Oração: Ó Mãe boníssima

Cada festa celebrada pela Igreja é acompanhada de enorme efusão de graças correspondentes às dádivas recebidas em vida pelo santo então celebrado. Isto se dá também quanto aos mistérios da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou de Nossa Senhora, que eventualmente consideremos em determinada celebração.

Ora, aproxima-se o dia em que a Santa Igreja reserva para contemplarmos liturgicamente o “mistério dos mistérios”, ou seja, a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo e a redenção do gênero humano.

No momento em que Ele, expirando, disse “consummatum est” e sua Alma se separou do Corpo, a redenção se operou. O gênero humano, de perdido que era, passou a ser salvo. Nesse momento, nós fomos resgatados e a fonte de todas as graças se abriu para nós.

De fato, por causa de seu sacrifício, Nosso Senhor Jesus Cristo é uma fonte de graças aberta para todos nós; este sacrifício abriu para nós uma infinita torrente de misericórdia, que nos traz toda espécie de bem e de perdão, desde que verdadeiramente queiramos dela nos beneficiar.

(Extraído de conferência de 7/4/1966)

Num olhar de Maria, a imensidade de suas virtudes

Entre as características de Dr. Plinio que mais impressionavam seus circunstantes estava sua profunda devoção à Santíssima Virgem. Eram patentes sua veneração, enlevo e entusiasmo pela Mãe  de Deus na maneira de ele rezar, no modo respeitoso e ao mesmo tempo carinhoso de a la se referir, no costume de em tudo se reportar a Ela, e até nos imponderáveis de seu agir.  Em vista disso, certa feita, durante uma reunião, um de seus discípulos lhe pediu que abrisse um pouco o coração a respeito do seu relacionamento de alma com Nossa Senhora. Abaixo transcrevemos as palavras com que Dr. Plinio procurou atender a tão justo pedido.

 

Buscando explicitar para mim mesmo o que tanto me atrai em Nossa Senhora, encontrei uma figura tão simples como mais não se pode conceber, e que exprime bem o meu pensamento. Com a ressalva de que o exemplo talvez não se verifique inteiramente exato no que concerne a Geometria (da qual possuo sumários conhecimentos…), imaginemos um poliedro regular.

Analisando-se uma de suas faces, é possível intuir como são as outras, com suas características e dimensões. Assim é Nossa Senhora. Em virtude de sua perfeição supereminente, possui Ela em grau igualmente incomensurável todas as qualidades de que seja capaz uma criatura humana. E, portanto, ao considerarmos  uma delas, podemos perceber o valor e a magnitude das demais.

Contemplando, digamos, o teor da virtude da Caridade em Maria, nos será dado discernir a riqueza de sua Fé e de sua Esperança. O mesmo sucede com as suas virtudes cardeais e com todos os excelsos predicados de que A enriqueceu a Santíssima Trindade.

Atraído pela inesgotável compaixão de Nossa Senhora

Contudo, o que primeiramente mais me tocou em Nossa Senhora não foi tanto a virginal, régia e insondável santidade dEla, mas a compaixão com que essa santidade olhava para quem não é santo, atendendo com pena, com desejo de dar, com uma misericórdia cujo tamanho era o das outras qualidades.

Quer dizer, inesgotável, clementíssima, pacientíssima, pronta a ajudar a qualquer momento, de modo inimaginável, sem nunca um suspiro de cansaço, de extenuação, de agastamento. Sempre disposta, não só a repetir-se a Si própria, mas a superar-se a Si própria. De maneira que, dispensada tal misericórdia, e sendo ela mal correspondida, vem uma misericórdia maior. E, por assim dizer, nossos abismos de ingratidão vão atraindo a luz para o fundo. E quanto mais fugimos d’Ela, mais as suas graças se prolongam e se iluminam em nossa direção.

Um olhar que comunica calma para a vida inteira Eu mesmo experimentei essa maternal compaixão quando, na infância, pela primeira vez atinei com a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus. Naquela hora, não tive nenhuma visão, nenhum êxtase, nenhuma revelação. Mas, pela ação da graça, senti-me tocado como se a imagem me olhasse.

Se fosse possível comparar o miosótis com o sol, eu diria que esse olhar de Nossa Senhora operou em mim um efeito análogo ao do olhar de Nosso Senhor para São Pedro, durante a Paixão. O Príncipe dos Apóstolos O renegou, o galo cantou, e Jesus olhou para o discípulo infiel. Nesse instante, São Pedro se sentiu tomado por inteiro. E ele, que havia visto tudo quanto os Evangelhos narram — ou como testemunha direta, ou tendo recebido uma repercussão imediata dos acontecimentos — foi objeto de uma graça ímpar, que reavivou em sua alma, de modo intenso e  esplendoroso, tudo o que ele conheceu da infinita bondade de Nosso Senhor. E essa lembrança venceu a ingratidão dele. Por isso, diz a Escritura:

“Et flevit amare — E chorou amargamente”. Daí vem a grande contrição de São Pedro, que constitui um dos mais belos fatos da história dos Santos.

