Atitudes erradas em face dos “slogans” da Revolução

Reafirmando a necessidade de se combater a Revolução como esta age em concreto junto à opinião pública, Dr. Plinio alerta os contra-revolucionários sobre o triste equívoco de se apresentarem sob uma luz “simpática e positiva”, esquivando-se de atacar o adversário. Com essa atitude, adverte-os, a Contra-Revolução só tende a perder em conteúdo e dinamismo.

 

O mais importante para combater a Revolução é ler muitos livros?

“O esforço contra-revolucionário não deve ser livresco, isto é, não pode contentar-se com uma dialética com a Revolução no plano puramente científico e universitário.  Reconhecendo a esse plano toda a sua grande e até muito grande importância, o ponto de mira habitual da Contra-Revolução deve ser a Revolução tal qual ela é pensada, sentida e vivida pela opinião pública em seu conjunto.  E neste sentido os contra-revolucionários devem atribuir uma importância muito particular à refutação dos ‘slogans’ revolucionários” (p. 119).

Sem polêmica, diminui a reação contra-revolucionária

Não seria mais eficaz eliminar os aspectos polêmicos da ação contra-revolucionária?

“A ideia de apresentar a Contra-Revolução sob uma luz mais ‘simpática’ e ‘positiva’, fazendo com que ela não ataque a Revolução, é o que pode haver de mais tristemente eficiente para empobrecê-la de conteúdo e de dinamismo” (p. 119).

Poderia desenvolver este ponto?

“Quem agisse segundo essa lamentável tática mostraria a mesma falta de senso de um chefe de Estado que, em face de tropas inimigas que transpõem a fronteira, fizesse cessar toda resistência armada, com o intuito de cativar a simpatia do invasor e, assim, paralisá-lo.  Na realidade, ele anularia o ímpeto da reação, sem deter o inimigo.  Isto é, entregaria a pátria…” (p. 120).

O exemplo do Divino Mestre

Mas às vezes não é necessário empregar uma linguagem matizada?

“Não quer isto dizer que a linguagem do contra-revolucionário não seja matizada segundo as circunstâncias.

“O Divino Mestre, pregando na Judeia, que estava sob a ação próxima dos pérfidos fariseus, usou de uma linguagem candente. Na Galileia, pelo contrário, onde predominava o povo simples e era menor a influência dos fariseus, sua linguagem tinha um tom mais docente e menos polêmico” (p. 120)(1).  v

 

1) Para todas as citações: Revolução e Contra-Revolução, Editora Retornarei, São Paulo, 2002, 5ª edição em português.

 

Verdadeiros súditos de Maria

Segundo nos ensina São Luís Grignion de Montfort, nosso amor à Santíssima Virgem deve ser tal que conformemos nossa vontade inteiramente à d’Ela, de maneira que os caminhos pelos quais trilhamos e as ações que praticamos, sejam as ações e os caminhos desejados por Nossa Senhora.

Sejamos almas tão unidas à Mãe de Deus, que nossas cogitações e vias com as d’Ela se identifiquem. Assim, Maria estabelecerá em nossa alma o reino de seu Coração Imaculado: será verdadeiramente nossa Rainha e nós, seus verdadeiros súditos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 20/1/1971)

Apóstolo da mediação universal de Maria

Num século em que o jansenismo e outros erros demonstravam aversão à verdade da mediação universal de Nossa Senhora junto a seu Divino Filho, o apostolado e a obra de São Luís Grignion de Montfort — afirma Dr. Plinio no artigo transcrito a seguir — constituiu um dos “maiores monumentos à Santíssima Virgem”.

 

Muitos são hoje (…) os católicos que conhecem e admiram a obra do grande e fogoso missionário popular da França do século XVIII, São Luís Maria Grignion de Montfort, autor do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.

Nasceu ele em Montfort-la-Cane, na região da Bretanha, em 1673. Ordenado sacerdote em 1700, se dedicou à pregação missionária, principalmente na Bretanha, Normandia e Vandeia. As cidades em que pregou, inclusive as mais importantes, viviam em grande medida da agricultura e estavam profundamente marcadas pela vida rural. De sorte que São Luís Maria, se bem que não haja pregado exclusivamente a camponeses, ainda pode ser considerado essencialmente um apóstolo das populações rurais.

Suavidade e santa firmeza

Em suas pregações, que em termos modernos poderiam chamar-se sumamente “aggiornate”, ele não se limitava a ensinar a doutrina católica em termos que servissem para qualquer época e qualquer lugar, senão que sabia dar realce aos pontos mais necessários para os fiéis que o ouviam.

