Escravidão de amor, desponsório místico e troca de vontades

Cada pessoa deve procurar levar uma vida de tal modo unida a Nosso Senhor que seus pensamentos, olhares e gestos, por mínimos que sejam, se conformem à mentalidade do Redentor.

 

Pedem-me para comentar a frase de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). Embora nunca tenha lido comentários de exegetas sobre isso, vou dar a impressão que me causa este texto tão conhecido.

Cada um deve atingir um tipo de santidade para imitar perfeitamente Nosso Senhor

Nosso Senhor Jesus Cristo tem a respeito de cada um de nós um desígnio enormemente abrangente. Um modo superficial de considerar o texto de São Paulo seria afirmar que “não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” significa realizar os desígnios de Nosso Senhor a meu respeito e, portanto, devo abandonar meu próprio egoísmo e fazer a vontade d’Ele. Nisto está a vida d’Ele em mim.

Tudo isso é correto, mas é uma concepção muito limitada a respeito dessa vida d’Ele em cada um de nós. A meu ver, chega-se ao fundo do assunto considerando o seguinte:

O desígnio de Nosso Senhor para cada homem não é apenas que um, por exemplo, seja religioso; outro chegue a uma alta posição num governo e faça um decreto estabelecendo a união entre a Igreja e o Estado, em termos muito convenientes para a Igreja; e que outro funde uma escola, uma Universidade Católica… Sem dúvida, isso tudo faz parte dos desígnios da Providência, mas nunca, absolutamente nunca, os desígnios divinos sobre um homem se cifram exclusivamente naquilo que se poderia chamar a obra da vida dele.

Deus tem o desígnio de que sejamos inteiramente configurados em nossa alma, de maneira a realizar um tipo de santidade, pela qual, sendo cada qual o que é, imite a Ele perfeitamente, dentro desta via que procede das peculiaridades de cada um. E seja, por assim dizer, uma reedição d’Ele. É isso que Ele quer.

A personalidade de Deus é imensamente rica. E todos os homens que Ele criou, desde Adão até os últimos que vão existir, constituem uma série dentro da qual cada um deve imitar a personalidade d’Ele num ponto, como se Ele não tivesse sido senão aquilo. Assim todos os homens repetem de algum modo, num grau maior ou menor, Nosso Senhor Jesus Cristo, à maneira de uma coleção. De maneira que, visto o conjunto, dê uma superimagem de Nosso Senhor que apresente no Céu uma noção global d’Ele. De modo que Ele, olhando a humanidade toda glorificada no Céu, Se veja representado. E nessa representação encontre sua glória.

Esse é um pensamento que tem seu fundamento no fato de Deus ter feito a Criação ao longo de seis dias, e no sétimo descansou. E ao contemplar os seres criados, viu que cada coisa era boa, mas o conjunto era melhor (cf. Gn 1, 31).

O modo de fazer todas as coisas envolve uma perfeição espiritual

Assim também a Nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto Homem-Deus, vai ser dada essa glória de que todos os homens no Céu, no seu conjunto, representarão a Ele, como a Criação representa a Deus. Cada bem-aventurado no Céu O representa bem, mas o conjunto representa melhor, e proporciona uma noção global d’Ele que nenhum homem deu; exceção feita da Santíssima Virgem. Porém Ela também faz parte do conjunto que representa a Ele, embora seja a parte mais esplêndida, mais gloriosa — de longe! — entre as meras criaturas. A tal ponto que sem Nossa Senhora tudo isso não valeria nada; mas com Ela vale inimaginavelmente.

Então, Ele quer que eu toque toda a minha vida — mas a minha vida abrange meus olhares, meus pensamentos, meus gestos, por mínimos que sejam, e que, no fundo, exprimem algo de minha mentalidade. Ele quer que seja como a mentalidade d’Ele, vista nesse ângulo minúsculo que se chama “a individualidade de Plinio Corrêa de Oliveira”. Mas isso é assim com todos aqueles que andam pela rua, inclusive os que estão se perdendo.

Por exemplo, eu poderia agora querer um copo d’água. Do ponto de vista moral, é inteiramente indiferente que eu beba ou não a água. Mas se eu bebê-la agora de modo oportuno, temperante, agirei de acordo com Ele; se eu ingerir essa água de um modo inoportuno, intemperante, por uma razão sem fundamento, embora o beber água seja neutro, a ocasião escolhida por mim para ingeri-la envolve uma razão moral.

O modo de fazer todas as coisas neutras envolve uma perfeição espiritual, com vistas a fazer a vontade d’Ele e ser a cópia d’Ele em tudo, mas aquela cópia que só eu serei, e mais ninguém. Se eu ratear, ninguém mais fará; e se fizer bem feito, estará bem feito por toda a eternidade.

Isso envolve a nossa vida inteira, em dois sentidos: toma-nos por inteiro, de um lado; e, de outro lado, é por uma vida procedida d’Ele que somos capazes disso. Porque Ele vê que pela nossa mera natureza humana, em consequência do pecado original, somos incapazes de alcançar essa perfeição. Por esta razão recebemos d’Ele a vida da graça, dom criado por Ele, que é uma participação na sua vida divina. Recebemos essa participação e passamos a viver com uma categoria por onde participamos da vida do próprio Deus, o que nos torna capazes de realizar o plano d’Ele a nosso respeito.  

Portanto, se eu considero minha vida assim e me entrego a isso, posso dizer que já não sou eu que vivo; nesse sentido de que não faço os meus planos, senão os planos de Deus.

É Ele que vive, mas de um modo singular, porque não sou como uma marionete nas mãos de Deus. Eu entendo, quero e sinto por iniciativa minha, proveniente da graça d’Ele, como Ele queria que eu fizesse. Ou seja, é um penetrar fundo, como mais profundo não se pode penetrar.

Belezas que dão realidades extraordinárias

Assim, compreendemos também os segredos da misericórdia de Deus, porque entendemos bem o amor que Ele tem a cada um de nós, para chegarmos a tal ponto que estejamos unidos com Ele. Quer dizer, ao sermos criados Deus teve o plano de que tal perfeição d’Ele, que nunca ninguém teria conhecido — ao menos entre os homens e exceção feita, naturalmente, de Nossa Senhora —, brilhasse em nós; é como se Ele tirasse de dentro de Si mesmo um raio de luz e o desse para nós. E é um dos como que infinitos modos de ser d’Ele. Ou seja, fazendo-nos isso, não poderia deixar de nos amar infinitamente, porque Ele é infinito.

O amor que o Criador tem a nós é um reflexo do amor que Ele tem a Si próprio. Compreende-se melhor também por que Nosso Senhor morreu por nós: para termos a graça e podermos realizar esse plano.

Estou apenas coligando dados correntes da Doutrina Católica. Mas esses dados conduzem a um plano suntuoso, fabuloso! E de um gênero de união como não se pode imaginar que exista, nem d’Ele conosco, nem entre nós. Porque como duas quantidades ligadas a uma terceira estão ligadas entre si, vê-se como o nexo existente entre todos os filhos da luz é uma coisa seríssima, gravíssima, dulcíssima.

Há uma realidade mais bonita ainda, que é a seguinte: De fato, nós constituímos assim um todo chamado Humanidade, que Deus honrou unindo a natureza humana hipostaticamente a Ele. Mas essa Humanidade é apenas uma unidade do universo, porque nós fazemos parte da Criação. E na Criação existem os Anjos; se bem que a união hipostática não se tenha dado neles, os Anjos por sua natureza são muito superiores a nós, são puros espíritos. E os Anjos deveriam realizar um universo assim também. Mas eles não realizaram porque muitos deles apostataram, e se tornaram demônios.

