A felicidade de fazer o bem

Cortesia, polidez, gentileza, amizade… são conceitos muito afins com Dr. Plinio.

Quando menino, eu possuía colegas com os quais, de vez em quando, estabelecia amizade. No primeiro período da amizade havia simpatia mútua, interesse, agrado. Mas, em determinado momento, parecia-me perceber o fundo da mentalidade de meu companheiro, e com isso sua companhia ficava sem graça, perdia a atração.

Vinha-me, então, uma sensação frustrante: “À distância, as pessoas dão-nos uma boa impressão, mas quando as conhecemos de perto, percebemos algo que repele”.

Isto, naturalmente, quando não dava em ruptura, gerava pelo menos um trato tenso.

Qual seria, entretanto, o fundo deste desapontamento? O que faltaria para a continuidade dessa amizade? O próprio Dr. Plinio responde:

Lendo fatos relativos ao “Ancien Régime”— onde a cortesia estava presente no trato, e correspondia a um hábito social —, eu percebia como as pessoas daqueles tempos viam-se numa perspectiva completamente diferente: elas possuíam alegria por causar alegria, satisfação por causar satisfação. O convívio era outro, a “douceur de vivre” estava implantada entre os homens…

Esta ideia levou‑me à seguinte pergunta: No tempo pagão, isto era assim?

A resposta era clara, bastava olhar para a História. Tomemos, por exemplo, um romano que manda chamar o escravo, e lhe diz: “Quero matar um inimigo, e para isso preciso testar este veneno. Você vai, então, tomá-lo para que eu possa ver se ele é forte o suficiente”. E o escravo morria em meio a contorções terríveis, diante de seu dono.

Quer dizer, os pagãos importavam-se apenas com suas vantagens próprias; a felicidade dos outros não lhes interessava.

Ora, em comparação com os antigos tempos, nas pessoas de minha geração, por mais que o trato não fosse igual ao dos romanos, a cortesia era meio cinematográfica. Pode‑se dizer que ela estava morrendo para dar lugar ao trato correto, mas que não possuía mais as doçuras de outrora.

Eu pensava: “Se eu conhecesse alguém capaz daquela dedicação, daquela solidariedade, eu começaria a achar sua companhia interessante e teria alegria em me dedicar também a ele”.

***

Quatro palavras explicam a história da doçura entre os homens: Nosso Senhor Jesus Cristo!

Ele veio à Terra quando o mundo estava imerso na noite das mais densas trevas. Então a alegria de ser bom, de fazer o bem começou a fulgir entre os homens.

“Pertransivit benefaciendo” — passou pela vida fazendo o bem. O tempo inteiro, desde o começo até o fim, Nosso Senhor fez o bem. E com o transbordamento, com a abundância que conhecemos: por mais que os discípulos tivessem dormido no Horto das Oliveiras, quando Ele foi preso deu ordem aos carrascos: “A estes, deixai‑os ir em paz”.

Para termos a verdadeira alegria na alma, para termos a luz de Nosso Senhor Jesus Cristo diante dos olhos, saibamos nos sacrificar pelos outros sem esperar retribuição. Quando nos dermos conta, o aroma do convívio entre nós estará embalsamado, perfumado e agradável. É Cristo Nosso Senhor que estará presente.

 

Plinio Corrêa de Oliveira  (Extraído de conferência de 1/6/1985)

Nossa Senhora Aparecida

Pode-se dizer que o Brasil é um feudo de Nossa Senhora enquanto concebida sem pecado original, ou seja, da Imaculada Conceição.

O fato dessa imagem ter sido encontrada no Rio Paraíba, no século XVIII, é de grande significado para o Brasil. Naquela época, embora francamente admitido pela maioria dos católicos, o dogma da Imaculada Conceição ainda não estava definido. E fazer uma profissão de Fé nesse augusto privilégio de Nossa Senhora constituía um distintivo de requintada ortodoxia.

Ora, exatamente a partir do aparecimento dessa imagem, mais de um século antes da definição dogmática, foi o Brasil colocado sobre o patrocínio da Imaculada Conceição. Isto indica um chamado especial da Mãe de Deus para nossa Pátria, e é motivo de imenso júbilo para todos os brasileiros devotos da Santíssima Virgem.

(Extraído de conferência de 12/10/1970 )

Nossa Senhora, Rainha do universo

Muito se tem comentado sobre o trecho do Gênesis que descreve a Criação do universo. Nele observamos que, descansando no sétimo dia e apreciando ser boa cada criatura individualmente, Deus considerou que o conjunto era ótimo.  Qual será, entretanto, o papel da Santíssima Virgem nesse primeiro momento da Criação?

Quando a Terra era ainda “inanis et vacua”(1), podemos imaginar, com base nas descrições de astrônomos a respeito das estrelas, os estágios pelos quais teria ela passado antes de tomar seu aspecto atual.

Por exemplo, na etapa em que o globo terrestre não fosse senão uma matéria incandescente com coloridos diversos, estes constituiriam uma pirotecnia celeste, um divino fogo de artifício, o qual só Deus podia contemplar. Seria, de certa forma, um jato de fogo saído das mãos d’Ele para formar a Terra, com todo o “verum, o bonum, o pluchrum”.

Tem-se a impressão de que a Terra, a natureza, ainda em seus primórdios, tinha uma pujança extraordinária. Com o passar do tempo tudo ia se concatenando, se ordenando, e belezas incontáveis se estabelecendo.

Nessas eras primitivas não houve um aspecto dessas transformações que não significasse certa profecia a respeito do Divino Salvador e de Maria Santíssima.

Tudo isso são meras hipóteses, e seria bonito que um astrônomo ou geólogo, repleto de espírito de Fé, estudasse as fases pelas quais passou a Terra, relacionando os aspectos que deveriam simbolizar movimentos de alma de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Virgem Maria.

A Terra em formação

Consideremos que, após a Terra ter passado por fases assustadoras e aparentemente desordenadas por sua violência, Deus a foi temperando, fez com que ela se resfriasse e fosse mudando de aspecto.

Já não havia aquelas imensas labaredas, aqueles ruídos estrondosos, aquelas crateras que se abriam. Dir-se-ia que a Terra perdera a grandeza pré-apocalíptica daqueles primeiros tempos. Talvez um anjo, diante daquela transformação, tenha perguntado: “Senhor, por que deixais que isto fique assim? O que aconteceu para que as coisas revelassem menos a vossa magnificência?” E Deus simplesmente disse: “Vereis!”

E, ao verem tudo em ordem, os anjos compreenderam ser essa ordem mais bela do que a magnificência de uma só coisa; o equilíbrio de uma situação global, abrangendo todas as pulcritudes anteriores ordenadas, tinha uma beleza superior, que não tocava tanto os sentidos, porém era mais apreciável pela mente, por isso mais digna dos anjos.

Possivelmente, algum anjo ou todos eles tivessem cantado: “Graças Vos damos, Senhor, porque nós compreendemos agora o dom da inteligência que nos destes para inteligir aquilo que ficou menos chamejante e tonitruante, porém mais compreensível e belo do que tudo quanto Vós fizestes. A ordem global é mais bela do que a dos mais belos elementos, quando não cabem dentro dela”.

