Relíquia das mais preciosas da Cristandade, o Santo Sudário nos emociona de modo particular, posto nos oferecer, praticamente, uma fotografia de Nosso Senhor Jesus Cristo. Certo, ali está retratado o cadáver do Homem-Deus que passou por tormentos inenarráveis antes de morrer, e, portanto, encontra-se em algo desfigurado. Não devemos imaginar que Jesus tenha sido em vida como O vemos no Sudário. Foi muito parecido com essa figura, ressalvadas as deformações da morte e, sobretudo, de um longo martírio.
Não obstante, podemos nos perguntar qual o alcance de contemplarmos essa Sagrada Face estampada de modo miraculoso no lençol que hoje é venerado em Turim. Sabemos que em todo homem a face é um símbolo da alma. Não raras vezes, uma imagem que oculta a verdade, pois temos o hábito de fazer fisionomias especiais para encobrir nossos defeitos. Além disso, em virtude do pecado original e das nossas imperfeições morais, essa fisionomia, mesmo não intencionalmente, é ambígua, não exprimindo tudo quanto nos vai no espírito. De modo que uma pessoa menos avisada pode não perceber o autêntico valor da alma refletida no semblante de alguém.
Ora, tal não se verificava em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Como Homem, perfeitíssimo, o mais perfeito que jamais houve e haverá. Como Deus, a Perfeição. De sorte que a fisionomia d’Ele era de fato a expressão acabada de sua insondável santidade.
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Contemplemos o Santo Sudário. Pela proporção entre o tamanho do rosto e o do corpo, percebe-se a grande estatura e a atitude majestosa de Jesus. Na face sagrada, em que permanecem as cicatrizes dos maus tratos recebidos, nota-se a extraordinária semelhança com as imagens existentes em nossas igrejas. A fisionomia, um tanto alongada, estirada, não reflete inteiramente o normal daquele rosto divino que atraiu o olhar enlevado de multidões.
Aspecto curioso. Quando morreu, Nosso Senhor contava apenas 33 anos, mas para a ótica de homens de hoje Ele parece ali mais maduro, e com facilidade se Lhe daria 45.
Quer dizer, é a manifestação de uma maturidade absoluta, de uma decisão profunda, imensa, de alguém inteiramente cônscio de tudo quanto pensa, e senhor de um juízo ponderado ao extremo. Homem de uma vontade forte e determinada: Ele sabe tudo quanto quer, Ele quer tudo quanto Lhe convém querer. Transmite-nos uma ideia de ordem completa, de uma varonilidade e um domínio de si perfeitos. Muito acima dessas qualidades, porém, admira-se n’Ele uma sacralidade extraordinária. Não nos é difícil perceber a suma responsabilidade desta figura e a segurança que tem das supremas excelências inerentes ao Verbo Encarnado. Admirando a sagrada fisionomia, vem-nos à lembrança o episódio do Evangelho em que os algozes se apresentam para prender Nosso Senhor, perguntando se era Jesus Nazareno. E Ele respondeu: “Sou Eu!”. Ao ouvirem o som daquela voz divina, os malfeitores caíram com a face no chão. Tal eram a majestade e a segurança de Jesus.
Essa resposta — “Sou Eu!” — evoca, por sua vez, a definição de si mesmo dada por Deus a Moisés, quando apareceu no meio da sarça ardente. Perguntado pelo líder do povo eleito quem Ele era, Deus disse-lhe: “Eu sou Aquele que é”. Se afirmássemos que essa figura do Sudário se define assim: “Eu sou Aquele que é!”, tomaríamos como adequado e natural, porque ela exprime a posse de todo o absoluto, uma certeza de si por onde se vê que Ele é o padrão e a medida de todas as coisas, que julga como Rei e como Deus a tudo e a todos, em função de si próprio.
Ao mesmo tempo, entrevemos o que poderia ter de divinamente suave e de afável no olhar desse Homem, assim como o que haveria de supremamente doce na linguagem e no timbre de sua voz. É a coexistência de todas as virtudes, de todas as perfeições em todos os graus que possam caber na natureza, como reflexo da natureza divina ligada a Ele pela união hipostática.
De outro lado, é interessante observar a severidade da expressão. Nosso Senhor morreu sob o maior tormento de que há notícia na História. Contemplamos essa fisionomia, e vemos que Ele se acha como um Juiz diante de seus algozes. Escritos nesse semblante, de modo verdadeiramente divino, estão a rejeição, a censura, o desacordo e a condenação àqueles que O mataram. Como quem diz: “Eu sou a Lei, sou o Juiz e sou a Vítima! E julgo a esses três títulos o crime que contra Mim foi praticado”. É majestoso! É admirável!
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O que se destaca no Santo Sudário, no meu entender, é a soma e a conjugação inteiramente harmoniosa de todas as virtudes, semelhantes e opostas, num grau tão elevado que nem a mente nem o olhar humanos logram alcançar. N’Ele temos, então, a força e a bondade; a mansidão e ao mesmo tempo a cólera divina; a placidez, bem como uma capacidade de agir, de tomar iniciativas, que ofusca a qualquer um. E assim por diante, poderíamos enumerar todo o rol de virtudes e perfeições de que Nosso Senhor é o adorável modelo.
Por outro lado, para se compreender tudo o que há de profundo e misterioso na fisionomia deste Varão divino, devemos atentar para o fato de que Ele está repleto das mais subidas cogitações, nas quais vive de modo permanente e estável; assim como para o fato de que Ele é a via posta para os homens de todos os séculos: quem se encontra de acordo com Ele, está certo; em desacordo, está errado.
“As minhas cogitações não são as vossas, e as minhas vias não são as vossas”, disse Ele… E disse também, de si mesmo: “Eu sou o caminho, a verdade, a vida”. Há nisto um mistério que é o próprio do absoluto. Vendo-O, tem-se a impressão de que essa prodigiosa auto segurança se comunica em todo o ser d’Ele, de uma maneira indizível, com a natureza divina, com a Santíssima Trindade, e que a sua atenção está ao mesmo tempo posta nos segredos de Deus e nas atitudes dos homens, entre os quais Ele vive.
Cogitações e vias que procedem do Céu. N’Ele, tudo é sagrado, santo, perfeito, altíssimo. Se dissermos que é um poderoso monarca, O diminuímos; se grande orador, O apequenamos. Todos os maiores títulos que possam ser atribuídos a uma pessoa, tornam-se minúsculos em paralelo com esse Homem-Deus. Ele é o Rei dos reis, o Senhor dos senhores. Nunca houve nem haverá filósofo que se Lhe iguale, nem oratória que se assemelhe à sua. Porque ninguém, jamais, debaixo de nenhum ponto de vista, poderá ser comparado com esse Varão do Santo Sudário.
Plinio Corrêa de Oliveira