O gênero de seu “aggiornamento” (era muito original). Os erros de seu tempo, ele não os via como meros frutos de equívocos intelectuais oriundos de homens de insuspeitável boa fé: erros que por isso mesmo um diálogo destro e ameno sempre dissiparia.

Capaz de diálogo afável e atraente, ele não perdia de vista, entretanto, toda a influência do pecado original e dos pecados atuais, assim como a ação do príncipe das trevas na gênese e no desenvolvimento da imensa luta movida pela impiedade contra a Igreja e a Civilização Cristã. A célebre trilogia demônio, mundo e carne, presente nas reflexões dos teólogos e missionários de boa lei em todos os tempos, a tinha ele em vista como um dos elementos básicos para o diagnóstico dos problemas de sua época. E assim, conforme as circunstâncias o pediam, ele sabia ser ora suave e doce como um anjo, [ora firme e severo, como apóstolo] incumbido de anunciar as ameaças da Justiça Divina contra os pecadores rebeldes e endurecidos.

Esse grande apóstolo soube alternadamente dialogar e polemizar, e nele o polemista não impedia a manifestação das doçuras do Bom Pastor, nem a mansidão pastoral aguava os santos rigores do polemista. (…)

Mundanismo e jansenismo afastavam as almas da Igreja

A sociedade francesa dos séculos XVII e XVIII estava gravemente enferma. Tudo a preparava para receber passivamente a inoculação dos germens do Enciclopedismo, e desmoronar-se em seguida na catástrofe da Revolução Francesa.

Resumindo um pouco a visão de conjunto da sociedade francesa, pode-se dizer que nas três classes — clero, nobreza e povo — preponderavam dois tipos de alma: os laxistas e os rigoristas. Os laxistas, tendentes a uma vida de prazeres que levava à dissolução e ao ceticismo. Os rigoristas, propensos a um moralismo hirto, formal e sombrio, que levava ao desespero quando não à rebelião. Mundanismo e jansenismo eram os dois pólos que exerciam uma nefasta atração, inclusive até em meios reputados dos mais piedosos e moralizados da sociedade de então.

Um e outro – como tantas vezes acontece com os extremos de erro – levavam a um mesmo resultado. Com efeito, cada qual por seu caminho, afastava as almas do sadio equilíbrio da Igreja. Esta, efetivamente, nos ensina em admirável harmonia  a doçura e o rigor, a justiça e a misericórdia.

O maior louvor à Virgem Mãe de Deus

São Luís Maria Grignion de Montfort, como ardoroso pregador da austeridade cristã genuína, nada tinha da austeridade taciturna, biliosa e estreita de um Savonarola ou um Calvino. Ela era suavizada por uma terníssima devoção a Nossa Senhora. Em torno da mediação universal de Maria, o missionário francês construiu toda uma mariologia  que é o maior monumento de todos os séculos à Virgem Mãe de Deus.

 

(Extraído do “Última Hora”, de 29/5/1984)

 

Plenitude de Inocência

Nossa Senhora é a criatura dourada por excelência. Antes de seu nascimento, não houve em toda a história da Antiguidade quem tivesse um espírito tão inocente quanto o d’Ela. A inocência que, à maneira de vestígio, ficara difusa pela antiga humanidade, revigorou-se em Nossa Senhora.

Imaculada, toda pura e sem mancha alguma de pecado, Ela praticou na ordem da inocência um ato de virtude tão imenso, que se revestiu de uma plenitude paradisíaca por nós inconcebível. E dessa plenitude deriva nossa própria inocência.

“Maria mons, Maria pons, Maria fons”: Ela é a montanha de Deus, a ponte que a Ele nos conduz, o oceano de graças de que todos nos beneficiamos.

Plinio Corrêa de Oliveira

Confiança: flexibilidade nas mãos da Providência

A confiança vem da certeza interior de que a Providência irá conceder aquilo que Ela promete e que não conseguimos por nossas próprias forças. Os momentos em que é preciso confiar são os mais belos da vida de um homem.

 

Confiança em Nossa Senhora! Que magnífico! Que extenso tema cheio de aspectos, de profundidade, de luzes, cheio também de santas exigências!

Necessidade do auxílio da Providência

Como deve ser a confiança em Nossa Senhora?

