Madonna del Miracolo: altíssima obra de Contra-Revolução

Num mundo em que o demônio, através da impureza e do orgulho, vai arrastando as almas para a Revolução, Nossa Senhora nos comunica o gosto pela despretensão e pela castidade. Estas são considerações de Dr. Plinio ao analisar o quadro de Nossa Senhora do Miracolo.

 

Ocorreu-me a ideia de fazer um “Ambientes, Costumes e Civilizações”, procurando exprimir os imponderáveis existentes no quadro de Madonna del Miracolo, ou Nossa Senhora do Milagre.

A figura é muito semelhante à de Nossa Senhora das Graças, um pouco alterada.

Maria Santíssima está vestida como se trajavam as senhoras no tempo de sua existência terrena: uma túnica grande e uma capa. Esta é azul-celeste, a cor de Nossa Senhora; a túnica é de um discreto rosado, enquanto que nas imagens de Nossa Senhora das Graças costuma ser branca. Ela está com a fronte encimada por uma coroa, o que as imagens de Nossa Senhora das Graças geralmente não têm. Um círculo de doze estrelas serve a Ela de resplendor. É uma alusão à aparição de Nossa Senhora no Apocalipse. Como se pode notar, Ela não está esmagando a cabeça da serpente. Das suas mãos partem raios em abundância, que significam as graças por Ela concedidas.

Misto de grandeza e misericórdia

Sua fisionomia é discretamente sorridente. Maria Santíssima não está propriamente sorrindo, mas olhando para a pessoa que está ajoelhada diante d’Ela, de um modo muito afável, acolhedor, com uma enorme vontade de atender o pedido, de ajudar. Mas, ao mesmo tempo — e as coisas se completam bem —, Ela é muito régia, não só por causa da coroa, mas ainda que se Lhe tirassem a coroa. Notem o porte d’Ela. Tem-se a impressão de que é uma pessoa alta, esguia, muito bem proporcionada, e qualquer coisa de imponderável da consciência de sua própria dignidade aí transparece. Quer dizer, percebe-se que é uma Rainha, muito menos pela coroa do que pelo seu todo; enfim, pelo misto de grandeza e de misericórdia que d’Ela emanam.

Efeito apaziguador

Parece-me que o elemento mais tocante dessa imagem é algo de inexprimível, que, à primeira vista, não encontra sua explicação em nenhum elemento concreto do quadro. Não só por causa do sorriso, mas é um todo que vou tentar depois explicar; essa imagem trás consigo qualquer coisa de apaziguador. Quem olha para essa estampa tende a ficar apaziguado, serenado, tranquilizado, como quem tem as suas más paixões em agitação acalmadas, suas angústias favorecidas por uma distensão, por certa calma, como se ouvisse: “Meu filho, Eu dou jeito em tudo, Eu arranjo tudo, não se impressione, haverá um modo. Eu estou aqui ouvindo-o; você precisa de tudo, mas Eu posso tudo, e o meu desejo é de lhe dar tudo. Portanto, não tenha dúvida, espere mais um pouco. Mas super abundantemente você terá o que Eu quero”.

Acima de tudo, a imagem — a meu ver, este é seu elemento mais apaziguador e encantador — tem qualquer coisa indicando que Nossa Senhora Se oferece à pessoa que está diante d’Ela, dizendo-lhe: “Meu filho, Eu sou toda sua, você pode pedir o que quiser. Eu para você não tenho reservas, recuos, recusas e nem recriminações pelos seus pecados. Eu o estou olhando num estado de alma, numa disposição de ânimo, por onde você de Mim consegue tudo o que você pedir e muito mais ainda”.

A estampa deixa isso tudo em certo mistério; mas um mistério suave, diáfano, mais ou menos como o de um dia com céu muito azul em que se pergunta o que haverá para além do azul; não é um mistério carregado, de um dia nublado, onde se indaga o que existirá por detrás das nuvens. Maria Santíssima como que diz o seguinte: “Se você conhecesse o dom de Deus, se soubesse quanta coisa Eu tenho para lhe dar, e que maravilhas há em Mim… Eu transbordo do desejo de lhas conceder. Como você compreenderia bem o que Eu sou se quisesse abrir os olhos para essas maravilhas!”

Esse apaziguamento que Ela comunica é uma espécie de primeiro passo para a pessoa que queira se deixar maravilhar. Recebendo esta misteriosa ação da graça, ela começa a admirar e perguntar o que a imagem está exprimindo.

Felicidade da pureza e da despretensão

Ela exprime uma excelsa impressão de pureza que quase ofusca, mas não de um ofuscamento que machuca. É tanta pureza que, no início, nem nos lembramos bem de pensar nesta virtude; de tal maneira é pura que, por assim dizer, transcende a pureza.

Contemplando essa estampa, a pessoa não só admira essa pureza, mas ela lhe comunica algo do prazer de ser pura. Muitos têm a ilusão de que a felicidade está na impureza; essa imagem faz com que se compreenda a inefável felicidade que a pureza dá, perto da qual toda felicidade da impureza é lixo, tormento, aflição. Nossa Senhora está inundada de felicidade, a qual é inseparável de sua pureza.

