Oração pedindo a sabedoria

Ó Maria, Esposa Imaculada do Espírito Santo, dai-me a graça de ver os imponderáveis da Criação, de me enlevar por eles, e de ser impelido por um amor desinteressado à contemplação das perfeições que a alma humana possui pela natureza e pela graça.

Fazei-me subir dessa consideração à da natureza angélica e puramente espiritual, e, por fim, à de vosso Divino Filho que, na sua humanidade santíssima, é o ápice e a síntese de toda a Criação.

Fazei-me, em seguida, por um voo ainda mais possante de despretensão e de enlevo, fixar a minha mente na consideração da própria essência divina, da qual toda a Criação é imagem ou semelhança, de maneira que, analisando depois as criaturas, possa antegozar o Céu, preparando-me desse modo para entrar nele e Vos louvar por toda a eternidade. Amém.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

A confiança não será decepcionada

A Providência permite muitas vezes que as circunstâncias mais desalentadoras se acumulem uma sobre a outra de um modo inimaginável, mas continuamos a confiar. No fim, há um sucesso que coroa a nossa insistência, porque coroa a nossa confiança. Daria para ter desanimado, mas confiando, Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano acaba dando-nos a vitória. 

Há vitórias às quais se chega tendo passado por decepções e desagrados de toda ordem, dando-nos a impressão de que Deus nos abandonou, mas em certo momento nos mostram a presença da Providência na sua bondade, na sua generosidade, premiando a nossa confiança e a nossa coragem; esta é a glória do verdadeiro contrarrevolucionário.

Virá um momento em que meus filhos espirituais terão que lutar sem mim. Então, poderá haver movimentos de desalento com a ideia de que nada tem solução.

Tudo tem solução desde que confiemos sempre e, dentro dos maiores absurdos, digamos: “Confio em Deus, em Nossa Senhora; e essa confiança não será decepcionada. Vamos para a frente com passo firme e seguro, olhar para o Céu e terço na mão. A vitória será nossa!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/1/1994

Nossa Senhora

Meu filho, aqui estou eu sozinha, no canto a que teu desprezo me relegou, cheia daquele amor que tua rejeição comprime em mim e impede que se expanda.

Tal amor, porém, se conserva intacto em sua intensidade e sua abundância, palpitando de ansiedade, tristeza e pressa, à espera de que retornes, para envolver-te, lavar-te e te cumular do dom de habitar nele, como do dom da inocência primeva e de todos os outros dons.

O Santíssimo Sacramento e a misericórdia de Nossa Senhora

Nosso Senhor Jesus Cristo está presente em todos os sacrários, em cada hóstia, em cada fragmento de hóstia. E basta querermos nos aproximar e falar com Ele que o Redentor ali está para nos atender. Não O vemos nem O escutamos, porém o mais importante é que Jesus nos vê e nos ouve.

 

A devoção ao Santíssimo Sacramento e a devoção a Nossa Senhora! São tantos os aspectos por onde essas devoções podem ser consideradas, tantos os fulgores, tantas as maravilhas, que não há palavras suficientes para exprimi-los.

Levando em conta que um bom método para fazer com que as pessoas se interessem e adquiram gosto por um assunto consiste em mostrar-lhes o nexo entre elas, seus problemas e o tema tratado, vou considerar as vossas dificuldades e de cada homem em concreto, à luz da devoção ao Santíssimo Sacramento e a Nossa Senhora.

Por que Deus não retribui sempre nesta vida o bem ou o mal praticados?

Começarei por falar do Santíssimo Sacramento.

Em um de seus livros, Santo Agostinho levanta uma questão: se Deus fizesse com que nesta Terra os homens fossem punidos por todos seus atos maus e premiados por todos seus atos bons, não seria um modo de organizar bem as coisas? Porque se a cada pecado mortal correspondesse uma doença tremenda, acompanhada de uma cirurgia pesadíssima com risco de morte; se cada pecado venial causasse uma nevralgia de arrebentar, uma dor de cabeça de atordoar, um reumatismo de se arrastar pelo chão, é claro que os homens tomariam muito mais cuidado em não pecar.

De outro lado, se houvesse prêmios: a cada tentação rejeitada, uma viagem à Europa; a cada ato de virtude praticado, um esplendor a mais apareceria na personalidade do homem, por exemplo, ficaria mais insigne, mais amável, mais atraente e mais dominador. Andando pela rua, os seus conhecidos o olhariam e diriam: “Ele praticou um ato muito bonito. Ei-lo, como está magnífico!” Para promoção da virtude e repressão do pecado, indiscutivelmente seria de uma grande valia.

Ser virtuoso por amor a Deus e não por interesse

E Santo Agostinho responde muito bem: se a cada ato de virtude praticado nesta Terra os homens recebessem uma recompensa, e cada ato mau tivesse como efeito uma punição imediata, eles não praticariam a virtude por amor à virtude, nem evitariam o mal por horror ao mal, mas por interesse. Seriam todos uns subornados. Deus subornaria as pessoas para irem para o Céu, e não lhes pediria uma prova de desinteresse e de amor tão intensa quanto é a do homem que, sabendo que nesta Terra talvez não seja punido, e provavelmente também não seja premiado, vence a tentação cruel por amor a Deus e ódio ao pecado, sem se preocupar com uma recompensa ou um castigo terreno.

