Arca da Esperança

Durante o período em que Nosso Senhor jazia no sepulcro, só Nossa Senhora creu na Ressurreição.

Portanto, sobre toda a face da Terra Ela era a única criatura com uma Fé sem sombra de dúvida, uma expectativa imensamente dolorida por causa do pecado cometido, mas calma, às promessas evangélicas.

Maria foi a Arca da Esperança que continha em Si, como em uma semente, toda a grandeza e todas as virtudes que a Igreja haveria de desenvolver e semear ao longo dos séculos; todas as  promessas do Antigo Testamento e as realizações do Novo. Tudo isso viveu dentro de uma única alma: a alma da Santíssima Virgem.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/11/1971)

Eminente cooperadora na obra da Redenção

Se o gênero humano pôde beneficiar-se da Redenção é porque a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Se fez Homem, pois o pecado dos homens deveria ser resgatado. Ora, se Jesus Cristo assumiu nossa natureza, fê-lo em Maria Virgem, e assim esta cooperou de modo eminente na obra da Redenção, transmitindo ao Salvador a natureza humana que nos desígnios de Deus era condição essencial da Redenção.

Maria Santíssima ofereceu de modo inteiro e sumamente generoso o seu Filho como vítima expiatória, e aceitou sofrer com Ele, e por causa d’Ele, o oceano de dores que a Paixão fez brotar em seu Coração Imaculado.

Assim, pois, a Redenção nos veio por Maria Virgem, e sua participação nessa obra de ressurreição sobrenatural do gênero humano foi tão essencial e profunda, que se pode afirmar que Maria cooperou para nos fazer nascer à vida da graça. Pelo que Ela é autenticamente nossa Mãe.

Revista Dr Plinio 253 (Abril de 2019)

(Extraído de “O Legionário” de 10/12/1939)

Ação de graças por meio de Nossa Senhora após a Comunhão

Ó Maria Santíssima, minha Mãe, Vós encontráveis tantas maravilhas para dizer ao vosso Divino Filho quando Ele estava em vosso claustro virginal. Dizei-Lhe por mim aquilo que eu gostaria de dizer se conhecesse esses vossos sublimes colóquios.

Adorai-O como eu quereria adorá-Lo, porém – oh, dor! – não sou capaz. Dai-Lhe a ação de graças que eu deveria dar-Lhe, e não sei fazê-lo. Apresentai-Lhe atos de reparação pelos meus pecados e pelos do mundo inteiro, com um ardor que infelizmente não tenho.

Minha Mãe, pedi por mim tudo quanto minha alma necessita e tudo aquilo de que precisam todos os homens, para instaurar na Terra o vosso Reino. Porque, minha Mãe, o que Vos peço mais do que tudo é o triunfo da vossa glória e a implantação de vosso Reino, em mim e sobre todos os homens. Assim seja!

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 248 (Novembro de 2018)

A mais fulgurante das estrelas

Por que Nossa Senhora é simbolizada por uma estrela? Porque é durante a noite que cintilam as estrelas, e esta vida é para o católico uma noite, um vale de lágrimas, uma época de provação, de perigo e de apreensões.

Na eternidade teremos o dia, porém na vida terrena temos o escuro da madrugada. E nesta noite existe uma estrela que nos guia, que é a consolação de quem caminha nas trevas, olhando para o céu: Maria Santíssima, a mais fulgurante de todas as estrelas!

Plinio Corrêa de Oliveira, 24/8/1965

Na extrema aflição, a hora da Providência

Incutir em seus filhos espirituais a mesma confiança sem limites em Deus e na Santíssima Virgem que o animava, era este um dos cuidados constantes de Dr. Plinio. Ótima oportunidade para isto foi-lhe oferecida por uma maravilhosa narração do livro do Conde de Montalembert, “Les Moines d’Occident”, comentada por ele numa das conferências denominadas “Santo do dia”.

O Conde Raul de Chester voltava da Cruzada, na qual havia se coberto de glórias tomando Damieta [no Egito], quando uma violenta tempestade caiu sobre o navio em que viajava.