Outra coisa é a humildade. Maria Santíssima está aqui como Rainha, mas em sua atitude Ela faz abstração de toda a sua superioridade sobre a pessoa que reza diante d’Ela. E trata-a como se fosse, não digo de igual a igual, mas uma pessoa que tem proporção com Ela; quando nenhum de nós, e nenhum santo, tem proporção com Ela. Nossa Senhora é completamente fora de proporção em relação a todo mundo; entretanto Ela se coloca assim tão acessível!

Além disso, percebe-se que se Lhe aparecesse Nosso Senhor Jesus Cristo, Ela está toda feita para se ajoelhar e adorar. Nada existe n’Ela que contenha uma repulsa a reconhecer o que é mais alto. Pelo contrário, uma alegria: “Que maravilha! Apareceu quem é mais do que eu”. Compreende-se, então, o modo enlevadíssimo de Maria Santíssima olhar para Aquele que é Filho d’Ela e, ao mesmo tempo, infinitamente mais do que Ela.

Debaixo desse ponto de vista, n’Ela há,  entre outros traços, uma comunicação do prazer da humildade, da despretensão.

Vemos, então, de um lado, a felicidade inefável da despretensão. E de outro, a felicidade inefável da pureza.

Maria Santíssima e a Contra-Revolução

Diante de um mundo que o demônio vai arrastando para o mal, pelo prazer da impureza e do orgulho, Nossa Senhora nos comunica o gosto pela despretensão e pureza, como que dizendo suavissimamente, sem pito nem recriminação: “Meu filho você não se lembra dos tempos primitivos de sua inocência? Não se lembra de como você era antes de ter pecado? De como havia coisas boas em você? Olhe para Mim, abra sua alma, Eu restauro tudo isso. Venha! No caminho que conduz a Mim só existe perdão, bondade e atração. Venha logo!”

Não é difícil estabelecer uma relação entre esses dois traços e a Contra-Revolução. Maria Santíssima está aqui apresentada, não no seu aspecto belicoso, esmagando a cabeça da serpente, mas no seu lado materno, enquanto Ela procura tirar, pelo sorriso, das garras da Revolução aqueles que esta vai vitimando. E dessa maneira fazendo uma altíssima obra de Contra-Revolução.

Um espírito que se deixa influenciar por essa imagem fica sumamente propício à admiração, a admitir a hierarquia das coisas mais altas sobre ele; e a querer, pela sua própria dignidade, que todas as coisas abaixo dele também estejam em hierarquia. É uma coisa inteiramente evidente; entra pelos olhos.

Debaixo desse ponto de vista, sem querer dizer que esta imagem seja a de Nossa Senhora da Contra-Revolução, porque seria forçar a nota, poderíamos afirmar, entretanto, que, para quem luta pela Contra-Revolução, o quadro é de uma altíssima expressão quanto a um dos aspectos da Mãe de Deus, na sua permanente Contra-Revolução, até chegar o fim do mundo. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/1/1976)

Comunhão espiritual

Ó Santíssima Mãe de Deus, no momento em que me preparo para a comunhão espiritual, imploro vosso auxílio. Tenho em mente, de modo especial, o período santo e glorioso em que Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em vosso claustro virginal, estava convosco, noite e dia. E Vos peço que, pelos méritos de tal fase de vossa vida, me obtenhais um desejo ardente de receber, em meu pobre coração, o Santíssimo Sacramento.

Também tenho em mente, ó Mãe Santíssima, a vossa Primeira Comunhão, quando da celebração da primeira Missa no Cenáculo. Com que atos inefáveis de adoração, ação de graças, reparação e de petição recebestes então em vosso peito o Santíssimo Sacramento! E pondero com enlevo que, segundo é licito crer, daí por diante a presença eucarística se conservou em Vós ininterruptamente até o último instante de vossa vida terrena. Quantos atos de piedade perfeitíssimos fizestes então a vosso Divino Filho, ó Mãe!

Creio com toda a alma na presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo na Santíssima Eucaristia. E me recordo, neste momento, das numerosas Comunhões que tive a honra e o gáudio espiritual de receber ao longo de minha vida. Recordo-as com amor, gratidão e saudade, pois, para atender aos meus deveres de estado, estou privado dessa graça inefável, nas circunstâncias em que ora me encontro. A ideia de que, neste instante, eu poderia estar recebendo Nosso Senhor Jesus Cristo realmente presente na Sagrada Eucaristia me transporta de amor.

Não podendo comungar sacramentalmente neste momento, apresento-me, entretanto, a Ele na qualidade de escravo de amor. Faço-o por vosso intermédio, ó Santíssima Mãe de Deus e minha, e peço que me obtenhais um ardente desejo de receber a Comunhão sacramental agora mesmo, se tal fosse possível. E assim espero que esta comunhão espiritual seja bem acolhida pelo meu Divino Salvador.

Pelos rogos de Maria, os quais jamais deixais de atender, eu Vos peço, ó Senhor, que me obtenhais todas as graças necessárias para a minha pronta santificação. Amém.

Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, rogai por nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 22/8/1985)

Revista Dr Plinio 255 (Junho de 2019)

Imaculado Coração de Maria: lições de santidade Imaculado Coração de Maria: lições de santidade

Refletindo a respeito de uma piedosa invocação da Ladainha do Imaculado Coração de Maria, Dr. Plinio não se prende aos esquemas devotos tradicionais, mas tira conclusões inesperadas a respeito do materialismo que pode nos escravizar…

 

Como em geral acontece com as ladainhas compostas ao longo dos tempos pela piedade católica, as jaculatórias da Ladainha do Imaculado Coração de Maria sugerem, cada uma, desdobramentos e considerações que muito enriquecem nossa vida espiritual e nossa devoção à Santíssima Virgem.

Procuremos analisar, por exemplo, a invocação “Cor Mariae, in quo Jesus sibi bene complacuit”, que em português poderíamos traduzir assim: Coração de Maria, no qual o Coração de Jesus bem se compraz.

Plenitude de satisfação

Devemos começar por observar que este “bem” salienta a ideia do inteiro e perfeito comprazimento de que nos fala a jaculatória. Ou seja, o Coração de Maria possui uma tal excelência que, tanto quanto é possível à natureza criada, nada lhe falta, e por isso nele Nosso Senhor encontra uma satisfação completa, que não conhece névoa, que não tem limites nem máculas. Excetuando o fato de que o contentamento infinito de Jesus é e só pode ser com o próprio Deus, em tudo o mais Ele acha total alegria no coração e na pessoa de sua Mãe Santíssima.

Quer dizer, Nosso Senhor fita a Santíssima Virgem, olha-A, e ao vê-La, ao contemplá-La, ao analisá-La, experimenta o maior dos prazeres, um deleite indizível, que sobrepuja todas as outras delícias que Lhe proporciona a consideração de suas demais criaturas.

Não poderia ser diferente, em se tratando d’Aquela que foi escolhida, desde toda a eternidade, para engendrar em suas entranhas virginais o Filho e Deus; d’Aquela, portanto, em que tudo haveria de ser absolutamente puro e perfeitamente magnífico. Em todos os momentos de sua vida terrena, Ela não deixou de crescer em santidade, de um modo inimaginável. Cada graça que Deus lhe concedeu para se adiantar na virtude era correspondida com tal excelência que todo o progresso feito por Ela é insondável para a mente humana.

Assim, em todos os instantes da existência de Nossa Senhora neste mundo, Jesus teve com Ela um contentamento completo.

Mesmo nas ocasiões mais difíceis como, por exemplo, quando Ela se viu chamada a consentir na morte de seu Divino Filho, e através de uma anuência inteira, heroica, da qual não sobrasse nenhum resíduo, mesmo em situações como essa o procedimento de Maria foi perfeito, no sentido mais exato da palavra. Porque Ela era, enquanto mera criatura, absolutamente exímia. E, como reza a Ladainha, Nosso Senhor encontrou n’Ela a sua complacência.

Uma lição da sabedoria divina

Do fato desse comprazimento podemos tirar uma bela lição que Deus dá aos homens.

Com efeito, criou Ele magnificências materiais extraordinárias. Quantos mistérios haverá por todas as galáxias do universo? E quando nos detemos na análise dos micro organismos, dos seres pequenos, quantas novidades imensas se descobrem ao nosso maravilhamento! Todo esse fabuloso conjunto, incluindo os homens e os Anjos, constitui para Deus o objeto de uma eterna contemplação.

Ora, tendo Ele tanto a apreciar, todavia coloca acima de tudo, como fonte do supremo gáudio que pode tirar de suas criaturas, a consideração de Nossa Senhora. Ela que, enquanto ser criado, não é o mais alto pois na ordem da natureza o homem vem abaixo do espírito angélico -, porém, do ponto de vista graça, virtude e santidade, não só está acima de todos os Anjos, como é deles Rainha. É essa incomparável santidade, portanto, que Deus se compraz em considerar, e em auferir dela uma especial e completa felicidade.

Qual a lição que daí devemos colher?

É um ensinamento que combate o nosso fundamental materialismo. Infelizmente, a grande maioria dos homens está imbuída da ideia de que o verdadeiro prazer nesta vida consiste na posse de bens materiais, de qualquer natureza que seja: dinheiro, saúde e uma série de outras coisas que estão fora das vias da verdadeira felicidade do homem nesta terra.

Com efeito, sem engano podemos dizer que, nesta vida, encontra a felicidade autêntica quem é capaz de seguir o exemplo de Deus e fazer a sua alegria da consideração das outras almas e da virtude que nelas exista. O homem que passa pelo mundo procurando a virtude e a santidade para admirá-las, amá-las e servi-las, onde ele as encontra, aí se detém e põe seu prazer e seu júbilo. De maneira tal que ele tenha mais satisfação em estar numa choupana ou num leprosário conversando com um verdadeiro santo, do que no local mais magnífico em meio a pecadores.

Por quê? Porque o santo representa um particular reflexo, uma transparente manifestação de Deus. A alma de um santo possui uma perfeição que nenhuma beleza criada tem, e, por causa disso, aquele que sabe procurar os verdadeiros valores da vida, vai atrás da santidade, da perfeição moral dos seus semelhantes.

E quando a encontra, ele dá graças a Deus, eleva sua alma a Nossa Senhora e agradece também a Ela, porque é pelo seu maternal auxílio e intercessão que aquela santidade existe numa alma, e foi por meio d’Ela que ele, homem humilde e admirativo, teve a alegria e a honra de encontrar essa alma virtuosa. Ele teve a glória de experimentar um antegozo do céu, que é o conhecer, nesta vida, um verdadeiro santo.