Sem dúvida, como diz Nosso Senhor, o homem virtuoso terá o cêntuplo neste mundo, mais a vida eterna. Mas o cêntuplo nem sempre é a felicidade terrena; muitas vezes são graças e mais graças para suportar espinhos e mais espinhos, cruzes e mais cruzes. Ele viverá no reino da Fé, da Esperança e da Caridade, portanto, das virtudes teologais. Mas é um reino que não apalpamos e ao qual precisamos ter muito amor para sermos realmente fiéis. Assim, teremos as recompensas e evitaremos os castigos eternos. Porém se olharmos em torno de nós, notaremos quantas pessoas péssimas vivem felizes e desdenham o homem bom que passa perto delas.

A solidão após a subida de Nosso Senhor ao Céu

Não obstante, se Deus quisesse, tornar-se-ia visível aos homens. E poderia fazê-lo com tanta magnificência, com tanto esplendor que homem nenhum deixaria de praticar a virtude. Ora, Ele não o fez. Pelo contrário, após a Ascensão, Nosso Senhor Jesus Cristo deixou aqui sua Mãe, portanto o que na Criação havia de melhor. Mas não era Ele… Jesus subiu ao Céu. Podemos imaginar o quanto Ela sentia a ausência d’Ele, a solidão, e como Maria Santíssima comunicava essa sensação a todos em torno d’Ela.

Como terá sido a descida do Monte das Oliveiras, do alto do qual O tinham visto subir para o Céu? Todos ao mesmo tempo cheios do esplendor do que tinham presenciado, mas muito entristecidos: Jesus foi embora e voltará somente no fim do mundo, para julgar os vivos e os mortos. Que dilaceração! Ele subiu para esses céus visíveis e penetrou nos Céus invisíveis, onde se deu uma festa invisível para a qual não estavam convidados. Eles desciam as encostas e permaneciam na Terra, enquanto Nosso Senhor subia para o Céu. Oh, que rumos opostos e que separação cruel e definitiva: até o fim do mundo!

Aqueles homens morreriam e depois deles outros ainda, e as gerações se sucederiam. Vê-Lo-iam ao passarem os umbrais da morte, após terem feito a grande e terrível viagem. Mas nesta Terra não. Somente no Céu.

Como seria delicioso estar junto a Nosso Senhor, conversar com Ele um instante!

Lembro-me de que, ainda menino, vendo os desenhos de meu livro de História Sagrada, que eu reputava ultra expressivos — santinhos e outras coisas semelhantes —, considerava como seria delicioso estar junto a Ele, como seria maravilhoso, arrebatador, formativo, santificante conversar com Ele um instante! Que o olhar d’Ele se aprofundasse dentro do meu, ao menos por um momento, e já seria muita coisa! Mas não! Séculos antes de eu nascer, já Ele estava no Reino celeste. Séculos depois de eu ter morrido, Ele também estará no Céu. Nesta Terra eu não O verei! 

Eu sentia uma espécie de separação, como se as portas de ferro de um cofre contendo um tesouro maravilhoso e repleto de Anjos — eram as portas do Céu — estivessem trancadas. E eu do lado de cá, desejoso de ver, mas para mim não, para os filhos de Eva não!

Isso me dava uma sensação de solidão. Aquele a Quem eu quereria ter conhecido, que teria dado sentido à minha vida, a Quem eu teria seguido; Aquele que com um olhar poderia ter resolvido tantas dificuldades em mim, retificado tanto caminho torto, simplificado tantas batalhas, eliminado tantas incertezas, estava do outro lado! Era como se uma voz me dissesse: “Você, Plinio, caminhará sozinho. Terá outras ajudas, a Ele não. Para você o sol, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, se pôs. Você nasceu na noite e morrerá na noite. Quando os seus olhos se fecharem e você tiver vencido a batalha desta vida — olhe em torno de si: quem está vivendo de maneira a ganhá-la?; você a ganhará? — então O verá. Mas é na outra vida, nesta não!”

E diante disso eu pensava: “Como estou só, como a luta é dura, Nosso Senhor está longe! Compreendo agora que Ele não poderia estar me aparecendo, e que eu não poderia estar no alto do Tabor com Ele continuamente porque não teria mérito na noite desta vida, na qual tenho a impressão de lutar só, não vejo nada e sou obrigado a reagir contra as minhas más tendências. Minha inteligência iluminada pela Fé me mostra o Bem, mas tenho que fazer esforço para ser fiel a Ele. Vejo, sobretudo, que este Bem que eu amo na Terra existe no Céu: um Deus pessoal e infinito que não conheço. Oh, que tristeza, que pena!”

