Céu de virtudes

Alma de uma imensidade inefável, alma na qual todas as formas de virtude e de beleza existem com uma perfeição supereminente, da qual nenhum de nós pode ter uma ideia exata, Nossa Senhora é bem aquele mar, aquele céu de virtudes diante do qual o homem deve ficar estarrecido e enlevado, e que, com todas as suas forças, deve procurar amar e imitar.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

O SANTO ROSÁRIO: inapreciável tesouro de graças

Como uma doce melodia que, superando a agressiva cacofonia hodierna, chama todos a se voltarem com confiança para a Mãe de Deus, assim ressoou nos corações católicos a Carta Apostólica “O  Rosário da Virgem Maria”, na qual o Papa João Paulo II proclama o “Ano do Rosário”  e acrescenta-lhe os “Mistérios Luminosos”. Desejosos de fazer eco à voz do Sumo Pontífice, oferecemos a nossos  leitores alguns comentários de Dr. Plinio sobre essa devoção.

 

Sempre me foi motivo de sumo agrado tratar das excelências do santo Rosário, na medida em que para isso auxiliem minha adesão a essa insigne prática, além das recordações que conservo dos fatos históricos que a concernem. Nelas me apoio, portanto, para traçar aqui mais algumas considerações sobre essa devoção de inestimável valor para a piedade católica.

A revelação a São Domingos

Como se sabe, o Rosário foi revelado por Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão, o grande fundador da Ordem Dominicana, numa época em que a Cristandade se via ameaçada pelo alastramento da heresia albigense por quase toda a Europa. Para detê-la, Deus suscitou aquele santo varão, que se empenhou de modo ardorosíssimo na conversão dos hereges, cujo foco de proselitismo se assentava na cidade de Albi, no sul da França.

Depois de muitos e baldados esforços, São Domingos se recolheu e passou três dias jejuando e rezando continuamente, a fim de obter do Céu o socorro de que tanto necessitava. Porém, como último resultado de preces tão fervorosas, não obteve senão o minguamento de suas forças. Ele, vigoroso, pugnaz e piedoso, acabou desfalecido.

E é tocante imaginá-lo nessa hora de esmorecimento, em que ele se volta a Nossa Senhora, e Lhe dirige uma derradeira súplica: “Minha Mãe, não tenho mais forças, mas em Vós eu confio. E continuo a rezar, a rezar e a rezar, enquanto meus lábios puderem articular alguma palavra. Vós sabereis o que fazer de minhas pobres orações”.

Depois de uma tão longa espera, diante de uma impetração tão meritória, o Céu afinal se manifestou. A Santíssima Virgem aparece e revela a São Domingos a devoção do Rosário, a suprema arma com a qual ele venceria a heresia. Mais ainda, entrega-lhe a prática piedosa que prolongaria por séculos a duração da Civilização Cristã, além e incutir alento a uma das maiores ordens religiosas da Igreja, em cujo seio floresceria São Tomás de Aquino e tantos outros heróis da Fé.

Torrentes de graças sobre a Igreja

E como se não bastassem esses benefícios, a recitação do Rosário se dilatou de tal maneira que, durante muito tempo, identificou-se com a piedade católica: uma e outra eram a mesma coisa. Fosse nos atos cotidianos da vida espiritual, fosse nas festas e celebrações de maior significado,  o Rosário — ou o terço — sempre esteve presente como expressão do fervor das almas devotas. São Domingos recebeu da Rainha do Céu este mesmo Rosário cuja forma hoje conhecemos: começando pelo Crucifixo, que devemos oscular pedindo à Mãe de Deus que seja nossa intermediária e apresente a seu Filho nossas orações; em seguida, um Padre-Nosso, três Ave-Maria, um Glória, e depois as cinco dezenas em que meditamos nos principais Mistérios da vida de Jesus e de Maria Santíssima — Gozosos, Dolorosos e Gloriosos.

É simplesmente incalculável a torrente de graças que se efundiu sobre a Igreja Católica com a prática de recitar assim o Rosário, de onde o número também imenso de papas e autoridades  eclesiásticas elogiando essa devoção. Louvores estes coroados pelas diversas aparições de Nossa Senhora, nas quais Ela se apresenta com o Rosário em suas mãos virginais, especialmente nas visões de Fátima, em Portugal, quando recomendou aos homens, com tocante insistência, a recitação diária do terço. Além disso, a Igreja enriqueceu o Rosário com muitos privilégios e indulgências, inclusive plenárias, de maneira a fazer dele um verdadeiro tesouros de bênçãos inapreciáveis.