Eram já dez horas da noite. Como o perigo aumentava a cada instante, o conde exortou, pois, os viajantes a redobrar os esforços [para estabilizar a embarcação] por mais um minuto, prometendo que a tormenta passaria logo. Ele próprio se pôs a manobrar e a trabalhar mais do que os outros. O vento parou dentro em pouco, o mar serenou e, quando o piloto perguntou a Raul porque ele lhe tinha ordenado trabalhar apenas um minuto a mais, o nobre respondeu: “Porque, a partir dessa hora, os monges e outros religiosos que meus ancestrais e eu estabelecemos em vários lugares se preparavam para cantar o Ofício. Sabendo que nesse momento eles estariam rezando, eu esperava do Céu que, graças às orações deles, cessasse a tempestade”.

Embora não falte quem julgue controvertida a autenticidade histórica de acontecimentos como este, é muito provável que as coisas se tenham passado assim como narra o autor, não havendo, portanto, nenhuma razão especial para duvidarmos de sua veracidade. Para os que não têm espírito cético nem incréu, esse é um lindíssimo episódio que indica um igualmente belo princípio da doutrina católica.

Deus, o “vértice” para o qual olham os que oram e os que se afligem

O fato nos apresenta a imagem poética de um grupo de cruzados singrando o Mediterrâneo, numa época em que os meios de navegação eram ainda tão insuficientes que atravessar esse mar constituía uma façanha náutica.

Não é difícil imaginar o aperto da situação: uma forte tempestade que sopra, a nau repleta de combatentes extenuados, alguns feridos, cheia de pesadas armas das quais não podiam se desfazer, atirando-as às águas, pois sempre havia a possibilidade de, ao abordarem em terra firme, necessitarem delas para se defender de algum ataque. É noite, uma noite escura, sinistra, o mar povoado de incógnitas, e a tormenta que uiva e cai sobre os homens, deixando-os apavorados. É uma cena que evoca em algo o episódio da tempestade no Lago de Generazé, quando os Apóstolos se tomaram de medo e foram despertar Jesus, que dormia tranquilamente na barca.

No navio dos cruzados não estava Nosso Senhor, mas “christianus alter Christus”: encontrava-se ali presente um homem de fé, o Conde Raul de Chester. Ele sabe que a gratidão dos verdadeiros religiosos jamais se desmente e que, portanto, pode contar com as orações dos monges que viviam nas numerosas abadias fundadas por seus ancestrais. Ele tem a firme confiança de que, na hora costumeira, começará o Ofício Divino rezado naqueles mosteiros. E tem a certeza de que, desde as primeiras palavras recitadas, essas preces seriam feitas também nas intenções dos nobres fundadores e dos seus descendentes. Logo, nas intenções dele, Raul de Chester, provavelmente o primogênito na linha de descendência.

Então ele pede apenas mais um minuto de atenção, mais um minuto de paciência, de perseverança. Ele luta, mas roga que esperem ainda um pouco, porque a tempestade não demoraria em amainar. A tormenta cessa, e ele diz: “Os monges começaram a recitar o Ofício”. O Mar Mediterrâneo cede.

É o poder da prece, que ignora as distâncias. Naquele tempo de primitivos meios de locomoção, era muito longo o caminho por terra que ia do Mediterrâneo à Inglaterra. Devia ser percorrido devagar, atravessando regiões habitadas por povos muito diferentes e com estradas incertas. Por isso, no episódio do qual tratamos, a extensão que se interpunha entre o cenário da tragédia iminente o mar e os locais onde a salvação devia se operar, isto é, as abadias inglesas, era bastante considerável, física e psicologicamente.

Os monges não sabiam que os descendentes de seus benfeitores estavam em perigo. Tudo os separava, exceto um traço de união, o vértice para o qual as duas partes se voltavam: Deus Nosso Senhor. Os religiosos olham para Deus, ao recitar o Ofício nas intenções de seus fundadores; os cruzados olham para Deus, ao implorar o seu onipotente socorro. Em Deus se encontram a oração daquele que pede e a necessidade do que dela carece. E a prece de uns liberta os outros.

De passagem, é interessante notar uma circunstância que confere ainda maior beleza a esse episódio. A se tomar a narração ao pé-da-letra, é provável que os monges ingleses

 não estavam começando a cantar o Ofício no exato momento em que o imaginava o Conde Raul, devido à diferença dos fusos horários. Ou seja, a hora não podia ser a mesma no relógio (ou outro mecanismo para determinar o tempo) do navio e nos das abadias.