Os planos se superpõem, de maneira que nessa sociedade dos homens, tomados os que se salvem e entrem para o Céu, eles preenchem o lugar dos anjos decaídos. E nós ao mesmo tempo formamos com os Anjos um todo à parte. É de uma grandeza desconcertante! E isso, mais o Céu empíreo, mais a Criação que vai continuar — Sol, Lua, tudo isso vai continuar — forma então o todo dos todos, no pináculo do qual está Nossa Senhora, que é mera criatura. E acima d’Ela, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Compreende-se nesta perspectiva a Encarnação, o “Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14); tudo isso forma, por sua vez, belezas que dão realidades extraordinárias, feitas para serem meditadas por cada um de nós.  

Às vezes nos regalamos, por exemplo, com um dito espirituoso francês. Entretanto muito mais são de regalar as coisas que Deus diz e faz. No Céu nós vamos contemplar isso eternamente.

E pensar que se põe em risco toda esta maravilha, por um mau olhar na rua… Cai-se morto na hora e vai-se para o Inferno. Quer dizer, o que nós nos expomos a perder, a qualquer momento, é uma coisa inimaginável! Somos uns doidos, uns cretinos, nem sei dizer o que somos, quando nos arriscamos a perder isso!

Desponsório místico que se realiza na alma de cada um que se entrega a Nosso Senhor

Há, entretanto, outra realidade a considerar que constitui um universo dentro desse universo.

Está na intenção de Nosso Senhor que certas perfeições d’Ele sejam especialmente representadas por outras criaturas; e para que essas perfeições brilhem bem, Ele quer uma família de almas. Então, às vezes, é uma nação; outras vezes, uma área de civilização; às vezes uma Ordem religiosa. São famílias de almas chamadas a representar de algum modo uma determinada perfeição ou uma constelação de perfeições d’Ele.

De todas essas representações, a família religiosa é a que tem mais riqueza de representação dos que as outras, porque a natureza do vínculo criado por ela é muito mais forte do que nas outras.

Entre os indivíduos de uma mesma pátria, por exemplo, há aquela vinculação natural baseada em tradições e laços históricos. Nesse conjunto natural há também os elementos sobrenaturais, que levam a constituir-se uma grande nação católica a qual pode formar um corpo místico dentro do Corpo Místico.

A doutrina do Corpo Místico chega a tal ponto que, por exemplo, eu vi certa vez uma referência antiga, da Idade Média, ao “corpo místico da Universidade de Paris”. A Universidade de Paris naquele tempo era uma espécie de crisol de ortodoxia muito especial, que a Santa Sé tomava muito em consideração.

Assim também uma família religiosa constitui um “corpo místico”, no qual o Fundador deve representar de modo mais excelente as qualidades que o corpo todo tem que espelhar. Mas cada um dos membros daquela família, chamado a espelhar determinada perfeição de Nosso Senhor, reflete essa qualidade enquanto existente no Fundador, e é uma repetição do Fundador, como o conjunto dos fundadores é uma repetição de Nosso Senhor.

Então, os vínculos de alma entre súdito e Fundador tomam toda a analogia com as relações existentes na sagrada escravidão a Maria, ensinada por São Luís Maria Grignion de Montfort.

A meu ver, a escravidão de amor não é senão o desponsório espiritual visto em seus efeitos. Porque se Nosso Senhor Jesus Cristo é o Esposo e a Igreja a Esposa, isso significa que a alma fiel deve portar-se face a Ele com a receptividade, o amor, a docilidade da verdadeira Esposa em relação ao verdadeiro Esposo.

Cada um de nós é um membro dessa Igreja. Portanto, esse desponsório místico se realiza na alma de cada um de nós.

Então, se alguém resolve fazer-se escravo de Nosso Senhor para ser obediente a tudo quanto os representantes d’Ele nos mandam, isto se dá por causa de um desponsório místico havido anteriormente, e que nós queremos tornar mais efetivo, mais consistente, mais durável, exatamente por meio dessa submissão.

Creio que a troca de vontades é a própria essência dos desponsórios. Feita a troca de vontades, está realizado o desponsório místico, o qual é um processo que se consuma no momento em que as vontades se uniram completamente. Assim, compreende-se que a escravidão de amor, o desponsório místico e a troca de vontades sejam aspectos de um mesmo processo unitivo; eles vão quase se revezando ou se sucedendo numa mesma realidade total.

Mas o ponto de partida é o momento em que nos enlevamos por Nosso Senhor Jesus Cristo, por Nossa Senhora, pela Igreja, e nos maravilhamos de tal maneira que aceitamos que Ele nos governe como acabo de expor. É a realização da frase de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 9/7/1988)

Maria vivendo em seus escravos

Quando lemos a Oração Abrasada de São Luís Maria Grignion de Montfort, que dá o perfil moral de um Apóstolo dos Últimos Tempos, percebemos serem aqueles varões ali descritos capazes de ir até o último ponto das realizações, porque têm uma estrutura de alma inteiramente metódica, uma convicção profunda e um amor completo.

Assim é a alma de um verdadeiro Santo(1).

Entretanto, para alcançar esta santidade a que se referia, Dr. Plinio considerava indispensável — tal como São Luís Grignion — uma completa união de alma com a Santíssima Virgem. Como “Christianus alter Christus — o cristão é um outro Cristo” — todo católico deve também, de certo modo e guardadas as devidas proporções, identificar-se com Nossa Senhora, como nos explica a seguir Dr. Plinio:

Ao manifestar meu desejo de que Nosso Senhor viva em mim vivendo em Nossa Senhora, não me refiro a um mero existir, mas isto significa Nossa Senhora vivendo, operando, fazendo tudo em mim. De maneira que de mim só saia o que Ela quiser, minha vontade e minha inteligência ficam ligadas às d’Ela e assumidas por Ela. Assim, só penso o que Ela quer que eu pense, só faço o que Ela deseja, só consinto nos sentimentos que Ela queira que eu tenha, minha vida é a d’Ela. Este é o sentido da palavra “vida”, e é este o significado da afirmação “Maria vive em seus escravos”.

Ainda mais: é importante considerar que quando Maria vive em alguém, não é Ela quem vive, mas é Jesus Cristo que vive nesse alguém. Estabelecer limites a Nosso Senhor seria um verdadeiro absurdo. Portanto, devo querer uma entrega ilimitada à Santíssima Virgem.

Essa entrega supõe, antes de tudo, um enlevo completo, seguido de uma veneração e uma ternura completas.

Nessa perspectiva, a atitude perfeita é dar tudo, dar-se a si mesmo, por uma exigência do enlevo e como uma necessidade de sobrevivência, para não decair na vida espiritual, a ponto de amar o espírito que Nosso Senhor pôs em Maria, de maneira a querer ser para Ela como Eliseu foi para Elias.

Quer dizer, ter o espírito d’Ela, porque vejo ser um espírito vindo de Nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, de Deus. É o espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Se eu estiver inteiramente unido a Nossa Senhora, terei a graça inefável de unir-me a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Outros aspectos do mesmo tema poderão ser contemplados na seção “Reflexões teológicas”, à página 22 da presente edição.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Conferência proferida no ano de 1967.