A beleza material e simbólica do Rosário

Entretanto, a meu ver a beleza do Rosário não se restringe apenas a essas excelências de ordem espiritual que ele proporciona às almas. A sua maravilhosa eficácia impetratória, o quanto ele é  agradável a Deus e a Nossa Senhora, externam-se também na forma material do terço, cercada de imponderáveis que nos fazem sentir a pulcritude dessa devoção, e com algo de bonito e de  indizível que me parece superiormente adequado e insubstituível.

Recordo-me de quando eu era ainda aluno no Colégio São Luís, no início da década de 20, e percebi que começavam a difundir um tipo novo de terço, “mais discreto”, como pretendiam seus idealizadores. Tratava-se de um objeto parecido com certas máquinas calculadoras de então, com duas fileiras de contas superpostas, umas maiores em que se rezavam as Ave-Maria e Padre-Nosso, e outras menores que marcavam os Mistérios meditados.

Era um objeto pequeno, para tomar o mínimo de espaço no bolso e se fazer ver o menos possível pelos outros.  Tinha tudo a seu favor: prático, barato, portátil e “escondível” (o que representava uma grande vantagem para os católicos com respeito humano). Não vingou…Nada podia substituir o velho Rosário, o maravilhoso Rosário de sempre, nas suas mais variadas modalidades!

Rosários pequenos, rosários graciosos, elegantes, delicados, para crianças de trato. Rosários modestos, rosários de operários, de trabalhadores manuais, pesadões e rústicos como é tantas vezes o trabalho manual, mas rosários fortes, dedilhados por mãos fortes que vão por cima daquelas contas. Rosário sério, rosário varonil, de guerreiro. Rosários de princesas, de rainhas, lavorados como verdadeiras jóias, assim como os rosários preciosos que pendem das mãos das imagens de Nossa Senhora.

Quantas formas de Rosário! Algumas falam de graça, de charme, fazem-nos ver algo da suavidade e da bondade régias de Maria. Outras nos fazem vê-La como protetora das crianças; outras, enquanto auxiliadora do homem pobre e trabalhador como foi o principesco esposo d’Ela, São José, descendente de David e carpinteiro. Outras, ainda, nos falam da piedade do varão guerreiro, do  batalhador pelos ideais católicos, como foi o próprio São Domingos, enfrentando e vencendo com o Rosário a heresia albigense.

Aliás, esse atributo do Rosário como verdadeira arma do católico toda a vida me atraiu de maneira muito particular, razão pela qual sempre me pareceu que o terço ao lado de uma espada formava um conjunto de extrema beleza.

Estando uma vez em Buenos Aires, fui convidado à casa de um senhor que possuía uma das mais lindas coleções particulares de armas que tenho visto. Dispostas primorosamente em vitrines e  estantes, eram de todos os tipos, sobretudo diversas formas de espadas e gládios. Ao contemplá-las me ocorreu  este pensamento: “Se eu tivesse liberdade com este homem, recomendar-lhe-ia que  constituísse uma coleção de rosários tão rica quanto esta de espadas. E que a cada dia, no centro desta sala, sobre uma bonita mesa coberta de um forro prestigioso, ele renovasse a espada e o rosário em honra de uma imagem de Nossa Senhora que presidiria a coleção inteira”. Creio que o seu museu particular tomaria outra vida e outra riqueza, de tal modo o rosário e a espada se  conjugam bem.

Nunca nos separemos do Rosário

E não será mesmo demasiado insistir nesta verdade: o Rosário é, para o católico, uma magnífica arma de guerra, dessa guerra mais importante e superior que é a batalha espiritual presente na vida de todo homem. Essa guerra que travamos diariamente contra as tentações e as ciladas do demônio que procura perder nossas almas. Dessa guerra, portanto, em que lutamos para resistir às investidos do inimigo de nossa salvação, para expulsá-lo, para vencê-lo, e para deixar nossos corações dispostos a receberem as graças de Deus.

Como já tive ocasião de comentar, o demônio tem ódio e horror ao Rosário, pois se este o põe em fuga é porque vem a ser um elo poderosíssimo que liga o homem a Nossa Senhora. E, portanto, se alguém se sente tentado, lembre- se de pegar logo o seu terço, e de pegá-lo fisicamente. Melhor e mais recomendável: nunca, nunca, nunca nos separemos dele. De tal maneira que o tragamos conosco quando dormimos, quando descansamos; quando estivermos lendo ou fazendo toda e qualquer coisa, que o Rosário esteja sempre junto a nós. Mais ainda: durante o sono da noite, procuremos ter o Rosário nas mãos. E se recearmos que ele caia — e ele deve ser tratado com muita reverência — penduremo-lo ao pescoço ou no braço, ou arranjemos um outro modo de o conservar ligado ao nosso corpo. Jamais larguemos o Rosário. É mesmo um conselho que se diria supérfluo para os autênticos devotos de Nossa Senhora.