Sigamos o exemplo de Nosso Senhor

Tratemos, então, de imitar a Deus, que se compraz na alma perfeitíssima de Maria.

Devemos procurar, em nossa existência terrena, as almas honestas, conhecê-las, amá-las e saber discernir nelas o esplendor do bem. Devemos nos alegrar com essa bondade, até mesmo comparando-a e contrastando-a com o que há de mal em torno dela. Devemos ter genuíno comprazimento ao ver que Nosso Senhor recompensa a virtude dessas almas que Lhe são tão diletas, assim como importa que compreendamos e aceitemos a reprovação que Ele, em sua infinita justiça, reserva à maldade impenitente. É o Deus três vezes santo, absolutamente puro e superior, que condena o que é errado, porque não é conforme a Ele.

Quantos ensinamentos a se tirar de apenas uma das mencionadas invocações! Essa é a beleza inexcedível de tudo o que é de Deus, é a insondável formosura de Nossa Senhora, é o maravilhoso tesouro dos princípios da doutrina católica!

Embora muito houvesse ainda por se aprender com as preciosas verdades contidas nessa jaculatória, creio não poder deixar de ressaltar o seguinte e importante aspecto: o enlevo de Jesus em relação à sua Mãe Santíssima, infinitamente inferior a Ele e por Ele amada com amor inexprimível, mostra-nos bem como devemos procurar ver a santidade até naqueles que são inferiores a nós. Amar essa perfeição, enlevar-se com ela, é, mais uma vez, imitar o exemplo de Deus olhando para Nossa Senhora.

E no fim dessas breves considerações, só nos resta elevarmos uma prece filial e confiante ao objeto da inteira complacência de Jesus:

“Ó Coração Imaculado de Maria, fazei o meu coração sem mancha, cheio de fé, de força, de heroísmo e santidade, como o vosso!”

Maravilhas da presença eucarística

Em 1164, enquanto o Papa Urbano VIII residia em Orvieto, produziu-se não longe dali, na cidade de Bolsena, retumbante milagre: um sacerdote tentado por dúvidas sobre a presença real de Nosso Senhor na Eucaristia celebrava Missa, quando, no momento da Consagração, brotou sangue da Hóstia, molhando os corporais e a pedra do altar. O Santo Padre fez trazer os corporais a Orvieto, e decidiu estender à Igreja universal a Festa de “Corpus Christi”, em honra do Corpo de Nosso Senhor na Eucaristia . Foi por essa ocasião que São Tomás de Aquino compôs o belo ofício da Festa com o hino “Pange Lingua” e a seqüência “Lauda Sion”.

No dia 15 deste mês recordamos, uma vez mais, essa verdade de Fé da presença real de Jesus Cristo sob as aparências do pão e do vinho. Presença que perdura nas espécies eucarísticas, ao alcance  de todos os fiéis nos sacrários do mundo inteiro, e à qual era Dr. Plinio particularmente sensível. Certa feita, a um pequeno círculo de discípulos seus, comentava:

“Imaginemo-nos surpreendidos pela notícia de que Nosso Senhor Jesus Cristo vem aparecendo, todos os dias, no alto de uma colina nos arredores de São Paulo. Se assim é, interrompemos de imediato nossos afazeres e nos dirigimos a esse local bendito, pois não há outra atitude a tomar. Onde está Ele, lá estaremos nós.

“Ora, quantas e quantas vezes Nosso Senhor se acha imensamente mais perto! A dois passos, na capela de nossa sede, realmente presente nas espécies eucarísticas conservadas no sacrário! Tão perto, e não raro tão pouco visitado. Ao vermos uma capela com o Santíssimo, quase vazia, a pergunta que nos contrista o coração é esta: não poderia ter mais pessoas junto d’Ele, a todo momento? Pois não existe lugar onde esteja Jesus Eucarístico, do qual se possa dizer tão frequentado quanto seria razoável.

“Na verdade, importa haver almas imbuídas de tal sofreguidão eucarística que, sendo-lhes possível entrar um instante na capela, adorar o Santíssimo e sair, não o deixassem de fazer; ou que, ao passarem perto da capela, não deixassem de abrir a porta e fazer uma genuflexão do lado de fora; ou que, ao menos, quando fossem se deitar no fim do dia, pensassem: Nosso Senhor está dormindo nesta casa. Que alegria! Almas que sofressem, não de uma escrupulosa obsessão eucarística, mas de uma fome eucarística, um ardente desejo de estar aos pés do tabernáculo, adorando Jesus Sacramentado e com Ele convivendo, um minuto que seja.