E se isso acontecesse, Deus sorriria e responderia: “Vós não vistes nada!”

Então, estando a Terra em ordem, Ele começa a criar vegetais, com exuberância colossal, árvores gigantes etc. Depois, ordena tudo: bosques, flores delicadas, frutos. Estabelecida a ordem entre os vegetais, Deus cria os animais enormes — talvez nessa etapa surgiram os dinossauros. Depois disso começa a pôr em ordem todos eles: os animais vão ficando menos terríveis, tudo vai se ordenando.

Um novo Adão, uma nova Eva…

Suponhamos que um profeta tivesse a revelação de quem seria Carlos Magno, e muito tempo antes mandasse preparar sua coroa, seu castelo, uma esplêndida sala com um imponente trono. Certo dia nascia Carlos Magno.

Foi o que se deu com a Criação: quando a sala do trono estava pronta para receber o rei, Deus cria Adão, para reinar; de certa forma, tudo tinha sido criado em função dele, mas faltava ainda um aspecto do Criador a ser representado, e este não cabia a Adão; então, Deus cria da costela do homem a primeira mulher, Eva.

Estavam criados o homem dos homens e a mulher das mulheres, ambos com dons extraordinários, capacidades incomparáveis. Quem seria capaz de imaginar como seria o homem antes do pecado?

Vemos assim a vastidão de horizontes de Deus no planejar, e a amplitude de poderes ao executar, tudo feito na plenitude da perfeição.

Porém, o primeiro casal deveria ser como a base de uma enorme montanha, que teria no ápice um novo Adão e uma nova Eva. No cimo deste monte estava uma Virgem, que deveria ser a Mãe perfeita e seria Esposa do próprio Deus, na qual Ele geraria o Homem-Deus. Este deveria ser o instante mais belo, mais nobre e mais elevado da Criação.

Quão grandioso não terá sido o momento em que Deus fez do barro um boneco e, soprando em suas narinas, lhe deu vida, criando assim o homem! Muitíssimo mais grandioso foi o instante no qual o Altíssimo tomou uma Virgem, pousou sobre Ela sua virtude, fazendo vir ao mundo o Homem-Deus.

Tudo isso Nossa Senhora conheceu. Porque Maria Santíssima compreendia o que se passava dentro d’Ela, admirava e amava. E sua correspondência à graça dava mais glória a Deus do que tudo o que houve no passado e haverá no futuro. O que dizer diante de tal grandeza?

Pois esse ato mais nobre do que a Criação do universo — a Encarnação do Verbo — se passou n’Ela, com a colaboração d’Ela. Sua alma santíssima e seu Sapiencial e Imaculado Coração tiveram alguma proporção com a Encarnação, enquanto que o Céu não tem proporção. “Hic tacet omnis língua” — Aqui se cala toda língua.

Maria Santíssima e o “Consummatum est”

Um estudo aprofundado desta temática nos ajudaria a compreender certas coisas inconcebíveis pelo espírito humano, como, por exemplo, o que se deu na alma de Nossa Senhora e na humanidade santíssima de Jesus no momento do “Consummatum est”.

Pois a morte é algo sumamente doloroso: o corpo fica em estado cadavérico — creio que a alma tenha consciência disso. Essa consciência deve coincidir com um pináculo de desdita, de infelicidade e de mal-estar no corpo, até a hora em que a alma o deixa e a pessoa morre.

Para se ter ideia do significado dessa separação, imaginemos que arrancassem de nossos dedos as primeiras falanges, depois as segundas e por fim as terceiras. Que dor sentiríamos? No entanto, esta dor seria muito menor do que a causada pela morte!

“Stabat Mater Dolorosa”

Somados aos sofrimentos próprios da morte, teve Nosso Senhor que padecer toda espécie de torturas e atrocidades. E, por não ter as fraquezas do subconsciente, Ele sentiu até a profundidade última de sua alma essa dissociação e ruptura.

Nossa Senhora, por sua vez, conhecendo-O como ninguém e possuindo uma sabedoria superior à de qualquer outra criatura, via todas aquelas dores, o sangue correndo, a respiração arfando, a vida bruxuleando, e percebia inteiramente o tamanho daquele sofrimento.

E em meio a tantas dores Ela nem sequer se sentou, e nem desmaiou. Mas, para o esmagamento do demônio, a redenção do gênero humano e pela glória de Deus, desejou que aquilo se desse, apesar dos sofrimentos causados a seu Divino Filho e a Ela. Que dores Maria Santíssima terá suportado! Que extraordinária força de vontade Ela possuía, para passar por cima dos sentimentos mais pungentes e fazer aquilo que a Fé e a razão indicavam! Isto tudo deveria formar um tumultuar harmônico na alma d’Ela, à semelhança do som de um órgão com todos seus registros ativados. Os fenômenos mais extraordinários da pré-história da Terra dão apenas uma ideia do que foi a força de alma de Nossa Senhora naquele momento.

Quando as águas saíam das entranhas da Terra — assim imagino, pois não estou dando uma aula de Ciência, mas fazendo uma digressão —, precipitando-se e esguichando de todos os lados nos mares, deveria haver um barulho, um burburinho do elemento líquido, fenomenal e cheio de grandeza. Era uma imagem pálida da resolução que brotava do fundo do ser de Maria, ao dizer: “Ele precisa morrer, porque a glória de Deus pede! Se é a vontade do Pai que meu Filho morra, Eu O ofereço!”

Dor pela Morte; indizível alegria pela Ressurreição

Mas há ainda outro momento de incomensurável grandeza: a Ressurreição de Nosso Senhor. O corpo d’Ele trancado, uma pedra, dois guardas romanos boçais, colocados ali com lanças, couraças, para enfrentar qualquer pessoa; uma noite e um silêncio profundos dentro da sepultura, uma escuridão tão completa como igual só havia num outro lugar do mundo: a alma de Maria.

O Filho d’Ela estava morto! Não definitivamente morto, a Santíssima Virgem bem o sabia, mas Ela, que tinha assistido à Encarnação do Verbo, agora presenciava o estraçalhamento! Podemos imaginar o que Nossa Senhora sentiu na hora da Morte de seu Divino Filho. A dor daquele pecado cometido e daquela separação consumada! E o que nunca deveria estar dissociado, ali estava separado, no escuro, abandonado pelos homens.

Nossa Senhora, entretanto, quando chegou a hora decretada pela sabedoria e bondade de Deus, viu uma luz sobrenatural entrando naquelas profundidades do sepulcro, os anjos afluindo às miríades e, de repente, o Corpo de Jesus estremecer…

Não é verdade que isto se parece com a Criação? E que entre o cadáver d’Ele e o corpo de Adão, feito para receber a alma, há analogias celestes?

Podemos imaginar o frêmito, o sobressalto de Maria Santíssima. Creio que nesse momento Ela se tenha levantado alguns passos acima do chão, ficado estática e talvez brilhado com uma luz extraordinária. É perfeitamente possível que tenha cantado o Magnificat!