E quando nossas mãos não puderem mais nem se abrir nem se fechar, mas forem fechadas por outros para a nossa última atitude de oração, que o Rosário esteja enleado no meio de nossos dedos. De maneira que, chegado o momento da grandiosa ressurreição dos mortos, e dentro do caixão em que fomos sepultados o nosso corpo recobrar vida, entre nossos dedos revivificados esteja o santo Rosário. Assim, com este anseio e esta esperança, concluo: eu quisera que, no augusto momento em que todos os católicos forem chamados à ressurreição, e eu também ressurgir, o meu primeiro ósculo fosse dado ao Rosário que eu encontrasse cingido às minhas mãos…

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Cristo Rei

Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei, a quem devemos obedecer, conhecendo a sua vontade e executando o que Ele nos manda com amorosa e pormenorizada exatidão. Para isto, devemos pedir a graça de Deus pela oração, pela prática dos Sacramentos, por nossas boas obras, pela vida interior.

Em outros termos, sejamos bons católicos; sendo-o, seremos necessariamente apóstolos; e sendo apóstolos, seremos necessariamente soldados de Cristo Rei.

Cantando pelos caminhos da Judeia

Caminhando em direção ao Templo, Nossa Senhora cantava hinos de louvor a Deus. Dos terraços da Jerusalém celeste, os Anjos se debruçavam para vê-La e ouvir seus cânticos. Tudo isso é muito bonito. Contudo, mais belo ainda deve ter sido o momento em que Maria Santíssima entrou no Templo.

Em 21 de novembro se comemora a festa da Apresentação de Nossa Senhora. No livro do Padre Régamey, “Les plus beaux textes sur la Vierge Marie”, encontramos as seguintes reflexões de São Francisco de Sales:

Nossa Senhora cantava mil vezes mais graciosamente que os Anjos

É um ato de admirável simplicidade o desta gloriosa criança que, presa ao regaço de sua mãe, não deixa, entretanto, de se relacionar com a Divina Majestade. Ela se absteve de falar até o momento apropriado e, mesmo assim, não o fazia senão como as outras crianças de sua idade, embora falasse sempre com sabedoria.

Ela permaneceu como um suave cordeiro junto a Santa Ana pelo espaço de três anos, após os quais foi conduzida ao Templo para aí ser ofertada como Samuel, que também foi levado ao Templo por sua mãe e dedicado ao Senhor na mesma idade.

Ó meu Deus, como desejaria poder representar vivamente a consolação e suavidade dessa viagem, desde a casa de Joaquim até o Templo de Jerusalém! Que contentamento demonstrava essa criança, vendo chegar a hora que Ela tanto desejara!

Os que iam ao Templo para adorar e oferecer seus presentes à Divina Majestade cantavam ao longo da viagem. E para isso o real profeta Davi compusera expressamente um salmo, que a Santa Igreja nos faz repetir todos os dias no Ofício Divino. Ele começa pelas palavras: “Beati immaculati in via” – “Bem-aventurados são aqueles, Senhor, que caminham na tua via sem mácula” (Sl 118, 1), sem mancha de pecado, “in via”, ou seja, na observância dos teus Mandamentos.

Os bem-aventurados São Joaquim e Santa Ana entoavam então esse cântico ao logo do caminho, e nossa gloriosa Senhora e Rainha com eles.

Ó Deus, que melodia! Como Ela entoava mil vezes mais graciosamente que os Anjos! Por isso ficaram eles de tal forma admirados que, aos grupos, vinham escutar essa celeste harmonia e, os Céus abertos, inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém celeste para olhar e admirar essa amabilíssima menina.

Eu quis vos dizer isso, embora rapidamente, para que tenhais com que vos entreter o resto desse dia considerando a suavidade dessa viagem. Também para que fiqueis comovidos ao ouvir esse cântico divino que nossa gloriosa Princesa entoa tão melodicamente. E isso com os ouvidos de vossa devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é o ouvido da alma.

Por humildade, Ela vivia como uma criança comum

O fundamento teológico de tudo quanto está dito aqui é a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

Como a Santíssima Virgem, desde o primeiro instante de seu ser, foi imaculada, Ela não tinha as limitações inerentes ao pecado original. E entre essas limitações está o fato de a pessoa nascer sem uso da sua inteligência. A pessoa nasce inteligente, mas sem o uso da sua inteligência. Esse uso só vem mais tarde com o desenvolvimento do corpo. Com Nossa Senhora não. Ela teve, desde o seu primeiro instante, o uso da sua inteligência que era, naturalmente, altíssima.