 

A "Virgo Potens" vencerá

Sem dúvida, uma das características mais marcantes do espírito de Dr. Plinio é sua entusiástica devoção à Virgem Maria. Profundamente “cristocêntrico” — como o provam incontáveis matérias já estampadas nesta Revista —, compreendeu ele, desde muito cedo, que o caminho mais rápido e seguro para chegar a Jesus e glorificá-Lo é unir-se a sua Mãe Santíssima.

Se, pois, o amor deste varão católico ao Divino Salvador é inseparável do amor à Rainha do Céu, também o é seu entusiasmo e sua fidelidade à Santa Igreja Católica.

Assim, Dr. Plinio não hesitava em associar à promessa de indestrutibilidade da Igreja — “as forças do Inferno não poderão vencê-la”(1) — Aquela que, por ser Mãe da Cabeça, o é igualmente do Corpo Místico.

Uma autêntica Teologia da História leva-nos a encontrar no afastamento dos homens em relação a Deus a causa das crises que, ao longo dos tempos, assolaram a humanidade.  Crises que, na era cristã, ameaçaram — e, por vezes, pareceram até conseguir — envolver a própria Esposa de Cristo.

Contudo, na medida em que os povos se abriam à salutar influência da Igreja, as borrascas se acalmavam, como os ventos e o mar de Tiberíades ao obedecerem à voz do Divino Mestre(2), emanada a partir da barca de Pedro.

Ora, essa voz era humana, porque produzida por um corpo também humano, gerado no claustro virginal de Maria. Entretanto, era ao mesmo tempo divina, pois as palavras foram pronunciadas pela Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Depois da Ascensão de Jesus aos Céus, a Providência determinou que, para acalmar os ventos e os mares revoltos que arrastam e submergem no caos a Civilização Cristã, os homens obedecessem à Palavra, agora presente e viva na nau de São Pedro. Também nessa barca, a Santa Igreja, tem Nossa Senhora uma sublime missão: a de manter os fiéis unânimes e perseverantes na oração à espera do Paráclito(3).

O seguinte discurso, proferido provavelmente no início da década de 1940 e publicado por ocasião do mês de Maria(4), atesta uma vez mais a inabalável confiança de Dr. Plinio no poder da Mãe de Deus, sob cuja proteção a Santa Igreja encontrará sempre a solução perfeita para todas as crises.

Graças a Deus, cria raízes cada vez mais profundas entre os católicos brasileiros a convicção de que os destinos da humanidade contemporânea estão indissoluvelmente ligados à Igreja, de tal sorte que o único modo eficiente de trabalhar para a solução da crise tremenda em que nosso século se debate é trabalhar pela expansão da Doutrina Católica.

A História registra o caso de nações que conseguiram firmar seus alicerces sobre outras bases que não a Igreja, e que conheceram um relativo equilíbrio. Mas, enquanto esse equilíbrio falso se transformou no Oriente em estagnação letal, no Ocidente mostrou-se tão precário que provocou as revoluções sociais, a corrupção moral e, por fim, o desabamento da civilização greco-romana, humilhada nos seus últimos estertores pela vitória brutal das hordas dos bárbaros invasores.

Quanto à civilização ocidental, nascida da Igreja, criada sob o influxo dela, e constituída para a realização de um ideal de perfeição e de progresso que só a Igreja soube apontar ao homem, não lhe é possível encontrar fora da Igreja nem sequer o equilíbrio precário das civilizações que a antecederam.

A civilização europeia e católica foi inspirada no Cristo, e sua aurora na Idade Média refulgia com algo daquela insuperável majestade e daquela indescritível doçura com que o Cristo deslumbrou seus Apóstolos no alto do Tabor.

No recesso de sua prodigiosa fecundidade, continha ela os germes de um arcabouço moral e material superior, em grandeza e magnificência, às concepções mais ousadas dos filósofos gregos, dos estadistas romanos e dos poetas orientais. E está na inexorável ordem das coisas que, se essa civilização eleita não perseverasse na sublimidade de sua vocação, despencaria pelos abismos insondáveis e diabólicos da apostasia, cujos frutos políticos e sociais são estas duas irmãs gêmeas, paradoxalmente tão diversas e tão parecidas: a anarquia e a escravidão.

Para o mundo contemporâneo, não há outro caminho senão a ordem perfeita do Catolicismo ou o caos completo da aniquilação. Não é, pois, sem angústia que até mesmo alguns espíritos, nos quais não arde a Fé católica, indagam se a Igreja não soçobrará ao vendaval da crise moderna.

É para estas almas cegas que a invocação da ladainha lauretana “Virgo Potens” constitui tema de uma proveitosa meditação. Não é das baionetas, nem do ouro, nem de qualquer outro recurso humano que a Igreja espera o grande triunfo que salvará mais uma vez a civilização. A Igreja é divinamente indestrutível e sê-lo-á amanhã, como já o era ontem. É só de Deus, Nosso Senhor, que lhe virão no momento oportuno os milagres que asseguraram o triunfo de Constantino, o recuo de Átila e a vitória em Lepanto.

A respeito de Maria Santíssima, diz a Sagrada Liturgia: “Só tu esmagaste todas as heresias”. Mais forte do que os modernos Césares, há uma Virgem Poderosa que esmagará o mal em nossos dias; Ela que já esmagou outrora a cabeça orgulhosa da terrível serpente. Sua força, já o dissemos, não está no ouro nem nos canhões. Sua força está na sua caridade invencível, na sua humildade incomensurável, na sua pureza indizível.

Conjuguem-se, embora, contra a infalível Cátedra de São Pedro, o demônio, o mundo e a carne, a Virgem Potente triunfará. E, no momento da derrota, todo o ouro dos seus adversários ser-lhes-á inútil como se fosse lama, e seus canhões inoperantes como brinquedos.

Ao ouvir estas palavras, é possível que um sorriso desdenhoso exprima em certos lábios céticos uma desaprovação irritada. Um dia virá, porém — e quem sabe se não será amanhã — em que a Virgem Potente triunfará suscitando uma nova legião de cruzados, ou dando ao Santo Padre a vitória incruenta e gloriosa que teve outro Papa, São Leão I, quando, armado só com a Cruz de Cristo, fez recuar o terrível Rei dos Hunos.

A despeito do riso dos céticos, das injúrias dos perversos e da incredulidade dos medrosos, é a “Virgo Potens” que vencerá!

 

1) Mt 16, 18.

2) Cf. Mt 8, 26-27.

3) Cf. At 1, 14.

4) Excertos de um pronunciamento cuja data exata não consta dos nossos arquivos.

QUANDO VIRGINDADE E GRANDEZA RÉGIA SE OSCULAM

Não há louvores que não se possam fazer à virgindade.

Ela é o auge da dedicação em relação a Deus, porque o homem inteiramente casto renuncia às comodidades e aos legítimos  atrativos e aspirações da vida de família para servir um ideal superior. Um ideal que não lhe dá prêmios na terra, mas oferece recompensas no Céu. Trata-se, é claro, de um ideal católico, pois nenhum outro pode ser considerado autêntico e verdadeiro, quando desprovido do sentimento católico.

A virgindade é, então, o ápice da dedicação. É, outrossim, uma forma de grandeza. Mais ainda, é a grandeza por excelência. Consideremos um rei santo. São Luís IX era um soberano puríssimo que tinha, entre outras missões, a de perpetuar a dinastia da França. Casou-se, teve filhos, e guardou plenamente a fidelidade conjugal. É maravilhoso.