Nossa Senhora, Rainha do universo

Este é o verdadeiro método para se ter ideia de quem é Maria Santíssima. Ela está no Céu, em corpo e alma, se digna conhecer o que estamos dizendo neste momento e de estar agindo, por meio da graça, na alma de cada um de nós, para inteligir, querer e sentir o que deve.

E Ela conhece incomparavelmente melhor o que está se passando, por exemplo, em mim ou em qualquer um dos presentes neste auditório, do que nos conhecemos uns aos outros, ou até mesmo o que ocorre em cada um.

Através do método de se fazer uma relação entre as coisas estupendas do universo e a Virgem Maria, pode-se, por exemplo, ao ver um rio que calmamente muda de direção, pensar em Nossa Senhora, Rainha do universo, a qual dá o rumo do rio da História e, de vez em quando, de modo sereno altera sua direção para sair uma maravilha maior.

Quando observamos uma cascata, cujas águas se precipitam e assim se purificam, reportamo-nos a Maria Santíssima intervindo nos acontecimentos e fazendo com que o curso da História seja purificado.

Falei do gáudio que teríamos ao ver as combustões do céu; podemos também imaginar nossa alegria se contemplássemos as chamas do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria. Enfim, contemplando as criaturas, podemos fazer mil analogias com Nossa Senhora.

Maria e as vitórias da Santa Igreja ao longo da História

E considerar uma operação de Deus sobre as coisas, comparando com a ação da alma d’Ela, nas grandes ocasiões da História.

São Gregório VII excomungando o Imperador Henrique IV. Um a um os liames feudais no Sacro Império Romano Alemão iam se desfazendo. Ninguém empurra o Imperador, aos pontapés, para fora de seu palácio, mas sucede algo muito pior: o palácio se esvazia, de maneira que não havia mais criados para servi-lo. Todo o mundo o abandonou, no meio da sua pompa inútil. E o seu império cessou pela excomunhão do Vigário de Cristo!

Que é o poder das armas? Dois mil, cinco mil, dez mil — os exércitos naquele tempo eram pequenos — cinquenta mil homens em armas… Um ancião — colocado no castelo de Canossa, pertencente à Condessa Matilde, da Toscana — excomunga e declara dissolvidos os vínculos feudais; um império inteiro para de funcionar, porque esse ancião é sucessor daquele a quem foi dito: “Tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra Ela.”

Então o Imperador consegue convencer alguns para o seguirem, porque explica que vai pedir perdão e precisa de ajuda para poder atravessar os Alpes. Coisa dificílima! Hoje se sobrevoam os Alpes… Ele sai num trenó, durante o inverno, talvez acompanhado de três ou quatro servidores, que têm horror do homem a quem servem, e o conduzem quase como a um leproso com o qual ninguém quer se contagiar. Sobem e descem montes, passam por precipícios, correm riscos de vida e Henrique IV não tem certeza de sua própria contrição; sabe, entretanto, que se ele morrer sem contrição, mas por mera atrição, pode ir para o inferno! E pede Àquela a quem ele ofendeu que o proteja e perdoe, de maneira a poder chegar à fonte de todo o perdão: o ancião venerável a quem ele insultou.

Por fim, Henrique IV chega a Canossa, mas encontra fechadas as portas do castelo. Oh! A grandeza dessas portas fechadas! Oh! A magnificência desta decisão de São Gregório VII: “Não perdoo, não te restaurarei no império! Absolverei a tua pobre alma, quiçá para uma vida de penitente. O diadema imperial, não o terás mais na fronte. Esta fronte pecou e sobre ela a glória máxima da ordem temporal não pousará!”

Durante quatro dias e quatro noites, ele fica ajoelhado na neve e pedindo! Afinal, as portas se abrem e se faz a reconciliação. Entoam-se hinos, há grande alegria e se restabelece a ordem normal das coisas: a vitória da Religião sobre a ordem temporal, a vitória do sobrenatural sobre o natural, a vitória do espírito sobre a matéria. Quantas vitórias mil vezes mais gloriosas do que a de um país sobre outro! Vitórias ordenativas de todo o conjunto humano.

À medida que eu falava, vi os corações de vários de meus ouvintes se encherem de entusiasmo, e Nossa Senhora gostou disso. Como se terá entusiasmado o Coração d’Ela, quando se passou esse fato?

Como seriam as labaredas do Coração dulcíssimo de Nossa Senhora, quando Godofredo de Bouillon e os dele saltaram por cima das muralhas de Jerusalém e entraram?

E vendo os missionários chegando num país onde não há Fé e que começam a pregar a Religião católica e ela começa a nascer?

Anchieta e Nóbrega vêm ao Brasil e iniciam a pregação — estou falando do Brasil, mas poderia apresentar outros exemplos —; o País começa a nascer e a se mover. Mais bela do que a natureza mineral, a vegetal, a animal e do que o próprio homem, era a graça que vinha pelas mãos dos missionários e conduzia as pessoas para a vida sobrenatural.

Maria Santíssima percebeu que isto era mais pulcro do que tudo quanto se tinha passado anteriormente. Anchieta, ameaçado pelos índios, canta as glórias d’Ela, escrevendo em latim um poema e decorando-o. O mar não ousa tocar nas areias sobre as quais o texto estava redigido. Nossa Senhora sorri, vendo o filho bem-amado do qual nasceria a evangelização deste País.

Que labareda, talvez áurea ou azulada, sairia do Coração de Maria!

E gotas de graças caindo! Já não é o dramático, o espetacular e o apocalíptico, mas outra forma de manifestação: o gracioso, o materno, o afável, o leitoso de certas pedras, o suave de alguns cristais, a brisa de auroras que havia no Coração d’Ela. Todas as modalidades possíveis de brisas que sopraram na Terra não têm o encanto de um só sorriso de Maria!

Quantos sorrisos Nossa Senhora dirigiu a Anchieta, que evangelizava este País!

A maternalidade de Maria Santíssima! O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. O Homem-Deus é Filho d’Ela, e Nossa Senhora nos ama por causa disso. Quando sofremos, Ela tem pena de nós. Quanto isto é magnífico! Sobretudo quando pecamos, Ela tem compaixão de nós. E é mais magnífico ainda.

Porque, quando sofremos, o sofrimento não nos torna inimigos de Maria Santíssima. Até, pelo contrário, quebra em nossa alma certa autossuficiência e tendência ao orgulho. Mas, quando pecamos, nós rompemos com Ela de um modo criminoso.

Nossa Senhora previu tudo isso quando estava na Terra e teve dor, porque Ela pensou: “Essa alma, maravilha criada por Deus, que meu Filho resgatou com aquelas gotas de Sangue incomparáveis que Eu vi florescerem n’Ele aos borbotões, agora vai se perder?” De modo semelhante ao gemido de Nosso Senhor: “Quae utilitas in sanguine meo? – Que utilidade tem o meu Sangue?”, Maria Santíssima diz: “Qual a utilidade do Sangue de meu Filho?”