De maneira que n’Ela se reuniam, num contraste admirável, o que em Nosso Senhor toma uma sublimidade que chega a ser sublimemente desconcertante. Reuniam-se na infância d’Ela, como na de Nosso Senhor, aspectos aparentemente contraditórios. De um lado, Maria Santíssima possuía uma contemplação superior à dos maiores Santos da Igreja, quando estava ainda nos primeiros passos de sua vida. Mas, de outro lado, Ela mantinha toda a atitude de uma criança. E não fazia uso externo disso, querendo, por humildade, viver como uma criança qualquer.

De maneira tal que quem tratasse com Ela, a não ser por alguma expressão de olhar ou algo assim, teria a sensação de estar tratando com uma verdadeira criança comum, igual às outras. É como Nosso Senhor Jesus Cristo, em Menino, que queria ser nutrido, guardado, pajeado como uma criança. Embora fosse Deus, soberano Senhor e Rei do Céu e da Terra, em todas as suas manifestações externas era como uma criança.

Já imaginaram como seria, na vida quotidiana de São José e de Nossa Senhora, a hora em que era preciso dar leite ou trocar de roupas a Deus? Pegá-Lo, colocá-Lo sobre uma mesa e vesti-Lo com uma roupinha, sabendo, como sabiam, que ali estava a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, com a natureza divina hipostaticamente unida à natureza humana? Portanto, naquela criancinha que sorria estavam reunidos todos os esplendores das alegrias, da majestade e da grandeza da divindade! Quer dizer, o que isso representava era de aturdir!

A meu ver, algo disso se dava também com São Joaquim e Santa Ana. Não sei se eles sabiam que Nossa Senhora seria a Mãe do Verbo Encarnado. Mas certamente pressentiam que era uma menina designada a altíssimas coisas com ordem ao Messias. Então essa Menina ali presente, levava toda a vida de uma criancinha, mas tendo em si a contemplação magnífica de um grande Doutor da Igreja.

Então, nós compreendemos como se ajustam esses aspectos da benignidade extrema, afabilidade, acessibilidade de Nossa Senhora, com uma grandeza da qual os maiores homens da Terra não são senão uma minúscula figura.

Local onde se manifestavam a glória e as consolações de Deus

Por que isso? Porque Maria Santíssima quis que as coisas fossem assim: Rainha incomparável, era Ela, ao mesmo tempo, Menina simplicíssima; tão simples que a sua vida externa era a de qualquer criança. O que, aliás, Santa Teresinha, num trecho a respeito do modo de fazer sermões sobre Nossa Senhora, comenta muito bem dizendo que ela gostaria de realizar uma pregação à maneira dela, e mostrar na Santíssima Virgem todo esse lado de bondade, de simplicidade, de acessibilidade, a ponto de ser uma criancinha que os parentes punham no colo. Possivelmente, logo que foi capaz de servir um pouco as pessoas, Ela as servia. Trazia água, fazia uma pequena atenção, etc., e era a Rainha do Céu e da Terra.

Esses contrastes harmônicos têm uma tal beleza em si mesmos, que até corremos o risco de desdourá-los tratando deles por demais longamente. Há neles qualquer coisa de insondável, diante do que é melhor manter silêncio.

Ora, nessas condições e, segundo uma tradição muito generalizada, aos três anos de idade, Nossa Senhora foi levada ao Templo. E no caminho para Jerusalém, como os judeus costumavam fazer, Ela ia cantando. É lindíssimo!

Como sabemos, o único Templo ficava em Jerusalém, na Judeia. Havia sinagogas onde o povo se reunia para rezar determinadas orações, ouvir as leituras e comentários das Sagradas Escrituras, mas o Templo onde se realizavam os sacrifícios era só aquele. E os judeus de todo o território de Israel, como também os dispersos pelo mundo inteiro, vinham periodicamente a Jerusalém para participar dos sacrifícios do Templo.

Era uma alegria ir aonde se manifestavam a glória e as consolações de Deus, o vínculo entre o Céu e a Terra. Então, era bonito que eles fossem cantando. Aliás, como tantas vezes acontece em romarias, ao menos como se realizavam antigamente.

É preciso dizer também que os métodos de locomoção modernos conspiram contra o canto. Não se pode imaginar, num subúrbio da Central do Brasil, um trem partindo para Aparecida a todo “galope” e as pessoas cantando dentro dele. Como é mais bonito ir a pé, pousando de quando em quando, parando, cantando, tocando para a frente! Isso tem outra plenitude humana, outra harmonia natural!