Contudo, Deus, que não se atrapalha com a ciência nem se deixa prender por esses pormenores, quis fazer jogar algo à maneira de uma coincidência de horários na realidade, inexistente e operou essa maravilha cuja narração nos enche de entusiasmo, e da qual podemos tirar algumas lições.

Prevalência da oração sobre todos os recursos humanos

A primeira delas, e a mais importante, é ficar compreendendo a prevalência da oração sobre todos os outros recursos humanos.

O Papa Leão XIII, ao redigir um de seus célebres documentos, escreveu umas frases que nunca mais me saíram do espírito. Dizia ele que, no tempo de seu pontificado, havia muitos homens que agiam para promover a causa católica, porém trabalhavam mais do que rezavam. Ora, afirmava o Pontífice, se esses homens rezassem tanto quanto agiam, obteriam eles resultados maiores do que os alcançados simplesmente pela ação. Porque o grande meio de vitória do homem é a prece. É um meio impreterível e supereminente em relação à ação: ele não a dispensa, ele a prepara e a torna fecunda.

Essa tese vem ilustrada de modo perfeito no episódio que acabamos de recordar. O Conde de Chester foi um cruzado. Atraído pela graça de Deus, ele se dirigiu até o Oriente. Ação. E uma forma de ação das mais belas e nobres, que é a luta por um ideal católico. Ele chega ao Oriente e arranca do poder dos maometanos uma cidade importante: Damieta. Êxito no seu empreendimento. Entretanto, logo se faz patente a necessidade da oração. O Conde tem a sua vida exposta a um perigo imenso, onde quase não lhe adiantaria nenhuma indústria humana: a tempestade açoitando o mar em cujas águas ele navegava de volta para casa.

Como se salvar? Oração. E a prece fervorosa assegura o regresso de Raul à terra de seus ancestrais, a preservação da sua própria vida e a dos seus bravos. Porém, muito mais do que isso, dá um exemplo de como Deus atende as nossas súplicas, e como Ele vela por aqueles que confiam na oração dos outros. Mostra-nos o dogma da Comunhão dos Santos, por assim dizer, funcionando e fazendo com que essas duas formas de heroísmo se encontrem: o heroísmo do cruzado no alto mar, e o do monge pontual na igreja de sua abadia, rezando com fé por aqueles que estão expostos a riscos.

Daí podemos deduzir como é importante nossa vida de oração, como tem um peso inestimável a reza diária do Rosário ou do Terço, e de nossas demais práticas de piedade, desde que imbuídos da certeza e da fé de que, para o êxito da causa católica, esse esforço de oração encerra um valor maior do que o próprio esforço nobre e indispensável da ação. Mesmo quando se trata de grandes guerreiros, que empreenderam feitos extraordinários e conquistaram magníficas vitórias e vantagens para a Igreja, o papel da oração ainda é preponderante. Essa é a principal nota que devemos tirar desse episódio.

Nas horas da extrema aflição, o sorriso de Nossa Senhora

Entretanto, outra lição há para se colher em tudo isso. Por que Deus permitiu que chegasse ao extremo de angústia a situação desses cruzados, para só então intervir?

Exatamente para provar a confiança n’Ele. As horas de extrema aflição são as horas da Providência, são as horas da misericórdia. O verdadeiro católico, quando sabe que tudo está perdido, reza e confia mais do que nunca, porque é a hora do sorriso de Maria Santíssima para ele, assim como o foi para aqueles valorosos guerreiros em meio à tempestade no Mediterrâneo. Quando já não havia mais esperanças nos recursos humanos, Nossa Senhora, a Estrela do Mar, interveio, libertou-os e resolveu a angustiante situação em que se encontravam.

Lembremo-nos sempre disso: nos momentos de nossas maiores provações e aflições, rezemos com redobrado fervor  e  confiança.  Nossa  Senhora  não  tardará  em  nos sorrir.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 36 (Março de 2001)

Arca da Aliança e velo de Gedeão

No Ofício consagrado a Nossa Senhora, Ela é cognominada Arca da Aliança e Velo de Gedeão. Conforme prefigurado pelo manto deste guerreiro bíblico, apenas Maria Santíssima foi isenta, desde o momento de sua concepção, na mancha original, enquanto toda a terra a seu redor estava úmida de pecado. E porque concebida sem mácula, na alma d’Ela estão gravados os Mandamentos do Altíssimo, de modo mais perfeito do que nas tábuas de Moisés, encerradas na Arca da Aliança.