Então Nossa Senhora pede a Jesus, pelo amor d’Ele ao pecador — o Redentor ama aquele que não O ama mais —, que lhe consiga a graça de atender ao que esta diz em sua alma: “Meu filho, converta-se! Meu filho, abra os olhos! Meu filho, tenha juízo! Meu filho, volte a ser meu!” E às vezes com insistências tão prementes que se diria que a alma está literalmente sitiada. Quantas doçuras cabem nisso! Quanto saber fazer! Quanta misericórdia e compreensão! Quanto esgueirar-se pelas anfractuosidades de uma alma, para se adaptar a tudo!

A participação d’Ela na Igreja Militante e na Igreja Penitente

Todas essas operações o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria está fazendo no Céu e na Terra. Porque Nossa Senhora conhece, mais do que qualquer bem-aventurado, o que se passa em Deus, e Ela reage no suprassumo da elevação e da perfeição. E preside, dirige, rege tudo quanto sucede no Céu! Sabe o que se passa em todas as criaturas da Terra. Conhece a vida da Igreja Militante e, com esta intensidade, participa de tudo o que acontece.

Mais ainda, Ela conhece a Igreja Penitente e vê todas as dores no Purgatório.

Em tudo isto Nossa Senhora está continuamente presente, à maneira de uma brisa, um vulcão, um céu, um sol, um diamante, uma águia, uma pomba, um cordeiro, um leão. Ela é tudo! Muito mais do que tudo, Ela é a Virgem Maria, Mãe de Deus!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/11/1979)

1) Informe e vazia. Cf. Gen 1,2.

Rainha dos Corações

O reinado de Jesus Cristo nas almas, afirma São Luís Maria Grignion de Montfort, só será efetivo quando Nossa Senhora reinar de maneira plena nos corações dos homens. Com palavras  pervadidas de veneração, Dr. Plinio nos mostrará as grandezas das virtudes da Santa Virgem Maria e o altíssimo mérito que alcançou, dando-Lhe o direito, outorgado por seu Divino Filho, de  exercer esse maternal e compassivo império sobre a vontade humana.

 

Supunham os antigos — como ainda hoje o fazem certas pessoas sem instrução especial — que o pensamento era elaborado pelos miolos, os quais seriam, portanto, a fábrica das idéias. Eles não  tomavam em consideração o papel espiritual da alma, determinante na gênese dos raciocínios. Ademais, achavam que os atos de vontade se formavam no coração, passando este a ser o símbolo das volições da criatura humana.

Soberana da vontade dos homens

Com base nessa última concepção, surgiu o culto aos corações de Jesus e de Maria, que é a devoção à vontade santíssima de Nosso Senhor e de Nossa Senhora.

Por sua vez, a Mãe de Deus se torna Rainha dos Corações ao ser venerada como a soberana da vontade de todos os homens. Tal domínio deve-se entender, não como uma violação da liberdade das pessoas, mas pelo fato de Nossa Senhora nos obter e distribuir uma abundância de graças que nos induzem, atraem, com supremo agrado, doçura e clareza para o que Ela deseja de bom para nós. Assim, é através da celestial influência dessas graças que Maria nos aparece como Rainha de todos os corações.

Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort escreve: “Maria é a Rainha do Céu e da Terra, pela graça, como Jesus é o Rei por natureza e  conquista”. Ou seja, Nosso Senhor é o Rei do universo por natureza, pois, sendo Homem-Deus, sua essência O constitui Monarca de toda a criação. Já Nossa Senhora é Rainha, não por natureza, mas pela graça recebida de Deus. Rei também é Jesus, por conquista.

Com sua Paixão e Morte redimiu o gênero humano e alcançou para Si a realeza sobre o Céu e a Terra. Continua São Luís: “Ora, como o reino de Jesus Cristo  compreende principalmente o coração ou o interior do homem, conforme a palavra: ‘O reino de Deus está no meio de vós’ (Lc 17, 21)…” “No meio de vós”, quer dizer, sobre os vossos corações. “…o reino da Santíssima Virgem está principalmente no interior do homem, isto é, em sua alma, e é principalmente nas almas que Ela é mais glorificada em seu Filho, do que em todas as criaturas visíveis, e podemos chamá-La com os santos a Rainha dos corações” (nº 38).

Aos pés da Cruz, última troca de olhares

Essas verdades se prestam a algumas considerações. Imaginemos, por exemplo, uma pessoa na ilha Fernando de Noronha. Esse território é uma espécie de gigantesco navio parado, com suas âncoras agarradas ao fundo do oceano. A partir dessa posição maravilhosa, o visitante contempla o mar, regalando-se com aquele esplendor e se entusiasmando: “Como isto é belo!” Se for piedoso  e amar Nossa Senhora, ele deve ter o hábito de reportar à Santíssima Virgem tudo quanto pensa, e dizer: “Como será o Imaculado Coração de Maria, imensamente maior que todo esse panorama, não pelo tamanho físico, mas pelo valor, etc.”. E podem vir à sua mente outras cogitações muito boas sobre a extensão e a qualidade dos predicados de Nossa Senhora. Para compreendermos como   mar é uma vil gota d’água em comparação com a grandeza da alma de Maria, basta considerarmos a Mãe de Deus durante a Paixão. Seu sofrimento ao encontrar Nosso Senhor Jesus Cristo carregando a Cruz é indizível!

Ela viu o divino Filho injustamente posto naquela situação, tratado de modo brutal por uma algaravia de gente péssima, aproximou-se d’Ele e O abraçou. Esse gesto não significava apenas um consolo, mas também uma exaltação, como se Lhe dissesse: “Meu Filho, Eu vos louvo por estardes padecendo assim pela humanidade, para a glória de Deus!”

Por quê? Porque é glorioso para Deus ter o reino das almas, e Jesus o estava conquistando ao redimir todas as almas criadas, vertendo por elas seu sangue preciosíssimo. Nossa Senhora consentiu nesse holocausto de Jesus, louvou-O e subiram juntos ao Calvário. A meu ver, a cena mais empolgante ali passada foi o último olhar de Nosso Senhor, indiscutivelmente dirigido à sua Mãe. E Ela O fitava nesse momento, pois tenho para mim que, durante todo o tempo junto à Cruz, Maria Santíssima não afastou seus olhos dos de seu Filho. Nessa suprema troca de olhares, Maria percebeu, notando o sofrimento extremo de Jesus, que a derradeira hora se aproximava.

Nosso Senhor então disse aquelas palavras de despedida a Ela e a São João: “Filho, eis aí tua Mãe; Mãe, eis aí teu filho…”

Co-redentora do gênero humano

É oportuno recordar aqui o ensinamento da Tradição católica, segundo o qual o Padre Eterno, ao dispor que Cristo deveria morrer como vítima de expiação pelos nossos pecados, desejou para isso o consentimento da Santíssima Virgem.  Claro está, absolutamente falando, não havia necessidade dessa anuência da parte de Nossa Senhora para que Deus Pai levasse a efeito seus desígnios sobre a Redenção dos homens.