Também eu, no momento daquela graça diante da imagem de Nossa Senhora, tive conhecimento como que pessoal da indizível misericórdia d’Ela, de sua inexcedível bondade a me envolver todo, de maneira tal que, quisesse eu fugir ou renegar, Ela me pegaria afetuosamente e diria: “Meu filho, volte de novo, aqui estou…”

Como resultado desse celestial favor, tornei-me calmo para o resto de minha vida. Porque, seja o que for e como for, uma vez que nós, homens, estamos envolvidos por essa misericórdia, podemos descansar. No fundo, aquele que não é brutalmente insensível com Nossa Senhora, e para Ela se volta, d’Ela acaba recebendo sempre proteção e socorro em suas dificuldades.

E precisamente uma das coisas que mais me enlevaram, e que, dentro da indefinição de minha mentalidade de menino, entretanto ficou-me bem clara, foi o fato de que aquela solicitude materna não representava um privilégio para mim, mas é a atitude d’Ela para com todos os homens.

Nossa Senhora poderia condescender em tratar alguém como um privilegiado, porém não foi disso que eu tive cognição. Antes, compreendi o contrário: “Veja que você é um Zé da rua, e Ela trata da mesma forma a todos os Zés da rua. Para qualquer um, para todos os homens que existiram, existem e existirão, para todos os pecadores que transitam pelas cidades, que enchem as casas, os ônibus e os automóveis, Ela é exatamente assim”.

Volto a dizer que fiquei calmo para a vida inteira. Causa-me muita pena ver alguém, sobretudo um jovem, nervoso e com problemas. “Por que não lhe ser comunicado um olhar como o que recebi de Nossa Senhora?” — penso eu. “Ele ficaria calmo até o fim dos seus dias”.

Medindo a profundidade dessa clemência sem limites, vêm-me ao espírito aquelas palavras que a Santíssima Virgem, no Magnificat, diz do Padre Eterno: “Et misericordia ejus a progenie in progenies timentibus eum”.

Ou seja, a misericórdia divina se estende de geração em geração a todos os que O temem. A tal propósito, sempre pensei: “É bem verdade, e isto se dá por meio d’Ela. Maria é a misericórdia inesgotável, que não se extingue, que se multiplica solícita, bondosa, que toma nossa dimensão, que se faz até menor do que nós para nos pegar, de pena de nós.”

Pureza, fortaleza e sabedoria

Na dimensão dessa misericórdia, e nela contida, vem a ideia da virginalidade. Nossa Senhora é pura, de um grau de pureza do qual não se tem noção. Conhecida a misericórdia, se conhece a pureza. É novamente a figura do poliedro. Todas as purezas que se possam imaginar não chegam nem de longe aos pés da pureza d’Ela, que é feita não só de ausência de qualquer pendor para o mal, mas de um impulso de alma direta e exclusivamente para Deus, sem compromisso com mais nada e ninguém. É um ímpeto inteiro, de uma força, de uma integridade, de um desejo de Absoluto como também não se pode medir. Está na dimensão da misericórdia.

Supérfluo dizer que, nessa concepção de pureza, entra também o sentido de castidade, perto da qual a neve seria um carvão.

Essa pureza, no meu modo de entender, traz consigo a ideia da fortaleza. E fortaleza aqui não significa apenas algo que nada quebra. É diferente. Nada tem comparação possível com essa fortaleza.

O que Ela, na sua pureza, decidiu, o resto do mundo se flecte e se liquida, e o universo inteiro é zero, pela força da vontade de Nossa Senhora. Quando Ela decide, é uma resolução que torna impossível a resistência de quem e do que quer que seja. É uma soberania e um domínio de igual dimensão da misericórdia e da virginalidade, uma envergadura para a qual não há palavras humanas. Todas as armas modernas são pobres e inofensivos brinquedos em comparação com um ato de vontade d’Ela. Por sua vez, essa misericórdia, essa pureza e essa fortaleza trazem uma idéia da sabedoria da Fidelíssima Esposa do Espírito Santo.

Ela conhece tudo, e as inter relações de todas as coisas, com acuidade tão superior que Ela penetra até as entranhas de todo ser, vê como é cada qual e discerne a ordem de Deus no universo, tão  grande, tão inabarcável! Diante de sua sabedoria lúcida, adamantina, na qual não cabe nenhuma dúvida, compreendemos mais uma vez qual é a imensidade da pureza e da fortaleza da Virgem Santíssima.

Essas são as virtudes marianas que mais me chamam a atenção quando me lembro daquele olhar da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus.

“Meu filho, eu te quero”  — “Minha Mãe, eu sou vosso”

Alguém poderá me dizer: “Mas, Dr. Plinio, o senhor contemplou esse olhar como um menino de onze ou doze anos. E depois, nunca mais houve algo assim?” Respondo que, para mim, essa graça foi tão excepcional que permaneceu como um sol a iluminar toda a minha existência. É como se tivesse acontecido ontem. Como se, naquele momento, Ela me houvesse dito: “Meu filho, eu te quero”, e ouvisse de mim: “Minha Mãe, eu sou vosso”.

Poderão, ainda, perguntar-me: “E nesse relacionamento do senhor com Nossa Senhora, onde se encontra Nosso Senhor Jesus Cristo?”

Eu respondo: em tudo! É a ideia desenvolvida por São Luís Grignion de Montfort no seu célebre “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”. Nossa Senhora é o claustro, o oratório, o tabernáculo sagrado onde está Nosso Senhor Jesus Cristo, e quanto mais estivermos próximos d’Ela, tanto mais estaremos próximos d’Ele.