É a partir do Imaculado Coração de Nossa Senhora que, pelo ministério da Santa Igreja Católica, a Lei de Deus se irradia para a humanidade inteira.

A verdadeira devoção a Maria

Damos início neste número à publicação de alguns trechos dos comentários de Dr. Plinio ao “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”, escrito por São Luís Maria Grignion de  Montfort. Conhecida por Dr. Plinio quando moço, esta obra era por ele considerada como um marco fundamental de sua espiritualidade.

 

São Luís Maria nos explica o motivo que o levou a escrever o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem: “Meu coração ditou tudo o que acabo de escrever com especial alegria, para demonstrar que Maria Santíssima tem sido, até aqui, desconhecida, e que é esta uma das razões por que Jesus Cristo não é conhecido como deve ser” (nº 12). 

Eis a razão da introdução e de todo o livro. Maria Santíssima é desconhecida, e deve ser conhecida, pois assim virá o reino de Cristo. O livro se destina, portanto, a propagar a devoção a Nossa  Senhora para que venha o reino de Nosso Senhor. Por “desconhecida” entenda-se “muito menos conhecida do que sua excelência e seus admiráveis predicados exigem”. 

Trata-se, por conseguinte, de uma obra de larga visão e alcance histórico muito amplo, fixando-se no desejo de trazer o reino de Cristo para um mundo que não o possui, através da devoção a Maria Santíssima. 

O fundamento teológico, São Luís Grignion o coloca no tópico 1: “Foi por intermédio da Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo”, isto é, se Maria Santíssima não tivesse existido, Jesus Cristo não teria vindo; “e é também por meio d’Ela que Ele deve reinar no mundo”, ou seja, a devoção a Jesus Cristo deve expandir-se a toda a humanidade por intermédio de Maria Santíssima. Difundir a devoção a Nossa Senhora é, pois, nesta perspectiva, de importância capital. O afervoramento da piedade: passo essencial Esse objetivo de São Luís Grignion se presta desde logo a um comentário. 

O Santo profeta se propõe a preparar o futuro reino de Cristo fazendo o que lhe parece ser o mais essencial,  importante, urgente, e que, na ordem concreta dos fatos, produzirá quase que automaticamente o resto: difundir a perfeita devoção a Maria. 

A derrota do espírito do mundo e a restauração da civilização baseada nos princípios da Igreja Católica não se começam, portanto, por meio da política, das obras, do talento ou da ciência.

Na época mesma de São Luís Grignion, Bossuet deslumbrava Versailles e Paris com seus sermões; entretanto, para evitar a derrocada religiosa da França, não foram decisivos. O começo da regeneração de todas as coisas está na piedade, no afervoramento da vida interior, nos fundamentos religiosos da vida de um povo. O apostolado essencial é de caráter estritamente religioso: afervorar, educar na piedade, formar caracteres; as outras coisas são conseqüências, complementos, importantes realmente, mas complementos.

Eis a grande lição que São Luís Maria Grignion de Montfort fixa já no início do Tratado, e depois desenvolve mais longamente: na formação dos caracteres a condição básica e indispensável é a devoção a Nossa Senhora. Possuindo-a de modo autêntico, as pessoas terão todos os meios sobrenaturais necessários para, com a correspondência da vontade, florescerem. Não se formando esta devoção, o próprio regime de expansão da graça na alma fica comprometido. Portanto, a devoção a Nossa Senhora é condição vital para tudo quanto diz respeito à salvação individual e da civilização, bem como à salvação eterna de todos quantos constituem, em dado momento, a Igreja militante. 

São Luís Grignion tinha, pois, em mente, com este livro, fazer uma obra da mais alta importância para a renovação dos séculos futuros. Cabe-nos, portanto, ser sôfregos em possuir esta devoção a Nossa Senhora por ele pregada. Em outros termos, fomos chamados pela Providência para uma obra definida, com objetivos definidos, e só a realizaremos se tivermos em nosso espírito esta devoção. Sendo ela, como vimos, indispensável para que o mundo se regenere em Nosso Senhor, se queremos com este escopo trabalhar, é necessário ir em busca desta devoção.

