Apresentação do Menino Jesus

Quando Maria, ainda menina, ingressou no Templo de Jerusalém, este atingia um auge na sua história. Porém, alcançou a plenitude no momento em que Ela ali retornava como a Mãe do Messias, trazendo em seus braços o Verbo Encarnado, sendo recebida por Simeão e Ana, representantes da fidelidade do povo eleito. Então os fiéis reconheceram o “desejado das nações”, e se fechou o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa divina, finalmente, cumprida.

Nossa Senhora

Alma de uma imensidade inefável, alma na qual todas as formas de virtude e de beleza existem com uma perfeição supereminente, da qual nenhum de nós pode ter uma ideia exata.

Nossa Senhora é bem aquele mar, aquele céu de virtudes diante do qual o homem deve ficar estarrecido e enlevado, e que com todas as suas forças deve procurar amar e imitar.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência 15/11/1958)

Escravidão de amor a Nossa Senhora

Eis a conclusão das palavras dirigidas por Dr. Plinio a um grupo de jovens que acabavam de fazer a consagração a Nossa Senhora, pelo método de São Luís Grignion de Montfort. Dr. Plinio lhes explicara inicialmente o contexto no qual esse Santo explicitou e desenvolveu suas doutrinas.

Em seu “Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem”, São Luís Grignion estabelece vários princípios que justificam a nossa consagração a Ela como escravos de amor.

Medianeira desejada pela Providência

O mais importante deles é a mediação universal de Nossa Senhora. Ou seja, o fato de que Ela é a medianeira entre Deus e os homens para a obtenção e a distribuição de todos os dons divinos que pedimos ao Céu.

De tal modo essa intercessão de aria é querida pela Providência que — ensinam os teólogos — nada do que os fiéis pedem a Deus seria alcançado, se a Santíssima Virgem não rogasse também por eles. Pelo contrário, se Ela sozinha fizer a mesma oração em seu favor, será atendida.

Compreende-se. Escolhida para ser a mãe do Verbo encarnado, sempre imaculada e cheia de graça, a união que Nossa Senhora tem com Jesus é a mais alta que uma simples criatura humana pode ter com Deus. Em virtude desse vínculo extraordinário, Nosso Senhor nada recusa à sua Mãe, o que faz d’Ela uma intercessora onipotente junto a Ele. Esse é o princípio  ensinado por São Luís Grignion e reconhecido pela Igreja.

Passemos a outro ponto.

Co-redentora do gênero humano

Quando foi decidido pelo Pai Eterno que Jesus Cristo deveria morrer para expiar nossos pecados, quis Ele ter o consentimento da Santíssima Virgem, o que representou para Ela um golpe espantoso.

Pensemos em nossas mães. Se alguém lhes dissesse: “Quer me dar seu filho, para que ele sofra blasfêmias, seja ridicularizado, perseguido, preso, entregue ao desprezo e ao ódio do povo, flagelado, coroado de espinhos, obrigado a carregar sua cruz até o Calvário e morra de modo atroz?” — nenhuma delas cederia o filho! Não há mãe que queira isso para aquele que ela trouxe ao mundo.

Porém, Nossa Senhora sabia ser necessário esse holocausto para a redenção do gênero humano. Ela deu seu consentimento, e com isso sofreu uma dor intensíssima, como se um gládio Lhe transpassasse o coração. Daí vem a devoção a Nossa Senhora das Dores, e a imagem d’Ela com o coração aparente, atravessado por uma espada.

É uma evocação do sacrifício que Ela fez.

Nos seus eternos desígnios, Deus quis que esse padecimento de Maria fosse unido ao de Nosso Senhor para resgatar os homens, e por essa razão Ela é chamada pela Igreja de Co-redentora do gênero humano.

Nossa Senhora é nossa arqui-mãe

Em conseqüência dessa participação de Nossa Senhora na redenção do mundo, podemos dizer, com inteira propriedade, que Ela é nossa mãe: sem o auxílio e o consentimento d’Ela, não teríamos nascido para o Céu e para a vida da graça. Ela aceitou e quis o sacrifício de seu Divino Filho por todos e cada um dos homens, até o fim dos tempos, e é, portanto, mãe de todos e cada um de nós.

Mãe a um título mais alto que simplesmente o de mãe natural, posto ser mais alta a vida sobrenatural para a qual Ela nos gerou. Em certo sentido, Ela é a nossa arqui-Mãe, a Mãe das mães. E tem, então, para conosco, uma tal misericórdia, que São Luís Grignion de Montfort não hesita em afirmar que Maria ama cada um em particular mais que todas as mães somadas amariam seu filho único. Daí, diga-se de passagem, a entranhada confiança que devemos depositar na clemência d’Ela.