A palavra “confiança” é cheia de doçura. Não há homem que não tenha necessidade de uma ajuda da Providência a todo momento de sua vida. Se ele é muito orgulhoso e não quer reconhecer a necessidade desse auxílio, o fardo que ele leva é pior, porque não há coisa mais terrível do que levar a vida no isolamento, sentindo a própria insuficiência. E não há homem que não seja insuficiente para a grande tarefa de viver.

Há uma expressão francesa que diz: “Entra-se e grita-se; é a vida! Grita-se e sai-se; é a morte!” Entre dois gritos está a vida de um homem. E quanto é isto verdade! Quanto a vida é cheia de sofrimentos! O homem nasce, e à medida que ele vai adquirindo o uso da razão, de um modo mais ou menos confuso, se estabelece no espírito dele a ideia de que a vida deve ser de um determinado modo.

Essa ideia é muitas vezes influenciada por desejos, por sonhos irrealizáveis, mas pode também ser algo nascido da reta ordenação das coisas, de uma ponderação exata das circunstâncias, que leva o homem a desejar aquilo cuja realização seria razoável. Em busca disto começa a história da vida de um homem.

Homens com e sem história

O que é a história de um homem? Conhecemos, por exemplo, a história deste, daquele; depois tal outro que não tem história. O que é a vida dos homens sem história?

Por mais modesta e apagada, ou por mais magnífica que seja a vida, ela tem história quando possui uma meta e há dificuldades para se alcançá-la. Mesmo quando a pessoa não consegue atingir a meta que traçou para si, ela tem uma história. Pode ser a história de um êxito ou de um fracasso. Por quê? Porque foi a trajetória de um esforço.

Quais são os homens que não têm história? São os que não deixam sulco na História. São os que não tiveram meta. Toda vida humana é interessante desde que ali tenha havido uma meta e um método para alcançar esse objetivo.

Um homem que, por exemplo, jornaleiro — hoje essa profissão não existe mais, era um ofício muitíssimo modesto —, que vende jornais andando pela rua, e gritando de um lado para outro, musicalizando: “O Estado, a Folha…” Às vezes víamos um homem maduro, que passara a vida inteira como jornaleiro, mas percebia-se nele a intenção de ter sido um determinado tipo de jornaleiro, e tinha ou não conseguido aquele intuito.

É uma história anônima. Mas se uma pessoa se debruçasse sobre ela, conhecesse os pormenores, soubesse quais foram as metas, as tentativas, o fracasso e o êxito, se fosse um bom escritor, faria daquela vida um grande livro. Porque onde houve uma meta e um método, esta história mereceria ser escrita.

Não merece ser escrita a história daqueles que não tiveram meta nem método, que passaram a vida vagueando de um lado para outro, sem querer e sem desejar nada, sem ter método para alcançar alguma coisa, ao sabor das circunstâncias, como uma cortiça jogada ao mar. Jogada no Atlântico, tanto pode ir parar no Mar Amarelo, como em Istambul, como pode passar cem anos flutuando nos espaços internos da baía de Guanabara e, depois, desintegrar-se. Não tem interesse, não houve meta, não houve método, houve apenas o jogo fortuito das circunstâncias… São os homens sem história.

Necessidade da confiança para cumprir os desígnios de Deus

Para os homens que possuem história, muitas vezes esta meta é verdadeira. Mas muitas vezes também a pessoa se engana. E chegar a conhecer a verdadeira meta da vida é uma graça. Alguns a têm nos primeiros albores da vida, outros quando a vida já vai madura, a mar alto! A Providência não quis lhes fazer conhecer antes a meta designada para eles. E eles foram vivendo na incerteza, à procura de uma meta, até o momento em que ela floresce dentro do mar onde eles estavam vagando sem sentido.

Às vezes a Providência tem metas desencontradas para uma mesma pessoa, para prová-la. Então, chama um homem, primeiro para guerreiro. Ele luta e, de repente, a Providência dá um jeito, o homem descobre em si mesmo um talento diplomático enorme. Ele deixa de lado a espada e começa a usar a lábia, a gentileza; entra pela diplomacia.

Em determinado momento, lhe vem a ideia, e é a vocação: “Eu devo ser padre, devo ser religioso… Vou — como São Pedro Armengol — ser um homem para resgatar os cativos… eu não quero outra coisa…”

São vidas que parecem quebradas, mas se somam formando um todo, uma bonita unidade, que se percebe melhor depois, quando a pessoa morreu e vemos o caminho seguido por ela.