Minha devoção a Ele passa por Ela, e, por isso, nunca alguém me vê proferir uma palavra de adoração a Nosso Senhor, sem que logo depois eu não fale de sua Mãe Santíssima. É sistemático. Outros poderão todavia observar: “Muitas vezes o senhor se refere a Ela sem mencioná-Lo”. É isso mesmo. Porque, sendo Jesus infinitamente maior do que Nossa Senhora, está Ele contido de  modo implícito em toda referência que eu faça a Ela. A recíproca, porém, não se verifica. Razão pela qual procedo dessa forma e, se Ela me ajudar — queiram ou não queiram, agrade ou não agrade — assim procederei até morrer.

Plinio Corrêa de Oliveira

A Santa Igreja, espelho das virtudes de Maria

Ao comentar os ardorosos louvores que Santo Agostinho dirige a Nossa Senhora, Dr. Plinio tece um paralelo entre os excelsos predicados de Maria e a Santa Igreja Católica Apostólica Romana — virgem na sua perfeição sem mácula, e mãe de todos homens nela batizados e engendrados como filhos de Deus.

 

O grande Santo Agostinho deixou-nos esse belo texto a propósito das virtudes de Nossa Senhora:

Ó Maria, cumpristes perfeitamente a vontade do Pai Celeste. Vossa maior honra, vossa maior felicidade não foi de ter sido a Mãe, mas a discípula de Cristo. Bem‑aventurada sois por terdes ouvido o Verbo de Deus e conservado [sua palavra] em vosso coração. Vós guardastes a verdade de Cristo em vossa inteligência, mais ainda que sua carne em vosso seio. Não se saberia comparar‑vos às mulheres do Antigo Testamento, a Ana, a Suzana. A que alturas não vos elevastes acima delas? Aqui ainda não falamos na santa virgindade; vossas outras virtudes, ó Maria, há no mundo alguém que as ignore?

Maria, “beleza e dignidade da Terra”

Para exemplo e ensinamento para todas as mulheres, convém somente não esquecer vossa santa e admirável modéstia.

Cumpre ressaltar que, na linguagem católica, modéstia não significa acanhamento, nem a pessoa estar de olhos baixos, apagada, sumida. Trata-se de ter boas maneiras, compostas e elevadas, de acordo com a virtude cristã. Prossegue o comentário de Santo Agostinho:

Vós fostes julgada digna de conceber o filho do Altíssimo e, entretanto, permanecestes a mais humilde de todas as criaturas; porque fizestes sem cessar a vontade de Deus, sois segundo a carne e o espírito, a Mãe de Cristo, sua Mãe e sua irmã, mulher única, mãe e virgem, e o sois corporal e espiritualmente.

Mãe da nossa cabeça, que é o Salvador,  sois também, e perfeitamente, mãe de todos os membros de Cristo, porque cooperastes, por vossa caridade, para o nascimento dos fiéis na Igreja.

 Única entre todas as mulheres sois, ainda uma vez, mãe e virgem. Mãe de Cristo e virgem de Cristo. Foi por vós, ó Mãe do Senhor, que a dignidade virginal começou sobre a Terra. Por Vós, ó Maria, que merecestes ter um filho, mas que o merecestes sem deixar de ser virgem. Para honra do Salvador Jesus, o pecado não se aproximou de Vós. Sabemos que para vencer o pecado, e vencê-lo por completo, foi dada a graça abundante à criatura digna de conceber e de cuidar do Impecável.

A beleza e a dignidade da Terra sois Vós, ó Virgem, que fostes sem cessar a figura da Santa Igreja. Por uma mulher, a morte; por uma mulher, a vida. E essa última sois Vós, ó Mãe de Deus.

Assim como Nossa Senhora, a Igreja é virgem e mãe

Desse lindo trecho de Santo Agostinho parece-me oportuno salientar o pensamento final, quando ele se refere a Nossa Senhora como sendo a figura perfeita da Santa Igreja Católica. Se ousarmos aprofundar a ideia do insigne autor, poderíamos nos perguntar em que sentido a Igreja, assim como Nossa Senhora, é igualmente virgem e mãe, tornando-se, por sua vez, imagem magnífica de Maria Santíssima.

A Igreja é virgem no sentido de que manifesta uma santidade inteira, sem nenhuma forma de condescendência para com o mal. Por causa disso, nela não se acha mácula alguma e é, portanto, intacta como uma virgem consagrada a Deus.

Por outro lado, ela é mãe, pois todos os homens nascem para a vida espiritual de dentro da Igreja; no seio desta são batizados e engendrados como filhos de Deus e irmãos de Nosso Senhor Jesus Cristo. E ela procede como uma mãe em relação a seus rebentos, nutrindo-os com os sacramentos, propiciando-lhes os dons sobrenaturais da graça, formando-os por meio de seu magistério infalível e os guiando em bom caminho por meio da autoridade da hierarquia eclesiástica. Dessa forma, ela exerce junto a cada católico todos os ofícios e misteres que uma boa mãe dedica a seu filho.