É louvável que nos consagremos a Nossa Senhora

Ora, se Nossa Senhora nos deu de tal maneira seu sacrifício, sua alma, se Ela nos amou a tal ponto, se é tão autenticamente nossa mãe, se Ela nos ofereceu seu Filho, o Filho de Deus, se O imolou por nós, se nos cumulou de tantos bens, é justo e louvável que nos consagremos a Ela por completo.

Eis a tese de São Luís Grignion. Pertencemos a Ela, de direito, pelo que Ela fez por nós. O santo autor diz muito bem que, quando um rei (ele se referia aos monarcas absolutistas) conquista um povo, torna-se senhor desse povo.

Nossa Senhora nos comprou e nos conquistou por seu sacrifício, e por isso Lhe pertencemos. Mas, como somos seres inteligentes e livres, é preciso que, por uma deliberação nossa, nos entreguemos a Ela. Com nosso consentimento, essa união se torna completa.

De fato, não pode haver dom mais proporcionado ao que Nossa Senhora nos fez, do que a doação de nós mesmos a Ela, como seus devotíssimos escravos. Quer dizer, a escravidão de amor à Santíssima Virgem Maria como Mãe de Deus, como nossa Co-redentora e nosso celestial amparo.

Características dessa escravidão

Por essa escravidão consagramos nossa vida nas mãos de Maria Santíssima, e Lhe entregamos todos os nossos méritos para que disponha deles como melhor quiser. Convenhamos, não é um muito bom negócio para Ela… Que são os pobres méritos dos homens em comparação com os que Ela alcançou! Mas, se é este o desejo d’Ela, deixemos que Nossa Senhora use de nossos méritos como Lhe aprouver, em benefício de terceiros, em tal intenção da Igreja, etc., etc. São Luís Grignion, entretanto, procura nos fazer ver a inestimável vantagem dessa entrega, aplicando à  generosidade de Nossa Senhora uma  expressão francesa muito interessante: “Em troca de um ovo, ela nos dá um boi”.

Ou seja, damos diminutos méritos e, em retribuição, Ela nos concede uma torrente de graças.  Devemos, pois, fazer tudo o que Nossa Senhora deseja que façamos, quer dizer, cumprir a lei de Deus e procurar sermos perfeitos. Em outras palavras, tudo o que sabemos que seja o melhor para os interesses da Igreja, segundo a moral e a perfeição cristã.

Em compensação, Ela nos toma sob sua proteção de modo especial, e nos torna beneficiários de méritos superabundantes. Eis no que consiste essa consagração de amor à Santíssima Virgem.

 

A gota d’água no cálice de vinho

Ainda sobre o papel do nosso sofrimento (que Dr. Plinio aborda neste número com base na vida dos pastorinhos de Fátima), mais uma consideração: ele nada seria, se não se associasse à Paixão redentora de Jesus Cristo, que o vivifica e lhe confere méritos sobrenaturais abundantíssimos.

Embora os merecimentos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo sejam superabundantes, dispôs a vontade divina que deles se aproveitassem os homens, em muitas circunstâncias, unindo seus próprios sacrifícios aos do nosso Redentor. Assim nos ensina a Santa Igreja.

Donde, para conseguir tocar e converter determinada alma, por exemplo, seriam suficientes os méritos infinitos alcançados por Jesus, sem os quais nada obteríamos. Porém, é do superior desejo de Deus que essa conversão se efetue mediante o concurso dos nossos sofrimentos, associados aos de Nosso Senhor.

E se almejamos, portanto, uma imensa transformação moral para a sociedade contemporânea, ou um “renouveau” da vida da Igreja, cumpre que soframos todo o necessário, nos consumindo nesse sofrimento como uma tocha ardente. Tais são os desígnios de nosso divino Salvador, para que, de fato, a dolorosíssima Paixão d’Ele se verificasse útil a essa alma, àquele grupo social, ou mesmo àquele ciclo de civilização.

A essa necessidade de unir nossas dores às de Jesus, costuma-se aplicar um dos muitos e lindos simbolismos da liturgia eclesiástica. Trata-se da gota d’água que o sacerdote verte no cálice com vinho, durante o Ofertório, a qual representaria o sofrimento humano depositado no oceano do sofrimento divino, para, juntos, serem imolados ao Padre Eterno.