”Meu filho, eu preparei para você esta maravilha: a transubstanciação!”

Aí surge a questão do mérito, e no mérito, o melhor de nossa vida. Era preciso que fosse assim. Nós ficamos nessa tristeza, mas diante desse drama de alma — porque para quem seja capaz de pensar, isto redunda num verdadeiro drama de alma — compreendemos o que a sabedoria e a misericórdia divinas prepararam para fazer companhia ao homem.

É como se a essas perplexidades Deus respondesse: “Meu filho, Eu quero lhe dar o mérito; não vou lhe aparecer, não vou premiá-lo nesta Terra, mas minha presença você terá. Sinto pena de sua solidão, tenho desvelo pela sua fraqueza e vontade de salvá-lo. Eu preparei para você esta maravilha: a transubstanciação!”

Sob as aparências do pão e do vinho, Nosso Senhor Jesus Cristo está realmente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade em todos os sacrários da Terra. E a presença d’Ele se multiplica, portanto, incontavelmente por todos os rincões do orbe, onde houver uma igreja católica com o sacrário. De maneira tal que, ao passarmos por uma igreja, fazemos o sinal da Cruz para testemunhar nossa convicção de que Nosso Senhor ali Se encontra como outrora na Terra Santa, nos dias de sua vida terrena.

E se fosse só isto! Se Nosso Senhor estivesse apenas a dois passos de nós, como ficaríamos comovidos! Mas Ele quis ir além de toda cogitação e instituir o Santíssimo Sacramento, de maneira a poder ser recebido por nós na Sagrada Comunhão. Ele quis habitar em nós como num sacrário!

Todos nós que estamos nesta sala fomos sacrários por alguns minutos, durante todos os dias em que comungamos ao longo de anos. Seremos sacrários, se Deus quiser, por alguns instantes até o momento de nossa morte. Que felicidade e que companhia! Que intimidade, que penetração! Ser um conosco a ponto de vir morar dentro de nós! Ninguém poderá jamais, com a inteligência, esgotar a medida dessa união e compreender a forma dessa misericórdia.

Presença insensível, mas inteiramente real, e que às vezes se torna sensível

Portanto, Deus tem pena de nosso isolamento e nos diz: “As portas do Céu estão fechadas, mas assim como Eu transpus os muros do Cenáculo e apareci entre os Apóstolos, agora também transponho as distâncias que separam o Céu da Terra e resolvo permanecer em todos os sacrários, em cada hóstia, em cada fragmento de hóstia, inteiramente presente. E basta os homens quererem aproximar-se e falar comigo que Eu estarei ali para atendê-los. Eles não Me verão nem Me ouvirão, porém o mais importante é que Eu os veja e os ouça”.

De fato, é Nosso Senhor quem tem as riquezas, as graças. E se Ele conhece as nossas orações, é sensível a elas e as recebe bem, que importância há em sentirmos ou não que Ele as recebe? A Fé nos diz que Ele as acolhe. É Ele mesmo Quem nos dá a graça para crermos no Santíssimo Sacramento e sentirmo-nos atraídos para junto d’Ele. E quando nos ajoelhamos para comungar ou para adorá-Lo, para recitar o Ofício ou o Rosário diante d’Ele, seu olhar pousa com amor sobre cada um de nós como outrora sobre os Apóstolos.

Se, por um lado, temos a sensação de isolamento num regime onde nossa prova é contínua por não sentirmos a presença d’Ele, por outro lado, temos a certeza de que Ele está sempre presente. Presença insensível, é verdade, mas inteiramente real e quão maravilhosa! Que coisa insondável!

Presença sempre insensível?

Sem dúvida, muitas vezes comungamos na aridez. Em várias fases da vida espiritual pode acontecer que um ou outro não sinta o que vou dizer agora; não por culpa, mas porque a graça dirige cada alma segundo desígnios inefáveis de Deus, levando-a para onde Ele quer, com vistas a realizar uma determinada forma de santidade pré-estabelecida pela Providência.

Mas creio não haver um nesta sala que, entrando numa capela, numa igreja onde está o Santíssimo Sacramento, não tenha sentido — se eu ousasse me exprimir assim — algo de “insensível”. Não é uma impressão que entra pelos olhos, nem pelo tato, nem por qualquer outro sentido; os sentidos estão alheios a isso. Mas a pessoa entra… e diz: “Ele está ali.”

”Magister adest et vocat te”

Lembro-me de uma antiga capela em São Paulo onde há o tabernáculo com o Santíssimo Sacramento. No alto da parede estão escritas estas palavras tiradas do Evangelho: “Magister adest et vocat te — o Mestre está aqui e te chama”(1). Como é verdade! Ajoelhamos ali e dizemos: “É evidente, não sei como, mas Nosso Senhor está presente! Tenho a sensação de que Ele me ouve”.