Todos somos convidados a ter essa fome eucarística. Já nos terá acontecido: entramos na capela meio estabanados, damos dois  passos e, de súbito, nos colhe a profunda sensação. . . Alguém está aqui! Um silêncio especial nos envolve, circunda, penetra em nossa alma .  Olhamos e não vemos senão as paredes, o sacrário e os motivos eucarísticos neste esculpidos ou pintados. Dir-se-ia não haver mais nada. Porém…

“Estejamos certos: o que nesses momentos sentimos não é fantasia, imaginação ou associação de imagens em virtude de outras emoções de natureza semelhante, experimentadas em outras ocasiões. Não. Trata-se de um agir da graça. Algo que, acima de todas as capacidades de intelecção se faz sentir à nossa alma, de maneira tal que compreendemos ter Nosso Senhor nos dito uma série de coisas superiores a toda palavra! É a sua voz divina a ressoar em nossos corações. Deveríamos, pois, saber nos aproximar de Nosso Senhor Sacramentado, contentes, e em silêncio: Falai, Senhor, porque vosso servo Vos escuta.

“Tudo isso é imensamente sutil, insondavelmente belo, e constitui uma realidade que é um tesouro, uma estrada na vida de piedade aberta para nós na Primeira Comunhão. A todos, no dia em  que inauguramos nosso convívio com Jesus Eucarístico, ofereceu-nos Ele essa palavra, essa ação. Por isso mesmo, ao me deitar à noite, sempre que olho para a lembrança de minha Primeira Comunhão sobre o criado-mudo, lembro-me daquelas graças então recebidas . E novamente me encanto. . .”

Plinio Corrêa de Oliveira

Confiança plena em Maria

Ao comentar uma célebre passagem de São Luís Grignion de Montfort em sua obra consagrada à devoção a Nossa Senhora, Dr. Plinio nos dá a conhecer a valiosa lição de confiança contida nos primeiros milagres operados por Maria Santíssima, na ordem da graça e na ordem da natureza.

 

No seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort nos lembra uma importante passagem do Evangelho: Nossa Senhora praticando seu primeiro milagre, na ordem da graça, quando visitou Santa Isabel, a qual trazia em seu seio São João Batista.

Protótipo do devoto de Nossa Senhora

Esse acontecimento é, para nós, de muita significação. Tendo a Rainha do Céu dirigido a palavra à sua prima, São João Batista estremeceu de gozo no claustro materno, a tal ponto que ela o declarou a Nossa Senhora. Como homem predestinado que era, ao ouvir a voz da Santíssima Virgem, o Precursor sentiu frêmitos de alegria, e — conforme o parecer de abalizados teólogos — tornou-se livre do pecado original.

Se considerarmos quem foi São João Batista, e quais os traços característicos de sua alma, compreenderemos o efeito que a voz de Nossa Senhora operou nele.

Grande asceta, foi por excelência o homem da pureza, dando-nos a ideia de possuir extremo domínio sobre si mesmo. Além disso, levou o desassombro e o espírito de combatividade ao último ponto, não recuando diante do mal, invectivando e censurando os erros dos importantes de seu tempo, sem se acovardar, a ponto de ser o mártir que se deixa decapitar para manter-se fiel à sua pregação.

Todas essas graças de pureza e de fortaleza podemos supor que ele as tenha alcançado pelos rogos da Santíssima Virgem, e, portanto, não é despropositado considerarmos São João Batista como o protótipo do devoto de Nossa Senhora.

Quando, pois, rezamos ao Precursor, não lhe devemos pedir graças vagas, mas que também possamos — ao ouvir interiormente a voz da Mãe de Deus — ter ímpetos de alegria e imitar as virtudes por ele praticadas.

De outro lado, quando oramos pela conversão de alguém, nada melhor do que pedir a Maria Santíssima falar-lhe palavras ricas em dons celestiais, como fez com São João Batista. A esse propósito, cumpre nos lembrarmos de que não se consegue a conversão ou o afervoramento de uma pessoa apenas pelos raciocínios a ela apresentados. Seria bazófia presumir: “Dei-lhe um argumento poderoso e a converti”. Diferente deve ser nossa afirmação: “Dei-lhe um forte argumento, e Deus a fecundou com sua graça de tal maneira que ela mudou de vida”.

Quer dizer, a conversão é produto da graça divina, e os argumentos que eventualmente saibamos aplicar não passam de simples veículo ou ocasião para que ela atue numa alma. Assim, devemos desejar que em nossa voz jamais entrem acentos meramente humanos, e sim que Nossa Senhora fale por nós, pois só através d’Ela se obtém a graça de Deus.

É também oportuno salientar que os efeitos das palavras de Maria formando um justo, fazendo-o estremecer desde o ventre materno — por lhe ter sido apagada a mancha original —, devem ser um incentivo para confiarmos n’Ela quanto ao êxito de nosso apostolado.

As bodas de Caná

Já na ordem da natureza, pode-se considerar como sendo o primeiro milagre realizado pela intercessão de Nossa Senhora, a transformação da água em vinho nas bodas de Caná, uma vez que a intervenção e o pedido d’Ela junto a seu Filho foram determinantes para tal acontecimento.

Embora o episódio seja muito conhecido, gostaria de ressaltar um aspecto. O Evangelho recomenda que o verdadeiro fiel tenha uma fé capaz de transportar montanhas. É desta fé que ali nos dá exemplo a Santíssima Virgem. Colocada numa situação onde Jesus poderia fazer um milagre, não tem dúvida alguma quanto ao poder do Redentor, nem de que Ele atenderá sua oração. Limita-se simplesmente a falar àqueles servidores: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). O Mestre ordena e, ato contínuo, o milagre se opera. Nossa Senhora nos mostra, portanto, que, pela virtude da fé, verdadeiras maravilhas são realizadas.