Podemos imaginar que beleza, quando chegava o mês da visita ao Templo de Jerusalém, os judeus irem cantando e a nação judaica se encher, nos seus caminhos, de cânticos de todos os lados! Então, São Francisco de Sales conjetura a Santíssima Menina Maria cantando com uma voz inefável, com São Joaquim e Santa Ana, o cântico que Davi, por inspiração do Espírito Santo, compôs para essa circunstância.

Alegria dos Anjos quando a Santíssima Virgem entrou no Templo pela primeira vez

Notem como São Francisco de Sales, com uma finura de tato extraordinária, não se refere à impressão que esse canto produziria nas pessoas. Porque, precisamente como Nossa Senhora não manifestava a sua grandeza, era possível que Ela não entoasse com toda a perfeição com que sabia cantar. Ora, o cântico da Santíssima Virgem deveria ser o cântico por excelência! Nunca, nem antes nem depois, ninguém cantou como Ela, exceção feita de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Redentor também cantou, e depois disso, nenhum cântico foi cântico.

É bonito imaginar também outra coisa: Nossa Senhora cantando e os Anjos ouvindo as harmonias de alma com que Ela cantava. E essas harmonias os extasiavam.

Como se costuma comparar o Céu à cidade de Jerusalém, São Francisco de Sales diz que dos alpendres ou dos terraços da Jerusalém celeste os Anjos se debruçavam para ver Nossa Senhora cantando pelos caminhos da Judeia, o que para eles era um gáudio inexprimível, embora os homens ignorassem aquelas harmonias de alma.

Confesso que não conheço pensamento mais bonito nem mais apropriado para essa circunstância do que esse. Contudo, mais belo ainda deve ter sido o momento em que Maria Santíssima entrou no Templo.

O Templo de Jerusalém na sua grandeza, na sua majestade sacral, ainda habitado pela glória do Padre Eterno, onde se realizavam os sacrifícios, o lugar mais sagrado da Terra! Imaginem o estremecimento de alegria de todos os Anjos que pairavam no Templo, no momento em que Nossa Senhora ali entrava pela primeira vez, como uma Rainha naquilo que lhe é próprio, como a joia entra no escrínio onde deve ser guardada!

Tanto mais se aos Anjos foi dado a conhecer que a grande glória e a imensa tragédia do Templo estavam por se realizar. Qual era a glória? O Messias iria entrar no Templo. Qual a tragédia? O Templo iria recusar o Messias. Tragédia cujo final seria aquilo que Bossuet chama magnificamente de “as pompas fúnebres do Filho de Deus”, quando ele diz que, logo após Nosso Senhor Jesus Cristo expirar, o Padre Eterno começou a preparar os funerais d’Ele: o céu se obscureceu, o Sol se toldou, a terra tremeu, o véu do Templo se rasgou. O recinto outrora sagrado ficou entregue aos demônios que fizeram ali uma espécie de sabá, à maneira de cem mil gatos selvagens soltos ali dentro.

Não obstante, o Templo conheceu sua plenitude na célebre vinda de Nossa Senhora e São José, quando trouxeram o Menino Jesus, e Ana e Simeão, que representavam a fidelidade, receberam a Sagrada Família. Então os fiéis reconheceram o Enviado e se fechou o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa que se cumpria.

Pois bem, a Santíssima Virgem, entrando no Templo de Jerusalém no momento de sua Apresentação, realizava o primeiro passo nessa plenitude da história desse lugar sagrado.

O que os “Simeãos” e as “Anas” lá existentes devem ter sentido nessa hora, que graças, que fulgurações do Espírito Santo devem ter havido no Templo nessa ocasião, ninguém poderá dizê-lo, a não ser no fim do mundo. Mas sigamos o conselho do suavíssimo São Francisco de Sales e fiquemos com todas essas recordações em nossas almas, pensemos nelas, suave e alegremente, tanto quanto possível: Nossa Senhora cantando pelos caminhos, entrando no Templo de Jerusalém e, dos alpendres da Jerusalém celeste, os mais altos Anjos embevecidos com a alma dessa Menina. É uma meditação muito adequada para o dia da Apresentação de Nossa Senhora.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/11/1965)

Medianeira de todas as graças

Nossa Senhora é a Medianeira de todas as graças. Portanto, todas as súplicas que vão a Deus passam por Ela. De tal maneira que se todos os Santos do Céu pedirem algo em união com Maria Santíssima, são atendidos; mas se Nossa Senhora não suplicasse com eles, não seriam acolhidos. Entretanto, a Santíssima Virgem pedindo sozinha é atendida.

É pela intercessão d’Ela que todas as preces chegam e se tornam agradáveis a Deus, como também todas as graças concedidas pelo Criador chegam até nós por meio d’Ela.

