolução Francesa, e por fim com a transformação dos povos cristãos em massas largamente trabalhadas pelos fermentos da imoralidade, do igualitarismo, do indiferentismo religioso ou do ceticismo total.

A descristianização é o signo sob o qual estão colocados todos os fatos dominantes ocorridos no Ocidente, do século XV a nossos dias. Cessada aquela por um movimento inverso, teremos passado de um conjunto de séculos para outro.

Era precisamente um fato desta amplitude, um corte no processo descristianizante e um surto da religião sem precedentes, que São Luís Maria Grignion de Montfort — autor do “Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem” — implorava, esperava e, disto estamos certo, obteve.

O meio para se chegar a este triunfo será uma congregação toda consagrada, unida e vivificada por Maria Santíssima. O que seja propriamente essa congregação, na mente do Santo, não se pode afirmar com certeza absoluta.

Em certo sentido, parece uma família religiosa. Mas há também aspectos por onde se poderia pensar diversamente. De qualquer forma, essa congregação será o instrumento humano para implantar o Reino de Maria.

Essa misteriosa congregação, que será uma “assembléia, seleção, escolha de predestinados feita no mundo e do mundo; rebanho de pacíficos cordeiros a serem reunidos entre lobos; companhia de castas pombas e águias reais entre tantos corvos; batalhão de leões destemidos entre tantas lebres tímidas” [palavras de São Luís Grignion no “Tratado…”], essa congregação só pode ser  constituída por uma ação fecunda da graça nas almas dos que devem compô-la. Mas para Deus nada é impossível: “Ó grande Deus, que podeis fazer das pedras brutas outros tantos filhos de Abraão, dizei uma só palavra como Deus, e virão logo bons obreiros para a vossa seara, bons missionários para a vossa Igreja. Lembrai- Vos de dar a vossa Mãe uma nova Companhia, a fim de por Ela renovar todas as coisas, e terminar por Maria Santíssima os anos da graça, assim como por Ela os começastes”. Como se sabe, companhia significava, no tempo de São Luís, regimento ou batalhão.

Foi neste espírito que Santo Inácio chamou Companhia de Jesus seu Instituto. São Luís Maria concebia a sua Companhia como essencialmente militante. Ela será como que um prolongamento de Nossa Senhora, em luta permanente e gigantesca com o Demônio e seus sequazes: “É verdade que há de haver grandes inimizades entre essa bendita posteridade de Maria Santíssima e a raça maldita de Satanás; mas é essa uma inimizade toda divina, a única de que sejais autor. Porém esses combates e perseguições dos filhos da raça de Belial contra a nação de vossa Mãe Santíssima só servirão para melhor fazer resplandecer o poder de vossa graça, a coragem da virtude de vossos servos e a autoridade de vossa Mãe, pois que Lhe destes desde o começo do mundo a missão de esmagar esse soberbo, pela humildade de seu Coração”.

Este tópico é dos mais importantes, de vez que mostra a modernidade da Companhia, de seu apostolado militante, de seu espírito profundamente — quase diríamos sumamente — marial.

Esses apóstolos, “por seu abandono à Providência e pela devoção a Maria Santíssima terão as asas prateadas da pomba, isto é, a pureza da doutrina e dos costumes; e douradas as costas, isto é, uma perfeita caridade para com o próximo, para suportar-lhe os defeitos; e um grande amor a Jesus Cristo, para levar sua cruz”.

Mas essa devoção marial e essa caridade se realizarão numa pugnacidade extrema, decorrência da própria devoção marial. Com efeito, serão eles “verdadeiros servos da Santíssima Virgem, que, como outros tantos São Domingos, vão por toda parte com o facho lúcido e ardente do Santo Evangelho na boca, e na mão o Santo Rosário, a ladrar como cães fiéis contra os lobos que só buscam estraçalhar o rebanho de Jesus Cristo; que vão ardendo como fogos e iluminando como sóis as trevas do mundo”. E por isto São Luís Maria multiplica as metáforas e adjetivos alusivos à  combatividade dos membros da congregação: “águias reais”, “batalhão de leões destemidos”, terão “a coragem do leão por sua santa cólera e seu ardente e prudente zelo contra os demônios e filhos de Babilônia”.

E é essa falange de leões que ele pede a Deus no tópico final de sua oração: “Erguei-Vos, Senhor: por que pareceis dormir? Erguei-Vos em todo o vosso poder, em toda a vossa misericórdia e  justiça, para formar-Vos uma companhia seleta de guardas que velem a vossa casa, defendam vossa glória e salvem tantas almas que custam todo o vosso sangue, para que só haja um aprisco e um  Pastor, e que todos Vos rendam glória em vosso santo templo!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Publicado na “Última Hora”, Rio de Janeiro, 10/9/84)

Minha mãe, dizei por mim!

Minha Mãe, quando Jesus estava em vosso claustro, Vós encontrastes inúmeras coisas para Lhe dizer; vede, entretanto, que misérias eu digo no momento que O recebo na Sagrada Eucaristia!

Por isso, eu Vos peço: Falai por mim, minha Mãe, e dizei a Ele tudo quanto eu quereria ser capaz de dizer, mas não o sou. Adorai-O como eu quereria adorá-Lo; dai-Lhe a ação de graças que eu quereria dar-Lhe; apresentai- Lhe atos de reparação pelos meus pecados e pelos do mundo inteiro com um calor de reparação que, infelizmente, eu não tenho.

Minha Mãe, pedi por mim e por todos os homens tudo quanto for necessário para que realizemos a vossa glória; porque, minha Mãe, o que eu peço mais do que tudo é a vossa glória, o vosso Reino.

Amém.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/3/1984)

Energia combativa

A história do pontificado do grande Pio IX mereceria ser estudada a fundo pelos católicos. Ela contém ensinamentos para nossa época muito mais oportunos e profundos do que geralmente se pensa.

Quer pela definição do dogma da Imaculada Conceição, em 1854, quer pela convocação do Concílio do Vaticano em 1869, e a definição do dogma da infalibilidade papal no ano seguinte, este grande Papa enfrentou aguerrida e resolutamente o naturalismo e o racionalismo do século.

Pio IX julgou que a época era ainda menos propícia do que outra qualquer para uma atitude de impassibilidade sorridente, cujo efeito necessário seria o encorajamento dos maus e o entibiamento dos bons. Com isto, calcando aos pés qualquer falso sentimentalismo, Pio IX enfrentou decididamente a impiedade.

Sua energia combativa venceu. Depois da definição do dogma da infalibilidade pontifícia pelo Concílio do Vaticano, a onda do racionalismo naturalista tem decrescido incessantemente, e embora ela ainda conserve formas disfarçadas dignas da maior cautela dos católicos, é certo que perdeu aquela agressividade truculenta e blasfema com que se pavoneava nas altas rodas literárias, políticas e sociais da Europa do século XIX.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de “O Legionário” de 18/12/1938)

Divina visita

Qual não seria nossa alegria ao saber que à porta de nossa residência está um personagem ilustre, o qual veio nos visitar? Como o receberíamos?