Quiçá esse simbolismo não tenha fundamento na história litúrgica, porém exprime ele adequadamente um pensamento piedoso suscitado por esse ritual da celebração eucarística.

E sempre que observo o padre fazer essa mistura da água com o vinho, lembro-me dessa ideia muito formativa: é a gota do nosso sofrimento no mar das dores de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Por outro lado, reveste-se de extrema beleza o fato de essa gota d´água, uma vez dissolvida no vinho, ser também transubstanciada. Quer dizer, o que não era matéria para consagração, acaba se tornando uma só coisa com a espécie do vinho e se transubstancia no Sangue preciosíssimo de Cristo. Isto manifesta bem o valor descomunal  de nossos méritos, de si tão minguados quando unidos aos méritos infinitamente valiosos de Nosso Senhor.

O sofrimento humano completa o desenho da Criação

Poder-se-ia, agora, aprofundar a razão de ser desse vínculo entre o nosso sacrifício e o de Jesus. Considerando os desígnios divinos, chegaríamos à conclusão de que, tendo Deus criado seres inteligentes e dotados de vontade, intencionalmente deixou que uma parte da beleza da criação fosse completada por esses seres. Daí uma série de coisas lindas da natureza surgirem graças ao engenho humano. Por exemplo, o casulo do bicho-da-seda é uma obra saída das mãos do Onipotente, com a manifesta intenção de que o homem o utilizasse para fabricar o rico tecido com que orna mobílias, decora ambientes ou confecciona magníficas peças de vestuário.

De si feios, o verme e o casulo oferecem ao talento dos artífices a matéria para realizarem maravilhas. E assim, mil outros elementos se encontram na criação, tornando-a semelhante a esses desenhos pontilha pontilhados no seu contorno geral, feitos para  serem completados e coloridos pelas crianças.

O homem, entendendo a criação, amando-a e aperfeiçoando-a, recebe de Deus a honra incomparável de ser elevado à dignidade de continuador d’Ele no seu plano para o mundo. Ora, tendo acontecido que Deus, além de Criador, se fez Redentor, dispondo que Jesus Cristo padecesse e morresse na Cruz para nos salvar, era natural que o homem também fosse associado a essa obra-prima da criação, que é a Redenção. E que ele, portanto, tivesse um sofrimento complementar a oferecer ao Padre Eterno, unido ao sacrifício do Verbo Encarnado.

Grandeza das almas que sofrem pelas outras

Temos, então, as mais diversas e tocantes formas de padecimento do homem nesta terra de exílio. É belo o sofrimento do apóstolo, com seu caráter expiatório ou imprecatório, como um ato de amor e de holocausto desinteressado, tantas vezes misturado a lutas e dificuldades de toda ordem. É belo, quando ele precisa levar a bom termo sua faina apostólica num determinado meio, e surgem as incompreensões, as calúnias, os motejos, precipitando-se sobre o apóstolo. Ele enfrenta todos os obstáculos, parecendo abandonado por Deus. Por quê?

Porque é preciso que ele sofra, assim como é necessário que ele atue e reze. Sem esse sacrifício do apóstolo, Nosso Senhor poderia recusar a aplicação dos méritos da Paixão d’Ele para aquele ambiente, para aquele meio, para aquela alma.

Belo é, igualmente, o padecer daqueles dos quais a graça divina se serve para atuar, pela primeira vez, junto a um determinado grupo social. Esses instrumentos suscitados por Deus são como que fundadores, e devem ter um sofrimento mais intenso do que os outros. De fato, o homem que inicia uma obra possui a glória de tê-la começado. Mas essa glória traz para ele o peso tremendo de sofrer pela obra inteira. E se esta for chamada a perdurar até o fim do mundo, produzindo frutos que o tornarão ainda mais engrandecido, é natural que ele irrigue com suas dores a existência
inteira dessa fundação.

Para suprir a debilidade dos homens no oferecimento de seu sacrifício, existem na Igreja as almas que têm a vocação de sofrer pelas outras. Diante dessas pessoas desejosas e capazes de padecer pelo próximo, teria vontade de me ajoelhar e lhes dizer — “servatis servandis” — como São João Batista a Nosso Senhor: “Não sou digno de desatar as correias de seu sapato”. De tal maneira me empolga e entusiasma essa forma de apostolado, merecedora de meu respeito e profunda veneração.

Nada é mais nobre e mais bonito, nada revela maior integridade de alma e maior sinceridade em todos os propósitos, nada é mais eficiente em seu gênero próprio, do que a alma que aceita sofrer pelos outros. Barreiras enormes se abatem, preconceitos tremendos caem, dificuldades fabulosas se resolvem quando uma determinada alma decide ser conseqüente e abraçar a dor até onde o permita a vontade de Nosso Senhor.