Estabelecido esse paralelo, pode-se aplicar à Esposa Mística de Cristo a mesma afirmação — repassada de beleza e de veracidade — que se faz de Nossa Senhora: ninguém é mais virgem do que a Igreja, e ninguém mais do que ela é mãe, pois entre todas as instituições e todas as mães da Terra, nenhuma teve uma maternidade mais copiosa do que a Igreja Católica. Desde o momento em que foi fundada, até o fim do mundo, a maioria dos homens que se salvarem serão gerados em seu grêmio e por ela conduzidos à bem-aventurança eterna.

Remédio para as dificuldades espirituais

 Daí se compreende como o amor à Igreja Católica é uma fonte de todas as virtudes. Quem a considera e a ama como à melhor das mães, alcança graças e forças para se santificar.

Não raro, ouço lamentações de pessoas que sentem dificuldade em perseverar na prática dos Mandamentos ou em progredir na vida espiritual. Ora, uma das muitas soluções — pois a Igreja é a cidade da salvação onde para toda doença há diversos remédios — é exatamente aumentar nosso amor a ela. Crescendo nesse amor, nossa determinação para praticar o bem e repudiar o mal também aumentará.

Fixemos, então, esse pensamento valioso: a Igreja é a figura de Nossa Senhora, ela é resplandecente e bela na Terra, e devemos procurar amá-la como desejamos amar a Santíssima Virgem hoje e no Céu. Amemos a Igreja acima de todas as coisas no mundo, na sua hierarquia, nos seus mil aspectos autenticamente divinos.

Três elementos da beleza da Igreja

Por exemplo, evoquemos apenas três elementos da Igreja, dignos de nosso amor e de nosso entusiasmo. Primeiro, a infalibilidade pontifícia: a figura de um homem infalível, governando a todos e ensinando à humanidade o caminho da salvação. Nunca se concebeu, em matéria de autoridade e orientação, algo mais belo e mais nobre do que o Papado.

Admiremos, por outro lado, a Eucaristia. Sob as espécies consagradas, de modo misteriosamente oculto, está Nosso Senhor Jesus Cristo, realmente presente entre nós, em corpo, alma e divindade. E é a Igreja que oferece essa possibilidade de o homem estabelecer com Deus um convívio tão íntimo e até insondável. O Criador vem ao homem e como que se faz um com este. Pode-se imaginar algo mais esplêndido do que o Onipotente condescender em ter tal familiaridade com cada um de seus filhos?

Por fim, pensemos no sacramento da Penitência. Difícil seria conceber nossa existência neste vale de lágrimas se não nos fosse dado abrir sobre os nossos pecados e não tivéssemos a certeza do perdão de Deus através da absolvição ministrada pelo sacerdote no confessionário. Um confessionário: que obra-prima de sabedoria e de discrição, com a inviolabilidade do segredo de consciência nunca traído!

Então compreendemos melhor quão maravilhosa é a Igreja e quão digna de nosso amor. Meditemos nessas verdades e, com o misericordioso auxílio da Virgem Mãe, encontraremos em nós maior resolução para combater nossos defeitos e  praticar a virtude.

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 24/9/1969)

Revista Dr Plinio 121 (Abril de 2019)

Oração pedindo a graça de rezar bem

Ó minha Mãe, olhai misericordiosamente para minha alma e obtende-me o espírito de oração pelo qual eu recorra sempre a Vós. E tanto mais recorra quanto mais me atenderdes, pois vossos favores nos incitam a pedir dons maiores.

Rogo-Vos ainda outra graça: a de Vos pedir tanto mais quanto menos parecerdes me atender. Pois Vós amais a oração insistente e confiante; quanto maior for a aridez ou a demora, mais apreciável será a graça que desde já nos preparais. Amém

Plinio Corrêa de Oliveira, Composta em 30/7/1971

Oração a Nossa Senhora do Brasil

Ó Maria, abençoai-nos, cumulai-nos de graças e, mais do que todas, concedei-nos a graça das graças: Ó Mãe, uni intimamente a Vós este vosso Brasil!

Tornai sempre mais maternal o patrocínio tão generoso que nos outorgastes. Tornai sempre mais largo e misericordioso o perdão que sempre nos concedestes.

Aumentai vossa largueza no que diz respeito aos bens da terra, mas, sobretudo, elevai nossas almas no desejo dos bens do Céu.

Fazei-nos sempre mais fortes na luta por Cristo-Rei, Filho vosso e Senhor nosso. De sorte que, dispostos sempre a abandonar tudo para Lhe sermos fiéis, em nós se cumpra a promessa divina do cêntuplo nesta Terra e da bem-aventurança eterna.

Ó Senhora Aparecida, Rainha do Brasil, com que palavras de louvor e de afeto Vos saudar no fecho desta prece? Onde encontrá-las senão nos próprios Livros Sagrados, já que sois superiora a qualquer louvor humano? De Vós exclamava, profeticamente, o povo eleito palavras que amorosamente aqui repetimos: “Tu gloria Ierusalem, tu lætitia Israel, tu honorificentia populi nostri” (Jt 15, 10).

Sois Vós a glória, a alegria, a honra deste povo que Vos ama!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído do Jornal “Última Hora” de 12/10/1983)

Oração pedindo a sabedoria

Ó Maria, Esposa Imaculada do Espírito Santo, dai-me a graça de ver os imponderáveis da Criação, de me enlevar por eles, e de ser impelido por um amor desinteressado à contemplação das perfeições que a alma humana possui pela natureza e pela graça.