Imaginemos que, de repente, parasse diante de nossa casa um magnífico Rolls-Royce, e dele descesse um ajudante de campo, esplendidamente fardado, tocasse a campainha e anunciasse a chegada da Rainha da Inglaterra, dizendo:
— Aqui mora fulano de tal?

A criada que o atendesse diria surpresa:
— Sim, é aqui que ele mora.
— Então abra as portas porque Sua Graciosa Majestade, a Rainha Elisabeth II, veio fazer-lhe uma visita a fim de demonstrar toda a estima que tem por ele, e aqui permanecerá por dez minutos. Imediatamente se abririam as portas, e nós não saberíamos o que fazer para agradecer à rainha que estaria honrando nossa casa com sua presença.

Mais ainda do que honrar a casa, ela nos estaria beneficiando com o seu convívio: quando se trata de um visitante tão especial, algo de sua nobreza, de sua excelência, de seu talento é transmitido ao visitado.

***

Pois bem, haveria algum propósito, ao cabo de dez minutos, nós dizermos à rainha: “Majestade, me desculpe, mas esta conversa está demasiado cansativa. Precisaríamos encerrá-la”?

Pelo contrário, ficasse a rainha o tempo que quisesse, multiplicaríamos nossos esforços para conseguir que ela permanecesse onze minutos em vez de dez; e, caso conseguíssemos, pensaríamos: “Está vendo? Ela iria ficar aqui por dez minutos, mas porque eu sou simpático ficou onze.”

***

Ora, quando na Sagrada Eucaristia, Jesus penetra em nós, dá-se um convívio infinitamente mais intenso do que aquele da visita feita pela Rainha da Inglaterra.

Na Sagrada Comunhão, Nosso Senhor Jesus Cristo visita nossa alma intimamente; não se trata de algo externo ao nosso ser — como visitar nossa casa —, mas sim, de algo interno: Ele entra em nós.

Poderíamos, após esta visita de Nosso Senhor, estar contando os minutos para encerrar nossa ação de graças?

Pelo contrário, devemos fazer uma compenetrada ação de graças após a Comunhão; e para isso é indispensável que para ela nos preparemos bem, adequadamente, tendo bem presente o ato maravilhoso e grandioso que vai se dar.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 19/2/1971 e 16/7/1977)

Eucaristia – Mane nobiscum Domine

A Sagrada Eucaristia constituiu um dos principais pilares da espiritualidade de Dr. Plinio. Inaugurando a seção “Ardoroso devoto da Eucaristia”, procuraremos dar a lume o amor que transbordava de sua alma: “A boca fala do que transborda o coração!” No presente artigo, Dr. Plinio nos ensina a bem nos prepararmos para a Sagrada Comunhão.

Para compreender a variedade de métodos e modos que há para realizar a ação de graças e a preparação para a Comunhão, é necessário compreender o modo pelo qual a graça trabalha as almas. O Apóstolo São Paulo afirma que “stella differt stella”(1) — uma estrela é diferente da outra. Desta forma, não existem dois santos iguais, pois cada qual tem sua vida espiritual própria, com características inconfundíveis. E, como não pode deixar de ser, a graça guia cada alma no caminho da virtude de acordo com seus desígnios, proporcionando atrativos, ou também aversões, que modelam o espírito e indicam o itinerário que a alma deve seguir.

Portanto, não se pode dizer que um método de preparação para a Comunhão é igualmente válido a todas as almas.

Entretanto, São Luís Maria Grignion de Montfort possui um ponto de vista marial para a Comunhão, onde ele coloca Nossa Senhora como mediadora entre Deus e quem recebe a Eucaristia. Isto sim é valido para todos os católicos, em todos os tempos e lugares. Sendo a variedade de métodos imensa, descreverei, então, um que possa ser benéfico a todos.

Ação de graças por meio de Maria

Sendo Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Maria Santíssima é perfeita. Ele A criou com tudo quanto Ela deveria possuir para ser sua Mãe. Concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser; Virgem antes, durante e depois do parto, de tal forma perfeita, que em todos os instantes de sua vida nunca deixou de corresponder inteiramente à graça de Deus, estava numa altura inimaginável de virtude quando chegou o momento bendito em que Deus resolveu colhê-La da Terra para o Céu!

Nossa Senhora é também Mãe de todos nós, e a Mãe tem sempre pena do filho mais esfarrapado, mais torto e mais desarranjado. Quanto pior o filho, mais Ela se compadece.

Devemos, pois, ao receber a Eucaristia, nos colocar na presença d’Ela como filhos necessitados, implorando que Ela tenha pena de nós. Naturalmente, Ela sempre se compadecerá em relação aos seus filhos. E quando o Divino Filho d’Ela vier a nós na Comunhão, será por sua intercessão.

Contudo, o pedido feito por Maria a seu Divino Filho, é que Ele entre na “cabana” que é a alma de cada um de nós. Mas essa “cabana” pode ser ordenada e enfeitada por Nossa Senhora, para que esteja agradável a Ele. E, como a intercessora é a própria Mãe d’Ele, Nosso Senhor se sentirá comprazido.

Por isso devemos pedir que Nossa Senhora esteja espiritualmente presente em nossa comunhão a fim de que preencha, de algum modo, o infinito espaço que nos separa de seu Divino Filho, o qual nos acolherá satisfeito por havermos recorrido à sua Mãe. Ele então nos dirá: “Tu és um filho de Maria, minha Mãe; pede-me o que queres”. Ao que devemos responder: “Senhor, antes de pedir, eu Vos agradeço! Quanta bondade, quanta misericórdia! Mas, como agradecer-Vos suficientemente? Suplico, pois, à Vossa Mãe — que também é minha — que agradeça por mim”.

Servir-se das moções espirituais na preparação para a Comunhão

Ao nos prepararmos para a Sagrada Comunhão, devemos também rememorar alguns momentos do dia que tivemos, como também as perspectivas do dia que ainda teremos diante de nós. Não me refiro aos problemas corriqueiros, mas sim, aos de nossa vida espiritual.

Supondo que se faça uma Comunhão vespertina, devo me perguntar como foi meu dia em matéria de vida espiritual: o que necessito, o que desejo, o que mais profundamente tocou minha alma e o que a atraiu mais durante o dia. Isto mais facilmente nos estimulará a um ato de amor, de louvor e de reparação mais perfeitos.

Caso haja um pensamento que considere ser mais fecundo para minha alma, é louvável concentrar nele minha atenção. Muitas vezes esses pensamentos correspondem a um atrativo especial da graça à alma.