Não tenho palavras para exprimir a gratidão emocionada, o sentimento de culpa e de vergonha que me toma diante de uma alma que realmente seja capaz de levar essa vocação até o fim. “De culpa e de vergonha”, digo, porque sempre me fica a impressão de que, na raiz do êxito admirável de nosso apostolado, existem almas que sofreram e talvez já morreram — ou ainda estejam vivas — padecendo para nos alcançar tudo o que a nós foi concedido por Nossa Senhora.

Se me fosse dada a felicidade de conhecer uma alma assim, sem dúvida me ajoelharia e lhe beijaria os pés. Porque, abaixo de Deus, eu estaria diante da causa verdadeira da  nossa grandeza, da razão primeira de nossos sucessos, da minha perseverança e do que possa haver de virtude em mim. Com efeito, se alguém não tivesse tomado a cruz às costas e subido ao alto do Calvário, imolando se por nós, não creio que eu pudesse realizar a obra que me foi confiada.

Portanto, essa alma sofredora é o sustentáculo de minha fraqueza, o remédio para as minhas lacunas, enfim, é o fator preponderante para que nossas atividades progridam e frutifiquem.

Nada se faz sem os “micro- Cristos”

Claro está que as almas mais especialmente chamadas por Nosso Senhor para se associar ao sofrimento d’Ele nos entusiasmam, pois se entregam a algo que poucos têm coragem de abraçar.

Muitos estão prontos para agir, alguns para rezar. Onde estão os dispostos a sofrer? Onde encontraremos alguém que deseje se sacrificar, com este sentimento: “Eu sofro, peço à Nossa Senhora que conforte a minha fraqueza, mas aceito e dou esse passo”?

É natural que em nossa obra a Providência suscitasse almas dispostas a sofrer e a fazer do padecimento seu  primeiro apostolado. Essas almas seriam as principais entre nós, incumbidas da missão mais difícil, mais necessária, mais urgente.

Para se compreender o mérito dessa vocação particular, devemos tomar em consideração que o sofrimento não é só se flagelar ou se martirizar. Não. Antes de tudo, é aceitar bem as diversas provações que Deus permite em nossa existência diária. Devemos recebê-las de frente e dizer: “É verdade, eu sofro. Posso até agir para eliminar essa dor. Mas, enquanto não for evitada, acolho-a de bom grado, porque é algo inapreciável para a minha alma e para a dos meus semelhantes.

É preciso que alguém se imole por eles”. Penso não existir expressão mais vil do que esta: “Vê lá se eu sou um Cristo para aguentar tal coisa!”. Embora seja de uma sordície inominável ela tem um pressuposto curioso: existem micro-Cristos, digamos, que  aqui, lá e acolá se deixam crucificar ara que as realizações humanas cheguem a bom termo. E sem esses micro-Cristos, nada se faz. Eles são a honra, a glória, a alegria, a vitória dos ambientes pelos quais sofreram. É deveras inapreciável essa condição de sofredores dentro da Igreja.

Almas que devemos amar entranhadamente, porque foram corajosas o bastante para oferecerem a Nosso Senhor sua própria imolação: “Quero unir meu sofrimento ao vosso. Se tenho de ser como uma azeitona a ser espremida para dela tirardes o óleo, ou como a uva da qual extraíreis o vinho, ou como o grão de trigo triturado para dar a hóstia, é este o meu desejo!”

Tenho a impressão de que eu diria com o Salmo: “meus ossos humilhados exultam”, se visse em nosso movimento almas chamadas por Nossa Senhora para o sofrimento e a dor.

Holocausto digno de admiração e gratidão inteiras

Em um de seus famosos escritos, Huysmans nos conta que há em Lourdes um Carmelo cujas freiras têm por missão sofrer e expiar para conseguir conversões e curas no Santuário. Porém, no momento daquelas lindas “procissões das velas”, daquelas curas miraculosas, daquelas grandes transformações morais, daquela glorificação de Nossa Senhora em meio à felicidade do povo, ninguém está se lembrando do convento das carmelitas, onde existem religiosas doentes, morrendo, sofrendo aridezes interiores e desolações tremendas, para que os outros estejam na alegria ou sendo objeto da benevolência divina. Não importa: aos olhos de Nossa Senhora, a fonte de toda essa alegria está naquele Carmelo.