Outro exemplo: Santo Inácio. Há uma beleza especial no fato de ele ter sido guerreiro antes de ser padre. E como embeleza ainda mais a vida deste Santo o fato de, entre o tempo de guerreiro e o de Fundador, ter passado um período de convalescença, com uma perna quebrada, lendo livro de cavalaria, depois livro de Santos, da biblioteca do velho castelo, e mandando quebrar três vezes a perna para consertar…

Como é bonito que depois esse fidalgo deixasse a corte e se vestisse como um mendigo, e fosse para um grupo escolar onde os meninos davam risada dele. Aquele homem já feito quase não tinha cultura. Ele tinha passado a vida guerreando e não tinha tido tempo de estudar. Ele recebe com humildade os apodos, até que sua alma começa a luzir como uma tocha! É a Contrarreforma que brilha nele, talvez como em nenhum outro Santo.

Como tudo isto é magnífico! Como estas coisas são feitas de tal maneira que o homem, para conhecer as vias de Deus, deve medir e pesar com sabedoria as circunstâncias.

De outro lado, deve ouvir a voz de Cristo — “voz misteriosa da graça que fala às almas palavras de doçura e de paz” — e dar mais um passo, fazendo um ato de confiança:

“Um impulso interno do lado bom de minha alma floresce quando eu formo a ideia de seguir tal rumo. Tudo quanto há de bom em mim fenece, quando penso no rumo oposto. Para lá eu devo andar! Há alguma coisa de Deus que me diz isso no interior da alma!”

Quantas e quantas vezes o homem se confunde a respeito da voz de Deus! É preciso medir pela razão, pela sabedoria, se esse impulso interno está direito. “Medi, rezei para conseguir fazer bem. Medi e dei o passo! Está lançada a história, eu comecei!”

Aqui aparece mais especialmente a necessidade da confiança. A pessoa formou aquela certeza e deve andar em determinada direção.

Rezar, rezar muito e não duvidar

Qual é o papel da confiança dentro disso?

“Nossa Senhora me chamou para isto, e Ela não chama em vão. Se a Santíssima Virgem me chamou, eu obterei. Ela muitas vezes me fará passar pelas avenidas dos becos sem saída, muitas vezes me fará conhecer o tormento das situações que não têm solução. Mas eu devo resistir a esses tormentos com muita calma, devo estar sereno… Porque, em determinado momento, as mãos d’Ela abrem as muralhas do beco como se fossem cortinas, e eu passarei com facilidade”.

É a confiança vinda daquela certeza interior, uma certeza meio do raciocínio e meio da graça, na qual nada é contra a razão, mas às vezes é mais do que a simples razão vê. Assim forma-se a resolução de fazer e seguir naquele rumo, sabendo que a Providência Divina acabará dando aquilo que a pessoa julga jamais conseguir. Esses são os mais belos momentos da vida do homem, em que ele diz: “Não consigo, não vou avante! ‘Salve Regina, Mater misericordiæ, vita, dulcedo et spes nostra, salve!'(1) Não tem saída, mas Vós, ó Mãe, sois a saída!”

Quantos e quantos fatos — e não só na vida dos Santos — provam como a alma verdadeiramente confiante, que soube continuar a esperar, mesmo quando tudo parecia perdido, obtém a graça almejada. O que é preciso é, em primeiro lugar, rezar; em segundo lugar, rezar muito; em terceiro lugar, não duvidar que será atendida.

Diante de obstáculos insuperáveis, a certeza do auxílio de Nossa Senhora

Como se define a virtude da confiança?

É a virtude pela qual o homem, levado pela luz da razão e pela luz da Fé, se convence de que um determinado caminho é o dele, e convencendo-se disso, diante dos obstáculos mais impossíveis, das dores mais terríveis, tem certeza de que Nossa Senhora o ajudará. Então, ele não se perturba, não duvida, e nas circunstâncias mais terríveis ele se mantém calmo e em ordem, porque sabe que Nossa Senhora virá em seu socorro. Esta é a virtude da confiança.

A condição da virtude da confiança é não duvidar. Se o homem não duvida, a sua confiança será atendida e premiada. Pelo contrário, se duvida, ele pode não obter. E é por causa disso que a confiança é uma das condições fundamentais da oração. Uma oração confiante move as montanhas.