Podemos também apanhar uma invocação de alguma ladainha que tenha tocado mais especialmente, por exemplo, a do Sagrado Coração de Jesus, e meditar sobre ela. Este é um modo muito vivo — e para muitas etapas da vida espiritual, excelente — de nos preparar bem.

Uma das invocações muito bonitas nesse sentido é: “Coração Eucarístico de Jesus”. Meditando nesta jaculatória, adoramos Nosso Senhor enquanto tendo o desejo de instituir a Eucaristia, movido por aquele amor especial que Ele demonstrou na última ceia: “Desejei ardentemente comer convosco esta ceia”.

O Coração Eucarístico de Jesus, transbordante de misericórdia, vem a nós na Comunhão; peçamos então que o Imaculado Coração de Maria nos prepare para bem recebê-Lo, a fim de que na Sagrada Eucaristia recebamos especialmente as graças que dizem respeito ao cumprimento de nosso chamado individual.

Este é um modo bonito e lícito de variar as ações de graças e as preparações para a Comunhão, quase ao infinito, de acordo com a inclinação e as aspirações da alma.

Aridez e consolação: benefícios distintos, porém, eficazes!

Haverá também ocasiões onde nossas Comunhões — segundo a linguagem muito adequada da piedade católica — serão áridas. Assim como a terra árida não produz fruto, temos, muitas vezes, a impressão da aridez em nossa alma: comungamos e não sentimos nada.

Reza-se e pede-se, mas tem-se a sensação de que nossas súplicas foram meros termos piedosos sem nenhuma profundidade. Nessa situação, qual o valor de aproximar-se do sacramento da Eucaristia? A pergunta que parece ser tão razoável, quando bem analisada mostra-se infantil.

Seria como a pergunta de uma pessoa que toma um remédio cientificamente certo de produzir um bem incalculável. Após a ingestão, e nos dez minutos que se seguem, não se sente melhora alguma. Neste caso, diríamos que tal medicina é ineficaz? Claro que não: seus efeitos se prolongarão no decurso dos dias, e até dos anos. Só então sentir-se-á a melhora desejada.

Algo parecido dá-se, sem dúvida, com a Sagrada Comunhão. Muitas vezes comungamos, mas a ação de graças é árida; abrimos um livro de piedade, mas o livro não nos inspira nada; temos impressão de que não adiantou rezar.

Ora, Deus visitou minha alma, mas a presença d’Ele foi inútil? Aquele que é Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra, de todas as maravilhas, esteve presente em mim, e não me fez um bem sequer?

Devemos ter presente que, não raras vezes, a Comunhão inteiramente árida traz, em si, mais vantagens para a alma do que aquela que nos dá consolações inúmeras. Isto porque Nossa Senhora e Nosso Senhor querem, como homenagem, que peçamos ainda quando não percebemos como nossa oração Lhes é grata.

Ou seja, Ele não desejou que este contato fosse sensível, para que minha Fé crescesse. Pois muitas vezes Ele nos prova a fim de verificar se somos daquela espécie de almas que só creem quando sentem: “Tomé, tu creste porque viste; bem-aventurados os que não viram, mas creram!”

São Francisco de Sales, exímio nas comparações encantadoras, tem um magnífico exemplo:

Dois cantores apresentam-se sucessivamente ao rei.

Um deles é normalmente constituído em sua natureza física, e, enquanto canta, vê a fisionomia de encantamento do rei ao ouvi-lo. Ele ouve sua própria voz, nota como ela é bela, compreende como o rei se deleita com seu cântico, e, enfim, contenta-se em ver o rei comprazido. Este homem possui duas alegrias: de ver o encanto do rei, e de ouvir a sua própria voz.

O outro cantor, por sua vez, é cego e surdo! Ele não vê o rei, contudo sabe que o rei está lá; não ouve sua própria voz, mas diz ao rei: “Senhor, eu estou aqui por obediência. Na minha ‘noite’, eu não vejo onde estais; na minha surdez, não ouço minha voz; mas para fazer a vossa vontade eu cantarei, encantado de saber que minha voz também vos agradou!”

Qual dos dois músicos dá maior prova de amor ao rei?

Pois bem, muitas de nossas Comunhões são as do “cego e do surdo”. Não vemos, nem sequer sentimos a presença de Nosso Senhor em nós. Não percebemos como é bela a nossa súplica, nem como Ele se encanta com ela. Mas, pela Fé, cremos que estamos em estado de graça, e que Ele se alegra de estar em nós, ao ponto de dizer: “Minhas delícias consistem em estar com os filhos dos homens”.

Ele estará realmente presente em mim, embora na aridez. Nestas horas, será de grande benefício lembrarmo-nos disso.

Aproveitando as perspectivas angustiosas…

Quando o meu dia não tenha contribuído para a sensibilidade eucarística, mas, pelo contrário, tenha sido um dia de luta, o qual deixa prever que o dia seguinte será angustioso, é louvável fazer que minha Comunhão centre-se nessa dificuldade, dizendo: “Senhor, em vossa agonia no Horto, quando suastes sangue, Vós fizestes a seguinte oração: ‘Pai, se for possível, afaste-se de mim esse cálice, mas faça-se a vossa vontade e não a minha’; Senhor, eu temo o que vai me suceder, e estremeço de terror diante de uma hipótese que me gela até os ossos. Peço-Vos, através de vossa Mãe Santíssima, que afasteis de mim essa provação, mas, se essa não for a vossa vontade, faça-se a vossa e não a minha. E Vos peço que isso concorra para o bem de minha alma”.

Podemos rezar repetidas vezes nesse sentido, no momento em que se recebe a Eucaristia: “Senhor, Vós estais presente em minha alma, com inteira intimidade. E não pode haver intimidade maior que a vossa, quando, através da Sagrada Comunhão, Vos fazeis presente numa alma. Neste momento de dificuldade, Vos peço que ouçais o brado de angústia vindo de minha alma. Quantos Salmos inspirados por Vós foram também brados de angústia! Aqui está também o meu: Tende pena de mim, e atendei-me”.

Desenvolver a ação de graças em função das necessidades diárias

Muitas vezes, para bem nos prepararmos para o divino encontro com Jesus na Eucaristia, bastará nos lembrarmos de algo que lemos em algum livro de piedade, que nos marcou profundamente, ou então de alguma graça que recebemos no decorrer do dia.

Às vezes, algum aspecto novo de Nossa Senhora nos impressiona. Neste caso, nossa preparação poderá ser: “Nossa Senhora é Mãe de Nosso Senhor; Ele concedeu a Ela tal privilégio que eu não conhecia. Vou pedir a Ela que me obtenha na Sagrada Eucaristia tal favor que necessito”.