O Tratado não é, pois, um livro qualquer de piedade, apresentando uma devoção a algum santo, boa por certo, mas que se pode ou não ter, indiferentemente, “conditio sine qua non” para nosso trabalho. E só a atingiremos no mais alto grau, utilizando a forma com os fundamentos desenvolvidos por São Luís Grignion de Montfort;

Maria é a obra-prima do Altíssimo

Escreve o Santo: “Maria é a obra prima por excelência do Altíssimo, cujo conhecimento e domínio Ele reservou para Si” (nº 5).  Que belíssima noção! Maria Santíssima é tão grande que São Luís Grignion, sendo apenas um seu pequeno menestrel, é quase inesgotável quando fala d’Ela. Ele afirma ser Nossa Senhora tão extraordinária, colossal — pouco dizem estes adjetivos, aos quais de longe Ela transcende — que só Deus conhece em toda a extensão suas perfeições. Não podemos sequer ter uma pálida ideia disto. Há n’Ela belezas, culminâncias, encantos, perfeições, excelências 
que escapam e sempre escaparão completamente ao nosso olhar, e são somente por Deus contempladas. Imaginemos esses universos, essas constelações imensas de estrelas que o  homem não conhece e possivelmente jamais conhecerá, cujas maravilhas ficam reservadas à exclusiva contemplação de Deus:  assim é Maria Santíssima. 

N’Ela há esta nota de incognoscibilidade: paramos extasiados a seus pés, compreendendo que, após ter entendido muito, quase nada compreendemos. Estamos sempre no seu pórtico, que é para nós demasiadamente grande, tal a sua excelência.  

Ao olharmos uma noite de céu estrelado, em lugar de considerarmos apenas as grandezas de Deus — pensamento aliás muito louvável — sabemos contemplar também Maria Santíssima, incomparavelmente maior e mais formosa do que cada um dos astros do céu e do que todos eles no seu conjunto? Porque, sendo Ela a obra-prima da criação, toda a beleza, grandeza, excelência que Deus colocou no firmamento é pequena em relação às postas n’Ela pelo Criador; este céu não é senão uma imagem, uma figura da magnificência de Nossa Senhora. Apesar de ser mera criatura, tudo quanto n’Ela há, excede muito em perfeição todas as belezas criadas, de um modo inexprimível. Continua São Luís Grignion: “Maria é a Mãe admirável do Filho, a quem aprovou humilhá-La e ocultá-La durante a vida para Lhe favorecer a humildade, tratando-A de mulher — mulier — (Jo 2, 4; 19, 26), como a uma estrangeira, conquanto em seu coração A estimasse e amasse mais que a todos os anjos e homens” (nº 5). O Santo defende aqui a ideia de que, durante sua vida, também Nosso Senhor A manteve ignorada; apenas Ele A conhecia.

“Maria é a fonte selada (Ct 4, 12) e a esposa fiel do Espírito Santo, onde só Ele pode penetrar” (idem). É o retorno à ideia de Nossa Senhora como criatura reservada ao conhecimento de Deus.

“Maria é o santuário, o repouso da Santíssima Trindade, em que Deus está mais magnífica e divinamente que em qualquer outro lugar do universo, sem excetuar seu trono sobre os querubins e serafins…” Os anjos da guarda ocupam os graus inferiores na hierarquia celeste. 

Porém, tendo certa vez aparecido a uma santa o seu anjo da guarda, ela se ajoelhou, pensando estar na presença do Altíssimo. A grandeza dos anjos é tal que, no Antigo Testamento, em várias de suas aparições, os homens julgavam tratar-se do próprio Deus. E no Céu há miríades de anjos. Em que assombro ficaríamos se os víssemos todos e ao mesmo tempo! Nossa Senhora, contudo, está  acima de todos eles reunidos. Assim, diante de sua insondável alma, deparamo-nos novamente com termos de comparação, embora os melhores que possamos empregar, imperfeitos e totalmente insuficientes. 