Sei, pela Fé, que Ele me ouve, e a impressão, que pelo menos eu pessoalmente tenho tantas vezes diante do Santíssimo Sacramento é de que Ele me diz qualquer coisa que não consigo explicar, mas poderia ficar um dia inteiro ali, sem recitar o Pai-Nosso, a Ave-Maria, o Glória-ao-Pai — orações excelentes, porém depende do caminho de cada alma. Digo que não seria preciso rezá-las, mas simplesmente estar ali e pensar: “O Mestre está aqui e me chama.” Mais nada.

Quantas e quantas vezes, encontrando-me numa capela do Santíssimo, de dia ou de noite, nas penumbras eucarísticas — para o mistério, convêm as penumbras — de repente a chama da lamparina junto ao sacrário aumentava e as sombras cresciam, depois diminuíam; e naquele silêncio a lamparina, de vez em quando, estalava e eu ouvia o frigir do óleo e pensava: “Que silêncio é esse em que tais barulhinhos se ouvem? Que solidão é essa em que a mudança das sombras toma tanta dimensão? O que há aqui para isso falar tanto à minha alma?”

É o silêncio criado pela presença d’Ele. É uma certa forma de penumbra cheia de unção, que é a penumbra eucarística, também criada a propósito d’Ele, na qual as coisas insignificantes tomam um vulto muito maior. Na vida cotidiana não se observa isso, mas fica-se fora da vida cotidiana, pois o eterno está ali.

Santos que tiveram a graça da permanência eucarística

Há santos que receberam a graça de ter o Santíssimo Sacramento continuamente presente em si, por exemplo, Santo Antônio Maria Claret, que foi Arcebispo de Cuba e capelão do Palácio Real na Espanha, e tinha um título lindo: Patriarca das Índias. Quando comungava, a graça da presença real permanecia nele e, portanto, era um sacrário até o momento da outra Comunhão, em que as espécies anteriores desapareciam, o fenômeno da digestão se operava e elas se transformavam, dando lugar às outras. Assim, ele tinha noite e dia a presença real.

Tenho ideia de ter lido a história de um ou outro santo que recebeu da Santa Sé o privilégio de carregar permanentemente consigo uma teca com o Santíssimo Sacramento. Eu gostaria de imaginar o grande São Tomás de Aquino — que, aliás, acho que possuía também esse privilégio da permanência eucarística — com uma teca contendo o Santíssimo Sacramento suspensa ao pescoço.

É lindo! É menos glorioso do que tê-Lo dentro de si durante o tempo inteiro. Mas podemos imaginar que companhia! E como o homem fica companheiro de Nosso Senhor!

Uma rosa nascida do Santo Sacrifício do Calvário

Monsenhor de Ségur(2) fala das três rosas dos bem-aventurados, que são a devoção à Eucaristia, a Nossa Senhora e ao Papa. Uma das rosas, portanto, é o Santíssimo Sacramento; rosa vermelha, purpúrea como o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não é possível considerar tudo isto sem pensar no Santo Sacrifício do Calvário do qual a Missa é a renovação incruenta. A presença real dá-se no momento da Consagração na Missa quando então se renova, sem a efusão de sangue, o Sacrifício do Calvário.

A piedade eucarística não pode consistir apenas em deleitar-se com a beleza desta rosa de cor púrpura. Se nós recebemos tanto desta rosa e a amamos, devemos provar nossa fidelidade e nossa coerência.

Importância de se fazer sério exame de consciência

Quantas vezes uma atitude corajosa, uma impostação de alma enérgica consigo mesmo, um ódio profundo aos próprios defeitos, um verdadeiro amor às qualidades que o Santíssimo Sacramento fez nascer em nós impõem ações mais duras do que um combate físico!

Era muito meritório o que em certas Ordens os religiosos faziam, não sei se ainda fazem: o sacrifício de se flagelarem todos os dias. É belo, muito nobre! Mas isto não é flagelar a alma. E o homem tem muito mais dor com o que lhe toca na alma do que no corpo.

Como se flagela a alma? Pelo exame de consciência: “O que você fez? Analise bem, entre em todos os pormenores, meça a sua culpa. Primeiro, descreva seu ato; depois avalie para si mesmo a malícia desse ato”. Isso obriga a alma a confessar para si mesma o mal que praticou.

Como isso é duro em muitas ocasiões! E quando vem uma lamúria: “Não, mas o outro também teve culpa…”, a consciência diz: “Ele pode ter tido culpa, mas você pecou por sua culpa, por sua culpa e por sua máxima culpa, porque você recebeu graças, sabia que aquilo não era bom e poderia ter dito não”. “Confiteor, miserere…” Que coisa bonita! Compunção, compenetração: “Andei mal, não vou repetir, perdão…” Como isso é a verdadeira batalha do verdadeiro guerreiro!

A limpeza e a honestidade de uma alma que deu tudo

Para ser bom polemista católico, saber discutir e sustentar a Fé, saber lutar com os adversários da Igreja no terreno da habilidade política e da manobra da opinião pública, para ser sagaz é necessário que o homem leve a sua capacidade até o fim.