Maria é, pois, o canal por onde todas as preces sobem a Deus e todas as graças descem para os homens.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/10/1971)

Meditação e apostolado

A civilização contemporânea, por força da vida trepidante imposta pelos meios de diversão excitantes, mantém o homem numa perpétua agitação e fixa constantemente sua atenção sobre fatos novos, não raras vezes sensacionais, de uma atualidade candente, porém logo depois substituídos por outros, numa sucessão atordoante.

Habituado a ocupar-se por esta forma, o homem contemporâneo sofre frequentemente de uma superexcitação dos sentidos e da imaginação, e de uma atrofia da razão. Molesta-o fixar longamente a atenção sobre um mesmo objeto. A reflexão calma, lúcida, prolongada parece-lhe fastidiosa. Fixar a atenção, refletir são operações que implicam na primazia da inteligência sobre os sentidos. E nós vivemos do contrário: do domínio dos sentidos sobre a inteligência.

Por dissipação, entendem os autores espirituais precisamente este defeito. A alma considera constantemente o mundo, e nunca entra em si mesma, nunca analisa seu próprio interior. Considerando o mundo exterior, ela o faz de modo superficial, contentando-se apenas com as aparências e não penetrando jamais na realidade profunda das coisas, nem remontando delas para um plano de cogitações mais elevado.

O hábito da meditação consiste exatamente no contrário. O homem é capaz de isolar-se, privar seus sentidos da embriaguez contínua das impressões, das sensações e vibrações, desviar sua atenção do que é externo, passageiro, superficial, para isolar-se na calma de algum recanto e pensar.

A meditação especificamente religiosa, como no-la apresenta a Santa Igreja, tem um fim bem definido: considerar as verdades cujo conjunto constitui a Doutrina Católica, vendo a si mesmo e ao mundo exterior com ordem a essas verdades.

Toda a vida espiritual depende da graça de Deus e da colaboração da vontade humana. Ora, na meditação é Deus que, pela graça, vai esclarecendo a inteligência e dando vigor à vontade para o conhecimento e a prática do bem. É, pois, um ato de intimidade da alma com o Divino Espírito Santo, que transcende a simples meditação natural e a eleva à categoria de um dos atos mais augustos da vida humana.

Esta meditação sobrenatural, disse-lo expressamente Nosso Senhor (cf. Mt 11, 25), não é privativa dos homens de ciência. A história dos Santos prova que muitas vezes as meditações mais profundas foram feitas por pessoas muito ignorantes no sentido humano da palavra, mas cheias de virtude e de amor de Deus.

E o apostolado? Não se diria que a meditação inutiliza o homem para a ação? O que é melhor: rezar ou agir?

A pergunta equivaleria, no terreno espiritual, a esta outra no terreno material: o que deve fazer o homem, comer ou beber? Evidentemente, é preciso comer e beber, rezar e agir.

A meditação bem feita traz, por consequência, o espírito de apostolado. Os próprios religiosos contemplativos não escapam a esta regra, pois fazem apostolado, e do melhor. E se um contemplativo não tem zelo pela salvação das almas, pode-se dizer que sua contemplação é mal feita.

Meditar é exercitar-se no amor a Deus e ao próximo. Como pode alguém ter esse amor e ser indiferente a que a glória de Deus seja conspurcada a todo momento pelo pecado, e a todo instante as almas exponham a sua salvação?

Na realidade, ser apóstolo supõe, antes e acima de tudo, meditação. Pois um apostolado sem amor de Deus e do próximo não tem sentido nem consistência, é mera agitação(*).

 

Plinio Corrêa de Oliveira

(*) Excertos da conferência realizada na sessão solene de encerramento do 1° Congresso das Ordens Carmelitanas do Brasil em 30/10/1952, e publicada em Mensageiro do Carmelo, novembro-dezembro de 1952, p. 267-269.

Mãe da Divina Graça

Como esse título diz tudo! Nossa Senhora é a dispensadora de todos os dons e favores celestiais.

As graças de Deus constituem inexaurível tesouro, confiado por Ele à sua Mãe Santíssima. Ela é, portanto, a tesoureira das riquezas de Deus.

Por outro lado, Ela é a Mãe dos que necessitam dessas preciosas dádivas.

Assim, o título de “Mater divinæ gratiæ” exprime, de modo magnífico, a função maternal de Nossa Senhora em relação aos homens.

Nessa invocação sentimos o quanto Ela é nossa Mãe, e Mãe na ordem da graça, tendo para conosco solicitudes e bondades inimagináveis!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Viver em Maria

Conhecer e admirar as excelsas virtudes de Nossa Senhora, tendo-A continuamente em vista como nossa Mãe e misericordiosa advogada, é o meio de penetrarmos nesse “paraíso de Deus” e “jardim fechado” da Trindade — como nos ensina São Luís Grignion de Montfort no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, aqui comentado por Dr. Plinio.