Pensemos, porém, cada um em nossa própria mãe, diante dessa pergunta: “A senhora quer entregar o seu filho, fulano de tal, para ser vilipendiado, perseguido, desprezado e odiado pelo povo, flagelado, coroado de espinhos, e em seguida arrastar uma cruz até o Calvário e aí ser morto de modo atroz?”. Supérfluo dizer que ela não quereria! Nenhuma mãe deseja semelhante sorte para seu filho.

Entretanto, a Santíssima Virgem, ciente de que deveria oferecer Jesus em holocausto para a salvação dos homens, não hesita um só instante, e se inclina à superior vontade  divina. Por essa razão ela sofreu espiritualmente uma dor tão acerba que, de modo figurativo, compara-se à ferida causada por um gládio que traspassou seu Coração. A iconografia católica perpetuou a lembrança deste padecimento da Virgem Santíssima,  através da imagem de Nossa Senhora das Dores, venerada em inúmeras igrejas do mundo.

Esse sacrifício participativo de Maria na Paixão de Jesus, o consentimento d’Ela em que o Salvador fosse imolado de forma tão cruel e dilacerante  pela remissão de nossos pecados, os méritos desse sofrimento indizível da Virgem unidos aos méritos infinitos do martírio de Jesus, tudo isso granjeou-Lhe o título de Co-redentora do gênero humano. Junto com Nosso Senhor, Ela abriu para nós as portas do Céu e nos alcançou a vida da graça. Tornou-se, outrossim, digna de possuir o domínio de todos os corações.

“Sede Rainha de minha alma, para eu ser inteiramente vosso”

Compreendamos bem quão augusto é esse império sobre a vontade  dos homens. Imaginemos o indivíduo mais inculto, mais tosco de sentimentos e de disposições mais vis que possa haver. Nossa Senhora ser a Rainha do coração dele representa uma grandeza incomparavelmente maior do que imperar sobre os mares, as constelações, os planetas e o universo inteiro criado! Tal é o valor de  uma alma, ainda que a do último dos homens. Que dizer, então, do ser Ela soberana de todas as almas?! Reitero o que já tive oportunidade de afirmar: essa realeza de Maria é voltada de modo exclusivo para nos fazer o bem, para nos atrair para a prática da virtude, para nos conduzir à santidade a que somos chamados.

É um poder que nos revela a sua onipotência suplicante em nosso favor, enchendo-nos de consolação e confiança no seu infatigável auxílio. Assim, imbuídos dessa verdade admirável, dirijamos a Nossa Senhora este filial pedido: “Minha Mãe, Vós sois Rainha de todas as almas, mesmo das mais duras e empedernidas, desejosas contudo de se abrirem à vossa misericórdia. Peço-Vos, pois, sede Rainha de minha alma, quebrai nela os rochedos de maldade, as resistências abjetas que de Vós me separam. Dissolvei,  por um ato de vosso império, as paixões desordenadas, as volições péssimas, os restos dos meus pecados passados que tenham permanecido no meu íntimo.

Limpai-me, ó minha Mãe e Rainha, para que  eu seja inteiramente vosso.

Amém”.

Plinio Corrêa de Oliveira

Nossa Senhora do Rosário, uma festa de glória!

Uma das linhas mestras da piedade de Dr. Plinio era promover a glória da Santa Mãe de Deus. Por ocasião da comemoração da festa de Nossa Senhora do Rosário, Dr. Plinio manifesta um de seus mais entranhados desejos.

 

Nós devemos festejar a data que a Igreja dedica a Nossa Senhora do Rosário com um empenho especial pela simples razão de que o Rosário é um dos símbolos mais característicos da piedade cristã. Houve tempos em que ele pendia dos hábitos de quase todos os religiosos, ele estava no bolso de todas as pessoas católicas, inúmeras eram as pessoas que eram enterradas com ele nas mãos. Quando se queria simbolizar a piedade, este símbolo era o Rosário.

De maneira que nós devemos olhar para esta festa do Rosário cheios de esperança, e pedir a Nossa Senhora, que ajudou aos cristãos vencerem a Batalha de Lepanto, que nos conceda a graça da vinda do Reino d’Ela, que será também o Reino do Rosário.

Eu já afirmei isso, e volto a fazê-lo: se o nosso Movimento parasse de rezar o Rosário, ele não durava três meses. Eu me pergunto se, na decadência dos dias atuais, ele duraria três dias! Porque para se deixar de rezar o Rosário, tanta coisa teria caído antes, e tanta coisa cairia logo depois, que eu acho que três dias era o máximo para ele se desfazer. Não percamos isto de vista. É a Nossa Senhora, sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário, a quem nós devemos tudo.

E assim como dizemos “Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancto, sicut erat in principio et nunc et semper…”, talvez pudéssemos afirmar “Glória a Nossa Senhora, como era no princípio, agora e sempre e por todos os séculos dos séculos. Amém”, desde que pela expressão  “no princípio” não entendêssemos que Maria Santíssima é a criadora de todas as coisas — o que seria uma aberração —, mas que desde todo o sempre Ela foi a obra-prima da Criação, e estava presente na mente de Deus, que intencionou criá-La para ser, logo abaixo da humanidade santíssima de Jesus Cristo, a maior de todas as perfeições por Ele realizada.

Essa noção da glória de Nossa Senhora, que se traduz nas homenagens que fazemos a Ela, é reflexo do que nós trazemos dentro da alma. E essa glória de Nossa Senhora nós a queremos realizada agora e no Reino de Maria!

A verdadeira glória de Maria

O que é glória?

São Tomás de Aquino define a glória como o efeito que se volta para sua causa e a louva. Então o movimento pelo qual os filhos se voltam para seus pais, os alunos para seus mestres, os súditos para seus governantes e os louvam, os homens — sobretudo — se voltam para Deus e O louvam; todo esse movimento é de glória. Há nisto algo de circular. É o louvor perfeito dado por aquele que deve gratidão perfeita, tributo perfeito, àquele que está na origem, ou da vida terrena, do talento, ou da cultura, das ações acertadas etc., e sobretudo a Deus Nosso Senhor que está na origem de todas as coisas, é a Causa das causas.

Esse conceito de glória nós o verificamos a respeito de Nossa Senhora da seguinte maneira:

A Virgem Santíssima é Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, e, enquanto Mãe d’Ele, é Mãe do Corpo Místico de Cristo. Por meio d’Ela todas as graças vem aos homens, e todas as orações sobem até Deus. Evidentemente, Ela está, portanto, logo abaixo de Deus, e por desígnio de Deus, no ponto de partida de todas as coisas. E a glória d’Ela será completa quando todos os homens se voltem para Ela e A louvem.

Mas esse louvor não pode ser apenas um cântico da grandeza e da bondade de Nossa Senhora. Tem de ser também o reconhecimento efetivo desta grandeza e desta bondade, o qual se traduz nos atos. Quer dizer, louva Maria Santíssima quem vive de acordo com as virtudes das quais Ela deu exemplo, e pratica essas virtudes com o intuito de honrá-La.