A propósito de qualquer movimento de piedade durante o dia, pode-se articular a Comunhão e depois a ação de graças. Caso tenhamos um dia de grande alegria, e essa alegria tenha sido um sinal manifesto da bondade de Nossa Senhora e de Deus Nosso Senhor para conosco, podemos fazer a ação de graças tomando em consideração esta graça recebida.

Quem recebe uma manifestação da bondade de Deus, deve contemplá-Lo como Ele se mostra: sorridente, afável, manifestando afeto e desejo de proteger-me. Neste caso, quando recebê-Lo, devo adorar n’Ele a bondade, o amor especial que Ele me tem, o encorajamento que Ele quis me dar em meu apostolado ou em minha vida interior.

Ubi Spiritus, ibi libertas, onde está o Espírito Santo, aí sopra a liberdade. Enfim, há uma tal variedade de movimentações das almas, que é impossível descrever todos os métodos que cabem para alguém fazer a Sagrada Comunhão. Aqui ficam, entretanto, algumas sugestões.

Plinio Corrêa de Oliveira

 

(Extraído de conferências de 28/3/1967 e 4/2/1984)

1) I Cor 15, 41.

Incansável amparo materno

O indivíduo mais desamparado não é aquele a quem falta algo, mas é sobretudo o que recorre em vão a todos os meios humanos para obter o que necessita. Aquele que se vê imerso numa grave dificuldade, na qual sua vida inteira está empenhada, e não encontra sustentáculo, arrimo ou apoio terreno algum.

Nossa Senhora do Amparo é precisamente Aquela que tem particular pena dos que se acham desamparados, seja do ponto de vista espiritual, seja do ponto de vista maternal. Ela, cheia do especial desvelo que têm as mães para com os filhos necessitados opera maravilhas para ajudá-los. N’Ela encontram eles o sustentáculo, o apoio e o arrimo que procuram.

Nossa Senhora do Amparo é, pois, Nossa Senhora de todas as solicitudes, é Nossa Senhora de todas as compaixões, é Nossa Senhora de todos os instantes em que o homem precisa de algo é a Ela recorre.

Formadora exímia

Vendo Dona Lucilia tão meticulosa, precisa e exigente — embora bondosa e suave —, constituiu-se em Dr. Plinio um essencial aspecto de sua personalidade: a combatividade contrarrevolucionária.

 

No que Dona Lucilia concorreu para que eu fosse contrarrevolucionário?

Enganar-se-ia quem supusesse que ela fez discursos, explicando que se deve ser combativo e contrarrevolucionário. Ela realizou uma coisa muito melhor, mais límpida, muito mais clara. Foi o seguinte: mamãe pôs em meu cérebro as seguintes coisas:

Em primeiro lugar, que Deus é o Ser supremo, Criador de todas as coisas e, portanto, merece nosso amor primordialmente. Mais do que à mamãe, eu deveria querer bem a Deus. Isso ela me ensinou muito bem, com o talento que têm as boas mães de falar aos filhos, de maneira que estes ouvem a voz delas como ao longo da vida não ouvirão voz nenhuma.

Antes de minha irmã e eu aprendermos a dizer “papai” e “mamãe”, aprendemos a dizer “Jesus”. Minha irmã era um ano e meio mais velha do que eu. Mamãe, estando de vez em quando em seu quarto, arranjando alguma coisa, colocava minha irmã nos braços e, apontando com um dedo para a imagem de Nosso Senhor, de modo que os olhos da criança acompanhassem, dizia-lhe sorrindo afetuosamente, meigamente: “Onde está Jesus? Jesus está ali. Agora repita: Jesus, Jesus.” Minha irmã, que tinha muita vivacidade, respondia: “Jesus, Jesus.”

Depois ela fez a mesma coisa comigo. De maneira que mais tarde, quando chegava a hora, espontaneamente íamos aprendendo a dizer “papai”, “mamãe”, como todas as crianças.

Antes e acima de tudo, precisamos cumprir os Dez Mandamentos 

A segunda ideia é que, em relação a Deus, nós temos deveres os quais são mais importantes do que as obrigações para com qualquer pessoa na Terra. Devemos obedecê-Lo antes e acima de tudo, cumprindo os dez Mandamentos.

Já no meu tempo de criança — nasci em 1908 —, a preocupação principal de um grande número de paulistas era ficar rico. Ficou rico, acertou na vida. Não ficou rico, foi um nulo. Perdeu fortuna, tornou-se pobre, foi um elemento negativo na vida, desprezado por todo mundo.

Mamãe dizia o contrário: “Eu prefiro ter um filho empobrecido, tido em conta de nada, mas que cumpra os Mandamentos da Lei de Deus, do que um filho rico, a quem todo mundo faça cortesias, mas que não pratica os Mandamentos. A primeira obrigação é fazer a vontade de Deus; as outras coisas vêm depois.”

Fazer a vontade de Deus significa conhecer o que Ele ensinou e cumprir exatamente o que Ele mandou. Não se pode relaxar, dizendo: “Dou tal jeitinho.” É preciso, antes de qualquer outra coisa, cumprir inteiramente a vontade de Deus com amor.

“Uma espécie de libré da Revolução”

E, pelo seu modo de ser, ela era muito minuciosa nas coisas. Nos tempos de minha infância tudo era diferente de hoje. Atualmente, as senhoras compram roupas feitas em lojas. Naquela época, para tornar o trabalho mais cômodo, mandavam vir uma costureira em suas casas. Eu vi muitas vezes mamãe experimentar vestido com a costureira. Notando algumas dobrazinhas, mamãe dizia: “Aqui falta não sei o quê. Ali precisa fazer tal coisa”, até que o vestido ficasse na perfeição, porque o que ela fazia era perfeito.

Lembro-me de que, quando se tratava de fazer roupas para nós, mamãe também mandava vir a costureira, para elaborar uma roupa de menina para minha irmã, e para mim um traje de menino.

Quando chegava a minha vez de experimentar a roupa, eu tinha que ficar de pé, e Dona Lucilia dizia à costureira:

— Olha aqui, as costas não estão caindo bem. Por favor, ponha um alfinete aqui no paletó do Plinio e vamos ver se assim fica melhor.

A costureira objetava:

— Não vai bem, Dona Lucilia, porque se prende aqui, puxa lá.

E mamãe:

— É verdade, então vamos pensar um pouco onde colocar esse alfinete…

E isto ia de alfinete em alfinete, e eu já não aguentava mais…

Para escapar das provas das roupas, certo dia eu disse a Dona Lucilia:

— Olha mamãe, deixa que eu mesmo me arranje com o meu alfaiate.