Quando notamos que o mais modesto dos homens empregou seu esforço até o fim, nós o respeitamos. É um frutozinho minúsculo, mas nós o veneramos. Entretanto, se virmos o maior dos homens que empregou no esforço 80% de sua capacidade e 20% não utilizou, ele fica como uma lâmpada que ilumina, é verdade, mas deita mau cheiro e fumaça preta no ambiente. A fuligem escura vai penetrar no mesmo recinto iluminado pela lâmpada.

Para uma alma dar tudo e, no contato com ela, termos essa sensação de limpeza e honestidade de quem foi até o limite de si mesma — quão deleitável é esse limite, e como é belo tratar com almas assim! —, é preciso que essa alma saiba fazer exames de consciência, porque senão ela se defrauda.

Eu sei bem que quando se cobra com esta dureza o dever de um homem, ele tende a ter pena de si mesmo e a perguntar: “Dr. Plinio, o senhor não se compadece de mim? O senhor não mede todo o sacrifício que sou obrigado a fazer? O senhor não tem uma palavra de afago, uma expressão de afeto para me animar?”

É natural que eu fixe a minha atenção sobre essa consideração, que é o pórtico para o tema: “Nossa Senhora”.

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 24/10/1981)

1) Jo 11, 28.
2) Louis-Gaston de Ségur (1820-1881). Prelado e apologista católico francês. Entre as diversas obras por ele escritas, encontra-se “Les trois roses des élus”, à qual Dr. Plinio se refere nesta conferência.

Arca da Esperança

Durante o período em que Nosso Senhor jazia no sepulcro, só Nossa Senhora creu na Ressurreição.

Portanto, sobre toda a face da Terra Ela era a única criatura com uma Fé sem sombra de dúvida, uma expectativa imensamente dolorida por causa do pecado cometido, mas calma, às promessas evangélicas.

Maria foi a Arca da Esperança que continha em Si, como em uma semente, toda a grandeza e todas as virtudes que a Igreja haveria de desenvolver e semear ao longo dos séculos; todas as  promessas do Antigo Testamento e as realizações do Novo. Tudo isso viveu dentro de uma única alma: a alma da Santíssima Virgem.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/11/1971)

Eminente cooperadora na obra da Redenção

Se o gênero humano pôde beneficiar-se da Redenção é porque a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Se fez Homem, pois o pecado dos homens deveria ser resgatado. Ora, se Jesus Cristo assumiu nossa natureza, fê-lo em Maria Virgem, e assim esta cooperou de modo eminente na obra da Redenção, transmitindo ao Salvador a natureza humana que nos desígnios de Deus era condição essencial da Redenção.

Maria Santíssima ofereceu de modo inteiro e sumamente generoso o seu Filho como vítima expiatória, e aceitou sofrer com Ele, e por causa d’Ele, o oceano de dores que a Paixão fez brotar em seu Coração Imaculado.

Assim, pois, a Redenção nos veio por Maria Virgem, e sua participação nessa obra de ressurreição sobrenatural do gênero humano foi tão essencial e profunda, que se pode afirmar que Maria cooperou para nos fazer nascer à vida da graça. Pelo que Ela é autenticamente nossa Mãe.

Revista Dr Plinio 253 (Abril de 2019)

(Extraído de “O Legionário” de 10/12/1939)

Ação de graças por meio de Nossa Senhora após a Comunhão

Ó Maria Santíssima, minha Mãe, Vós encontráveis tantas maravilhas para dizer ao vosso Divino Filho quando Ele estava em vosso claustro virginal. Dizei-Lhe por mim aquilo que eu gostaria de dizer se conhecesse esses vossos sublimes colóquios.

Adorai-O como eu quereria adorá-Lo, porém – oh, dor! – não sou capaz. Dai-Lhe a ação de graças que eu deveria dar-Lhe, e não sei fazê-lo. Apresentai-Lhe atos de reparação pelos meus pecados e pelos do mundo inteiro, com um ardor que infelizmente não tenho.

Minha Mãe, pedi por mim tudo quanto minha alma necessita e tudo aquilo de que precisam todos os homens, para instaurar na Terra o vosso Reino. Porque, minha Mãe, o que Vos peço mais do que tudo é o triunfo da vossa glória e a implantação de vosso Reino, em mim e sobre todos os homens. Assim seja!

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 248 (Novembro de 2018)

A mais fulgurante das estrelas

Por que Nossa Senhora é simbolizada por uma estrela? Porque é durante a noite que cintilam as estrelas, e esta vida é para o católico uma noite, um vale de lágrimas, uma época de provação, de perigo e de apreensões.

Na eternidade teremos o dia, porém na vida terrena temos o escuro da madrugada. E nesta noite existe uma estrela que nos guia, que é a consolação de quem caminha nas trevas, olhando para o céu: Maria Santíssima, a mais fulgurante de todas as estrelas!

