Vendo Dona Lucilia tão meticulosa, precisa e exigente — embora bondosa e suave —, constituiu-se em Dr. Plinio um essencial aspecto de sua personalidade: a combatividade contrarrevolucionária.
No que Dona Lucilia concorreu para que eu fosse contrarrevolucionário?
Enganar-se-ia quem supusesse que ela fez discursos, explicando que se deve ser combativo e contrarrevolucionário. Ela realizou uma coisa muito melhor, mais límpida, muito mais clara. Foi o seguinte: mamãe pôs em meu cérebro as seguintes coisas:
Em primeiro lugar, que Deus é o Ser supremo, Criador de todas as coisas e, portanto, merece nosso amor primordialmente. Mais do que à mamãe, eu deveria querer bem a Deus. Isso ela me ensinou muito bem, com o talento que têm as boas mães de falar aos filhos, de maneira que estes ouvem a voz delas como ao longo da vida não ouvirão voz nenhuma.
Antes de minha irmã e eu aprendermos a dizer “papai” e “mamãe”, aprendemos a dizer “Jesus”. Minha irmã era um ano e meio mais velha do que eu. Mamãe, estando de vez em quando em seu quarto, arranjando alguma coisa, colocava minha irmã nos braços e, apontando com um dedo para a imagem de Nosso Senhor, de modo que os olhos da criança acompanhassem, dizia-lhe sorrindo afetuosamente, meigamente: “Onde está Jesus? Jesus está ali. Agora repita: Jesus, Jesus.” Minha irmã, que tinha muita vivacidade, respondia: “Jesus, Jesus.”
Depois ela fez a mesma coisa comigo. De maneira que mais tarde, quando chegava a hora, espontaneamente íamos aprendendo a dizer “papai”, “mamãe”, como todas as crianças.
Antes e acima de tudo, precisamos cumprir os Dez Mandamentos
A segunda ideia é que, em relação a Deus, nós temos deveres os quais são mais importantes do que as obrigações para com qualquer pessoa na Terra. Devemos obedecê-Lo antes e acima de tudo, cumprindo os dez Mandamentos.
Já no meu tempo de criança — nasci em 1908 —, a preocupação principal de um grande número de paulistas era ficar rico. Ficou rico, acertou na vida. Não ficou rico, foi um nulo. Perdeu fortuna, tornou-se pobre, foi um elemento negativo na vida, desprezado por todo mundo.
Mamãe dizia o contrário: “Eu prefiro ter um filho empobrecido, tido em conta de nada, mas que cumpra os Mandamentos da Lei de Deus, do que um filho rico, a quem todo mundo faça cortesias, mas que não pratica os Mandamentos. A primeira obrigação é fazer a vontade de Deus; as outras coisas vêm depois.”
Fazer a vontade de Deus significa conhecer o que Ele ensinou e cumprir exatamente o que Ele mandou. Não se pode relaxar, dizendo: “Dou tal jeitinho.” É preciso, antes de qualquer outra coisa, cumprir inteiramente a vontade de Deus com amor.
“Uma espécie de libré da Revolução”
E, pelo seu modo de ser, ela era muito minuciosa nas coisas. Nos tempos de minha infância tudo era diferente de hoje. Atualmente, as senhoras compram roupas feitas em lojas. Naquela época, para tornar o trabalho mais cômodo, mandavam vir uma costureira em suas casas. Eu vi muitas vezes mamãe experimentar vestido com a costureira. Notando algumas dobrazinhas, mamãe dizia: “Aqui falta não sei o quê. Ali precisa fazer tal coisa”, até que o vestido ficasse na perfeição, porque o que ela fazia era perfeito.
Lembro-me de que, quando se tratava de fazer roupas para nós, mamãe também mandava vir a costureira, para elaborar uma roupa de menina para minha irmã, e para mim um traje de menino.
Quando chegava a minha vez de experimentar a roupa, eu tinha que ficar de pé, e Dona Lucilia dizia à costureira:
— Olha aqui, as costas não estão caindo bem. Por favor, ponha um alfinete aqui no paletó do Plinio e vamos ver se assim fica melhor.