Fazei-me subir dessa consideração à da natureza angélica e puramente espiritual, e, por fim, à de vosso Divino Filho que, na sua humanidade santíssima, é o ápice e a síntese de toda a Criação.

Fazei-me, em seguida, por um voo ainda mais possante de despretensão e de enlevo, fixar a minha mente na consideração da própria essência divina, da qual toda a Criação é imagem ou semelhança, de maneira que, analisando depois as criaturas, possa antegozar o Céu, preparando-me desse modo para entrar nele e Vos louvar por toda a eternidade. Amém.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

A confiança não será decepcionada

A Providência permite muitas vezes que as circunstâncias mais desalentadoras se acumulem uma sobre a outra de um modo inimaginável, mas continuamos a confiar. No fim, há um sucesso que coroa a nossa insistência, porque coroa a nossa confiança. Daria para ter desanimado, mas confiando, Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano acaba dando-nos a vitória. 

Há vitórias às quais se chega tendo passado por decepções e desagrados de toda ordem, dando-nos a impressão de que Deus nos abandonou, mas em certo momento nos mostram a presença da Providência na sua bondade, na sua generosidade, premiando a nossa confiança e a nossa coragem; esta é a glória do verdadeiro contrarrevolucionário.

Virá um momento em que meus filhos espirituais terão que lutar sem mim. Então, poderá haver movimentos de desalento com a ideia de que nada tem solução.

Tudo tem solução desde que confiemos sempre e, dentro dos maiores absurdos, digamos: “Confio em Deus, em Nossa Senhora; e essa confiança não será decepcionada. Vamos para a frente com passo firme e seguro, olhar para o Céu e terço na mão. A vitória será nossa!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/1/1994

Nossa Senhora

Meu filho, aqui estou eu sozinha, no canto a que teu desprezo me relegou, cheia daquele amor que tua rejeição comprime em mim e impede que se expanda.

Tal amor, porém, se conserva intacto em sua intensidade e sua abundância, palpitando de ansiedade, tristeza e pressa, à espera de que retornes, para envolver-te, lavar-te e te cumular do dom de habitar nele, como do dom da inocência primeva e de todos os outros dons.

O Santíssimo Sacramento e a misericórdia de Nossa Senhora

Nosso Senhor Jesus Cristo está presente em todos os sacrários, em cada hóstia, em cada fragmento de hóstia. E basta querermos nos aproximar e falar com Ele que o Redentor ali está para nos atender. Não O vemos nem O escutamos, porém o mais importante é que Jesus nos vê e nos ouve.

 

A devoção ao Santíssimo Sacramento e a devoção a Nossa Senhora! São tantos os aspectos por onde essas devoções podem ser consideradas, tantos os fulgores, tantas as maravilhas, que não há palavras suficientes para exprimi-los.

Levando em conta que um bom método para fazer com que as pessoas se interessem e adquiram gosto por um assunto consiste em mostrar-lhes o nexo entre elas, seus problemas e o tema tratado, vou considerar as vossas dificuldades e de cada homem em concreto, à luz da devoção ao Santíssimo Sacramento e a Nossa Senhora.

Por que Deus não retribui sempre nesta vida o bem ou o mal praticados?

Começarei por falar do Santíssimo Sacramento.

Em um de seus livros, Santo Agostinho levanta uma questão: se Deus fizesse com que nesta Terra os homens fossem punidos por todos seus atos maus e premiados por todos seus atos bons, não seria um modo de organizar bem as coisas? Porque se a cada pecado mortal correspondesse uma doença tremenda, acompanhada de uma cirurgia pesadíssima com risco de morte; se cada pecado venial causasse uma nevralgia de arrebentar, uma dor de cabeça de atordoar, um reumatismo de se arrastar pelo chão, é claro que os homens tomariam muito mais cuidado em não pecar.

De outro lado, se houvesse prêmios: a cada tentação rejeitada, uma viagem à Europa; a cada ato de virtude praticado, um esplendor a mais apareceria na personalidade do homem, por exemplo, ficaria mais insigne, mais amável, mais atraente e mais dominador. Andando pela rua, os seus conhecidos o olhariam e diriam: “Ele praticou um ato muito bonito. Ei-lo, como está magnífico!” Para promoção da virtude e repressão do pecado, indiscutivelmente seria de uma grande valia.

Ser virtuoso por amor a Deus e não por interesse

E Santo Agostinho responde muito bem: se a cada ato de virtude praticado nesta Terra os homens recebessem uma recompensa, e cada ato mau tivesse como efeito uma punição imediata, eles não praticariam a virtude por amor à virtude, nem evitariam o mal por horror ao mal, mas por interesse. Seriam todos uns subornados. Deus subornaria as pessoas para irem para o Céu, e não lhes pediria uma prova de desinteresse e de amor tão intensa quanto é a do homem que, sabendo que nesta Terra talvez não seja punido, e provavelmente também não seja premiado, vence a tentação cruel por amor a Deus e ódio ao pecado, sem se preocupar com uma recompensa ou um castigo terreno.