 

Na parte final de sua obra, São Luís Grignion enumera algumas práticas piedosas, interiores e exteriores, que o devoto de Nossa Senhora deveria cultivar para se unir ainda mais a Ela. Segundo o autor, seriam meios pelos quais podemos “viver em Maria” e “fazer todas as ações por, com e em Maria”.

Aquela em quem o Altíssimo colocou sua glória suprema

Leiamos São Luís:

O Espírito Santo, pela boca dos Santos Padres, chama também a Santíssima Virgem: 1º, a porta oriental, por onde o sumo sacerdote Jesus Cristo entra e vem ao mundo (cf. Ez 44, 2‑3); por ela entrou da primeira vez, e por ela virá da segunda; 2º, O santuário da Divindade, o reclinatório da Santíssima Trindade, o trono de Deus, a cidade de Deus, o altar de Deus, o templo de Deus, o mundo de Deus. Todos estes diferentes epítetos e louvores são verdadeiros em relação às diversas maravilhas e graças que o Altíssimo realizou em Maria. Oh! que riqueza! que glória! que prazer! que felicidade poder entrar e habitar em Maria, em quem o Altíssimo colocou o trono de sua glória suprema!

Mas quão difícil é a pecadores, como somos, alcançar a permissão e a capacidade e a luz para entrar em lugar tão alto e tão santo, guardado não por um querubim, como o antigo paraíso terrestre, mas pelo próprio Espírito Santo, que dele se tornou o Senhor absoluto e do qual diz: “Hortus conclusus soror mea sponsa, hortus conclusus, fons signatus” (Cant 4, 12). Maria é fechada; Maria é selada; os miseráveis filhos de Adão e Eva, expulsos do paraíso terrestre, só têm acesso a este outro paraíso por uma graça especial do Espírito Santo, a qual devem merecer (Tratado, nºs 262 e 263).

Ter sempre em vista as grandezas de Maria

Conforme se depreende da interpretação desses tópicos, a alma que considera as maravilhas operadas por Deus em Nossa Senhora, percebe que Ela se assemelha a uma catedral, um santuário fechado, um jardim no qual somente se pode ingressar com a ajuda do dom divino.

Que significa, pois, entrar em Nossa Senhora?

Penso eu que se trata, exatamente, de ter continuamente em vista essas grandezas incomparáveis de Maria, inclusive as grandezas inconcebíveis e imensuráveis de sua misericórdia, em primeiro lugar. Segundo, em agir como alguém que se sabe filho d’Ela e que procura desenvolver sua vida espiritual em função dessas grandezas da Mãe de Deus e nossa.

Mas, diz São Luís Grignion, essas riquezas são tais que um homem, com suas cogitações conspurcadas pelo pecado original e suas faltas atuais, não é capaz de se elevar à altura delas. Então, acrescenta o autor, para isso importa que tenhamos o auxílio de uma graça especial do Espírito Santo, a graça da escravidão de amor à Santíssima Virgem, pela qual a entrada nesse jardim magnífico nos é franqueada.

Maravilha insondável que preenche os espaços entre Ela e o fiel

Outro ponto a se considerar é como devemos desenvolver nossa vida espiritual em função dessas grandezas de Nossa Senhora.

Antes de tudo, como já se disse, nutrir uma entusiasmada admiração pelas perfeições de Maria Santíssima, procurando avivá-las na alma através de leituras de livros que no-las apresentam, e de modo eminente o próprio Tratado escrito por São Luís Grignion de Montfort.

Tendo noção dessas grandezas, nunca se dirigir a Nossa Senhora a não ser com um sumo respeito, uma suma veneração e uma suma confiança. Como a uma criatura super-excelsa, altíssima, a mais alta de todas as criaturas abaixo de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, porque a mais alta, também a mais benigna, a mais condescendente, a mais afável, a que mais desce até nós. Com efeito, sua grandeza é tal que preenche todos os espaços entre Ela e o resto da criação, tornando-A inteiramente acessível, amável, misericordiosa e condescendente para conosco. Ela é a mais disposta a perdoar, a mais disposta a atender, a que não se zanga nem se irrita nunca, a que nos quer sempre, por motivos elevadíssimos e invariáveis.