A costureira objetava:
— Não vai bem, Dona Lucilia, porque se prende aqui, puxa lá.
E mamãe:
— É verdade, então vamos pensar um pouco onde colocar esse alfinete…
E isto ia de alfinete em alfinete, e eu já não aguentava mais…
Para escapar das provas das roupas, certo dia eu disse a Dona Lucilia:
— Olha mamãe, deixa que eu mesmo me arranje com o meu alfaiate.
E comecei a ir a qualquer alfaiate no centro da cidade, que não tinha interesse em fazer uma boa roupa, nem eu dava a mínima importância aos meus trajes. Ele punha os alfinetes onde queria, eu dizia que estava muito bom. Quando eu vestia a roupa pela primeira vez, eu nem prestava muita atenção, porque achava que aquele traje era uma espécie de libré da Revolução. É claro que eu tinha razão. Aquilo não era uma roupa minha; a Revolução é que estava impondo tais trajes e eu os usava com relaxamento ostensivo, desdenhoso, fazendo pouco caso.
Servir a Deus com ufania
Mas aprendi com mamãe que as coisas verdadeiramente sérias devem ser feitas até o último ponto do exato; por exemplo, a Doutrina Católica. Se um Papa ensinou uma coisa, gozando do privilégio da infalibilidade, falando “ex cathedra”, ou seguindo o ensino ordinário, repetindo o que outros Papas disseram, devemos crer. Mas, para acreditar, a pessoa precisa ler o que o Sumo Pontífice escreveu, para compreender bem o que ele quis dizer, e depois quais são as consequências que decorrem, embora não estejam presentes porque o Papa não pode escrever tudo; há muita coisa que é preciso saber deduzir. E deduzir por inteiro e cumprir por inteiro, brigue com quem brigar, encrenque com quem encrencar, mas é necessário fazer.
Não basta isso. Deve-se servir a Deus não de modo escondido, com vergonha, mas com ufania e, portanto, ostensiva e publicamente.
Por exemplo, usar o terço. No tempo de minha juventude, homem nenhum usava o terço. Eu comprei um terço e comecei a usá-lo publicamente. Era uma afronta.
A alta sociedade de São Paulo era pequena, de maneira que todos se conheciam e, portanto, eu era conhecido por todo mundo. E, para fazer uma afronta maior a eles, nem comprei um terço de homem, mas um azul claro de Filha de Maria. Nas igrejas, diante de meus colegas da faculdade, eu puxava o tercinho e começava a rezar. Porque, se é preciso afrontar, vou afrontar até o fim! Assim, todos os cuidados que Dona Lucilia punha nos alfinetes e nos vestidos eu colocava na profissão da Fé Católica.
Encontro com um rapaz muito rico, mas profundamente revolucionário
Recordo-me de que naquele tempo havia um rapaz muito rico no colégio em que eu estudava. E na casa dele esteve hospedada a Família Imperial brasileira, no ano de 1922.
Todos se lembrarão com certeza que a Independência do Brasil foi proclamada em 1822, tendo o Brasil se tornado nação separada de Portugal. Em 1922 fez cem anos em que o Brasil estava independente e se realizaram festas, comemorações etc. E entre essas comemorações houve um decreto do Presidente da República, Epitácio Pessoa, que era um homem muito inteligente, culto, nobre, revogando o banimento dos descendentes de D. Pedro I. De fato, era um absurdo que, na comemoração do centenário, os descendentes do imperador que tinha proclamado a independência, não pudessem pôr os pés no Brasil sem serem levados para a cadeia. Era um decreto feito pela liberalidade do Governo republicano. Assim, a Família Imperial veio para o Brasil.
Minha avó e minha mãe eram muito monarquistas; e minha avó mantinha correspondência com a Princesa Isabel etc. Quando os membros da Família Imperial chegaram a São Paulo, foram logo visitados por minha mãe e minha avó, em casa de uma família riquíssima — creio que era a família mais rica daquele tempo —, a qual lhes ofereceu apartamentos suntuosos para se hospedarem.
A senhora dona dessa casa tinha netos que eram meus colegas no Colégio São Luís, de maneira que nos conhecíamos e nos tratávamos.