Sem dúvida, como diz Nosso Senhor, o homem virtuoso terá o cêntuplo neste mundo, mais a vida eterna. Mas o cêntuplo nem sempre é a felicidade terrena; muitas vezes são graças e mais graças para suportar espinhos e mais espinhos, cruzes e mais cruzes. Ele viverá no reino da Fé, da Esperança e da Caridade, portanto, das virtudes teologais. Mas é um reino que não apalpamos e ao qual precisamos ter muito amor para sermos realmente fiéis. Assim, teremos as recompensas e evitaremos os castigos eternos. Porém se olharmos em torno de nós, notaremos quantas pessoas péssimas vivem felizes e desdenham o homem bom que passa perto delas.

A solidão após a subida de Nosso Senhor ao Céu

Não obstante, se Deus quisesse, tornar-se-ia visível aos homens. E poderia fazê-lo com tanta magnificência, com tanto esplendor que homem nenhum deixaria de praticar a virtude. Ora, Ele não o fez. Pelo contrário, após a Ascensão, Nosso Senhor Jesus Cristo deixou aqui sua Mãe, portanto o que na Criação havia de melhor. Mas não era Ele… Jesus subiu ao Céu. Podemos imaginar o quanto Ela sentia a ausência d’Ele, a solidão, e como Maria Santíssima comunicava essa sensação a todos em torno d’Ela.

Como terá sido a descida do Monte das Oliveiras, do alto do qual O tinham visto subir para o Céu? Todos ao mesmo tempo cheios do esplendor do que tinham presenciado, mas muito entristecidos: Jesus foi embora e voltará somente no fim do mundo, para julgar os vivos e os mortos. Que dilaceração! Ele subiu para esses céus visíveis e penetrou nos Céus invisíveis, onde se deu uma festa invisível para a qual não estavam convidados. Eles desciam as encostas e permaneciam na Terra, enquanto Nosso Senhor subia para o Céu. Oh, que rumos opostos e que separação cruel e definitiva: até o fim do mundo!

Aqueles homens morreriam e depois deles outros ainda, e as gerações se sucederiam. Vê-Lo-iam ao passarem os umbrais da morte, após terem feito a grande e terrível viagem. Mas nesta Terra não. Somente no Céu.

Como seria delicioso estar junto a Nosso Senhor, conversar com Ele um instante!

Lembro-me de que, ainda menino, vendo os desenhos de meu livro de História Sagrada, que eu reputava ultra expressivos — santinhos e outras coisas semelhantes —, considerava como seria delicioso estar junto a Ele, como seria maravilhoso, arrebatador, formativo, santificante conversar com Ele um instante! Que o olhar d’Ele se aprofundasse dentro do meu, ao menos por um momento, e já seria muita coisa! Mas não! Séculos antes de eu nascer, já Ele estava no Reino celeste. Séculos depois de eu ter morrido, Ele também estará no Céu. Nesta Terra eu não O verei! 

Eu sentia uma espécie de separação, como se as portas de ferro de um cofre contendo um tesouro maravilhoso e repleto de Anjos — eram as portas do Céu — estivessem trancadas. E eu do lado de cá, desejoso de ver, mas para mim não, para os filhos de Eva não!

Isso me dava uma sensação de solidão. Aquele a Quem eu quereria ter conhecido, que teria dado sentido à minha vida, a Quem eu teria seguido; Aquele que com um olhar poderia ter resolvido tantas dificuldades em mim, retificado tanto caminho torto, simplificado tantas batalhas, eliminado tantas incertezas, estava do outro lado! Era como se uma voz me dissesse: “Você, Plinio, caminhará sozinho. Terá outras ajudas, a Ele não. Para você o sol, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, se pôs. Você nasceu na noite e morrerá na noite. Quando os seus olhos se fecharem e você tiver vencido a batalha desta vida — olhe em torno de si: quem está vivendo de maneira a ganhá-la?; você a ganhará? — então O verá. Mas é na outra vida, nesta não!”

E diante disso eu pensava: “Como estou só, como a luta é dura, Nosso Senhor está longe! Compreendo agora que Ele não poderia estar me aparecendo, e que eu não poderia estar no alto do Tabor com Ele continuamente porque não teria mérito na noite desta vida, na qual tenho a impressão de lutar só, não vejo nada e sou obrigado a reagir contra as minhas más tendências. Minha inteligência iluminada pela Fé me mostra o Bem, mas tenho que fazer esforço para ser fiel a Ele. Vejo, sobretudo, que este Bem que eu amo na Terra existe no Céu: um Deus pessoal e infinito que não conheço. Oh, que tristeza, que pena!”

”Meu filho, eu preparei para você esta maravilha: a transubstanciação!”

Aí surge a questão do mérito, e no mérito, o melhor de nossa vida. Era preciso que fosse assim. Nós ficamos nessa tristeza, mas diante desse drama de alma — porque para quem seja capaz de pensar, isto redunda num verdadeiro drama de alma — compreendemos o que a sabedoria e a misericórdia divinas prepararam para fazer companhia ao homem.

É como se a essas perplexidades Deus respondesse: “Meu filho, Eu quero lhe dar o mérito; não vou lhe aparecer, não vou premiá-lo nesta Terra, mas minha presença você terá. Sinto pena de sua solidão, tenho desvelo pela sua fraqueza e vontade de salvá-lo. Eu preparei para você esta maravilha: a transubstanciação!”