Desse modo compreende-se como nós devemos nos preparar para a confiança. Custe o que custar e seja de que maneira for, confiar, confiar, confiar! Esperar contra toda esperança! Quando tudo parecer sem solução, confiança, confiança, confiança! A solução vem!

Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio, confiar é tão doce, é um Céu na Terra! Nós não compreendemos onde está a virtude, por que pode haver sacrifício em professar uma confiança tão doce?!”

O homem tem um desejo do Céu, no seu lado bom; mas, no seu lado ruim, ele tem uma misteriosa tendência para os abismos. E um homem que está confiando, e deve a paz e a alegria de sua alma à confiança, tem uma inclinação esquisita a duvidar. Ele fica desconfiado e lhe agrada perguntar-se a sim mesmo: “Será?!…” Agrada-lhe afligir-se, desesperar-se. Este se afunda…

Isso se deu no episódio de São Pedro andando sobre as ondas.

Nosso Senhor mandou-o ir até Ele, São Pedro começou a andar; mas, em certo momento, em vez de olhar para Nosso Senhor, olhou para as ondas. E, coisa terrível, veio a pergunta: “Será?”

Nós não temos o direito de atirar a primeira pedra, mas São Pedro, numa hora destas, deve ter duvidado. Em vez de olhar para a face de Nosso Senhor, que lhe daria toda a certeza, olhou para as águas. Nem era preciso que houvesse água, podia haver vácuo, se ele confiasse caminharia em cima! Podemos imaginar que, para prová-lo, a onda tenha sido tão grande que o tenha feito perder a visão direta da face de Nosso Senhor, e por isso tenha começado a afundar.

Até o momento em que pede ajuda a Nosso Senhor, que o salva. Mas ainda aí há a tentação da desconfiança: “Desta eu escapei, em outra não me meto — a alma humana é assim — chegando à terra firme, nunca mais navego!” Um homem que agisse assim pecaria contra a confiança!

Transponho isso para a nossa vida de apostolado. A três por dois estamos numa situação que não tem saída, num embrulho sem arranjo. Às vezes pensamos que temos a solução na mão. Não temos! Em certo momento, se soubermos confiar, vemos aquilo sendo resolvido. Quando menos esperamos, num canto do horizonte a tempestade começa a passar. Daqui a pouco passa completamente. A primavera chega, vem o verão da confiança. Mas, depois, mais adiante as coisas vão se fazendo novamente esquisitas. “Ih, desta vez não sei se dará certo… Das outras deu, mas desta dará? Que complicação!” São os outonos da confiança. E depois vêm também os terríveis invernos da confiança, em que tudo parece ir contra e dar resultado desfavorável. É preciso confiar, rezar; rezar, confiar, porque Nossa Senhora acabará arranjando.

Há um ponto delicado dentro disso. Tão delicado que, tanto quanto eu me lembro, o próprio Abbé Saint-Laurent, no Livro da Confiança, não trata. É o seguinte.

Nossa Senhora quer que alguns façam uma obra na Terra, e deseja conservá-los para realizar esta obra. Mas de outros Ela dispõe que sejam vítimas expiatórias. E a vítima expiatória deve aguentar nas costas toda espécie de sofrimentos para obter o resgate dos outros. Uma espécie de mercedário, mas com vistas à outra vida. Sofre nesta vida para evitar que outros vão para o Inferno.

E às vezes a Providência dá a entender: “Meu filho, resolvi abreviar a sua vida. E quero o holocausto completo. Você vai morrer!” A ideia da morte causa espavento! Causa dor e tormento! O homem chora diante da ideia da morte! Ele pede para ser daqui a pouco, para terminar tal negócio, acabar tal relação, para fazer tal outra coisa… “Não! Chegou a sua vez de morrer!” É preciso morrer com confiança.

O que significa aí morrer com confiança?

“Eu pensei que a Providência fosse me dar uma longa vida, e confiava que assim seria. Mas, de repente, por um pecado meu, ou porque Deus quis de mim o sacrifício por alguém que eu não conheço, mas que Ele quer salvar, a Providência me pede: ‘Meu filho, queres morrer por mim? É novo, é uma sugestão nova… Tu não sabias, tu não conhecias. Queres morrer por mim?’”

E é preciso ter a confiança de dizer:
— Senhor — ou Senhora —, se Vós o quereis, eu quero também!

É o curso terrível e natural das coisas. É, por exemplo, Santa Joana d’Arc, a heroína da confiança. Confiou, venceu, mas em certo momento foi presa, vendida pelos borguinhões aos ingleses, submetida ao injustíssimo e infamíssimo processo da Inquisição contra ela e, depois, queimada viva.