Um desses netos era um rapaz finíssimo, muito bem educado, com jeito de verdadeiro aristocrata, mas comunista apaixonado; depois se tornou um dos líderes comunistas mais conhecidos do Brasil.
Esse rapaz, nas horas vagas, fazia um pouco de sala para Dom Pedro Henrique e um irmão deste, que morreu ainda menino, em odor de santidade: o príncipe Dom Luís Gastão. Dom Pedro Henrique jogava tênis com o futuro líder comunista ao qual me referi.
Quando a Família Imperial foi embora, certa vez eu estava indo de bonde para o Colégio São Luís e, numa esquina da Avenida da Consolação, vejo entrar esse rapaz; não nos gostávamos, era natural. Ele sentou-se ao meu lado; após pequenos cumprimentos frios, ele me perguntou:
— Você esteve com a Família Imperial?
Respondi:
— Estive, sim.
— Você esteve muito com o Pedro Henrique?
— Várias vezes. E você também?
— Sim, eu joguei tênis com ele.
Após uma pausazinha, ele disse:
— Já estou vendo como você tratou a ele de Alteza, não é?
Eu estava percebendo que ele estava armando uma caçoada por cima de mim; então, voltei-me para ele e disse:
— Sim, senhor. Alteza! Você como tratou?
— Ah, não! Eu tratei de você, porque sou democrata.
— Pois bem, é fácil ser democrata com um príncipe que perdeu o trono. Mas com príncipe que está no trono você trataria de Alteza, não é?
— Não me amole!
— Amolo, sim, porque essa é a lógica.
Fomos até o Colégio São Luís sem conversarmos. Ele já morreu; depois desse fato, nós nunca mais nos falamos. Esse era o modo de ser combativo já para uma criança.
Como o menino Plinio classificava seus estudos
Como expliquei, eu não me importava com a minha roupa, porque era a libré da Revolução; porém, quanto aos meus estudos minha atitude era diferente.
Eu classificava meus estudos em dois grupos: aqueles que se relacionam com a Revolução e a Contra-Revolução; os que não se relacionam.
Estudos que têm relações com a Revolução e a Contra-Revolução:
Primeiro, a Religião: aprender o catecismo melhor do que todas as outras coisas. Em segundo lugar, o Francês, idioma que eu admirava, já conhecia e falava correntemente, e do qual gostava muito. Eu compreendia que o meio de combater a influência Hollywood do cinema era manter a cultura francesa. Então, chegando junto aos colegas eu dizia:
— Que linda língua o Francês!
Um deles logo me respondia:
— Não, o Inglês é muito mais bonito.
— Nunca! Onde é que você está com a cabeça?
— Serve melhor para entender as fitas de cinema.
— Mas isso não quer dizer nada, pois essas fitas não valem nada.
E saía uma discussão…
A grande matéria, depois de Religião: História. Analisando como tinha sido o passado, vim a compreender melhor o presente. Execrei a Revolução Francesa. E tudo quanto pode haver de ódio ao mal no coração de uma criança, havia no meu coração contrarrevolucionário.
Eu gostava muito de Latim; a boçalidade do cinema era contrariada pela penetração do Latim. E apreciava também análise lógica: sujeito, verbo, objeto direto, indireto, complemento circunstancial de tal espécie… Então, tomar uma frase e desarticulá-la, entender as palavras, pôr em ordem: coisa magnífica!
Tudo isto já visava a combatividade.
Por fim, comecei a formar meu vocabulário. As pessoas que, segundo me parecia, falavam um Português bonito eram muito mais velhas do que eu; mas eu me colocava perto delas para ouvi-las falar e notava as palavras que não se diziam todo dia, as quais, entretanto, tinham suco, eram ricas de significado. E comecei a empregar um vocabulário antigo. Muitas pessoas ficavam indignadas porque era uma provocação; e eu sustentava a provocação.
Aí está, conforme a formação dada por Dona Lucilia, a origem de minha combatividade. Dessa forma, ao que me foi perguntado, respondo com muito afeto. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/2/1995)