O mais bonito é que as freiras assumem o compromisso de não pedir a própria cura. Pergunto: haverá na Terra algo mais digno de admiração do que essa forma de holocausto? A esse respeito, vale recordar um lindo fato da vida de Santa Teresinha do Menino Jesus. Ela desejava ardentemente ser tudo na Igreja: missionário, padre, apóstolo leigo… E essa vontade intensa chegava a constituir para ela um verdadeiro suplício. Mas, a partir do instante em que entendeu o valor do sofrimento, através do qual poderia obter graças para as almas que cumpriam essas vocações, e, desse modo, atender o seu anelo de fazer tudo em todos os lugares ao mesmo tempo — ela então encontrou ânimo para sofrer e achou paz para a sua alma.

É compreensível que, diante de uma pessoa assim, nos emocionemos até o extremo que nos seja possível. E que a veneremos, respeitemos e lhe externemos nossa gratidão, em toda a medida que nos seja dado agradecer.

 

"Porta do céu, abri-vos para mim!"

Nossa Senhora é chamada a Porta do Céu. É por meio d’Ela que Nosso Senhor Jesus Cristo passou do Céu para a Terra, e é através d’Ela que os homens passam do mundo para a eterna bem-aventurança. É por essa porta que todas as nossas orações chegam até Deus, e é por meio d’Ela que obremos as graças necessárias para nossa salvação.

Assim, em todos os dias de nossa vida e, sobretudo, no momento em que estivermos para entrar na eternidade, a Ela devemos dirigir esta filial e confiante súplica: “Porta do Céu, abri-vos para mim!”

Misercordes oculos ad nos converte

Quando menino, aos doze anos de idade, diante de uma imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, venerada na Igreja  do Sagrado Coração de Jesus, Dr. Plinio foi “contemplado” pelo misericordioso e compassivo olhar de Maria Santíssima.  A graça recebida nessa ocasião marcou profundamente sua vida.

 

Procurando fazer melhor explicitação a respeito de Nossa Senhora, recentemente encontrei uma figura que, embora muito simples, exprime bem meu pensamento. Não sei se ela, em Geometria, é inteiramente exata, pois, como todos sabem, meus conhecimentos nessa matéria são os mais sumários e desinteressados possíveis.

Imaginemos um poliedro, um corpo com várias faces — esta é a ideia muito primitiva que tenho de um poliedro —, bem construído. Se suas faces são triangulares, olhando-se para uma delas, se vê de certo modo as outras, pois todas têm a forma de um triângulo.

Assim é a Mãe de Deus, cuja perfeição é supereminente, e a Quem a Igreja vota o culto de hiperdulia. Considerando-se uma de suas altíssimas qualidades, percebe-se que Ela tem igualmente todas as outras virtudes de que uma criatura humana seja capaz. Conhecida, por exemplo, sua fé, se entende sua esperança e sua caridade. Vendo-se um lado do poliedro, se intui como são todos os outros, com suas dimensões. Se, conforme a Geometria, o poliedro não é exatamente assim, essa figura serve ao menos como metáfora.

Compaixão de Nossa Senhora

O que mais me tocou, primeiramente, em Nossa Senhora não foi tanto sua santidade virginal e régia, mas a compaixão com que Ela olha para quem não é santo, atendendo com pena e solícita em dar, em suma, uma misericórdia que tem as mesmas dimensões das outras qualidades. Quer dizer, inesgotável, clementíssima, pacientíssima, pronta a ajudar a qualquer momento, de modo inimaginável, sem nunca ter um suspiro de cansaço, de extenuação, de impaciência, mas sempre disposta não só a repetir sua bondade, mas a superar-se a Si própria. De maneira que feita tal misericórdia, embora mal correspondida, vem outra maior. Por assim dizer, nossos abismos vão atraindo sua luz. E quanto mais fugimos d’Ela, mais as graças por Ela obtidas se prolongam e se iluminam em nossa direção.

“Um olhar que me deixou calmo para a vida inteira”

Comparemos o miosótis com o sol. Entre nós e a Santíssima Virgem a diferença transcende ainda mais. Embora seja Ela mera criatura, sua ação poderia ser comparada com o efeito do olhar de Nosso Senhor para São Pedro, que O renegou durante a Paixão e o galo cantou. Quando o Redentor o fitou, ele se sentiu tomado por inteiro. O Apóstolo havia sido testemunha direta ou tivera repercussão imediata de tudo quanto os Evangelhos narram, e conhecia Nosso Senhor perfeitamente. Naquele olhar ele recebeu uma comunicação de tudo quanto sabia, mas com tal acento e esplendor, que derrubou sua ingratidão: “Et flevit amare — E chorou amargamente” (Lc 22, 62). A grande contrição de Pedro é um dos fatos mais bonitos da história dos santos.