Contudo, quando ouvimos falar do Infante Dom Sebastião de Portugal — o rei casto, puro, virginal, imolado numa batalha contra os mouros nos vastos campos de Alcácer-Quibir — sentimos exalar-se um conjunto de idéias e grandezas, que adquire seu maior fulgor no fato de Dom Sebastião ser virginalmente casto.

Resplandece nele aquela auréola da castidade perfeita, não a respeitável castidade do matrimônio, mas a da inteira abstenção de qualquer contato carnal. Um varão régio e virginal, numa couraça lisa e rutilante, brilhando sob o sol da África, com uma lança na mão e uma coroa de Rei Fidelíssimo na fronte.

O trono da França era mais elevado que o de Portugal. São Luís foi um santo autêntico, canonizado pela Igreja. Esta não canonizou o Rei Dom Sebastião, e talvez houvesse certa temeridade em suas ousadias guerreiras, razão para não inscrevê-lo no rol dos Santos.

Não obstante, sua figura é cercada de uma auréola, de uma poesia, de um perfume típico de grandeza que nem o grande São Luís, nem o grande São Fernando de Castela tiveram. Nem o próprio Carlos Magno possuiu. É a aliança entre a majestade régia e a castidade perfeita, entre a virgindade e a coroa.

Nossa Senhora, a morte dos crimes

Certas pessoas podem ter a ideia de que as evoluções do mundo extinguirão os crimes. Verdadeiramente, a morte dos crimes já veio ao mundo com o nascimento de Nossa Senhora. Ela, segundo um lindo cântico gregoriano, é a “Mors críminum”, a “Morte dos crimes”.

Por sua influência, mediação, oração e comunicação de graças, Maria Santíssima mata os crimes, extirpa os pecados e elimina o mal da Terra, triunfando permanentemente sobre ele.

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 18/8/1965)

O Rosário, caminho para a vitória!

Para bem compreender o valor da devoção ao Santo Rosário, analisemo-lo com maior profundidade. Após ser entregue diretamente por Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão, a devoção ao Rosário se estendeu rapidamente por toda Igreja, ultrapassando os limites da Ordem Dominicana e ornando-se o distintivo de muitas outras ordens que passaram a portá-lo pendente à cintura.

Tempo houve em que todo católico o trazia habitualmente consigo, não apenas como objeto de contar Ave-Marias, mas como instrumento que atraía as bênçãos de Deus. O Rosário era  considerado uma corrente que liga o fiel a Nossa Senhora, uma  arma que afugenta o demônio.

Esplêndida conjunção da oração vocal com a mental

O que vem a ser o Rosário? Em síntese, o Rosário é uma composição de meditações da vida de Nosso Senhor e de sua Mãe, somada a orações vocais. Tal conjunção — da oração vocal com a mental — é verdadeiramente esplêndida, pois, enquanto se profere com os lábios uma súplica, o espírito se concentra num ponto. Assim o homem faz na ordem sobrenatural tudo quanto pode. Porque  através de suas intenções, se une àquilo que seus lábios pronuncia m, e por sua mente se entrega àquilo que seu espírito medita.

Por esta forma de oração o homem une-se intimamente a Deus, sobretudo porque esta ligação se dá através de Maria, Medianeira de todas as graças.

Alguém poderia perguntar: “Qual o sentido de rezar vocalmente a Nossa Senhora enquanto se edita em outra coisa? Não podia ser algo mais simples? Não seria mais fácil meditar antes, e depois rezar dez Ave Marias?”

A resposta é muito simples. Cada mistério contém, nos seus pormenores, elevações sem fim, as quais nosso pobre espírito está procurando sondar… Ora, para fazê-lo com toda a perfeição, precisamos ser auxiliados pela graça de Deus, e tal graça nos é dada pelo auxílio de Nossa Senhora. Ou seja, pronuncia-se a Ave-Maria para pedir que a Virgem Santíssima nos obtenha as graças para bem meditar.

Obra-prima da espiritualidade católica

No Rosário encontramos pequenos, mas preciosos tesouros teológicos que o tornam uma obra-prima da espiritualidade e da Doutrina Católica. Esta devoção contém enorme força e substância; ela não é apenas feita de emoções; pelo contrário, é séria, cheia de pensamento, com razões firmes. Ela constitui a vida espiritual do varão católico como um sólido e esplendoroso edifício de conclusões e certezas.

Além disso, a meditação de cada mistério da vida de Nosso Senhor proporciona ao fiel receber graças próprias ao fato que está contemplando.

Ao analisarmos as incontáveis graças que Maria Santíssima vem distribuindo por meio da recitação do Santo Rosário, vemos nele algo que o torna superior a outros atos de piedade mariana. Ora, qual é a razão disto?

Antes de mais nada, vale salientar que Nossa Senhora, sendo excelsa Rainha, tem o direito de estabelecer suas preferências! E Ela quis elevar esta devoção além das outras, distribuindo graças especialíssimas através da recitação do Santo Rosário.

Batalha de Lepanto

Entre as diversas graças insignes alcançadas pela recitação do Rosário está a vitória obtida pela Cristandade na Batalha de Lepanto.

São Pio V, então Pontífice, encontrava-se aflito diante da ameaça otomana que cercava a Europa cristã. Ordenou, então, que toda a Cristandade rezasse o Rosário a fim de suplicar a intervenção de Nossa Senhora.

Antes da terrível batalha ocorrida no Golfo de Lepanto, a sete de outubro de 1571, entre as hostes cristãs e muçulmanas, os soldados católicos rezavam o Rosário com grande devoção.

Segundo testemunharam os próprios adversários, a Santíssima Virgem apareceu-lhes durante a batalha, infundindo-lhes grande pavor.

Para comemorar a grande vitória obtida neste dia, o Santo Padre instituiu a festa de Nossa Senhora do Rosário, a qual, no século  XVIII, foi estendida a toda a Igreja Católica por determinação do Papa Clemente XI.

Uma vez que por meio do Santo Rosário a Cristandade tem obtido tão grandes vitórias, não temos razão suficiente para esperar, por meio da recitação desta oração, a vitória em todas as lutas travadas ao longo de nossa existência?

Resolução de rezar sempre o rosário.

Um fato ocorrido na vida de Santo Afonso Maria de Ligório mostra-nos que, sobretudo, numa grande luta o Rosário é penhor de vitória. O santo era conduzido em cadeira de rodas, por um irmão de hábito, através dos corredores do convento, quando perguntou se já haviam rezado todo o Rosário. O companheiro lhe respondeu:

Não me lembro.

Rezemos, então. Disse o santo.

Mas o senhor está cansado! Que mal há um só dia deixar de rezar o Rosário?

Temo por minha salvação eterna se o deixasse de rezar por um só dia.

 É justamente isso que devemos pensar e sentir: o Rosário é a grande garantia de nossa perseverança final. Devemos pedir à Santíssima Virgem a graça de rezar o Rosário todos os dias de nossa vida.

Gostaria ainda de dar uma recomendação para os membros de nosso Movimento: nunca deixarem o Rosário, de modo que, mesmo dormindo, procurem ter o Rosário à mão, de maneira tal que o sintam consigo. E, se tiverem receio de que ele caia — devemos tratá-lo com toda a reverência —, pendurem-no ao pescoço, ou o coloquem no bolso.