Plinio Corrêa de Oliveira, 24/8/1965

Hosana

Passar por reveses, derrotas, angústias, ansiedades, ver-se à beira da extinção, diante de imensos perigos, enfrentar aparentes decadências e, entretanto, pela graça de Deus acabar vencendo — eis o sentido cristão da palavra “admirável”. Exemplo paradigmático, a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Os maiores milagres, os maiores êxitos, uma verdadeira aclamação como Rei em Jerusalém no Domingo de Ramos, e uma súbita e inesperada derrocada que desfecharia nas dores e aflições da cruz. Pouco depois, o espetacular triunfo da Ressurreição. Isto é ser, na inteira força do termo, admirável!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

A verdadeira devoção a Maria

Damos início neste número à publicação de alguns trechos dos comentários de Dr. Plinio ao “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”, escrito por São Luís Maria Grignion de  Montfort. Conhecida por Dr. Plinio quando moço, esta obra era por ele considerada como um marco fundamental de sua espiritualidade.

 

São Luís Maria nos explica o motivo que o levou a escrever o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem: “Meu coração ditou tudo o que acabo de escrever com especial alegria, para demonstrar que Maria Santíssima tem sido, até aqui, desconhecida, e que é esta uma das razões por que Jesus Cristo não é conhecido como deve ser” (nº 12). 

Eis a razão da introdução e de todo o livro. Maria Santíssima é desconhecida, e deve ser conhecida, pois assim virá o reino de Cristo. O livro se destina, portanto, a propagar a devoção a Nossa  Senhora para que venha o reino de Nosso Senhor. Por “desconhecida” entenda-se “muito menos conhecida do que sua excelência e seus admiráveis predicados exigem”. 

Trata-se, por conseguinte, de uma obra de larga visão e alcance histórico muito amplo, fixando-se no desejo de trazer o reino de Cristo para um mundo que não o possui, através da devoção a Maria Santíssima. 

O fundamento teológico, São Luís Grignion o coloca no tópico 1: “Foi por intermédio da Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo”, isto é, se Maria Santíssima não tivesse existido, Jesus Cristo não teria vindo; “e é também por meio d’Ela que Ele deve reinar no mundo”, ou seja, a devoção a Jesus Cristo deve expandir-se a toda a humanidade por intermédio de Maria Santíssima. Difundir a devoção a Nossa Senhora é, pois, nesta perspectiva, de importância capital. O afervoramento da piedade: passo essencial Esse objetivo de São Luís Grignion se presta desde logo a um comentário. 

O Santo profeta se propõe a preparar o futuro reino de Cristo fazendo o que lhe parece ser o mais essencial,  importante, urgente, e que, na ordem concreta dos fatos, produzirá quase que automaticamente o resto: difundir a perfeita devoção a Maria. 

A derrota do espírito do mundo e a restauração da civilização baseada nos princípios da Igreja Católica não se começam, portanto, por meio da política, das obras, do talento ou da ciência.

Na época mesma de São Luís Grignion, Bossuet deslumbrava Versailles e Paris com seus sermões; entretanto, para evitar a derrocada religiosa da França, não foram decisivos. O começo da regeneração de todas as coisas está na piedade, no afervoramento da vida interior, nos fundamentos religiosos da vida de um povo. O apostolado essencial é de caráter estritamente religioso: afervorar, educar na piedade, formar caracteres; as outras coisas são conseqüências, complementos, importantes realmente, mas complementos.

Eis a grande lição que São Luís Maria Grignion de Montfort fixa já no início do Tratado, e depois desenvolve mais longamente: na formação dos caracteres a condição básica e indispensável é a devoção a Nossa Senhora. Possuindo-a de modo autêntico, as pessoas terão todos os meios sobrenaturais necessários para, com a correspondência da vontade, florescerem. Não se formando esta devoção, o próprio regime de expansão da graça na alma fica comprometido. Portanto, a devoção a Nossa Senhora é condição vital para tudo quanto diz respeito à salvação individual e da civilização, bem como à salvação eterna de todos quantos constituem, em dado momento, a Igreja militante. 

São Luís Grignion tinha, pois, em mente, com este livro, fazer uma obra da mais alta importância para a renovação dos séculos futuros. Cabe-nos, portanto, ser sôfregos em possuir esta devoção a Nossa Senhora por ele pregada. Em outros termos, fomos chamados pela Providência para uma obra definida, com objetivos definidos, e só a realizaremos se tivermos em nosso espírito esta devoção. Sendo ela, como vimos, indispensável para que o mundo se regenere em Nosso Senhor, se queremos com este escopo trabalhar, é necessário ir em busca desta devoção.