Louva Nossa Senhora, portanto, quem vive conforme as virtudes que a Igreja Católica inculca, porque a Mãe de Deus possui e praticou no mais alto grau todas as virtudes que a Igreja Católica ensina. A Virgem Maria era uma espécie de representação viva da Igreja Católica.

Uma pessoa que olhasse para Nossa Senhora teria, num só golpe de vista, a noção de toda a sabedoria, de toda a continuidade da Igreja, do esplendor de todos os seus santos, do talento dos seus doutores, da beleza de sua liturgia em todas as épocas, do heroísmo de todos os cruzados e de todos os mártires. Enfim, não houve coisa bela que a Igreja tivesse engendrado, e por onde manifestasse o seu espírito, que não brilhasse em Maria Santíssima completamente e com fulgor extraordinário.

Nós, portanto, louvamos a Nossa Senhora, sendo, vivendo e fazendo como a Igreja Católica manda. E exatamente o que fazemos agora, se fará continuamente no Reino de Maria.

Como fazer a vontade de Nossa Senhora?

Como fazemos isto agora? Pode-se dizer que a Igreja se divide em três partes: a Igreja Gloriosa que está no Céu, a Igreja Padecente, no Purgatório e a Igreja Militante, na Terra. Enquanto a Igreja estiver na Terra, ela será militante, lutará. Então os pensamentos da Santíssima Virgem para nosso século não podem deixar de ser pensamentos de luta.

Lembro-me de uma linda escultura gótica que representa Nossa Senhora com um manto todo cheio de dobras e com uma espada na mão, investindo contra o demônio. É esta a tarefa de Maria Santíssima em nossa época.

Alguém dirá: “Mas Nossa Senhora é Mãe, Ela é apresentada na Igreja e nos templos sob o aspecto da misericórdia!”

É verdade. Esta Mãe de misericórdia olha com bondade para a Terra, mas observem os pés d’Ela: esmagam a cabeça da serpente! Quer dizer, é uma luta que só cessará no fim do mundo, quando os demônios que pairam nos ares forem atirados no Inferno, e todos os homens receberem o seu julgamento solene e final, e com isso se terá feito completamente a justiça.

Portanto, se a Virgem Maria se encontrasse, nesta Terra, de maneira visível, estaria estimulando a todos nós à dedicação pela causa d’Ela. Por isso, lutando por Nossa Senhora, estamos fazendo a vontade d’Ela.

E uma das melhores provas de que alguém tem de estar fazendo a vontade da Santíssima Virgem, consiste em ser combatido pelos inimigos d’Ela. Se é verdade que um homem se define por seus amigos, acho que é muito mais verdade que ele se define por seus inimigos. Aquela expressão clássica: “Diga-me com quem andas que te direi quem és”, eu gostaria de completá-la com esta outra: “Diga-me quem te odeia que te direi quem és”.

Porque, com o homem bom, os ruins não erram. E se todos os ruins detestam um homem, este não pode ser ruim, tem que ser bom.

Os maus vivem divididos entre si, e só se coligam contra o bem e contra o bom. De maneira que quando se veem todos os maus cessarem as rixas entre si e se voltarem contra um, este um é necessariamente um bom, porque ele é o denominador comum contra o qual todos os outros se conciliaram e se ergueram. Por exemplo, vemos Anás, Caifás, Herodes e Pilatos apaziguarem as lutas que tinham na pequena Judeia e se ligarem para matar a Nosso Senhor.

Esplendor de Nossa Senhora

Nós tratamos da glória. Mas como será o esplendor de Nossa Senhora?

Na Idade Média, a devoção por excelência, embora não empregassem esta fórmula, era Cristo Rei. Nosso Senhor era cultuado como o grande triunfador. As catedrais do auge daquela época histórica tinham um ar de triunfo magnífico. Eram majestosas, solenes, se levantavam ao céu com uma tranquilidade de quem se sente dono do céu e da Terra. Suas torres davam a impressão de tocar nas nuvens, e seus fundamentos de descer até o centro da Terra.

Tinha-se a ideia de que elas dominavam todo o universo. Os vitrais, triunfantes, exprimiam em geral a glória de Cristo que venceu a morte, por quem os mártires venceram as perseguições, os cruzados lutaram; de Cristo por cuja virtude a civilização se erguia, com esplendor nunca igualado, das entranhas de um mundo onde havia o paganismo, o bárbaro e uma latinidade católica sumamente decadente e tíbia. Nosso Senhor Jesus Cristo aparecia como um Pantocrator, sentado sobre um arco-íris e ensinando a toda a Terra.

Daí também o som triunfal dos sinos das catedrais, dos grandes órgãos tocando em todos os seus registros, os grandes cânticos de triunfos da liturgia, as grandes procissões públicas. A Igreja desenvolveu durante o período final do apogeu da Idade Média, em toda a sua plenitude, a sua grandeza e o senso de sua soberania.

Que beleza seria contemplarmos a Idade Média! Sinos começam a tocar diante de um povo que, ao ouvi-los, cessa de trabalhar e começa a fluir para a catedral. Abrem-se os portais enormes. Nobres, corporações, povos esparsos da cidade vão chegando e entram de Rosário na mão. Uns rezando em grupos, outros isoladamente, em voz baixa. Em determinado momento, tudo se estaca e entra o cortejo dos clérigos: um Bispo com sua mitra, seu báculo, tendo à sua frente todo um clero de mãos postas e que salmodia em latim.

Quando o Bispo, revestido de trajes esplêndidos, transpõe o portal da catedral, ele encontra o povo genuflexo. Alguém lhe oferece água benta, ele se benze, toma o hissope e começa a abençoar a todos. O órgão toca, pelos vitrais entra a luz do Sol, o incenso começa a subir. O povo não cabe em si de alegria e põe-se a cantar também, louvando Jesus Cristo, Nossa Senhora, os Apóstolos, a Santa Igreja Católica!

Pois bem. Isto é tão maravilhoso, mas eu digo que é um prenúncio de uma coisa incomparavelmente maior que virá!

A glória do Reino de Maria

Nós teremos catedrais mais belas, mais sacrais, mais esplêndidas do que Notre-Dame, talvez até instrumentos de música que superarão os órgãos e todos os instrumentos anteriores, uma liturgia cuja santidade vai brilhar de um modo mais refulgente que a liturgia anterior, a qual é, entretanto, tão santa e admirável, que se tem vontade de oscular cada uma de suas letras.

Enfim, haverá todo um conjunto de pompas e esplendores que vão simbolizar um domínio radioso e muito mais glorioso de Deus sobre a Terra. E tudo quanto a Igreja tem ensinado ao longo dos séculos, a respeito de Maria Santíssima, vai ser posto na liturgia de um modo muito mais evidente, mais marcante. De maneira que de ponta a ponta, na liturgia, estará presente o princípio da Mediação universal de Nossa Senhora, ensinado por São Luís Grignion de Montfort.