“Eu quisera ressuscitar com o Rosário em minhas mãos”

Quando as nossas mãos não puderem mais abrir-se nem fechar-se, e forem movimentadas por outros que nos assistam, tenhamos, como última atitude de oração, o Rosário enleado em nossos dedos, de maneira que, quando chegar a Ressurreição dos mortos e de dentro do caixão nosso corpo retomar a vida, entre seus dedos vivificados esteja o Santo Rosário. Quisera eu que, no momento em que todos os justos forem convocados à Ressurreição, meu primeiro ósculo fosse no Rosário que eu encontrasse em minhas mãos.

Eis um conselho para depois da Ressurreição — nunca ouvi dizer que se desse conselhos, ou se fizesse alguma combinação para essa hora, mas proponho uma combinação: Quando todos ressuscitarmos, entre os resplendores da Ressurreição, lembremo-nos: “Estava combinado!”, e então osculemos o Rosário! Assim este Movimento, que é de Nossa Senhora, ressuscitará tendo nas mãos seu Santo Rosário!

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferências de 7/10/1964 e 10/3/1984)

 

 

 

 

Um perpétuo mês de Maria

No mês de maio, mês de Maria, comentava Dr. Plinio, sente-se uma particular proteção de Nossa Senhora estender-se sobre todos os fiéis, uma alegria que brilha e ilumina nossos corações, exprimindo a certeza dos católicos de que o indispensável patrocínio de nossa Mãe celestial se torna, durante esse período, mais solícito, mais amoroso, mais cheio de visível misericórdia e exorável condescendência. 

Tais sentimentos nutriram a devoção de Dr. Plinio à Santíssima Virgem, desde os anos de sua infância quando, numa penosa conjuntura, viu-se pela primeira vez amparado pela clemência da Auxiliadora dos Cristãos. A Ela passou a recorrer constantemente e, de modo especial, durante o “mês de Maria”, celebrado no Colégio São Luís onde ele estudava, assim como em todas as paróquias. Já homem feito, recordaria com saudades aquelas fervorosas homenagens tributadas à Mãe de Deus:

“As igrejas ficavam repletas, tomadas pelos membros de associações religiosas consagradas a Nossa Senhora — Filhas de Maria, Congregados Marianos, etc. —, além da multidão de fiéis que, nas noites de maio, compareciam a ditas cerimônias. Em geral, o sacerdote puxava o Terço e outras orações, entremeadas de cânticos em louvor da Virgem. Em seguida, o padre, do alto do púlpito, dirigia algumas palavras à assembléia, exaltando as augustas virtudes de Maria e exortando os paroquianos a imitá-La.

“Na seqüência, o momento culminante da celebração com a Bênção do Santíssimo. O sacerdote, revestido de belos paramentos brancos, tomava em suas mãos o ostensório que esplendia raios dourados e, em movimentos solenes, meio envolto nas névoas perfumadas do incenso, traçava no ar o Sinal da Cruz para todos os lados da igreja. Logo depois, depositava o ostensório sobre o altar, recitava as orações prescritas para o encerramento da bênção e, terminadas, guardava novamente o Santíssimo Sacramento no tabernáculo. A cerimônia chegara ao fim. As associações religiosas se retiravam pela sacristia e cada um voltava para sua casa.

“A meu ver, porém, talvez um dos aspectos mais bonitos de tudo aquilo era essa post-cerimônia: o templo que se esvaziava, ecos de cântico religioso ainda ressoando no seu interior, resquícios de incenso flutuando no ar, o sacristão que ia apagando as várias luzes, balançando suas chaves, conferindo se ninguém esquecera algo sobre os bancos ou nos confessionários. Então só restavam ali as almas aflitas, as almas recolhidas diante desse ou daquele altar lateral: ora uma senhora muito idosa, vergada pelo peso das provações, ora um rapaz corpulento, saudável; um obeso senhor de meia idade, uma mãe de família igualmente madura, ou um menino — todos elevando uma premente súplica à Homenageada da noite.

“Afinal, o sacristão balançava com mais força o seu molho de chaves, e aquelas pessoas entendiam que era preciso sair. Lá fora, pelas ruas já despovoadas, podia-se acompanhar os últimos fiéis que se dispersavam: a senhora idosa com sua bolsa estreitada ao corpo, o homem obeso com ar sofrido, o rapaz alegre e esperançado, distanciando-se, como se fossem as derradeiras bênçãos daquela cerimônia que se dirigiam para os vários cantos da cidade. Atrás ficava a igreja, fechada, com sua torre voltada para o céu, sob as nuvens tocadas de luar, à espera da manhã seguinte em que abriria de novo suas portas.

“No dia 31 de maio dava-se o magnífico encerramento do mês de Maria, quando a imagem da Virgem, posta sobre um andor emoldurado de flores, era solenemente coroada. Enquanto um “anjinho” trazia numa almofada a coroa para colocá-la sobre a cabeça da imagem, o povo, genuflexo, acompanhava os cânticos entoados pelo coro, acentuados pelo timbre do órgão tocado à “toute volée”. Depois, conduzida por algumas pessoas, a imagem coroada percorria o recinto da igreja, seguida pelo celebrante revestido com paramentos de gala. Outras orações, outros cânticos, e tudo estava terminado.

“Todos se despediam de maio com imensas saudades. Gostariam que o ano inteiro fosse um perpétuo mês de Maria. E eu espero que, quando vier para o mundo aquela época luminosa e marial do triunfo do Imaculado Coração da Santíssima Virgem, prometida por Ela em Fátima, tenhamos nós esse imenso mês de Maria, em que todos os dias se preste homenagem a Nossa Senhora e cante-se sua glória como Rainha do Universo.”

Reino de Maria nos corações

Numa época tão marcada pela incerteza a respeito do futuro da humanidade, o mês dedicado a Maria nos coloca novamente diante da necessidade do reinado desta misericordiosa Mãe, na Terra. O que falta para que este Reino de Maria seja instaurado?

Como afirmava Dr. Plinio(1), a resposta a esta crucial indagação encontra-se no coração humano, e dependerá sempre do auxílio de Nossa Senhora.

A Civilização Cristã é possível ou não?

O reinado de Nossa Senhora pelo qual, gota a gota, estamos dando a nossa vida, é realizável e vem ao nosso encontro como nós caminhamos ao encontro dele? Existirá alguma vez na Terra isto que, no momento, se nos afigura como uma miragem maravilhosa chamada Reino de Maria? Ou é preciso reconhecer que o mundo é do demônio?

Primeiramente, consideremos o que se entende por Reino de Maria.

Ele será o conjunto de homens, de coisas que se conformarão com a Lei de Deus, porque Maria só é Rainha onde Deus é Rei. O Reino de Cristo é, evidentemente, o Reino de Deus; o Reino de Maria é o Reino de Cristo.

Ora, o Reino de Maria, o Reino de Deus, o que são?

Essas expressões tão bonitas só têm sentido se as considerarmos como uma era futura, de luz e de glória, na qual, não digo cada homem individualmente, mas a generalidade dos homens viverá em estado de graça, cumprindo a Lei de Deus.

E, portanto, o Reino de Maria se compõe de dois elementos essenciais. Um interno: se amará a Deus e se cumprirão os Dez Mandamentos; e outro, externo: como consequência, as famílias, as associações, as instituições, as áreas de civilização, tudo isso se organizará de acordo com o pensamento da Santa Igreja.