Falta de fé, falta de milagres

Cabe aqui uma pergunta: por que vemos hoje tão poucos milagres? Na Idade Média, por exemplo, quantas manifestações do sobrenatural! Atualmente, quão raras são as que podemos contemplar! Outrora havia quem enfrentava potentados, filósofos e reis ímpios, dirigindo-lhes a palavra e operando suas conversões, o que em nossos dias parece impossível. Em diversas situações nas quais os católicos corriam graves riscos de sobrevivência e liberdade, saíam vitoriosos porque lhes apareciam Nosso Senhor, Nossa Senhora ou algum Santo para socorrê-los.

Coisas semelhantes quase não mais acontecem, porque o homem contemporâneo não procura imitar a Virgem Santíssima, modelo de fé que move montanhas. Ele não tem a convicção absoluta de que, de fato, o Criador está presente em sua vida, vai ajudá-lo e, se pedir, o atenderá efetivamente. Considera Deus quase como um ser de razão, perdido num céu muito alto, sem nenhum contato nem interesse para com ele. A doutrina católica a respeito da Providência Divina, da sua intervenção na existência de cada um e da Igreja são ensinamentos aceitos, porém não com espírito de fé bastante para se ter, face às dificuldades, a certeza de que Deus agirá no momento preciso.

Total confiança em Nossa Senhora

A respeito dessas virtudes de Nossa Senhora, devemos conservar em nossa mente sobretudo esta ideia: se, ao longo de nosso apostolado, nos encontrarmos em situações de apuro tal que se faça necessário um milagre de primeira grandeza, devemos esperá-lo. E confiarmos na Santíssima Virgem como Ela — à vista do apuro daqueles esposos em Caná — confiou que a água seria transformada em vinho. É desta ordem a confiança que precisamos ter em Nossa Senhora.

Insisto nessa confiança total em Maria, devido a uma nota característica de nossa obra e de tantos movimentos semelhantes. Refiro-me à desproporção flagrante, cruel, entre o que se deseja realizar e os meios disponíveis para isso. Por exemplo, almejamos a construção de uma nova civilização católica, ou seja, a restauração do reinado de Jesus Cristo no mundo, alicerçados na promessa feita por Nossa Senhora em Fátima de que, por fim, seu Imaculado Coração triunfará. Nossos meios, entretanto, são tão ridiculamente insuficientes que, se não contássemos com o sobrenatural, seria o caso de duvidarmos de nossa sanidade mental. Nossos ideais se deparam com tanta dificuldade de frutificar que, embora contemos apenas dezoito pessoas, quando nos reunimos e nos entreolhamos, somos tentados a achar que constituímos um grupo já numeroso!

Através desse fato, podemos avaliar qual a nossa fraqueza, do ponto de vista humano. Nossa situação poderia ser comparada à de um paralítico que quisesse transportar o Pão de Açúcar com o polegar, e um dia exclamasse: “Hoje consegui me mexer na cama! Estou, portanto, a caminho de me levantar, e, quando me erguer, transmudarei o Pão de Açúcar”. A desproporção de forças é verdadeiramente chocante.

Por isso há momentos em que nos colhe o desânimo e tudo parece remoto. Sobretudo, há ocasiões nas quais, após pressentirmos o advento de muitas coisas boas, ficamos afinal decepcionados, como se tivéssemos na mão uma série de bilhetes de loteria sem valor, porque não foram sorteados. Algo semelhante a uma viagem de automóvel: ao lado de horas agradáveis, de conversa animada, existem outras em que a estrada parece interminável; temos a impressão de estarmos viajando há vários dias, de ainda faltar outro tanto, e até mesmo de que a viagem deverá prolongar-se indefinidamente…

Assim é a vida de apostolado. Há ocasiões em que se está eufórico e outras nas quais tudo se nos afigura caminhar mal, lento, emperrado, e não conseguimos remover os obstáculos. Pois bem, esta é a fase áurea, se soubermos sempre manter o ânimo.

Uma ação de graças por meio de Maria

A melhor maneira de reverenciar, louvar e pedir graças a Jesus enquanto Este se encontra presente em nosso interior, após a Sagrada Comunhão, é fazê-lo por meio de Maria. “Um Rei entra em nossa casa — diz Dr. Plinio — e temos algo em comum com Ele: a mesma Mãe!”

 

Segundo uma prática piedosa mais que recomendável, quando recebemos Nosso Senhor eucarístico — cuja presença dentro de nós se estenderá por algum tempo — convém nos dirigirmos a Jesus pelas mãos de Maria Santíssima, Mãe d’Ele e nossa, cogitando, por exemplo, no seguinte:

“Sinto em meu interior algo que me diz: ‘Deus está aqui’, e duas impressões se apoderam de meu espírito. Primeiro, a de ser um sacrário no qual se acha Aquele que eu julgava inatingível. Oh! honra! Oh! maravilha! Mas, em segundo lugar, a noção de que eu conheço esse sacrário… Lembro-me de quantas vezes fui infiel e dos defeitos com os quais convive minha pobre alma. E este homem ingrato, ser tabernáculo d’Aquele que é infinitamente santo, perfeito, meu Senhor, meu Criador! Eu não existia e Ele me tirou do nada, deu-me a vida. “Ecce enim in peccato concepit me mater mea” (cf. Sl 50, 7) — eis que no pecado me concebeu minha mãe, devem dizer todos os homens, filhos de Adão e Eva, porque nasceram com o pecado original, raiz de nossas faltas pessoais. Não sou digno de recebê-Lo! Preciso ter uma ponte com esse Rei que entrou em minha casa. Há algo em comum entre Ele e eu: temos a mesma Mãe!”