O Tratado não é, pois, um livro qualquer de piedade, apresentando uma devoção a algum santo, boa por certo, mas que se pode ou não ter, indiferentemente, “conditio sine qua non” para nosso trabalho. E só a atingiremos no mais alto grau, utilizando a forma com os fundamentos desenvolvidos por São Luís Grignion de Montfort;

Maria é a obra-prima do Altíssimo

Escreve o Santo: “Maria é a obra prima por excelência do Altíssimo, cujo conhecimento e domínio Ele reservou para Si” (nº 5).  Que belíssima noção! Maria Santíssima é tão grande que São Luís Grignion, sendo apenas um seu pequeno menestrel, é quase inesgotável quando fala d’Ela. Ele afirma ser Nossa Senhora tão extraordinária, colossal — pouco dizem estes adjetivos, aos quais de longe Ela transcende — que só Deus conhece em toda a extensão suas perfeições. Não podemos sequer ter uma pálida ideia disto. Há n’Ela belezas, culminâncias, encantos, perfeições, excelências 
que escapam e sempre escaparão completamente ao nosso olhar, e são somente por Deus contempladas. Imaginemos esses universos, essas constelações imensas de estrelas que o  homem não conhece e possivelmente jamais conhecerá, cujas maravilhas ficam reservadas à exclusiva contemplação de Deus:  assim é Maria Santíssima. 

N’Ela há esta nota de incognoscibilidade: paramos extasiados a seus pés, compreendendo que, após ter entendido muito, quase nada compreendemos. Estamos sempre no seu pórtico, que é para nós demasiadamente grande, tal a sua excelência.  

Ao olharmos uma noite de céu estrelado, em lugar de considerarmos apenas as grandezas de Deus — pensamento aliás muito louvável — sabemos contemplar também Maria Santíssima, incomparavelmente maior e mais formosa do que cada um dos astros do céu e do que todos eles no seu conjunto? Porque, sendo Ela a obra-prima da criação, toda a beleza, grandeza, excelência que Deus colocou no firmamento é pequena em relação às postas n’Ela pelo Criador; este céu não é senão uma imagem, uma figura da magnificência de Nossa Senhora. Apesar de ser mera criatura, tudo quanto n’Ela há, excede muito em perfeição todas as belezas criadas, de um modo inexprimível. Continua São Luís Grignion: “Maria é a Mãe admirável do Filho, a quem aprovou humilhá-La e ocultá-La durante a vida para Lhe favorecer a humildade, tratando-A de mulher — mulier — (Jo 2, 4; 19, 26), como a uma estrangeira, conquanto em seu coração A estimasse e amasse mais que a todos os anjos e homens” (nº 5). O Santo defende aqui a ideia de que, durante sua vida, também Nosso Senhor A manteve ignorada; apenas Ele A conhecia.

“Maria é a fonte selada (Ct 4, 12) e a esposa fiel do Espírito Santo, onde só Ele pode penetrar” (idem). É o retorno à ideia de Nossa Senhora como criatura reservada ao conhecimento de Deus.

“Maria é o santuário, o repouso da Santíssima Trindade, em que Deus está mais magnífica e divinamente que em qualquer outro lugar do universo, sem excetuar seu trono sobre os querubins e serafins…” Os anjos da guarda ocupam os graus inferiores na hierarquia celeste. 

Porém, tendo certa vez aparecido a uma santa o seu anjo da guarda, ela se ajoelhou, pensando estar na presença do Altíssimo. A grandeza dos anjos é tal que, no Antigo Testamento, em várias de suas aparições, os homens julgavam tratar-se do próprio Deus. E no Céu há miríades de anjos. Em que assombro ficaríamos se os víssemos todos e ao mesmo tempo! Nossa Senhora, contudo, está  acima de todos eles reunidos. Assim, diante de sua insondável alma, deparamo-nos novamente com termos de comparação, embora os melhores que possamos empregar, imperfeitos e totalmente insuficientes. 

“…e criatura alguma, pura que seja, pode aí penetrar sem um grande privilégio”. Existe, pois, uma categoria de criaturas privilegiadas que podem penetrar no conhecimento de Nossa Senhora. Tais criaturas, o Santo no-lo explica, são aquelas a quem Deus dá, por liberalidade, o dom que o comum das pessoas não têm, de conhecerem e praticarem a devoção a Nossa Senhora conforme o modo especial por ele ensinado. E os “apóstolos dos últimos tempos”, de que ele nos fala, possuirão este dom; por isso, serão terríveis no combate ao mal e eficacíssimos na defesa do bem. Serão almas elevadíssimas, que terão a graça de penetrar neste umbral da devoção a Nossa Senhora.

O paraíso do novo Adão

Continua São Luís Grignon: “Digo com os santos: Maria Santíssima é o paraíso terrestre do novo Adão…” 2 (nº 6). 

O paraíso terrestre era cheio de encantos, delícias, perfeições. São Luís Grignion diz que Nosso Senhor estava no ventre puríssimo de Maria Santíssima de modo análogo àquele — excelente e perfeito — com que Adão permanecia no Éden. Portanto, durante  gestação, Nossa Senhora era o paraíso do novo Adão, Jesus Cristo. Quando, na comunhão, recebemos este mesmo Jesus Cristo acostumado que está a tais paraísos, perguntamo-nos o que Ele achará da nossa hospitalidade? Oferecemos-Lhe ao menos, a Ele que condescende em descer à nossa choupana, o modestíssimo luxo de uma casa limpa? “… no qual Este se encarnou por  obra do Espírito Santo, para aí operar maravilhas incompreensíveis…” 

Nosso Senhor, durante sua vida em Maria Santíssima — e esta é uma belíssima ideia que São Luís Grignion desenvolverá mais tarde —, quando Ela era o tabernáculo no qual Ele habitava, já aí operou maravilhas. 