“…e criatura alguma, pura que seja, pode aí penetrar sem um grande privilégio”. Existe, pois, uma categoria de criaturas privilegiadas que podem penetrar no conhecimento de Nossa Senhora. Tais criaturas, o Santo no-lo explica, são aquelas a quem Deus dá, por liberalidade, o dom que o comum das pessoas não têm, de conhecerem e praticarem a devoção a Nossa Senhora conforme o modo especial por ele ensinado. E os “apóstolos dos últimos tempos”, de que ele nos fala, possuirão este dom; por isso, serão terríveis no combate ao mal e eficacíssimos na defesa do bem. Serão almas elevadíssimas, que terão a graça de penetrar neste umbral da devoção a Nossa Senhora.

O paraíso do novo Adão

Continua São Luís Grignon: “Digo com os santos: Maria Santíssima é o paraíso terrestre do novo Adão…” 2 (nº 6). 

O paraíso terrestre era cheio de encantos, delícias, perfeições. São Luís Grignion diz que Nosso Senhor estava no ventre puríssimo de Maria Santíssima de modo análogo àquele — excelente e perfeito — com que Adão permanecia no Éden. Portanto, durante  gestação, Nossa Senhora era o paraíso do novo Adão, Jesus Cristo. Quando, na comunhão, recebemos este mesmo Jesus Cristo acostumado que está a tais paraísos, perguntamo-nos o que Ele achará da nossa hospitalidade? Oferecemos-Lhe ao menos, a Ele que condescende em descer à nossa choupana, o modestíssimo luxo de uma casa limpa? “… no qual Este se encarnou por  obra do Espírito Santo, para aí operar maravilhas incompreensíveis…” 

Nosso Senhor, durante sua vida em Maria Santíssima — e esta é uma belíssima ideia que São Luís Grignion desenvolverá mais tarde —, quando Ela era o tabernáculo no qual Ele habitava, já aí operou maravilhas. 

São Luís Grignion compôs inclusive uma oração dirigida a Nosso Senhor enquanto vivendo em Maria Santíssima — “O Jesu, vivens in Maria”… “É o grande, o divino mundo de Deus, onde há belezas e tesouros inefáveis. 

É a magnificência de Deus (Ricardo de S. Lourenço, De Laud. Virg., lib IV.), em que Ele escondeu, como em seu seio, seu Filho único, e n’Ele tudo que há de mais excelente e mais precioso. Oh! que grandes coisas e escondidas Deus todo-poderoso realizou nesta criatura admirável, di-lo Ela mesma, como obrigada, apesar de sua humildade profunda: ‘Fecit mihi magna qui potens est’” (Lc 1, 49).

O sentido inteiro do cântico do Magnificat só o entenderemos se considerarmos quem é Nossa Senhora. Realmente, é preciso nos lembrarmos do poder de Deus, para compreender que Ele possa ter operado essas maravilhas que n’Ela operou. “O mundo desconhece estas coisas porque é inapto e indigno”. Se antes o Santo nos falou que Deus concede a pessoas privilegiadas o favor único de poder penetrar nos umbrais desta devoção, agora se refere a uma geração (no sentido teológico e não biológico) que por sua maldade, impureza, indignidade, de detesta tudo isto. É o reverso da medalha. 

A devoção mariana é característica de todos os santos 

Afirma São Luís: “Os santos disseram coisas admiráveis desta cidade santa de Deus; e nunca foram tão eloquentes nem mais felizes — eles o confessam — que ao tomá-La como tema de suas palavras e de seus escritos” (nº 7). 

Esse trecho nos evidencia uma verdade muito importante. Não se deve pensar que a devoção a Nossa Senhora é um estilo de santidade inaugurado por São Luís Grignion, ou levado por ele ao último grau de intensidade. A devoção especialíssima e intensíssima a Nossa Senhora é característica de todos os santos. E, embora não se possa dizer que todos a tenham conduzido ao ponto levado por São Luís Maria, estudando a vida de piedade de qualquer deles notamos sempre uma devoção ardentíssima a Ela, a qual é a dominante logo abaixo do culto a Deus Nosso Senhor.

Essa devoção, contudo, se reveste em cada um de aspectos particulares. É raro, neste sentido, encontrar algum santo que não tenha cultivado um aspecto novo de piedade em relação à Nossa Senhora. E nenhum deles desconhece dever à intercessão d’Ela, não só seu progresso espiritual, mas até mesmo sua perseverança. 