E comecei a ir a qualquer alfaiate no centro da cidade, que não tinha interesse em fazer uma boa roupa, nem eu dava a mínima importância aos meus trajes. Ele punha os alfinetes onde queria, eu dizia que estava muito bom. Quando eu vestia a roupa pela primeira vez, eu nem prestava muita atenção, porque achava que aquele traje era uma espécie de libré da Revolução. É claro que eu tinha razão. Aquilo não era uma roupa minha; a Revolução é que estava impondo tais trajes e eu os usava com relaxamento ostensivo, desdenhoso, fazendo pouco caso.

Servir a Deus com ufania

Mas aprendi com mamãe que as coisas verdadeiramente sérias devem ser feitas até o último ponto do exato; por exemplo, a Doutrina Católica. Se um Papa ensinou uma coisa, gozando do privilégio da infalibilidade, falando “ex cathedra”, ou seguindo o ensino ordinário, repetindo o que outros Papas disseram, devemos crer. Mas, para acreditar, a pessoa precisa ler o que o Sumo Pontífice escreveu, para compreender bem o que ele quis dizer, e depois quais são as consequências que decorrem, embora não estejam presentes porque o Papa não pode escrever tudo; há muita coisa que é preciso saber deduzir. E deduzir por inteiro e cumprir por inteiro, brigue com quem brigar, encrenque com quem encrencar, mas é necessário fazer.

Não basta isso. Deve-se servir a Deus não de modo escondido, com vergonha, mas com ufania e, portanto, ostensiva e publicamente.

Por exemplo, usar o terço. No tempo de minha juventude, homem nenhum usava o terço. Eu comprei um terço e comecei a usá-lo publicamente. Era uma afronta.

A alta sociedade de São Paulo era pequena, de maneira que todos se conheciam e, portanto, eu era conhecido por todo mundo. E, para fazer uma afronta maior a eles, nem comprei um terço de homem, mas um azul claro de Filha de Maria. Nas igrejas, diante de meus colegas da faculdade, eu puxava o tercinho e começava a rezar. Porque, se é preciso afrontar, vou afrontar até o fim! Assim, todos os cuidados que Dona Lucilia punha nos alfinetes e nos vestidos eu colocava na profissão da Fé Católica.

Encontro com um rapaz muito rico, mas profundamente revolucionário

Recordo-me de que naquele tempo havia um rapaz muito rico no colégio em que eu estudava. E na casa dele esteve hospedada a Família Imperial brasileira, no ano de 1922.

Todos se lembrarão com certeza que a Independência do Brasil foi proclamada em 1822, tendo o Brasil se tornado nação separada de Portugal. Em 1922 fez cem anos em que o Brasil estava independente e se realizaram festas, comemorações etc. E entre essas comemorações houve um decreto do Presidente da República, Epitácio Pessoa, que era um homem muito inteligente, culto, nobre, revogando o banimento dos descendentes de D. Pedro I. De fato, era um absurdo que, na comemoração do centenário, os descendentes do imperador que tinha proclamado a independência, não pudessem pôr os pés no Brasil sem serem levados para a cadeia. Era um decreto feito pela liberalidade do Governo republicano. Assim, a Família Imperial veio para o Brasil.

Minha avó e minha mãe eram muito monarquistas; e minha avó mantinha correspondência com a Princesa Isabel etc. Quando os membros da Família Imperial chegaram a São Paulo, foram logo visitados por minha mãe e minha avó, em casa de uma família riquíssima — creio que era a família mais rica daquele tempo —, a qual lhes ofereceu apartamentos suntuosos para se hospedarem.

A senhora dona dessa casa tinha netos que eram meus colegas no Colégio São Luís, de maneira que nos conhecíamos e nos tratávamos.

Um desses netos era um rapaz finíssimo, muito bem educado, com jeito de verdadeiro aristocrata, mas comunista apaixonado; depois se tornou um dos líderes comunistas mais conhecidos do Brasil.

Esse rapaz, nas horas vagas, fazia um pouco de sala para Dom Pedro Henrique e um irmão deste, que morreu ainda menino, em odor de santidade: o príncipe Dom Luís Gastão. Dom Pedro Henrique jogava tênis com o futuro líder comunista ao qual me referi.

Quando a Família Imperial foi embora, certa vez eu estava indo de bonde para o Colégio São Luís e, numa esquina da Avenida da Consolação, vejo entrar esse rapaz; não nos gostávamos, era natural. Ele sentou-se ao meu lado; após pequenos cumprimentos frios, ele me perguntou:

— Você esteve com a Família Imperial?

Respondi:

— Estive, sim.

— Você esteve muito com o Pedro Henrique?

— Várias vezes. E você também?

— Sim, eu joguei tênis com ele.

Após uma pausazinha, ele disse:

— Já estou vendo como você tratou a ele de Alteza, não é?

Eu estava percebendo que ele estava armando uma caçoada por cima de mim; então, voltei-me para ele e disse:

— Sim, senhor. Alteza! Você como tratou?

— Ah, não! Eu tratei de você, porque sou democrata.

— Pois bem, é fácil ser democrata com um príncipe que perdeu o trono. Mas com príncipe que está no trono você trataria de Alteza, não é?

— Não me amole!

— Amolo, sim, porque essa é a lógica.

Fomos até o Colégio São Luís sem conversarmos. Ele já morreu; depois desse fato, nós nunca mais nos falamos. Esse era o modo de ser combativo já para uma criança.

Como o menino Plinio classificava seus estudos

Como expliquei, eu não me importava com a minha roupa, porque era a libré da Revolução; porém, quanto aos meus estudos minha atitude era diferente.

Eu classificava meus estudos em dois grupos: aqueles que se relacionam com a Revolução e a Contra-Revolução; os que não se relacionam.

Estudos que têm relações com a Revolução e a Contra-Revolução:

Primeiro, a Religião: aprender o catecismo melhor do que todas as outras coisas. Em segundo lugar, o Francês, idioma que eu admirava, já conhecia e falava correntemente, e do qual gostava muito. Eu compreendia que o meio de combater a influência Hollywood do cinema era manter a cultura francesa. Então, chegando junto aos colegas eu dizia:

— Que linda língua o Francês!

Um deles logo me respondia:

— Não, o Inglês é muito mais bonito.

— Nunca! Onde é que você está com a cabeça?

— Serve melhor para entender as fitas de cinema.

— Mas isso não quer dizer nada, pois essas fitas não valem nada.

E saía uma discussão…

A grande matéria, depois de Religião: História. Analisando como tinha sido o passado, vim a compreender melhor o presente. Execrei a Revolução Francesa. E tudo quanto pode haver de ódio ao mal no coração de uma criança, havia no meu coração contrarrevolucionário.

Eu gostava muito de Latim; a boçalidade do cinema era contrariada pela penetração do Latim. E apreciava também análise lógica: sujeito, verbo, objeto direto, indireto, complemento circunstancial de tal espécie… Então, tomar uma frase e desarticulá-la, entender as palavras, pôr em ordem: coisa magnífica!