Nosso Senhor, Maria e nós, na Sagrada Comunhão

Ela é a mais perfeita das meras criaturas, ornada de todos os dons necessários para ser a Mãe do Verbo Encarnado. Concebida imaculada, Virgem antes, durante e depois do parto, em todos os instantes de sua vida não cessou de corresponder à graça de Deus, atingindo uma insondável elevação de virtude, até o momento bendito em que o Redentor resolveu colhê-La da Terra e levá-La para o Céu.

Ora, essa excelsa criatura é também nossa Mãe, e a verdadeira mãe nutre ternuras e compaixão até pelo filho mais esfarrapado, torto e desarranjado que seja. Então devemos nos voltar a Ela e dizer: “Minha Mãe, aqui está Plinio. Como sempre o fizestes, mais uma vez tende pena de mim. Nunca recebemos uma graça que não seja a vosso rogo. Se estou comungando a Ele, é porque Vós me obtivestes de seu Filho esta dádiva, pedistes a Ele que entrasse numa cabana tão indigna chamada Plinio. Purificai-a, ordenai-a, enfeitai-a para que seja do agrado d’Ele.”

Nossa Senhora ornando minha alma, o Rei do Céu e da Terra olhará para mim com satisfação, e dirá: “Aqui me encontro com gosto, porque minha Mãe querida está ordenando sua alma”.

Adoração e agradecimento

Ao ser objeto de mais essa bondade, minha primeira atitude deve ser de adoração. Ou seja, depois de reconhecer minha pequenez e indignidade insondáveis, devo reconhecer também a infinita perfeição de Nosso Senhor. E estando a Santíssima Virgem — espiritual e não realmente — presente em mim, não tenho receio e Lhe digo: “Minha Mãe, fazei com que eu voe para Deus!”

Sorrindo, com muito afeto, Nosso Senhor fala no meu íntimo: “Tu és um filho amado por Maria, minha Mãe. Ela quis que Eu aqui viesse. Pede-me o que quiseres”. Digo-Lhe, então: “Senhor, antes de pedir, eu Vos agradeço tanta bondade e misericórdia”. Em seguida, dirigindo-me a Nossa Senhora: “Mãe e Rainha do Céu, agradecei por mim, porque a minha ação de graças é insuficiente”.

Ardorosa reparação

E sempre por meio de Maria, acrescento: “Senhor Jesus, sei que pequei e preciso Vos pedir perdão de minhas faltas. O mundo inteiro peca contra Vós, Senhor. Sois a própria bondade e tão clemente para comigo, como posso, a menos que seja irremediavelmente vil, não me indignar diante de tantas ofensas de que sois alvo?

“Contristam-me, Senhor, os pecados cometidos por mim e pelos outros contra Vós. Perdão, Senhor! Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, tende compaixão de nós. Senhor, podeis tornar limpo quem é asqueroso, desde que este corresponda à graça. Mais uma vez, tende compaixão do mundo, e de mim, pelos rogos de Maria!

“E se houver pessoas que continuem infiéis, aceitai como reparação minha atitude indignada. Sabeis — pois vosso olhar penetra até o fundo de nossas almas — que eu gostaria de estar em todos os lugares do mundo ao mesmo tempo, censurando os impenitentes e combatendo o mal com a força de invectiva que Vós me concederíeis.

“Não me é dado estar em toda parte, porém aceitai esse desejo que vossa graça infunde no meu coração, e não pode ser inútil. Fazei, Senhor, que em todos os lugares onde sois ofendido, minha alma de certa forma ali esteja, admoestando e fazendo recuar os fautores do mal.

“Terminada essa prece, começarei a laborar no apostolado ao qual me destinastes: acolho um, falo com outro, sorrio para um terceiro, tomo uma deliberação, atendo um telefonema, leio uma revista, um jornal, um livro. Rezo. Tomai, Senhor, cada uma dessas ações como se eu as estivesse praticando no mundo inteiro, junto a todas as almas, diante de todos os sacrários da Terra, suplicando-Vos graças para todos os homens, falando no interior de cada um deles.”

Petições repassadas de zelo

Como nos ensina a Santa Igreja, os atos de piedade são: adoração, ação de graças, reparação e petição. Assim, depois de oferecermos a Nosso Senhor os três primeiros, vem o momento de Lhe apresentarmos nossas súplicas, dirigidas a Ele pelas mãos da Virgem Santíssima.

“Devo, Senhor, pedir coisas para mim, para aqueles a quem estimo e até pelos que não conheço. Antes de tudo, rogo-Vos que em todo cargo da Sagrada Hierarquia eclesiástica — desde o sólio de São Pedro até uma simples paróquia — haja fervorosos apóstolos de Maria, ardorosos escravos d’Ela segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, em toda a força do termo”.