Quando menino, tendo ido à Igreja do Coração de Jesus e, pela primeira vez, atinado com a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, não tive nenhuma visão, êxtase ou revelação. Mas me senti como se a imagem me olhasse, e tive conhecimento como que pessoal dessa bondade insondável que me envolvia totalmente. Ainda que eu quisesse fugir ou renegar, Ela me pegaria afetuosamente e diria: “Meu filho, volte de novo, aqui estou Eu!”, fazendo-me entender a profundidade dessa misericórdia.

Em primeiro lugar, fiquei calmo para a vida inteira. De fato, por maiores que sejam as dificuldades, se estamos envolvidos por essa misericórdia, podemos descansar; porque no fundo, para quem não é brutalmente insensível, mas se volta à Virgem Maria, Ela acaba arranjando todas as coisas. E, notem bem, uma das coisas que — dentro da indefinição de minha mentalidade de menino, entretanto eu tinha bem claro mais me enlevaram, foi que isso não era um privilégio para mim, mas era a atitude d’Ela diante de todos os homens.

Nossa Senhora poderia condescender em querer tratar-me como um privilegiado; porém, tive cognição do contrário: Para todas as pessoas que existiram e existem, todos os pecadores que estão nas ruas, nas casas, nos bondes, nos automóveis, etc., Ela é exatamente assim. Porém, muitos A rejeitam.

Tenho muita pena quando vejo alguém — um “enjolras”(1), por exemplo — nervoso e com problemas; penso: “Por que não posso comunicar-lhe um olhar como o que recebi de Nossa Senhora? Ele ficaria calmo para a vida inteira.”

Não consigo exprimir completamente como foi essa graça. Quando rezo o trecho do Magnificat “et misericórdia eius a progenie in progenies timentibus eum”, quer dizer, a misericórdia de Deus vai de geração em geração a todos os que O temem, sempre pensei: “É bem verdade, e por meio de Maria Santíssima. Ela é a misericórdia insaciável, que não acaba, mas se multiplica solícita, bondosa, tomando nossa dimensão e, por compaixão, faz-se até menor do que nós para nos acolher”.

Muitos pensam que eu sou uma fera, não tenho pena dos outros. Eles não têm ideia do que é essa cognição da misericórdia de Nossa Senhora, a qual penetrou em minha alma.

Misericórdia, pureza, fortaleza e sabedoria de Nossa Senhora

Considerando essa misericórdia, vem-nos à ideia a virginalidade de Maria Santíssima, porque essas noções, por assim dizer, se contêm umas nas outras. Ela é pura, com um grau de pureza indizível. Conhecida a misericórdia se conhece a pureza; é novamente a figura do poliedro. Qualquer castidade que se possa conceber não se compara à pureza d’Ela, toda feita não só de ausência de qualquer pendor para o mal, mas de um jorro de alma direta e exclusivamente para Deus, sem compromisso com mais nada e ninguém, um “élan” inteiro, de uma força, integridade, um desejo de Absoluto, que não se pode medir.

A pureza de Nossa Senhora, comparada à de outras pessoas, é como a alvura da neve em relação ao carvão.

E, na perspectiva em que me coloco, a pureza traz consigo a ideia da fortaleza, a qual não significa que nada quebra. É algo diferente: ante o que a Mãe de Deus, na sua pureza, decidiu, o resto do mundo se flecte pela força da vontade d’Ela; é um ímpeto, uma resolução, uma ausência de possibilidade de resistência de qualquer pessoa ou coisa que seja, uma soberania, um domínio numa tal dimensão que não há palavras humanas para exprimi-la.

Hoje se fala de obuses e outras armas. Na realidade, são simples caranguejolas inofensivas e ridículas em comparação com um ato de vontade, uma preferência da Santíssima Virgem.

Por sua vez, essa fortaleza, misericórdia e pureza trazem uma ideia de sua sabedoria lúcida, adamantina, dispositiva de todas as coisas, nunca tendo qualquer dúvida, mas somente certezas. Quer dizer, Ela conhece todas as coisas, suas inter-relações, e penetra até as entranhas de todo ser. O universo é tão grande! Pelo fato de Nossa Senhora compreender a ordem do universo e o seu ponto ápice, mais uma vez vislumbramos qual é a imensidade de sua pureza, fortaleza e misericórdia.