No último momento, o grande ato de confiança: “As vozes não mentiram! Realmente aquilo que foi prometido, acontecerá!” Ela deve ter tido alguma revelação.

Os paradoxos da confiança

A confiança é bifásica. Ela pede que confiemos de que as coisas vão correr de um determinado jeito, e normalmente correm. Mas, por uma razão excepcional, elas podem não correr. Então se deve começar a confiar num plano mais alto da Providência que não sabemos qual é.

A confiança é para todos os momentos, para todas as formas. Ela exige, portanto, que tenhamos a certeza de que seremos socorridos, mas, paradoxalmente, ao mesmo tempo experimentemos a impressão de que o auxílio não virá. E fiquemos resignados caso a Providência queira qualquer outra coisa. A confiança comporta esta flexibilidade: quando confiamos numa coisa, se acontecer algo contrário, não nos revoltamos, e nos entregamos. É a confiança em Nosso Senhor Jesus Cristo.

Aí se compreende também toda a doçura e bondade que há no título de Mãe de Misericórdia, e como Nossa Senhora da Divina Providência é a Mãe de Misericórdia num sentido muito especial da palavra, uma espécie de requinte da invocação de Nossa Senhora Auxiliadora. Para Ela, devemos nos voltar em dias como estes.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência de 17/11/1984)

 

1) Do latim: Salve Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve!

Canal da clemência divina

A insondável misericórdia de Maria Santíssima nos leva a esperar com maior confiança na misericórdia infinita de Nosso Senhor Jesus Cristo.

É Ela o canal da clemência divina para com os homens, e por esse manancial a bondade do Criador flui com inesgotável exuberância. Sobretudo nos momentos em que nossa alma se julga abandonada e na “estaca zero” da vida espiritual, a Mãe de Misericórdia se acha mais próxima de nós. Nessa hora, confiar no socorro d’Ela é um supremo ato de fidelidade o qual cumpre praticarmos.

Nossa Senhora jamais nos abandonará no meio do caminho.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 17/5/1968)

Oração à Mãe do Bom Conselho

Ó Mãe do Bom Conselho, eu Vo-lo suplico: falai no mais íntimo da alma deste vosso filho e escravo.

Tornai, assim, sempre presente a meu espírito a convicção de que são objetivas — e não meros frutos da imaginação — as graças que, segundo firmíssima tradição, concedeis a vossos devotos pelas “mudanças” de vossa fisionomia.

Convencei-me de que podeis instilar, desta forma, nas almas, convicções de confiança e paz que valham por verdadeiras promessas vossas.

Tendo em vista os auxílios providenciais que em várias ocasiões inesperadamente me concedestes, peço-Vos que acresçais ainda mais minha confiança, de sorte que ela se torne inabalável em todas as ocasiões.

Pela virtude dessa confiança, dai-me a certeza de que, através de graças avassaladoras, tornar-me-eis um perfeito cavaleiro vosso; exorcizai e enviai para longe de mim qualquer influência diabólica; e uni-me cada vez mais a Vós, para Vos servir na Terra e Vos louvar no Céu. Assim seja.

Plinio Corrêa de Oliveira

Oração: Ó Mãe boníssima

Cada festa celebrada pela Igreja é acompanhada de enorme efusão de graças correspondentes às dádivas recebidas em vida pelo santo então celebrado. Isto se dá também quanto aos mistérios da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou de Nossa Senhora, que eventualmente consideremos em determinada celebração.

Ora, aproxima-se o dia em que a Santa Igreja reserva para contemplarmos liturgicamente o “mistério dos mistérios”, ou seja, a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo e a redenção do gênero humano.

No momento em que Ele, expirando, disse “consummatum est” e sua Alma se separou do Corpo, a redenção se operou. O gênero humano, de perdido que era, passou a ser salvo. Nesse momento, nós fomos resgatados e a fonte de todas as graças se abriu para nós.

De fato, por causa de seu sacrifício, Nosso Senhor Jesus Cristo é uma fonte de graças aberta para todos nós; este sacrifício abriu para nós uma infinita torrente de misericórdia, que nos traz toda espécie de bem e de perdão, desde que verdadeiramente queiramos dela nos beneficiar.