Nossa Senhora será como a lâmpada colocada no mais alto dos candelabros, logo aos pés da imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, junto ao Santíssimo Sacramento. E nessa esplêndida irrupção da glória de Maria veremos, então, a confirmação de todos os nossos desejos e aspirações.

Se alguém me perguntar: “Dr. Plinio, o senhor não poderia dar um pouco a ideia de como será a glória do Reino de Maria?”, eu digo: “Faltam-me completamente os talentos para isto”. Mas uma coisa todos nós sabemos: a figura dessa glória já começou a nascer no interior de nossas almas. Pela beleza do movimento de alma com que todos juntos desejamos esta glória para Nossa Senhora, pela pulcritude da esperança com que, pela graça de Maria Santíssima e apesar de nossas infidelidades, nós desde já pressentimos com foros de certeza como vai ser esta glória.

E na noite e na tempestade, e dentro do lodo, ver este sol de esperança que se levanta, é muito mais do que um simples lírio que nasce na noite e na tempestade; é um sol que fará cessar a tempestade e secará o lodo. A beleza das primeiras cintilações deste sol em algumas almas, que se conservam puras dentro deste lodo, contém na sua raiz toda a pulcritude da glória do Reino de Maria.

Uma meditação dos mistérios gloriosos do Rosário

Para marcar este dia de Nossa Senhora do Rosário, proponho rezar especialmente os mistérios gloriosos do Santíssimo Rosário em homenagem àquelas várias manifestações de glória de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora.

A Ressurreição de Nosso Senhor deve ter sido uma cena de uma majestade inimaginável! A sepultura parada, quieta, escura… De repente um anjo começa a remover a pedra e legiões angélicas entram no sepulcro e enchem-no de luz, e Nosso Senhor sai de dentro da sepultura com o seu Corpo glorioso. Quem pode ter ideia de como foi essa glória?

A Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo aos Céus: Ele, subindo lentamente e falando, até que sua voz não mais pudesse ser ouvida. Entretanto, cada vez mais resplendente, magnífico e bondoso, comunicando-Se pela irradiação de sua Pessoa mais do que quaisquer palavras. Maria Santíssima e todos os Apóstolos estavam olhando para o céu; os anjos aparecem e dizem: “Homens da Galileia, não temais! Aquele que subiu ao Céu etc”. Quem pode imaginar a beleza e a glória de uma coisa dessas?

Qual terá sido a glória da descida do Espírito Santo sobre Nossa Senhora e os Apóstolos? A coisa mais bonita que tenho visto em minha vida é uma alma se converter ou se santificar. Ver alguém que abandona um defeito e volta para uma qualidade que possuía; ou que regressa ao bom caminho que havia deixado; ou que adquire uma qualidade que ainda não tinha! Nada é mais bonito na Terra do que ver diretamente nas almas a santificação delas operada pelo Espírito Santo.

Alguém será capaz de imaginar o que foi ver o fogo do Divino Espírito Santo cair sobre Maria Santíssima e os Apóstolos? Nossa Senhora habitualmente tão sublime, esplendorosa de alma, de repente recebeu um grau de esplendor que não se imaginava existir.

E as pessoas, olhando a Nossa Senhora, tinham a impressão de estar vendo Nosso Senhor Jesus Cristo em figura feminina, mas, por fim, diriam: “Não, esta é a Mãe de Deus, a Mãe do Salvador!”, de tal maneira Nossa Senhora estava cheia do Espírito Santo. Isso é mais uma glória da qual não podemos fazer ideia.

Depois vem a glória delicadíssima, suavíssima, virginalíssima, maternalíssima de Nossa Senhora assunta ao Céu. Como deve ter sido o “luto” de toda a natureza com Nossa Senhora morta? Eu não posso imaginar! Mas depois, a alegria: Nossa Senhora que ressurge! Nossa Senhora que sai da sepultura! E depois é carregada pelos anjos, ressurrecta e que vai subindo!

Enquanto Nosso Senhor manifestava grandeza e bondade na sua Ascensão, Ela manifestava mais bondade do que grandeza. Um sorriso materno, e todos olham para Ela, conhecendo-A mais, compreendendo-A mais, e sendo cada vez mais atraídos por Ela, à medida que vai Se elevando ao Céu, até o momento em que Nossa Senhora desaparece. Mas uma claridade fica espalhada sobre tudo e sobre todos, como quem diz: “Eu, em realidade, fiquei. Rezai porque estarei sempre presente, unida a vós”.

E por fim a festa no Céu, que só os bem-aventurados daquele tempo assistiram: Maria Santíssima entrando no Paraíso, conduzida pelos anjos e sendo recebida por Nosso Senhor Jesus Cristo! Há alguém que possa pintar Nosso Senhor recebendo a Nossa Senhora?

A recompensa demasiadamente grande

Eu creio que só houve uma cena que pudesse dar ideia disso: a Virgem acolhendo Nosso Senhor durante a Via-Sacra. Toda a ternura e adoração d’Ela para com Ele, todo o amor filial, e ao mesmo tempo do Criador, de Jesus para com Ela se manifestaram ali, na dor, de modo admirável. E era preciso ter visto o olhar recíproco entre Eles. Houve algum diálogo, uma pergunta e uma resposta, uma coisa fugidia porque Ele era obrigado a continuar. Mas Nossa Senhora indo depois ao encalço de Nosso Senhor, a troca de olhares do alto da Cruz até o último olhar d’Ele que, com certeza, foi para Ela. E o supremo olhar d’Ela para Ele antes do “consummatum est”.

Era preciso ter visto assim as relações entre Eles para compreender o que foi o olhar com que Nosso Senhor, do alto do trono de sua glória, considerou-A no momento em que Ela entrou para o Céu!

Alguém conseguiria imaginar com que espécie de respeito Nosso Senhor Jesus Cristo — que é Deus! — coroou a Ela, que de corpo e alma estava presente no Céu? Essa glória ninguém consegue descrever, pois excede a tudo quanto se possa cogitar.

Se Nosso Senhor é para cada um de nós a nossa recompensa demasiadamente grande, de que tamanho terá sido a recompensa que Ele foi para Ela? Entretanto, Ele o foi para Nossa Senhora, pois Ele é infinito.

Essas glórias nós as devemos considerar, pedindo a Maria Santíssima que acelere o dia da glória d’Ela!

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 7/10 dos anos: 1970, 1971 e 1987)

 

Seguríssimo Refúgio

Nossa Senhora é seguríssimo refúgio e fidelíssimo auxílio de todos os que estão em perigo. Não há mãe verdadeiramente católica que não sinta receio pelo que possa suceder a seu filho. Ora, Maria Santíssima, a melhor de todas as mães, quanta solicitude não terá para com seus filhos que vivem neste mundo, sujeitos a toda sorte de riscos?

Mais ainda. Concebida sem pecado original, confirmada em graça desde o primeiro instante de seu ser, Nossa Senhora é Aquela que esmagou a cabeça da infernal serpente. Ela pode, portanto, arrancar qualquer pecador das garras do demônio, e  impedir toda influência que este procura ter sobre as almas.