Essas são as virtudes que, de momento, mais me chamam a atenção quando me lembro do olhar de Nossa Senhora Auxiliadora na Igreja do Sagrado Coração de Jesus.

“Meu filho, Eu te quero”— “Minha Mãe, eu sou vosso”

Poder-se-ia perguntar-me: “O senhor recebeu esse olhar quando menino, com onze, doze anos; e nunca mais houve algo semelhante?”

Essa graça me foi dada de tal maneira que ficou como um sol para a vida inteira. O fato parece ter ocorrido ontem. A Santíssima Virgem como que me disse: “Meu filho, Eu te quero”. E eu declarei: “Minha Mãe, eu sou vosso”.

Alguém indagaria: “Mas nessas considerações onde o senhor coloca a Nosso Senhor Jesus Cristo?” Respondo: “Em tudo!” É a ideia que São Luís Grignion desenvolve muito: Nossa Senhora é o claustro, o oratório, o tabernáculo sagrado onde está o Redentor, e quanto mais estivermos próximos d’Ela, tanto mais estaremos próximos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Imaginem Nossa Senhora no período em que, no seu corpo virginal, estava se formando o Menino Jesus, por ação do Espírito Santo, e que alguém quisesse adorar ao Messias, abstraindo d’Ela. Seria uma estupidez, não teria sentido!

Sei que estarei mais unido a Nosso Senhor quanto mais estiver unido a Maria Santíssima.

Naturalmente, daí decorre que minha devoção a Ele passa por Ela. Creio que mesmo nas ocasiões de maior cansaço — espero, pelo menos —, quando faço referência à adoração devida a Nosso Senhor, logo depois falo de sua Mãe Virginal. É sistemático.

Dir-se-á: “Mas muitas vezes o senhor fala sobre Ela sem se referir a Ele.” Sim, porque Ele é infinitamente maior do que Ela. Assim, falando d’Ela, Ele está implicitamente contido. Mas, tratando a respeito d’Ele, Ela não está implicitamente contida. Por isso, queiram ou não queiram, gostem ou não gostem, se Nossa Senhora me ajudar, farei isto até morrer. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/1/1982)

 

1) Palavra afetuosa utilizada por Dr. Plinio para designar seus jovens discípulos, surgidos aproximadamente a partir de 1970. Havia neles acentuado grau de debilidade, se comparados com aqueles que os antecederam, os da “geração nova” (cf. “Dr. Plinio” número 81, p. 17).

 

Paraíso do “Novo Adão”

O Paraíso Terrestre era um lugar de maravilhas, de esplendores e de imensa felicidade, no qual Deus introduziu nosso primeiro pai, Adão, para que este desfrutasse de todas as delícias que o Criador ali havia depositado. Porém, Adão e Eva prevaricaram, e foram expulsos daquele mirífico Éden.

Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo é considerado, a justo título, o segundo Adão, isto é, Aquele que veio resgatar a humanidade das sombras da morte e restabelecê-la no estado de graça, através da imolação que Ele fez de Si mesmo no alto da Cruz.

E assim como o primeiro Adão, também o segundo teve seu jardim de delícias. Esse Paraíso do novo Adão era Nossa Senhora. Tudo aquilo que o Paraíso Terrestre tinha de belo e de esplêndido na sua realidade material, Nossa Senhora o tinha, ainda mais belo e mais esplêndido, na sua realidade espiritual.

E Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo nas castíssimas entranhas de Maria Virgem, teve aí incomparavelmente mais felicidade e contentamento, do que Adão no Éden.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/6/1972)

Inestimável socorro para os pecadores

Maria Santíssima, como a melhor de todas as mães, desdobra-se em solicitudes e bondades em relação a seus filhos, de modo especial para com aqueles que gemem sob o peso de seus pecados. A estes oferece Ela os tesouros de sua insondável misericórdia, a fim de resgatá-los e conduzi-los à salvação eterna. Nesse sentido, Dr. Plinio analisa uma piedosa ladainha composta por São João Eudes.

Conhecido por sua doutrina sobre os Sagrados Corações de Jesus e Maria, São João Eudes escreveu esta bela ladainha de invocações a Nossa Senhora:

Ave Maria, Filha de Deus Padre.
Ave Maria, Mãe de Deus Filho.
Ave Maria, Esposa do Espírito Santo.
Ave Maria, templo de toda a Divindade.
Ave Maria, alvíssimo lírio da Trindade, fulgurante e sempre sereno.
Ave Maria, rosa resplandecente de celestial amenidade.
Ave Maria, Virgem das Virgens, Virgem fiel, de quem quis nascer e de cujo leite quis se amamentar o Rei dos Céus.
Ave Maria, Rainha dos Mártires, cuja alma foi transpassada pelo gládio da dor.
Ave Maria, Senhora do mundo, a quem foi dado todo poder no Céu e na Terra.
Ave Maria, Rainha do meu coração, Mãe, vida, doçura e esperança minha caríssima.
Ave Maria, Mãe amável.
Ave Maria, Mãe admirável.
Ave Maria, Mãe de misericórdia.
Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco; bendita sois Vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.