São Luís Grignion compôs inclusive uma oração dirigida a Nosso Senhor enquanto vivendo em Maria Santíssima — “O Jesu, vivens in Maria”… “É o grande, o divino mundo de Deus, onde há belezas e tesouros inefáveis. 

É a magnificência de Deus (Ricardo de S. Lourenço, De Laud. Virg., lib IV.), em que Ele escondeu, como em seu seio, seu Filho único, e n’Ele tudo que há de mais excelente e mais precioso. Oh! que grandes coisas e escondidas Deus todo-poderoso realizou nesta criatura admirável, di-lo Ela mesma, como obrigada, apesar de sua humildade profunda: ‘Fecit mihi magna qui potens est’” (Lc 1, 49).

O sentido inteiro do cântico do Magnificat só o entenderemos se considerarmos quem é Nossa Senhora. Realmente, é preciso nos lembrarmos do poder de Deus, para compreender que Ele possa ter operado essas maravilhas que n’Ela operou. “O mundo desconhece estas coisas porque é inapto e indigno”. Se antes o Santo nos falou que Deus concede a pessoas privilegiadas o favor único de poder penetrar nos umbrais desta devoção, agora se refere a uma geração (no sentido teológico e não biológico) que por sua maldade, impureza, indignidade, de detesta tudo isto. É o reverso da medalha. 

A devoção mariana é característica de todos os santos 

Afirma São Luís: “Os santos disseram coisas admiráveis desta cidade santa de Deus; e nunca foram tão eloquentes nem mais felizes — eles o confessam — que ao tomá-La como tema de suas palavras e de seus escritos” (nº 7). 

Esse trecho nos evidencia uma verdade muito importante. Não se deve pensar que a devoção a Nossa Senhora é um estilo de santidade inaugurado por São Luís Grignion, ou levado por ele ao último grau de intensidade. A devoção especialíssima e intensíssima a Nossa Senhora é característica de todos os santos. E, embora não se possa dizer que todos a tenham conduzido ao ponto levado por São Luís Maria, estudando a vida de piedade de qualquer deles notamos sempre uma devoção ardentíssima a Ela, a qual é a dominante logo abaixo do culto a Deus Nosso Senhor.

Essa devoção, contudo, se reveste em cada um de aspectos particulares. É raro, neste sentido, encontrar algum santo que não tenha cultivado um aspecto novo de piedade em relação à Nossa Senhora. E nenhum deles desconhece dever à intercessão d’Ela, não só seu progresso espiritual, mas até mesmo sua perseverança. 

Todos passaram por duras provas espirituais, das quais se viram livres por uma intervenção especial d’Ela. São Francisco de Sales, por exemplo, teve em sua juventude uma terrível crise, relativa ao problema de sua predestinação. Pensando no assunto, ficou quase tragado pelo abismo do tema e foi duramente assediado pelo demônio, o qual lhe insuflava que estava condenado. Isto lhe causou uma tremenda depressão. Começou a emagrecer, perder a saúde, nada havia que lhe restituísse a paz à alma. Certo dia, rezando diante de uma imagem de Nossa Senhora, pediu-Lhe, ainda que tivesse de ir para o inferno, lhe fosse dado não ofender a Deus na Terra — pois seu pavor do inferno não provinha do tormento, mas da ideia de ultrajar eternamente a Deus — e recitou a ração
“Memorare o piíssima Virgo Maria”, a qual estava escrita no pedestal da imagem. Ele mesmo nos conta que, logo após o término da oração, restabeleceu-se em sua alma uma paz admirável; percebeu então, claramente, o jogo do demônio de que estava sendo vítima, e recuperou aquela serenidade que viria a ser a nota dominante de sua vida espiritual.

Encontramos, assim, na existência de todos os santos, esta constante de uma particular devoção a Nossa Senhora. Ela é, pois, uma característica segura da verdadeira piedade, e devemos absolutamente duvidar da santidade de alguém que não a possua. Seria sofisma dizer: algo que é especial para todos não o será, por isso, para ninguém. A isto se pode responder: uma mãe com muitos filhos tem, para cada um deles, um carinho especial; e cada filho ama a própria mãe de um modo particular. Assim, cada um de nós deve amar Nossa Senhora de maneira inteiramente própria, especial e inconfundível. Ela, por sua vez, terá para conosco um carinho, que não será genérico, como de quem dissesse: “Eu amo toda aquela gente”; mas sim um afeto particular, que pousará sobre cada um de nós, individualmente considerados, como se só nós existíssemos na face da Terra.

Plinio Corrêa de Oliveira