Tudo isto já visava a combatividade.

Por fim, comecei a formar meu vocabulário. As pessoas que, segundo me parecia, falavam um Português bonito eram muito mais velhas do que eu; mas eu me colocava perto delas para ouvi-las falar e notava as palavras que não se diziam todo dia, as quais, entretanto, tinham suco, eram ricas de significado. E comecei a empregar um vocabulário antigo. Muitas pessoas ficavam indignadas porque era uma provocação; e eu sustentava a provocação.

Aí está, conforme a formação dada por Dona Lucilia, a origem de minha combatividade. Dessa forma, ao que me foi perguntado, respondo com muito afeto.  v

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 11/2/1995)

Palácio do Vaticano

Pervadido de admiração, Dr. Plinio descreve o panorama descortinado ao subir a rampa que conduz ao Pátio de São Dâmaso, as cenas presenciadas nesse local e as salas, com suas grandiosas ornamentações, do Palácio onde vive o Sumo Pontífice. Indica também os significados da “Sedia Gestatoria”, dos “flabelli” e dos dosséis existentes na Sala do Conclave, mostrando como tudo ali é prático e sublime.

Como era a vida de um Papa?

Ela transcorria em um Palácio ou na Basílica de São Pedro, a maior igreja da Terra, magnífica pela sua riqueza, pelo seu valor artístico, pelo fato de estar construída sobre a sepultura de São Pedro, Príncipe dos Apóstolos, pelo grande número de relíquias de toda ordem ali reunidas, pelos acontecimentos históricos que ali se passaram. E, ao lado da Basílica, o Palácio do Vaticano, residência para onde o Papa se recolheu depois que os Estados Pontifícios, que constituíam dentro da Itália um verdadeiro reino, foram tomados por Garibaldi.

Do Portão Santa Marta até o Pátio São Dâmaso

Em virtude do Tratado de Latrão(1), a própria Itália reconheceu que a Basílica de São Pedro, o Palácio do Vaticano, jardins anexos e alguns outros edifícios do Vaticano existentes em Roma constituíam um reino próprio, distinto do governo da Itália, com todos os poderes de uma soberania temporal, perfeita e acabada, inclusive com sua alfândega e seus correios e telégrafos. Dentro do Vaticano havia uma estação de estrada de ferro. E o Papa era o rei deste Estado, o monarca da Igreja que ali vivia cercado de todo o protocolo de uma corte; protocolo voltado a estimular sentimentos de veneração e de amor para com o Soberano Pontífice, e a organizar convenientemente sua vida.

Lembro-me da impressão que eu tive — numa das vezes em que fui ao Vaticano — quando subi pelo Portão Santa Marta, situado à esquerda de quem entra na Basílica de São Pedro. Caminha-se por uma rampa muito bonita, onde se passa perto de um pequeno palácio no qual morou o Cardeal Merry del Val(2), de um pequeno cemitério — chamado dei Tedeschi, porque ali alguns alemães estão sepultados; depois se passa pelo governatorato de Roma. Roça-se no fundo, na abside da Basílica de São Pedro e se chega ao pátio mais alto, o cume de uma verdadeira montanha, chamado Pátio de São Dâmaso, que é o pátio interno do Palácio do Vaticano, donde partem os elevadores que levam os visitantes para os vários andares, nos quais estão Monsenhores, Cardeais e finalmente o Papa.

Chegada de uma princesa dos antigos tempos e do embaixador dos Estados Unidos

Quando chego ao alto da rampa, vejo uma cena bonita: de um automóvel saem dois camareiros, vestidos com damasco roxo e meias compridas, com jeito de nobres, e ajudam uma princesa dos antigos tempos, trajada como se vestia para visitar o Papa — toda de preto, com véu, tule, uma coroazinha etc. —, a qual foi caminhando em passo cadenciado, com um pequeno séquito, no meio do pátio; mas ninguém prestava atenção especial porque passava de tudo por lá.

Em seguida, ouço uma buzina prestigiosa, que toca com delicadeza para afastar um pouco as pessoas, e vejo um automóvel enorme e reluzente que chega. Era o representante do presidente dos Estados Unidos junto ao Papa, que entrava para ser recebido pelo Sumo Pontífice.

Então essa conjunção da princesa dos antigos tempos, já sem poder temporal, com pouco dinheiro, hospedada com certeza num hotelzinho médio de Roma, que descia de um automovelzinho “tremblotant”(3), como se diz em francês — em que os paralamas e todas as outras partes do veículo pareciam ter uma espécie de dificuldade de se manter unidos —, mas ela descia no esplendor de sua tradição, da verdadeira tradição que não morre nunca e que não se incomoda nem sequer com sua própria pobreza, recebida por dois guardas de honra também tradicionais, e caminhando com a serenidade e o alheamento a todas as coisas. E, ao lado, o embaixador do país rico, magnífico, pomposo, a maior potência temporal da Terra, que também vai ouvir uma palavra do mesmo sucessor de São Pedro. Mais acima passa um Cardeal armênio, com sua barba; é toda a velha História da Igreja nos países do Oriente próximo. E tudo isso afluindo para cumprimentar o Papa.

Os Papas não recebiam só as pessoas grandiosas, mas todas as pessoas, porque ele é pai de todo mundo, e é preciso que todos sintam que têm acesso junto ao Soberano Pontífice. E era preciso organizar essa vida de maneira que toda essa gente visse o Papa.

Ornatos grandiosos fazem com que o homem se sinta pequenino

A residência papal precisa ter vários salões sucessivos. Nenhum salão repleto, nem abarrotado ou cheio de gente como num cinema moderno. Fileiras de duas ou três pessoas ao longo dos muros, um longo espaço vazio entre elas, objetos ornamentais magníficos, quadros, afrescos esplêndidos, tapetes, tetos esculturais.

O Papa entra vestido de branco, diferente de todo mundo, solidéu branco, discreto. Ele se aproxima de cada um no recolhimento da sala. Uma palavrinha com esse, aquele e aquele outro, e vai para outra sala. Como as pessoas que estão numa sala sabem que há várias outras depois, cada um entende que o Sumo Pontífice diga uma palavrinha e passe.

Poderíamos examinar como as menores coisas convivem com isso. Os ornatos das salas são grandiosos! Nada de pinturazinhas, com figurinhas, florezinhas. São cenas enormes, em geral de tamanho maior do que o homem. Por quê? Isso faz com que o homem se sinta pequenino e compreenda o respeito que deve ter. Depois, todos sabem que são afrescos de pintores famosos; cada uma daquelas salas valeria uma fábula, não têm preço aquelas pinturas que ornam a mais alta autoridade da Terra. Tudo isso incute respeito.