Sob as aparências do pão e do vinho, Nosso Senhor Jesus Cristo está realmente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade em todos os sacrários da Terra. E a presença d’Ele se multiplica, portanto, incontavelmente por todos os rincões do orbe, onde houver uma igreja católica com o sacrário. De maneira tal que, ao passarmos por uma igreja, fazemos o sinal da Cruz para testemunhar nossa convicção de que Nosso Senhor ali Se encontra como outrora na Terra Santa, nos dias de sua vida terrena.

E se fosse só isto! Se Nosso Senhor estivesse apenas a dois passos de nós, como ficaríamos comovidos! Mas Ele quis ir além de toda cogitação e instituir o Santíssimo Sacramento, de maneira a poder ser recebido por nós na Sagrada Comunhão. Ele quis habitar em nós como num sacrário!

Todos nós que estamos nesta sala fomos sacrários por alguns minutos, durante todos os dias em que comungamos ao longo de anos. Seremos sacrários, se Deus quiser, por alguns instantes até o momento de nossa morte. Que felicidade e que companhia! Que intimidade, que penetração! Ser um conosco a ponto de vir morar dentro de nós! Ninguém poderá jamais, com a inteligência, esgotar a medida dessa união e compreender a forma dessa misericórdia.

Presença insensível, mas inteiramente real, e que às vezes se torna sensível

Portanto, Deus tem pena de nosso isolamento e nos diz: “As portas do Céu estão fechadas, mas assim como Eu transpus os muros do Cenáculo e apareci entre os Apóstolos, agora também transponho as distâncias que separam o Céu da Terra e resolvo permanecer em todos os sacrários, em cada hóstia, em cada fragmento de hóstia, inteiramente presente. E basta os homens quererem aproximar-se e falar comigo que Eu estarei ali para atendê-los. Eles não Me verão nem Me ouvirão, porém o mais importante é que Eu os veja e os ouça”.

De fato, é Nosso Senhor quem tem as riquezas, as graças. E se Ele conhece as nossas orações, é sensível a elas e as recebe bem, que importância há em sentirmos ou não que Ele as recebe? A Fé nos diz que Ele as acolhe. É Ele mesmo Quem nos dá a graça para crermos no Santíssimo Sacramento e sentirmo-nos atraídos para junto d’Ele. E quando nos ajoelhamos para comungar ou para adorá-Lo, para recitar o Ofício ou o Rosário diante d’Ele, seu olhar pousa com amor sobre cada um de nós como outrora sobre os Apóstolos.

Se, por um lado, temos a sensação de isolamento num regime onde nossa prova é contínua por não sentirmos a presença d’Ele, por outro lado, temos a certeza de que Ele está sempre presente. Presença insensível, é verdade, mas inteiramente real e quão maravilhosa! Que coisa insondável!

Presença sempre insensível?

Sem dúvida, muitas vezes comungamos na aridez. Em várias fases da vida espiritual pode acontecer que um ou outro não sinta o que vou dizer agora; não por culpa, mas porque a graça dirige cada alma segundo desígnios inefáveis de Deus, levando-a para onde Ele quer, com vistas a realizar uma determinada forma de santidade pré-estabelecida pela Providência.

Mas creio não haver um nesta sala que, entrando numa capela, numa igreja onde está o Santíssimo Sacramento, não tenha sentido — se eu ousasse me exprimir assim — algo de “insensível”. Não é uma impressão que entra pelos olhos, nem pelo tato, nem por qualquer outro sentido; os sentidos estão alheios a isso. Mas a pessoa entra… e diz: “Ele está ali.”

”Magister adest et vocat te”

Lembro-me de uma antiga capela em São Paulo onde há o tabernáculo com o Santíssimo Sacramento. No alto da parede estão escritas estas palavras tiradas do Evangelho: “Magister adest et vocat te — o Mestre está aqui e te chama”(1). Como é verdade! Ajoelhamos ali e dizemos: “É evidente, não sei como, mas Nosso Senhor está presente! Tenho a sensação de que Ele me ouve”.

Sei, pela Fé, que Ele me ouve, e a impressão, que pelo menos eu pessoalmente tenho tantas vezes diante do Santíssimo Sacramento é de que Ele me diz qualquer coisa que não consigo explicar, mas poderia ficar um dia inteiro ali, sem recitar o Pai-Nosso, a Ave-Maria, o Glória-ao-Pai — orações excelentes, porém depende do caminho de cada alma. Digo que não seria preciso rezá-las, mas simplesmente estar ali e pensar: “O Mestre está aqui e me chama.” Mais nada.

Quantas e quantas vezes, encontrando-me numa capela do Santíssimo, de dia ou de noite, nas penumbras eucarísticas — para o mistério, convêm as penumbras — de repente a chama da lamparina junto ao sacrário aumentava e as sombras cresciam, depois diminuíam; e naquele silêncio a lamparina, de vez em quando, estalava e eu ouvia o frigir do óleo e pensava: “Que silêncio é esse em que tais barulhinhos se ouvem? Que solidão é essa em que a mudança das sombras toma tanta dimensão? O que há aqui para isso falar tanto à minha alma?”

É o silêncio criado pela presença d’Ele. É uma certa forma de penumbra cheia de unção, que é a penumbra eucarística, também criada a propósito d’Ele, na qual as coisas insignificantes tomam um vulto muito maior. Na vida cotidiana não se observa isso, mas fica-se fora da vida cotidiana, pois o eterno está ali.