(Extraído de conferência de 7/4/1966)

A Santa Igreja, espelho das virtudes de Maria

Ao comentar os ardorosos louvores que Santo Agostinho dirige a Nossa Senhora, Dr. Plinio tece um paralelo entre os excelsos predicados de Maria e a Santa Igreja Católica Apostólica Romana — virgem na sua perfeição sem mácula, e mãe de todos homens nela batizados e engendrados como filhos de Deus.

 

O grande Santo Agostinho deixou-nos esse belo texto a propósito das virtudes de Nossa Senhora:

Ó Maria, cumpristes perfeitamente a vontade do Pai Celeste. Vossa maior honra, vossa maior felicidade não foi de ter sido a Mãe, mas a discípula de Cristo. Bem‑aventurada sois por terdes ouvido o Verbo de Deus e conservado [sua palavra] em vosso coração. Vós guardastes a verdade de Cristo em vossa inteligência, mais ainda que sua carne em vosso seio. Não se saberia comparar‑vos às mulheres do Antigo Testamento, a Ana, a Suzana. A que alturas não vos elevastes acima delas? Aqui ainda não falamos na santa virgindade; vossas outras virtudes, ó Maria, há no mundo alguém que as ignore?

Maria, “beleza e dignidade da Terra”

Para exemplo e ensinamento para todas as mulheres, convém somente não esquecer vossa santa e admirável modéstia.

Cumpre ressaltar que, na linguagem católica, modéstia não significa acanhamento, nem a pessoa estar de olhos baixos, apagada, sumida. Trata-se de ter boas maneiras, compostas e elevadas, de acordo com a virtude cristã. Prossegue o comentário de Santo Agostinho:

Vós fostes julgada digna de conceber o filho do Altíssimo e, entretanto, permanecestes a mais humilde de todas as criaturas; porque fizestes sem cessar a vontade de Deus, sois segundo a carne e o espírito, a Mãe de Cristo, sua Mãe e sua irmã, mulher única, mãe e virgem, e o sois corporal e espiritualmente.

Mãe da nossa cabeça, que é o Salvador,  sois também, e perfeitamente, mãe de todos os membros de Cristo, porque cooperastes, por vossa caridade, para o nascimento dos fiéis na Igreja.

 Única entre todas as mulheres sois, ainda uma vez, mãe e virgem. Mãe de Cristo e virgem de Cristo. Foi por vós, ó Mãe do Senhor, que a dignidade virginal começou sobre a Terra. Por Vós, ó Maria, que merecestes ter um filho, mas que o merecestes sem deixar de ser virgem. Para honra do Salvador Jesus, o pecado não se aproximou de Vós. Sabemos que para vencer o pecado, e vencê-lo por completo, foi dada a graça abundante à criatura digna de conceber e de cuidar do Impecável.

A beleza e a dignidade da Terra sois Vós, ó Virgem, que fostes sem cessar a figura da Santa Igreja. Por uma mulher, a morte; por uma mulher, a vida. E essa última sois Vós, ó Mãe de Deus.

Assim como Nossa Senhora, a Igreja é virgem e mãe

Desse lindo trecho de Santo Agostinho parece-me oportuno salientar o pensamento final, quando ele se refere a Nossa Senhora como sendo a figura perfeita da Santa Igreja Católica. Se ousarmos aprofundar a ideia do insigne autor, poderíamos nos perguntar em que sentido a Igreja, assim como Nossa Senhora, é igualmente virgem e mãe, tornando-se, por sua vez, imagem magnífica de Maria Santíssima.

A Igreja é virgem no sentido de que manifesta uma santidade inteira, sem nenhuma forma de condescendência para com o mal. Por causa disso, nela não se acha mácula alguma e é, portanto, intacta como uma virgem consagrada a Deus.

Por outro lado, ela é mãe, pois todos os homens nascem para a vida espiritual de dentro da Igreja; no seio desta são batizados e engendrados como filhos de Deus e irmãos de Nosso Senhor Jesus Cristo. E ela procede como uma mãe em relação a seus rebentos, nutrindo-os com os sacramentos, propiciando-lhes os dons sobrenaturais da graça, formando-os por meio de seu magistério infalível e os guiando em bom caminho por meio da autoridade da hierarquia eclesiástica. Dessa forma, ela exerce junto a cada católico todos os ofícios e misteres que uma boa mãe dedica a seu filho.