Há também a sala preparada para o Conclave que elege o Papa, onde se notam as cadeiras colocadas uma ao lado da outra, e em cima de cada cadeira um dossel. Quando o Soberano Pontífice é eleito, funcionários baixam os dosséis, e o único dossel que fica elevado sobre a cadeira é o do trono do novo Papa.

O que quer dizer isso? Quando o Sumo Pontífice morre, o governo da Igreja passa a pertencer ao Sacro Colégio, o qual exerce temporariamente uma parte da soberania do Papa. Como o que caracterizava o soberano antigamente era sentar-se sob um dossel, há dosséis para todos os Cardeais que constituem no seu conjunto o Sacro Colégio. Quando o Papa é eleito, o Sacro Colégio que o aclamou ou escolheu deixa de ser soberano. Assim, os Cardeais, ato contínuo, vão fazer seu ato de obediência ao novo Papa. Baixam-se os outros dosséis, pois a soberania pertence apenas ao Papa. É uma coisa bonita!

A ”Sedia Gestatoria” e os ”flabelli”

A “Sedia Gestatoria” é um trono ambulante.

Quanto eu saiba, esta é a única monarquia de velhos. A Igreja verdadeira nunca teve a fobia da velhice; pelo contrário, teve a admiração e a veneração por ela.

Reporto-me à teoria da soma das idades. À medida que a pessoa envelhece, ela vai somando a vantagem de todas as idades; e, se é católica, vai se tornando mais plena de tudo aquilo que a velhice pode dar. A velhice não é considerada uma catástrofe, mas um êxito.

Lembro-me de uma anedota: dois franceses velhos encontraram-se e ficaram conversando numa ponte sobre o Sena. Um deles disse: “Como é desagradável envelhecer!”, e o outro respondeu: “Eu não acho, é o único jeito de viver muito.”

É tão evidente…

Todos os Papas, com raras exceções, eram mais do que sexagenários. Para percorrer aquelas distâncias enormes no interior do palácio deles, deviam usar um veículo de transporte à mão, porque muitas vezes eram septuagenários ou octogenários. Daí então essa espécie de liteira descoberta, que era a “Sedia Gestatoria”, carregada por portadores que se revezavam ao longo do trajeto, todos com trajes tradicionais. E o Sumo Pontífice ia sentado ali com aqueles leques em forma de semicírculos, com plumas, chamados “flabelli”, que eram na aparência para afugentar as moscas. É possível que a velha Roma pontifícia tenha tido muito mosquito, e que os “flabelli” foram feitos com essa intenção. Mas com o tempo os famosos pântanos romanos foram sendo secos, e os mosquitos desaparecendo de Roma. Mas os “flabelli” ficaram. Porque aquele objeto, destinado primeiramente a espantar mosquitos, foi de tal maneira modelado pela arte que se transformou numa obra-prima, colocada sempre perto do Papa e movendo-se discretamente; passou a ser um símbolo da suavidade, da graça e da glória, adornando a fronte venerável do ancião que é o Vigário de Cristo na Terra. Então os “flabelli”, movendo-se lentamente em torno do Papa, passaram a ser o complemento cênico — e digo cênico com o maior respeito à palavra — necessário do Romano Pontífice levado na sua “Sedia Gestatoria”.

Então, tudo está preparado ali. É só o novo Papa ser eleito que se desencadeia um mundo de tradições que o cercam e o vão levando dentro da linha dos seus antecessores. Isso tudo é tão prático, corre depressa, porém sem correria; não como a pressa moderna, filha da aflição e da torcida, mas uma pressa filha da reflexão, do recolhimento, da meditação, e por causa disso particularmente eficiente. Tudo se passava sem corre-corre, com um mínimo de dispêndio de tempo possível. Sublime e prático ao mesmo tempo. Coisas que o espírito moderno não compreende bem que estejam unidas.

Para concluir, desejo que lhes seja dado o seguinte: a alegria, a graça e a glória de presenciarem o começo do Reino de Maria. E que possam assistir a toda a pompa vaticana como ela deve ser.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/1/1976)

 

1) Tratado assinado em 11 de fevereiro de 1929 e ratificado a 7 de julho do mesmo ano. Por ele, o Vaticano ficava reconhecido oficialmente como Estado soberano, neutro e inviolável, sob a autoridade do Papa, incluindo o palácio de Castelgandolfo e as basílicas de São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo Extramuros. Por sua vez, a Santa Sé renunciava aos territórios que lhe pertenciam desde a Idade Média e reconhecia Roma como capital da Itália.
2) Secretário de Estado de São Pio X.
3) Trêmulo.

Beato Pio IX, vigor e triunfo da Santa Igreja

Diante do racionalismo propagado ao longo de seu século, Pio IX, com  grande audácia, promoveu o triunfo da Santa Igreja.

Muitos foram os comentários de caráter litúrgico e piedoso que se fizeram a respeito da data da Imaculada Conceição. Entretanto, uma das reflexões que o assunto suscita, ficou completamente de lado. Cumpre recordá‑la, porque ela conserva, em nossos dias, uma atualidade palpitante.

 

Maus efeitos do racionalismo no século XIX

Não é fácil, para quem vive em nossos dias, ter uma ideia da devastação que o racionalismo e o modernismo fizeram na sociedade europeia e americana, em todo o decurso do século XIX. O espírito humano, profundamente trabalhado pelos materialistas, pelos revolucionários de todos os matizes, sentia dentro de si uma revolta ardente contra o sobrenatural, que o levava a repelir tudo quanto não pudesse cair diretamente sob a ação e o controle dos sentidos.

Por isto mesmo, todas as religiões, principalmente a Católica, na qual o sobrenatural se patenteia de forma visível e autêntica, foram como que postas de quarentena pela maior parte da opinião pública. E todos os espíritos procuravam, tanto quanto possível, libertar‑se da crença em uma ordem de fenômenos que não se enquadrasse rigorosamente dentro das leis da natureza. A bem dizer, talvez nove décimos da opinião europeia estavam eivados de racionalismo e de modernismo.