Põe-se, então, o problema-chave: a Lei de Deus é admiravelmente bela, os Dez Mandamentos são lindos, mas dificílimos de serem cumpridos duravelmente na sua integridade. Porque são muito grandes a atração do pecado e a preguiça do homem em realizar os esforços necessários para evitar as ocasiões de pecar. Habitualmente, quando uma circunstância concreta tenta alguém, o demônio acrescenta a essa ação natural uma tentação dele.

Como se pode evitar uma queda? Se ela não for evitável, a Civilização Cristã é uma quimera!

De fato, se Deus enviar sua graça e os homens quiserem corresponder a ela, não pecarão e permanecerão na amizade d’Ele.

Trava-se em nós, portanto, uma batalha constante entre o demônio — que exerce sobre nós uma ação preternatural para nos levar ao estado de criatura coberta de pecados — e Deus, que quer nos levar para o Céu, e para isso nos eleva à ordem sobrenatural, nos protege e ajuda.

Assim, o pêndulo de nossa vontade está continuamente convidado por Deus para subir e pelo demônio para descer.

A Civilização Cristã fica dependendo, em última análise, da correspondência que o homem dê à graça de Deus.

Então, a grande luta de nossa vida é, como leões, contra o demônio e contra aqueles que querem perder as pessoas. Devemos, pois, fazer todo o possível para que não pequemos e as outras almas sejam salvas.

O homem que se preocupe somente com sua alma e não com a salvação das outras, está fora da Lei de Deus, porque o homem deve amar o seu próximo como a si mesmo por amor a Deus. Portanto, ele tem a obrigação de salvar os outros, e não pode ser indiferente a que alguém se perca.

Se eu pedir, não só para mim, mas para os próximos a mim, para todo o gênero humano que se levantem como um só homem e passem a servir Maria, então terei lutado valentemente pela instauração do Reino de Maria.

De posse dessas considerações, devemos pedir a Nossa Senhora que faça de nós almas de oração, de fogo, que “incendeiem” o mundo.

Teremos, assim, a possibilidade — cada um dentro de si mesmo — de proclamar o Reino de Maria, e dizer: “Em mim, ó minha Mãe, Vós sois a Rainha, eu reconheço o vosso direito e procuro atender às vossas ordens. Dai-me luz de inteligência, força de vontade, espírito de renúncia para que as vossas ordens sejam efetivamente obedecidas. Ainda que o mundo inteiro se revolte e Vos negue, eu Vos obedeço”.

E no mundo, nessa torrente de desordem, de pecado, há um brilhante puro, um brilhante adamantino. Esse brilhante é a alma daqueles que podem afirmar: “Em mim Nossa Senhora manda”. A Santíssima Virgem continua a ter, assim, uns enclaves no mundo: aqueles que, pela consagração, se fazem seus escravos e, reconhecendo todo o poder d’Ela sobre eles, declaram: “Esteja o mundo revoltado como estiver, eu me levanto e começo a Contra-Revolução, para que Ela reine sobre os outros também”.

É o reinado de Nossa Senhora vista enquanto mandando em mim e fazendo de mim um soldado da Contra-Revolução, que luta para tornar efetiva a realeza de Maria na Terra.

1) Cf. conferências de 31/5/1975 e 11/5/1994.

Devoção a Nossa Senhora: condição essencial para a Contra-Revolução

Em seu prólogo à edição argentina de “Revolução e Contra-Revolução”(1), Dr. Plinio nos esclarece acerca de um ponto central: o profundo nexo existente entre a devoção à Santíssima Virgem e a obra magna “Revolução e Contra-Revolução”, por ele escrita.

 

Comecemos por expor aqui alguns pensamentos contidos em “Revolução e Contra-Revolução”.

Orgulho e impureza na origem da Revolução

A Revolução é apresentada nessa obra como um imenso processo de tendências, doutrinas, transformações políticas, sociais e econômicas, derivado em última análise — eu seria tentado a dizer, em ultimíssima análise — de uma deterioração moral provocada pelos vícios fundamentais: o orgulho e a impureza, que suscitam no homem uma incompatibilidade profunda com a Doutrina Católica.

Com efeito, a Igreja Católica, como Ela é, a doutrina que ensina, o Universo que Deus criou e que podemos conhecer tão esplendidamente através de seus prismas, tudo isso excita no homem virtuoso, no homem puro e humilde, um profundo enlevo. Ele sente alegria ao considerar que a Igreja e o Universo são como são.

Porém, se uma pessoa cede algo ao vício do orgulho ou da impureza, começa a germinar nela uma incompatibilidade com vários aspectos da Igreja ou da ordem do Universo. Essa incompatibilidade pode originar-se, por exemplo, de uma antipatia com o caráter hierárquico da Igreja, desdobrar-se em seguida e alcançar a hierarquia da sociedade temporal, para mais tarde manifestar-se em relação à ordem hierárquica da família. E, assim, por várias formas de igualitarismo, uma pessoa pode chegar a uma posição metafísica de condenação de toda e qualquer desigualdade, e do caráter hierárquico do Universo. Seria o efeito do orgulho no campo da Metafísica.

De modo análogo podem-se delinear as consequências da impureza no pensamento humano. O homem impuro, em regra geral, começa por tender ao liberalismo: irrita-o a existência de um preceito, de um freio, de uma lei que circunscreva o desbordamento de seus sentidos. E, com isto, toda ascese lhe parece antipática. Dessa antipatia, naturalmente, vem uma aversão ao próprio princípio de autoridade, e assim por diante. O anelo de um mundo anárquico — no sentido etimológico da palavra — sem leis nem poderes constituídos, e no qual o próprio Estado não seja senão uma imensa cooperativa, é o ponto extremo do liberalismo gerado pela impureza.

Tanto do orgulho, quanto do liberalismo, nasce o desejo de igualdade e liberdade totais, que é a medula do comunismo.

A partir do orgulho e da impureza se vão formando os elementos constitutivos de urna concepção diametralmente oposta à obra de Deus. Essa concepção, em seu aspecto final, já não difere da católica só em um ou outro ponto. À medida que, ao longo das gerações, esses vícios se vão aprofundando e tornando-se mais acentuados, vai-se estruturando toda uma concepção gnóstica e revolucionária do Universo. A individuação, que para a gnose é o mal, é um princípio de desigualdade. A hierarquia — qualquer que seja — é filha da individuação. O Universo — segundo os gnósticos — resgata-se da individuação e da desigualdade num processo de destruição do “eu” que reintegra os indivíduos no grande Todo homogêneo. A realização, entre os homens, da igualdade absoluta, e de seu corolário, a liberdade completa — numa ordem de coisas anárquica — pode ser vista como uma etapa preparatória dessa reabsorção total.

Não é difícil perceber, nesta perspectiva, o nexo entre gnose e comunismo.

A devoção a Nossa Senhora é essencial para a Contra-Revolução

Assim, a doutrina da Revolução é a gnose, e suas causas últimas têm suas raízes no orgulho e na sensualidade. Dado o caráter moral destas causas, todo o problema da Revolução e da Contra-Revolução é, no fundo, e principalmente, um problema moral. O que se diz em “Revolução e Contra-Revolução” é que, se não fosse pelo orgulho e pela sensualidade, a Revolução, como movimento organizado no mundo inteiro, não existiria, não seria possível.