Estabelecido esse paralelo, pode-se aplicar à Esposa Mística de Cristo a mesma afirmação — repassada de beleza e de veracidade — que se faz de Nossa Senhora: ninguém é mais virgem do que a Igreja, e ninguém mais do que ela é mãe, pois entre todas as instituições e todas as mães da Terra, nenhuma teve uma maternidade mais copiosa do que a Igreja Católica. Desde o momento em que foi fundada, até o fim do mundo, a maioria dos homens que se salvarem serão gerados em seu grêmio e por ela conduzidos à bem-aventurança eterna.

Remédio para as dificuldades espirituais

 Daí se compreende como o amor à Igreja Católica é uma fonte de todas as virtudes. Quem a considera e a ama como à melhor das mães, alcança graças e forças para se santificar.

Não raro, ouço lamentações de pessoas que sentem dificuldade em perseverar na prática dos Mandamentos ou em progredir na vida espiritual. Ora, uma das muitas soluções — pois a Igreja é a cidade da salvação onde para toda doença há diversos remédios — é exatamente aumentar nosso amor a ela. Crescendo nesse amor, nossa determinação para praticar o bem e repudiar o mal também aumentará.

Fixemos, então, esse pensamento valioso: a Igreja é a figura de Nossa Senhora, ela é resplandecente e bela na Terra, e devemos procurar amá-la como desejamos amar a Santíssima Virgem hoje e no Céu. Amemos a Igreja acima de todas as coisas no mundo, na sua hierarquia, nos seus mil aspectos autenticamente divinos.

Três elementos da beleza da Igreja

Por exemplo, evoquemos apenas três elementos da Igreja, dignos de nosso amor e de nosso entusiasmo. Primeiro, a infalibilidade pontifícia: a figura de um homem infalível, governando a todos e ensinando à humanidade o caminho da salvação. Nunca se concebeu, em matéria de autoridade e orientação, algo mais belo e mais nobre do que o Papado.

Admiremos, por outro lado, a Eucaristia. Sob as espécies consagradas, de modo misteriosamente oculto, está Nosso Senhor Jesus Cristo, realmente presente entre nós, em corpo, alma e divindade. E é a Igreja que oferece essa possibilidade de o homem estabelecer com Deus um convívio tão íntimo e até insondável. O Criador vem ao homem e como que se faz um com este. Pode-se imaginar algo mais esplêndido do que o Onipotente condescender em ter tal familiaridade com cada um de seus filhos?

Por fim, pensemos no sacramento da Penitência. Difícil seria conceber nossa existência neste vale de lágrimas se não nos fosse dado abrir sobre os nossos pecados e não tivéssemos a certeza do perdão de Deus através da absolvição ministrada pelo sacerdote no confessionário. Um confessionário: que obra-prima de sabedoria e de discrição, com a inviolabilidade do segredo de consciência nunca traído!

Então compreendemos melhor quão maravilhosa é a Igreja e quão digna de nosso amor. Meditemos nessas verdades e, com o misericordioso auxílio da Virgem Mãe, encontraremos em nós maior resolução para combater nossos defeitos e  praticar a virtude.

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 24/9/1969)

Revista Dr Plinio 121 (Abril de 2019)

Oração a Nossa Senhora do Brasil

Ó Maria, abençoai-nos, cumulai-nos de graças e, mais do que todas, concedei-nos a graça das graças: Ó Mãe, uni intimamente a Vós este vosso Brasil!

Tornai sempre mais maternal o patrocínio tão generoso que nos outorgastes. Tornai sempre mais largo e misericordioso o perdão que sempre nos concedestes.

Aumentai vossa largueza no que diz respeito aos bens da terra, mas, sobretudo, elevai nossas almas no desejo dos bens do Céu.

Fazei-nos sempre mais fortes na luta por Cristo-Rei, Filho vosso e Senhor nosso. De sorte que, dispostos sempre a abandonar tudo para Lhe sermos fiéis, em nós se cumpra a promessa divina do cêntuplo nesta Terra e da bem-aventurança eterna.

Ó Senhora Aparecida, Rainha do Brasil, com que palavras de louvor e de afeto Vos saudar no fecho desta prece? Onde encontrá-las senão nos próprios Livros Sagrados, já que sois superiora a qualquer louvor humano? De Vós exclamava, profeticamente, o povo eleito palavras que amorosamente aqui repetimos: “Tu gloria Ierusalem, tu lætitia Israel, tu honorificentia populi nostri” (Jt 15, 10).

Sois Vós a glória, a alegria, a honra deste povo que Vos ama!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído do Jornal “Última Hora” de 12/10/1983)