Estreita intimidade materna

Então, procuremos desenvolver nossa vida espiritual em função dessas verdades. Tenhamos a certeza de que, ao nos voltarmos para Nossa Senhora, estaremos levantando nossos olhos para  muito alto, como quem contempla um horizonte longínquo, mas, ao mesmo tempo, admiramos o que há de mais próximo a nós. Porque nada, em toda a Criação, nos é mais chegado do que Maria, que nos envolve com uma intimidade materna da qual só não se pode dizer que é infinita.

Em virtude desse vínculo estreitíssimo, a alma amará não apenas a grandeza de Nossa Senhora, mas tudo quanto dela é reflexo na criação: os monumentos que têm autêntica magnitude artística e cultural; o fulgor de um brilhante que lembra a pureza imaculada da Virgem; a coragem de um herói porque evoca a Rainha vitoriosa sobre o demônio, enfim, tudo quanto há de belo no mundo, espiritual ou material, tende a reforçar os laços de admiração e amor de uma alma com a Mãe de Deus.

Afetos inimagináveis

Contudo, a consideração dessas grandezas pode produzir na alma do devoto de Nossa Senhora um compreensível sentimento da própria pequenez: “Minha Mãe, sois tão formosa e admirável! E eu, quão pobre e miserável!”

Não nos deixemos abater por esse pensamento, e nos lembremos do vínculo maior estabelecido entre a misericórdia materna d’Ela e cada um de seus filhos: “Apesar de tudo, tenho uma mãe que do alto do Céu olha com bondade e tristeza para minhas lacunas e que deseja me corrigir. Se eu pudesse Lhe falar e vê-La no momento em que considera meus pecados, eu me desfaria de ternura e pesar. Pois eu veria que Ela, embora não sendo complacente com minhas faltas, olha-me com um afeto tão imenso que não posso medir”.

Trata-se de um afeto superior a todos os carinhos humanos aos quais estamos acostumados, porque procede do fato de Ela conhecer o próprio amor de Deus em relação a cada um de nós. Por assim dizer, Ela nos ama como nos ama o Criador, com um afeto que participa do amor que Ela mesma tem a Deus. Ou seja, um amor estável, profundo, completo. Por isso, Maria nos quer com uma benevolência que nenhuma infidelidade pode cansar nem fazer cessar. Nada é capaz de extinguir a vontade d’Ela de nos fazer bem. Pelo contrário, não deseja senão nos favorecer com benefícios maiores, com favores exuberantes.

Tenhamos sempre presente essa noção da misericórdia de Nossa Senhora, durante todo o dia, nos momentos de alegria e de tristeza, de fidelidade ou de miséria, e saberemos como esperar, resistir, lutar. Assim se vive em Maria. Assim se habita nesse palácio maravilhoso, nesse jardim fechado. É ter Maria Santíssima continuamente, desse modo, presente diante de nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 16/6/1972)

Revista Dr Plinio 128 (Novembro de 2018)

Incansável e maternal proteção

Nossa Senhora está presente na ininterrupta luta que cada homem trava contra seus defeitos, para adquirir maiores virtudes. E ainda que não nos lembremos d’Ela, Maria intercede por nós no alto do Céu, com uma misericórdia que nenhuma forma de pecado pode esgotar.

Nossa Senhora não é um refúgio apenas para os que tenham cometido faltas leves, mas também para os autores de pecados de gravidade inimaginável e para os culpados das ingratidões inconcebíveis. Pois é próprio da grandeza da Mãe de Deus, na qual tudo é admirável e extraordinário, ser um imenso e perfeito refúgio.

Desde que o pecador se volte para Ela, a Virgem Santíssima cheia de bondade o protege, concede-lhe toda espécie de perdão, limpa-lhe a alma, dá-lhe forças para praticar a virtude e o transforma de filho pródigo em homem bom e fiel.

Plinio Corrêa de Oliveira – (Revista Dr Plinio 32 -Novembro de 2000)

Para alcançar a emenda de meus defeitos

Ó Senhora, Vós sois a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Mãe de todos os homens e, portanto, também a minha Mãe! Eu serei, talvez, o último dos filhos, mas Vós sois a mais alta e a mais excelsa de todas as mães. Se meus pecados são um abismo, a vossa compaixão é uma montanha muito maior do que esse abismo.

Sei que minhas preces, por si mesmas, não valem nada. Mas se o coração da mãe está sempre aberto a perdoar, amar e afagar, quanto mais o vosso, que sois a Mãe das mães! Assim, não desprezeis essas súplicas, mas atendei-as favoravelmente, pois Vos estou pedindo como filho. Alcançai-me a emenda de meus defeitos.

Sei, ó Mãe, que nunca deixareis de olhar com boa vontade para o filho que pede a vossa assistência. Por isso Vos imploro com insistência: tende pena de mim e arrancai–me de meus pecados. Assim seja.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 21/9/1991)