Santos que tiveram a graça da permanência eucarística

Há santos que receberam a graça de ter o Santíssimo Sacramento continuamente presente em si, por exemplo, Santo Antônio Maria Claret, que foi Arcebispo de Cuba e capelão do Palácio Real na Espanha, e tinha um título lindo: Patriarca das Índias. Quando comungava, a graça da presença real permanecia nele e, portanto, era um sacrário até o momento da outra Comunhão, em que as espécies anteriores desapareciam, o fenômeno da digestão se operava e elas se transformavam, dando lugar às outras. Assim, ele tinha noite e dia a presença real.

Tenho ideia de ter lido a história de um ou outro santo que recebeu da Santa Sé o privilégio de carregar permanentemente consigo uma teca com o Santíssimo Sacramento. Eu gostaria de imaginar o grande São Tomás de Aquino — que, aliás, acho que possuía também esse privilégio da permanência eucarística — com uma teca contendo o Santíssimo Sacramento suspensa ao pescoço.

É lindo! É menos glorioso do que tê-Lo dentro de si durante o tempo inteiro. Mas podemos imaginar que companhia! E como o homem fica companheiro de Nosso Senhor!

Uma rosa nascida do Santo Sacrifício do Calvário

Monsenhor de Ségur(2) fala das três rosas dos bem-aventurados, que são a devoção à Eucaristia, a Nossa Senhora e ao Papa. Uma das rosas, portanto, é o Santíssimo Sacramento; rosa vermelha, purpúrea como o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não é possível considerar tudo isto sem pensar no Santo Sacrifício do Calvário do qual a Missa é a renovação incruenta. A presença real dá-se no momento da Consagração na Missa quando então se renova, sem a efusão de sangue, o Sacrifício do Calvário.

A piedade eucarística não pode consistir apenas em deleitar-se com a beleza desta rosa de cor púrpura. Se nós recebemos tanto desta rosa e a amamos, devemos provar nossa fidelidade e nossa coerência.

Importância de se fazer sério exame de consciência

Quantas vezes uma atitude corajosa, uma impostação de alma enérgica consigo mesmo, um ódio profundo aos próprios defeitos, um verdadeiro amor às qualidades que o Santíssimo Sacramento fez nascer em nós impõem ações mais duras do que um combate físico!

Era muito meritório o que em certas Ordens os religiosos faziam, não sei se ainda fazem: o sacrifício de se flagelarem todos os dias. É belo, muito nobre! Mas isto não é flagelar a alma. E o homem tem muito mais dor com o que lhe toca na alma do que no corpo.

Como se flagela a alma? Pelo exame de consciência: “O que você fez? Analise bem, entre em todos os pormenores, meça a sua culpa. Primeiro, descreva seu ato; depois avalie para si mesmo a malícia desse ato”. Isso obriga a alma a confessar para si mesma o mal que praticou.

Como isso é duro em muitas ocasiões! E quando vem uma lamúria: “Não, mas o outro também teve culpa…”, a consciência diz: “Ele pode ter tido culpa, mas você pecou por sua culpa, por sua culpa e por sua máxima culpa, porque você recebeu graças, sabia que aquilo não era bom e poderia ter dito não”. “Confiteor, miserere…” Que coisa bonita! Compunção, compenetração: “Andei mal, não vou repetir, perdão…” Como isso é a verdadeira batalha do verdadeiro guerreiro!

A limpeza e a honestidade de uma alma que deu tudo

Para ser bom polemista católico, saber discutir e sustentar a Fé, saber lutar com os adversários da Igreja no terreno da habilidade política e da manobra da opinião pública, para ser sagaz é necessário que o homem leve a sua capacidade até o fim.

Quando notamos que o mais modesto dos homens empregou seu esforço até o fim, nós o respeitamos. É um frutozinho minúsculo, mas nós o veneramos. Entretanto, se virmos o maior dos homens que empregou no esforço 80% de sua capacidade e 20% não utilizou, ele fica como uma lâmpada que ilumina, é verdade, mas deita mau cheiro e fumaça preta no ambiente. A fuligem escura vai penetrar no mesmo recinto iluminado pela lâmpada.

Para uma alma dar tudo e, no contato com ela, termos essa sensação de limpeza e honestidade de quem foi até o limite de si mesma — quão deleitável é esse limite, e como é belo tratar com almas assim! —, é preciso que essa alma saiba fazer exames de consciência, porque senão ela se defrauda.

Eu sei bem que quando se cobra com esta dureza o dever de um homem, ele tende a ter pena de si mesmo e a perguntar: “Dr. Plinio, o senhor não se compadece de mim? O senhor não mede todo o sacrifício que sou obrigado a fazer? O senhor não tem uma palavra de afago, uma expressão de afeto para me animar?”

É natural que eu fixe a minha atenção sobre essa consideração, que é o pórtico para o tema: “Nossa Senhora”.

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 24/10/1981)

1) Jo 11, 28.
2) Louis-Gaston de Ségur (1820-1881). Prelado e apologista católico francês. Entre as diversas obras por ele escritas, encontra-se “Les trois roses des élus”, à qual Dr. Plinio se refere nesta conferência.