Evidentemente, essa contaminação não era igualmente extensa nem

igualmente profunda em todos os espíritos. No entanto, mais visível em uns, menos em outros, ela tinha se insinuado de tal maneira que, mesmo entre os católicos leigos os mais eminentes se podia notar uma ou outra infiltração daquelas tremendas formas de heresia. Quatro eram as posições principais tomadas pela opinião pública perante a grande crise religiosa da época:
 
 1 ‑ aqueles que, corroídos a fundo pelo vírus racionalista e modernista, tinham sido atirados aos extremos da irreligiosidade, isto é, ao ateísmo radical seguido de um anticlericalismo militante e não raras vezes sanguinário;

2 ‑ aqueles que, sem ter a coragem de romper com toda e qualquer convicção religiosa, estavam explicitamente colocados fora da Igreja, admitindo tão somente um espiritualismo ou um cristianismo vago, largamente acomodado aos princípios modernistas e racionalistas;

3 ‑ aqueles que, sem ter a coragem de romper com a Igreja, nem com o espírito do século, proclamavam‑se católicos, mas sustentavam seu direito de professar, em um ou outro ponto, doutrinas contrárias às da Igreja;

 4 ‑ aqueles que, sem ter a coragem de sustentar que divergiam da Igreja, e muito menos de se separar dela, procuravam, entretanto, interpretar capciosamente a Doutrina Católica, de forma a lhe alterar em alguns pontos o conteúdo autêntico e tradicional, e acomodá‑lo com os erros da época.

A dizer a verdade, os que estavam inteiramente fora dessa classificação, os que haviam rompido inteiramente com o espírito do século e que se conservavam sem nenhuma jaça de racionalismo ou de modernismo, eram poucos, especialmente nos círculos intelectuais e sociais elevados.

Grande gesto de audácia do Papa O aspecto que a Igreja apresentava era, então, a de um imenso edifício que se esboroa aos pedaços. De seus milhões de filhos, pouquíssimos conservavam seu autêntico espírito.

Na sua quase totalidade, eles conservavam apenas réstias de Fé, como o horizonte do crepúsculo, que conserva réstias de luz, vestígio derradeiro de um dia que está chegando ao seu fim. E a noite completa não haveria de tardar.

 Triunfo da Santa Igreja

À vista disto, como deveria agir a Santa Igreja?

As opiniões estavam divididas e, efetivamente, o assunto era dos mais delicados. Por um lado, uma reação clara e definida haveria de gerar uma imensa oposição, arrastando para a heresia explícita e categórica muitos espíritos que ainda se achavam ligados, mais ou menos, à Igreja Católica. Por outro lado, entretanto, se não se opusesse um dique formal e categórico à onda da heresia, que ia subindo, seria inevitável que, mais cedo ou mais tarde, os desastres assumissem proporções tais, que a Igreja viesse a conhecer os mais tristes e mais angustiosos dias de sua existência.

Pio IX optou por um gesto de energia e resolveu convocar o Concílio do Vaticano, a fim de estudar e de decidir sobre a Infalibilidade Papal. Um grande e largo gesto de audácia da Igreja enfrentava, pois, o espírito do século, em um desafio que parecia louco. Realmente, falar em dogmas naquela época já era uma temeridade. Definir dogmas novos, temeridade maior. E definir como dogmas exatamente a Imaculada Conceição e a Infalibilidade Papal, em uma época tremendamente racionalista, parecia uma verdadeira loucura.

Por isto mesmo, uma imensa celeuma se levantou nos próprios arraiais católicos, quando a deliberação do Pontífice foi conhecida.
 

O triunfo da atitude acertada

Por que isto? Porque discordassem delas? Não. Mas porque achavam que o espírito transviado do século XIX só poderia ser atraído ao redil por um largo sorriso de concessão e de tolerância; que não é com golpes de audácia, mas com uma invariável brandura, que se consegue a conversão das massas; que seria loucura das mais declaradas procurar desafiar o espírito público. Realmente, com esta atitude ousada, todos se irritariam e se confirmariam no erro. Seria necessário contemporizar e conquistar pela persuasão e pela doçura. Só esta tática é que seria viável.

No Concílio do Vaticano reuniu‑se a Santa Igreja através de seus Bispos, iluminados pelo Espírito Santo, e além da questão doutrinária este grande problema de estratégia foi discutido. A bem dizer, era talvez a primeira ocasião em que este problema estratégico se apresentava ao exame do Episcopado com tanto vigor, depois do Concílio Tridentino.

Os fatos pareciam dar inteira razão aos Bispos de opinião diversa da do Papa. Uma celeuma imensa se levantava pela Europa.

As apostasias se multiplicavam. As discussões no Concílio eram longas e apaixonadas. Em última análise, ao lado da questão doutrinária, se discutia o seguinte problema:

1 ‑ um gesto de vigor, tendente a preservar do erro as massas, conseguirá realmente imunizar os elementos não contagiados?

2 ‑ esse gesto não terá como consequência exacerbar os espíritos que vacilam, e levá‑los à heresia?

3 ‑ sobretudo, não produzirá ele o efeito de enraizar no erro indivíduos que poderiam talvez, pela persuasão, ser conduzidos à Verdade?

À primeira questão, o Concílio respondeu, “sim”. As outras duas, “não”.

Foi este o significado da promulgação solene daquele grande dogma.

Aparentemente, o Concílio errara.

Continuava a irritação da incredulidade. Rios e rios de tinta se gastaram para provar que o Concílio era retrógrado e obscurantista. A revolta contra a Igreja

era franca e declarada… Entretanto, os resultados desejados pelo Concílio não se fizeram esperar muito.

Em primeiro lugar, todos os católicos militantes deram sua adesão incondicional. No seio do povo, as verdades definidas pela Igreja foram aceitas graças ao vigor com que Igreja as promulgara. Até nos círculos intelectuais, o vigor com que agira o Papa lhe atraiu o respeito geral, e todo o mundo começou a respeitar e se interessar por uma Igreja dotada de tal vitalidade. O racionalismo e o modernismo foram decaindo gradualmente. (…)

Estratégia dos Pontífices de todos os tempos

Evidentemente, ninguém pode negar o alcance deste acontecimento histórico. Erram os que condenam as manifestações vigorosas da Fé, e que julgam imprudente e contraproducente qualquer gesto de energia e de vigor combativo dos filhos da Luz contra os filhos das Trevas.

Aí está o triunfo formidável e definitivo de Pio IX a prová‑lo. (…) [Enganar-se-ia] quem pensasse que, agindo assim, Pio IX empregou uma estratégia de cunho exclusivamente pessoal. O que o grande Pontífice fez, não foi senão a aplicação, ao seu século, dos tradicionais processos de apostolado da Santa Igreja. A estratégia de Pio IX foi a de todos os Pontífices que se viram em situação análoga à sua, e que venceram as grandes crises que assediaram a Santa Igreja no passado. E não seria difícil mostrar que foi idêntica a linha de conduta observada pelos Pontífices que, depois de Pio IX, se têm sucedido no trono de São Pedro. É a admirável continuidade pontifícia, que atesta de modo flagrante a assistência indefectível do Espírito Santo aos Papas, através dos séculos. Todos os capítulos da História da Igreja, em todos os séculos, [confirmam] esta admirável continuidade e proporcionam aos fiéis ensinamentos de inestimável valor.

 
(Extraído d’O Legionário de 11 e 18/12/1938 in RDP 02-2011, pgs. 16 a 19)