E bendito é o vosso Esposo, São José.
E bendito é o vosso Pai, São Joaquim.
E bendita é a vossa Mãe, Sant’Ana.
E bendito é São João, a quem fostes confiada ao pé da Cruz.
E bendito é o vosso Anjo, São Gabriel.
E bendito é o Eterno Padre que vos escolheu.
E bendito é o vosso Filho que vos amou.
E bendito é o Espírito Santo que vos esposou.
E benditos são eternamente os que vos bendizem e crêem em Vós.

Maternal convite à conversão

Essas invocações, além de belas e tão expressivas, encerram grande valor espiritual, pois, segundo o autor que as publica, o próprio São João Eudes “recomendava que se recitasse esta prece para a conversão dos pecadores e prescrevia a seus filhos que a dissessem na cabeceira dos doentes.

“A Santa Virgem lhe prometeu que todos que a recitassem com devoção e boa vontade, se estivessem em estado de graça, Ela lhes aumentaria a devoção em seus corações, a cada uma das  saudações ou bênção.”

Portanto, cada invocação alcançaria uma graça especial, um aumento da devoção a Nossa Senhora. “E se estivesse em pecado mortal, com sua mão doce,  virginal, Nossa Senhora bateria na porta dos pecadores, a cada saudação ou bênção que dissessem, convidando-os a se abrir para a graça”.

Ou seja, um favor extraordinário de Maria Santíssima. A cada uma dessas invocações dita pelo pecador em estado de pecado grave, Nossa Senhora lhe bate à porta da alma, convidando-o a uma emenda, ao arrependimento e à penitência.

“E acrescentou que, em relação às pessoas empedernidas no pecado e difíceis de converter, seria salutar incitá-las a dizerem de bom grado essa oração. Ou, pelo menos, concordarem que a oração seja dita por elas, o que lhes faria igualmente bem.”

Compreende-se, então, como essa ladainha de invocações constitui um importantíssimo meio de conversão, e um valioso instrumento de santificação. As três primeiras invocações se referem à  Nossa Senhora como Filha de Deus Padre, Mãe do Filho Encarnado e Esposa do Divino Espírito Santo, e formam a trilogia mariana apreciada por muitos santos, teólogos e doutores. Dessa  ladainha, elas se desprenderam como três sóis, três estrelas para constituírem um tesouro especial no firmamento da Igreja.

Creio que nunca será demasiado recomendar esta linda prece a todos os católicos, mormente aos que, por infelicidade, se encontrem sob o jugo do pecado. 

Amor de Mãe e de criatura

Escolhida desde toda a eternidade para trazer ao mundo o Unigênito de Deus, Nossa Senhora tinha em grau altíssimo todos os desvelos de uma mãe em relação ao seu filho e, ao mesmo tempo, adorava-O como o seu Criador. De maneira tal que, ao vê-Lo se distrair como criança, ao vesti-Lo ou dar-Lhe de comer, Ela pensava: “Deixe-me tomar conta de meu Filho, deixe-me tratar d’Aquele que me criou…”

Por uma profunda compreensão da união hipostática, Maria sabia que as menores ações do Menino Jesus — Segunda Pessoa divina encarnada — repercutiam no seio da Santíssima Trindade, e ao contemplar esse indizível relacionamento, cresciam na alma d’Ela suas solicitudes de Mãe e seu amor de criatura.

Chave da nossa salvação

Maternal e infalível advogada dos homens junto a seu Divino Filho, Maria Santíssima nos conheceu a cada um de nós antes que A conhecêssemos, amou-nos antes que A amássemos, e no trajeto — breve ou longo — que devemos percorrer rumo ao Céu, é d’Ela, em nosso favor, a primeira assim como a última palavra. Donde nossa peregrinação rumo à pátria celestial cumpre se fazer na serenidade, com um ato de confiança completa:

“Ela deseja me salvar mais do que eu mesmo e, portanto, com Ela caminho em paz. A chave de minha salvação está nas mãos de Nossa Senhora”.