Ora, se no centro do problema da Revolução e da Contra-Revolução há uma questão moral, há também e eminentemente uma questão religiosa, porque todas as questões morais são substancialmente religiosas. Não há moral sem religião. Uma moral sem religião é o que de mais inconsistente se possa imaginar. Todo problema moral é, pois, fundamentalmente religioso. Sendo assim, a luta entre a Revolução e a Contra-Revolução é uma luta que, em sua essência, é religiosa. Se é religiosa, se é uma crise moral que dá origem ao espírito da Revolução, então, essa crise só pode ser evitada, só pode ser remediada com o auxílio da graça.

É um dogma da Igreja que os homens não podem, somente com os recursos naturais, cumprir duravelmente, e em sua integridade, os preceitos da Moral católica, sintetizados na Antiga e na Nova Lei. Para cumprir os Mandamentos, é necessária a existência da graça.

Por outro lado, se o homem cai em estado de pecado, acumulando-se nele as apetências pelo mal, a “fortiori”(2) não conseguirá levantar-se do estado em que caiu sem o socorro da graça. Provindo da graça toda preservação moral verdadeira ou toda regeneração moral autêntica, é fácil ver o papel de Nossa Senhora na luta entre a Revolução e a Contra-Revolução. A graça depende de Deus, mas Deus, por um ato livre de sua vontade, quis fazer depender de Nossa Senhora a distribuição das graças. Maria é a Medianeira Universal, é o canal por onde passam todas as graças. Portanto, seu auxílio é indispensável para que não haja Revolução, ou para que esta seja vencida pela Contra-Revolução. Com efeito, quem pede a graça por intermédio d’Ela, a obtém. Quem tente consegui-la sem o auxílio de Maria, não a obterá. Se os homens, recebendo a graça, correspondem a ela, está implícito que a Revolução desaparecerá. Pelo contrário, se eles não corresponderem, é inevitável que a Revolução surja e triunfe. Portanto, a devoção a Nossa Senhora é “conditio sine qua non”(3) para que a Revolução seja esmagada, para que vença a Contra-Revolução.

Insisto no que acabo de afirmar. Se uma nação for fiel às graças necessárias e até suficientes que recebe de Nossa Senhora, e se se generaliza nela a prática dos Mandamentos, é inevitável que a sociedade se estruture bem. Porque, com a graça, vem a sabedoria, e com a sabedoria, todas as atividades do homem entrarão nos eixos.

Isso se verifica, de certo modo, com a análise do estado em que se encontra a civilização contemporânea. Construída sobre uma recusa da graça, alcançou alguns resultados estrepitosos. Estes, porém, devoram o homem. Na medida em que tem por base o laicismo e viola, sob vários aspectos, a ordem natural ensinada pela Igreja, a civilização atual é nociva ao homem.

Sempre que a devoção a Nossa Senhora seja ardorosa, profunda, de rica substância teológica, é claro que a oração de quem pede será atendida. As graças choverão sobre a pessoa que reza a Ela devota e assiduamente. Se, pelo contrário, essa devoção for falsa ou tíbia, manchada por restrições de sabor jansenista ou protestante, há grave risco de que a graça seja dada menos largamente, porque encontra por parte do homem nefastas resistências. O que se diz do homem pode dizer-se, “mutatis mutandis”(4), da família, de uma região, de um país, ou de qualquer outro grupo humano.

É costume dizer-se que na economia da graça, Nossa Senhora é o pescoço do Corpo Místico, do qual Nosso Senhor Jesus Cristo é a Cabeça, porque tudo passa por Ela.

A imagem é inteiramente verdadeira na vida espiritual. Um indivíduo que tem pouca devoção a Nossa Senhora é como alguém que tem uma corda atada ao pescoço e conserva apenas um fio de respiração. Quando não tem nenhuma devoção, se asfixia. Tendo uma grande devoção, o pescoço fica completamente livre e o ar penetra abundantemente no pulmão, podendo o homem viver normalmente.

A esterilidade e até a nocividade de tudo quanto se faz contra a ação da graça, e a enorme fecundidade do que se faz com seu auxílio, determinam bem a posição de Nossa Senhora nesse combate entre a Revolução e a Contra-Revolução, pois a intensidade das graças recebidas pelos homens depende da maior ou menor devoção que a Ela tiverem.

O concurso do espírito do mal

Uma visão da Revolução e da Contra-Revolução não pode ficar apenas nestas considerações. A Revolução não é o fruto da exclusiva maldade humana. Esta última abre as portas ao demônio, pelo qual se deixa estimular, exacerbar e dirigir.

É, pois, importante considerar, nesta matéria, a oposição entre Nossa Senhora e o demônio. O papel do demônio na eclosão e nos progressos da Revolução foi enorme. Como é lógico pensar, uma explosão de paixões desordenadas tão profunda e tão geral como a que originou a Revolução não teria ocorrido sem uma ação preternatural. Além disso, seria difícil que o homem alcançasse os extremos de crueldade, de impiedade e de cinismo, aos quais a Revolução chegou várias vezes ao longo de sua história, sem o concurso do espírito do mal.

Ora, esse fator de propulsão tão forte está inteiramente na dependência de Nossa Senhora. Basta que Ela fulmine um ato de seu império sobre o inferno, para que ele estremeça, se confunda, se encolha e desapareça do cenário humano. Pelo contrário, basta que Ela, para castigo dos homens, deixe ao demônio um certo raio de ação, para que a ação deste progrida. Portanto, os enormes fatores da Revolução e da Contra-Revolução, que são respectivamente o demônio e a graça, dependem de seu império e seu domínio.

Efetiva realeza de Maria

A consideração deste soberano poder de Nossa Senhora nos aproxima da ideia da realeza de Maria. É preciso não ver essa realeza como um título meramente decorativo. Embora submissa em tudo à vontade de Deus, a realeza de Nossa Senhora importa num poder de governo pessoal muito autêntico.

Tive ocasião de empregar certa vez, numa conferência, uma imagem que facilita a compreensão do papel de Nossa Senhora como Rainha.

Imaginemos um diretor de colégio com alunos muito insubordinados. Ele os castiga com uma autoridade de ferro. Depois de os ter submetido à ordem, retira-se dizendo à sua mãe: “Sei que governareis este colégio de modo diferente do que estou fazendo agora. Vós tendes um coração materno. Tendo eu castigado esses alunos, quero agora que os governeis com doçura.” Essa senhora vai dirigir o colégio como o diretor quer, porém com um método diverso daquele que usou o diretor. A atuação dela é distinta da dele; não obstante, ela faz inteiramente a vontade dele.

Nenhuma comparação é exata. Entretanto, julgo que, sob certo aspecto, esta imagem nos ajuda a entender a questão.

Análogo é o papel de Nossa Senhora como Rainha do Universo. Nosso Senhor Lhe deu um poder régio sobre toda a Criação, cuja misericórdia, sem chegar a nenhum exagero, chega entretanto a todos os extremos. Ele colocou-A como Rainha do Universo para governá-lo e, especialmente, para governar o pobre gênero humano decaído e pecador. E é vontade d’Ele que Ela faça o que Ele não quis fazer por Si, mas por meio d’Ela, régio instrumento de seu Amor. Há, pois, um regime verdadeiramente marial no governo do Universo. E assim se vê como é que Nossa Senhora, embora sumamente unida a Deus e dependente d’Ele, exerce sua ação ao longo da História.