Todos passaram por duras provas espirituais, das quais se viram livres por uma intervenção especial d’Ela. São Francisco de Sales, por exemplo, teve em sua juventude uma terrível crise, relativa ao problema de sua predestinação. Pensando no assunto, ficou quase tragado pelo abismo do tema e foi duramente assediado pelo demônio, o qual lhe insuflava que estava condenado. Isto lhe causou uma tremenda depressão. Começou a emagrecer, perder a saúde, nada havia que lhe restituísse a paz à alma. Certo dia, rezando diante de uma imagem de Nossa Senhora, pediu-Lhe, ainda que tivesse de ir para o inferno, lhe fosse dado não ofender a Deus na Terra — pois seu pavor do inferno não provinha do tormento, mas da ideia de ultrajar eternamente a Deus — e recitou a ração
“Memorare o piíssima Virgo Maria”, a qual estava escrita no pedestal da imagem. Ele mesmo nos conta que, logo após o término da oração, restabeleceu-se em sua alma uma paz admirável; percebeu então, claramente, o jogo do demônio de que estava sendo vítima, e recuperou aquela serenidade que viria a ser a nota dominante de sua vida espiritual.

Encontramos, assim, na existência de todos os santos, esta constante de uma particular devoção a Nossa Senhora. Ela é, pois, uma característica segura da verdadeira piedade, e devemos absolutamente duvidar da santidade de alguém que não a possua. Seria sofisma dizer: algo que é especial para todos não o será, por isso, para ninguém. A isto se pode responder: uma mãe com muitos filhos tem, para cada um deles, um carinho especial; e cada filho ama a própria mãe de um modo particular. Assim, cada um de nós deve amar Nossa Senhora de maneira inteiramente própria, especial e inconfundível. Ela, por sua vez, terá para conosco um carinho, que não será genérico, como de quem dissesse: “Eu amo toda aquela gente”; mas sim um afeto particular, que pousará sobre cada um de nós, individualmente considerados, como se só nós existíssemos na face da Terra.

Plinio Corrêa de Oliveira

SOBERANA INTERCESSORA

No alto do Calvário, Maria teve presente a vida de todos os homens que passaram e passariam sobre a Terra, até o fim dos tempos. Ela conheceu as virtudes de cada um, assim como seus lamentáveis pecados. E a cada um amou, por todos rezou, e para todos alcançou o perdão de seu Divino Filho, que acabara de ser imolado na Cruz. Mais do que nunca, com o Redentor exânime em seus braços, Ela era a nossa soberana intercessora, a incansável medianeira que jamais abandonou e jamais abandonará qualquer homem.

Plinio Corrêa de Oliveira 

Torre de Marfim, rogai por nós!

Uma das lindas invocações de Nossa Senhora na Ladainha Lauretana é a de “Torre de Marfim”. Além da beleza de sua cor característica, o marfim sempre foi considerado um dos materiais mais resistentes da natureza. Portanto, a torre de marfim seria uma fortificação magnífica e impenetrável.

Analogamente, a Virgem Santíssima é a Torre forte, esplendorosa e pura, como o mais puro, forte e esplendoroso marfim. Queira Ela nos proteger, com sua força e sua pureza celestiais, nos nossos momentos de provação e de luta na prática da virtude.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 28/8/1993)

Perfeição do espírito da Contra-Revolução

Encarnação do Verbo é a Festa da escravidão a Nossa Senhora e da Contra-Revolução, na qual se celebra o espírito de obediência, o amor à hierarquia, à ordem, à dependência, a tudo quanto a Revolução odeia.

O espírito humilde e contrarrevolucionário de Maria Santíssima se manifesta em face deste mistério, pois quando Ela soube que o Verbo Se encarnaria n’Ela, sua reação não foi de Se vangloriar, mas de proferir esta frase humílima: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra”.

Como se dissesse: “Se Deus quer de Mim essa coisa inimaginável, isto é, que Eu mande n’Ele, por obediência a Ele, n’Ele mandarei. Porque Ele é o Senhor, e em tudo farei a sua vontade”.

À luz deste mistério, ganha especial realce a atitude da Santíssima Virgem dizendo-Se escrava de Deus no momento em que Ele queria fazer um ato de escravidão em relação a Ela.

Aí vemos a perfeição do espírito da Contra-Revolução.

Plinio Corrêa de Oliveira – (Extraído de conferência de 16/3/1971)

Revista Dr Plinio (Março de 2016)