Esse insondável poder da Santíssima Virgem é uma razão de confiança e de alento para nossa vida espiritual. Em nossos momentos de tentação, nas horas em que temos medo de sucumbir ao pecado, lembremo-nos deste seguríssimo refúgio, deste fidelíssimo auxílio que nos oferece a Santa Mãe de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira

Arco-íris da esperança

Neste vale de lágrimas em que somos peregrinos, tentações, sofrimentos e perplexidades são inerentes a toda vida espiritual. Contudo, em meio ás nossas dores e aflições morais, sempre vislumbramos a esperançosa figura de um arco-íris: Maria Santíssima!

Ela nos acompanha em nossa peregrinação rumo á Pátria Celestial, ajudando-nos em todas as vicissitudes, envolvendo-nos com seu maternal, constante e infatigável amor, que nenhuma infidelidade poderá esmorecer, e que os reiterados atos de bondade dele emanados não lograrão exaurir.

Oração que move montanhas

Há uma confiança heroica pela qual não desistimos de esperar, apesar de tudo. Por vezes, essa confiança faz a alma “sangrar”, mas ela continua a confiar, e diz: “A promessa interior, inefável, que Nossa Senhora me fez não falhará. Confiarei e cumprirei a minha missão. Eu confio na palavra d’Ela!”

Qual é a palavra da Santíssima Virgem? É uma voz da graça, uma apetência que sentimos e que nos leva a todas as virtudes, ao amor de Deus. A isso nos devemos dar, e com base nessa palavra devemos estruturar a nossa confiança.

A alma assim vence a batalha, pois a oração dela move as montanhas.

Eis por que Nossa Senhora só revelou a São Pio V a vitória dos cristãos, na Batalha de Lepanto, depois de ele ter rezado um terço: Ela quis mostrar que esta oração Lhe é tão grata, e que agrada tanto a Ela pedirmos aquilo de que precisamos, por meio da recitação do Rosário, que Maria Santíssima esperou aquela oração do Santo Pontífice para conceder esse enorme galardão.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/10/1975)

À nossa espera…

Meu filho, aqui estou Eu, sozinha, no canto a que teu desprezo me relegou, repleta daquele amor materno que tua rejeição comprime em Mim e impede que se expanda; daquele afeto que se conserva intacto em sua abundância e intensidade, palpitando de compaixão, à espera de que retornes para te purificar, te envolver e cumular com sua misericórdia inesgotável…

A prece dos fortes

No dia 7 de outubro celebra-se a festa de Nossa Senhora do Rosário, estabelecida pelo Papa São Pio V a fim de manifestar a jubilosa gratidão da Igreja para com a Santíssima Virgem, cuja solícita intercessão determinou a vitória da causa católica na batalha de Lepanto.

Ardoroso devoto do santo Rosário, por ele rezado diariamente, Dr. Plinio não perdia oportunidade de enaltecer as excelências dessa prática mariana, sendo-lhe — como afirmava — “motivo de sumo agrado” recomendá-la e incentivá-la entre seus filhos espirituais. Nesse intuito, fazia-lhes compreender como o Rosário “ocupa privilegiadíssimo papel na história da piedade católica. Em primeiro lugar, porque une o fiel a Nossa Senhora, e atrai para ele toda sorte de graças celestiais. Em segundo lugar, porque afugenta o demônio. Alguém que se sinta tentado, tome fervorosamente o Terço em suas mãos, e ver‑se‑á forte contra a investida do inimigo de nossas almas.

“Excelente meio de venerar a Mãe de Deus, é incalculável a torrente de bênçãos que a recitação do Rosário efundiu sobre a Cristandade. Por isso, Papas e autoridades eclesiásticas não se cansam de elogiá‑lo. Se tal não bastasse, a Santíssima Virgem, querendo Ela mesma incentivar essa inestimável devoção, mais de uma vez apareceu trazendo em suas mãos virginais o piedoso instrumento. De modo particular, nas aparições de Fátima, em Portugal, quando recomendou aos homens, com tocante insistência, a recitação diária do Terço. Além disso, a Igreja enriqueceu o Rosário com muitos privilégios e indulgências, inclusive plenárias, de maneira a fazer dele um verdadeiro tesouros de bênçãos inapreciáveis.

“A recitação do Rosário se dilatou de tal maneira que, durante muito tempo, identificou-se com a piedade católica: uma e outro eram a mesma coisa. Fosse nos atos cotidianos da vida espiritual, fosse nas festas e celebrações de maior significado, o Rosário — ou o Terço — sempre esteve presente como expressão do fervor das almas devotas.

“São Domingos recebeu da Rainha do Céu este mesmo Rosário cuja forma hoje conhecemos: começando pelo Crucifixo, que devemos oscular pedindo à Mãe de Deus que seja nossa intermediária e apresente a seu Filho nossas orações; em seguida, três Ave-marias, um Glória, e depois as cinco dezenas em que meditamos nos principais Mistérios da vida de Jesus e de Maria Santíssima — Gozosos, (Luminosos[1]), Dolorosos e Gloriosos.

“Ainda que rezado por almas mais frágeis, o Rosário é a prece dos fortes, é a súplica dos batalhadores, porque é um conjunto de orações de tal eficácia que faz avançar o bem e recuar o mal. A par das riquezas espirituais que encerra, temos a pluralidade dos feitios e coloridos com os quais é utilizado: rosários pequenos, graciosos, delicados, para crianças de trato; modestos e rústicos, mas fortes, dedilhados por mãos vigorosas que passam sobre aquelas contas; sério, varonil; rosários de princesas, de rainhas, lavorados como verdadeiras jóias, preciosos como esses que pendem das mãos das imagens de Nossa Senhora. Todos nos fazem ver algo da suavidade e da bondade régias de Maria, protetora dos débeis, amparo dos fortes, como foi o próprio São Domingos, enfrentando e vencendo com o Rosário a heresia albigense.”

E após recomendar com incansável empenho a recitação do santo Rosário, necessária aos fiéis de todos os tempos, Dr. Plinio ainda oferecia este tocante conselho:

“Nunca nos separemos do Terço. Que ele esteja sempre junto a nós, em todos os momentos: quando dormimos, quando descansamos, quando estivermos lendo ou fazendo toda e qualquer coisa. Jamais o larguemos. E quando nossas mãos não puderem mais nem se abrir nem se fechar, mas forem fechadas por outros para a nossa última atitude de oração, que o Rosário esteja entrelaçado em nossos dedos. De sorte que, chegado o momento da grandiosa Ressurreição dos mortos e nosso corpo recobrar vida, nosso primeiro gesto possa ser o de oscular o Terço que encontraremos cingidos às nossas mãos…”

[1]) Dr. Plinio faleceu em 1995, antes de o Papa João Paulo II enriquecer o Rosário com os Mistérios de Luz, na sua Carta “Rosarium Virginis Mariae”. Motivo pelo qual acrescentamos os mesmos entre colchetes, para o presente comentário adquirir ainda mais atualidade.