Nossa Senhora é infinitamente inferior a Deus — é evidente —, porém, Deus quis dar a Ela esse papel por um ato de liberalidade. É Nossa Senhora quem, distribuindo ora mais largamente a graça, ora menos, freando ora mais, ora menos, a ação do demônio, exerce sua realeza sobre o curso dos acontecimentos terrenos. Nesse sentido, depende d’Ela a duração da Revolução e a vitória da Contra-Revolução. Além disso, às vezes Ela intervém diretamente nos acontecimentos humanos, como o fez, por exemplo, em Lepanto. Quão numerosos são os fatos da História da Igreja em que ficou clara sua intervenção direta no curso das coisas! Tudo isto nos faz ver de quantos modos é efetiva a realeza de Nossa Senhora.

Quando a Igreja canta a seu respeito: “Tu só exterminaste as heresias no mundo inteiro”, diz que seu papel nesse extermínio foi de certo modo único. Isso equivale a dizer que Ela dirige a História, porque quem dirige o extermínio das heresias dirige o triunfo da ortodoxia, e dirigindo uma e outra coisa, dirige a História no que ela tem de mais medular.

Haveria um trabalho de História interessante para fazer: o de demonstrar que o demônio começa a vencer quando consegue diminuir a devoção a Nossa Senhora. Isso se deu em todas as épocas de decadência da Cristandade, em todas as vitórias da Revolução. Exemplo característico é o da Europa antes da Revolução Francesa. A devoção a Nossa Senhora nos países católicos foi prodigiosamente diminuída pelo jansenismo, e é por isso que eles ficaram como uma floresta combustível, onde uma simples chispa pôs fogo em tudo.

Estas e outras considerações tiradas do ensinamento da Igreja abrem perspectivas para o Reino de Maria, isto é, uma era histórica de Fé e de virtude que será inaugurada com uma vitória espetacular de Nossa Senhora sobre a Revolução. Nessa era, o demônio será expulso e voltará aos antros infernais, e Nossa Senhora reinará sobre a humanidade por meio das instituições que para isso escolheu.

O Reino de Maria e a união de almas

Quanto a essa perspectiva do Reino de Maria, encontramos na obra de São Luís Maria Grignion de Montfort algumas alusões dignas de nota. Ele é, sem dúvida, um profeta que anuncia essa vinda. Disso fala claramente: “Quando virá esse dilúvio de fogo do puro amor, que deveis atear em toda a Terra de um modo tão suave e tão veemente, que todas as nações, os turcos, os idólatras, e os próprios judeus hão de arder nele e converter-se?”(5) Esse dilúvio, que lavará a humanidade, inaugurará o Reino do Espírito Santo, que ele identifica com o Reino de Maria. Nosso santo afirma que vai ser uma era de florescimento da Igreja como até então nunca houve. Chega inclusive a afirmar que “o Altíssimo, com sua Santa Mãe, devem formar para Si grandes santos, que sobrepujarão em santidade a maior parte dos outros santos, como os cedros do Líbano se avantajam aos pequenos arbustos”(6).

Considerando os grandes santos que a Igreja já produziu, ficamos deslumbrados ante a envergadura desses que surgirão sob o bafejo de Nossa Senhora. Nada é mais razoável do que imaginar um crescimento enorme da santidade numa era histórica em que a atuação de Nossa Senhora aumente também prodigiosamente. Podemos, pois, dizer que São Luís Maria Grignion de Montfort, com seu valor de pensador, mas, sobretudo, com sua autoridade de santo canonizado pela Igreja, dá peso, autoridade, consistência, às esperanças que brilham em muitas revelações particulares, de que virá uma época na qual Nossa Senhora verdadeiramente triunfará.

A realeza de Nossa Senhora, embora tenha uma soberana eficácia em toda a vida da Igreja e da sociedade temporal, realiza-se em primeiro lugar no interior das almas. Daí, do santuário interior de cada alma, é que ela se reflete sobre a vida religiosa e civil dos povos, enquanto considerados como um todo.

O Reino de Maria será, pois, uma época em que a união das almas com Nossa Senhora alcançará uma intensidade sem precedentes na História (exceção feita, é claro, de casos individuais).

Escravidão a Nossa Senhora e Apóstolos dos Últimos Tempos

Qual é a forma dessa união em certo sentido suprema? Não conheço meio mais perfeito para enunciar e realizar essa união do que a Sagrada Escravidão a Nossa Senhora, tal como é ensinada por São Luís Maria Grignion de Montfort no “Tratado da Verdadeira Devoção”.

Considerando que Nossa Senhora é o caminho pelo qual Deus veio aos homens e estes vão a Deus, tendo presente a realeza universal de Maria, nosso santo recomenda que o devoto da Santíssima Virgem se consagre inteiramente a Ela como escravo. Essa consagração é de uma radicalidade admirável. Ela abarca não só os deveres materiais do homem, como também até o mérito de suas boas obras e orações, sua vida, seu corpo e sua alma. Ela é sem limites, porque o escravo por definição nada tem de seu.

Em troca dessa consagração, Nossa Senhora atua no interior de seu escravo de modo maravilhoso, estabelecendo com ele uma união inefável.

Os frutos dessa união serão vistos nos Apóstolos dos Últimos Tempos, cujo perfil moral ele traça, a fogo, em sua famosa “Oração abrasada”. Ele usa, para isso, uma linguagem de uma grandeza apocalíptica, na qual parece reviver todo o clamor de um São João Batista, todo o fogo de um São João Evangelista, todo o zelo de um São Paulo. Os varões portentosos que lutarão contra o demônio pelo Reino de Maria — conduzindo gloriosamente, até o fim dos tempos, a luta contra o demônio, o mundo e a carne — São Luís os descreve como magníficos modelos que convidam desde já à perfeita escravidão a Nossa Senhora, os que, nos tenebrosos dias de hoje, lutam nas fileiras da Contra-Revolução.

Assim, com estas considerações sobre o papel de Nossa Senhora na luta da Revolução e da Contra-Revolução, e sobre o Reino de Maria, vistas segundo o “Tratado da Verdadeira Devoção”, creio ter enunciado os principais pontos de contato entre a obra-prima do grande santo e meu ensaio — tão apequenado pela comparação — sobre “Revolução e Contra-Revolução”.

 

Revista Dr Plinio 158 (Maio de 2016)

 

1) Buenos Aires, 1970.

2) Forçosamente.

3) Condição indispensável.

4) Mudando o que deve ser mudado.

5) “Oração Abrasada” de São Luís Maria Grignion de Montfort, “Oeuvres Complètes”, Editions du Seuil, Paris, 1966, p. 681.

6) “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem” de São Luís Maria Grignion de Montfort, “Oeuvres Complètes”, Editions du Seuil, Paris, 1966, p. 512 e 513, N° 47.

Senso da presença de Deus

Santa Isabel foi dotada pelo Espírito Santo de um dom que a fez sentir a presença do Menino Jesus em Nossa Senhora.

Em certa medida, o verdadeiro católico também recebe essa graça, de tal forma que, quando a ela corresponde, ele deve saber discernir onde está e onde não está Deus, não física, mas moral e sobrenaturalmente. Todo autêntico membro da Igreja deve ser munido de um senso tal, que lhe indique quando as coisas são ou não segundo Deus.

Para isso não é preciso ter grande cultura, inteligência ou conhecimento teológico; basta ter este verdadeiro senso católico, privilégio dos que correspondem à graça do batismo. Disto Santa Isabel nos dá um maravilhoso exemplo ao perceber a presença do Menino Jesus no claustro materno de sua Santíssima prima.

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 2/7/1970)