É o intenso desejo do Reino de Maria que surge no fundo de nossas almas. Com efeito, além das necessidades da Igreja, nos é dado conhecer as da sociedade temporal. Amamos todas as nações da Terra, e quereríamos que Nossa Senhora as fizesse florescer, no maior esplendor de sua piedade, para dar glória a Ela e a seu Divino Filho, numa nova e mais luminosa Cristandade. Poderíamos compor uma ladainha enumerando todos os países e, a propósito de cada um, suplicar graças específicas.

“Senhora, Vós pusestes em minha alma tanto amor por tal nação; tornai-a inteiramente vossa. E tais povos, raças, culturas, civilizações… Ó minha Mãe, intercedei por tudo isso junto a Deus, e obtende que desabrochem no vosso Reino, para a glória de Cristo Senhor nosso!”

Temos também obrigações especiais para com os que nos são mais próximos. Ou seja, em certo sentido, nossos irmãos de vocação, sobretudo pelos que nos mantêm, pelo seu exemplo e seu impulso, nos caminhos da Santa Igreja. Com não menos solicitude devemos rezar por aqueles que nos parecem em dificuldades na vida espiritual: “Minha Mãe, notei, pela fisionomia, que tal filho vosso se acha muito provado. Socorrei-o! Outro vai bem, mas precisa melhorar. Ajudai-o!

“Agradou-me ver um terceiro progredindo; minha Mãe, não permitais que ele esmoreça na virtude!”

Como se nota, quase que instintivamente nos dirigimos a Nossa Senhora, embora estejamos fazendo uma ação de graças após comungar o Corpo e o Sangue de Jesus. Compreende-se, pois é por meio d’Ela que nossas preces chegam mais segura e rapidamente ao Altíssimo.

Rezemos, em seguida, pelos nossos mais chegados quanto ao vínculo de sangue; aqueles dos quais nascemos, nossos irmãos segundo a carne, nossos familiares. Devemos querê-los segundo o amor de Deus e, portanto, ter para com eles, ao mesmo tempo, todo o afeto e o desapego preceituados pelos mandamentos da Lei divina. Peçamos que eles amem a Deus acima de todas as coisas, e nos queiram a nós também por amor ao Criador. Assim, pelas mãos de Maria Santíssima, estaremos rezando pelo bem da alma deles, e este é o maior tesouro que podemos lhes oferecer.

Pelos amigos e também pelos inimigos

Rezaremos pelos nossos amigos, mais próximos ou distantes, nas mesmas intenções. E, por fim, uma prece por aqueles que porventura alimentem injusta hostilidade em relação a nós; desejando que a clemência e a misericórdia infinitas de Nosso Senhor toquem os seus corações e os conduzam ao arrependimento e proporcionada penitência.

Para estes, poderíamos dizer a Nossa Senhora: “Minha Mãe, na medida de vossa compaixão, rogai a Deus que não os castigue nem nesta vida nem na outra; sobretudo, o que Vos peço é que os salveis, pela glória da Igreja. Dai-lhes tudo o que de Vós os aproximam e tirai-lhes tudo o que de Vós os afastam”.

Deste modo terão passado os minutos do convívio com Jesus Eucarístico em nosso interior, e estará feita nossa ação de graças pelas mãos de Maria Santíssima.  

 

A Cooperação de Nossa Senhora com seu Filho

Na seqüência de suas considerações sobre o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luís Grignion de Montfort, Dr. Plinio nos convida a contemplar as “maravilhas de graça” operadas em Nossa Senhora, cujo claustro materno tornou-se, durante nove meses, a paradisíaca habitação de Deus.

 

Escreve São Luís no tópico 16 do Tratado:

Deus Filho desceu ao seu seio virginal qual novo Adão no paraíso terrestre, para ai ter suas complacências e operar em segredo maravilhas de graça.

Em primeiro lugar, devemos considerar a Encarnação de Deus Filho em Nossa Senhora. Ela, pelo processo da maternidade, foi gradualmente fornecendo-Lhe sua carne e seu sangue, e assim foi sendo formado, dentro de seu seio virginal, o corpo de Nosso Senhor, unido à divindade pela união hipostática. A participação d’Ela no mistério da Encarnação é imensa. Considerando que o corpo de Nosso Senhor, sua carne e seu sangue, são carne da carne e sangue do sangue de Nossa Senhora, não se pode imaginar uma maior intimidade com Deus. O papel de Nossa Senhora nesse mistério foi tal, que Deus quis que Ela antes desse o seu consentimento, para depois dar sua carne, seu sangue e, portanto, algo de seu próprio ser.

Maria criou, governou e ofereceu Jesus em holocausto

…Encontrou sua liberdade em ser aprisionado no seio da Virgem Mãe; patenteou sua força em se deixar levar por esta Virgem santa…

Foi vontade de Deus Pai que Nosso Senhor ficasse contido n’Ela como dentro de uma arca, de um tabernáculo, em que Ele operava maravilhas de graças só por Ela conhecidas. E foi dentro d’Ela, como no interior de um santuário, que Nosso Senhor Jesus Cristo começou a dar glória ao Pai Eterno. No próprio momento em que começou a existir a união hipostática, Deus Pai recebeu de Nosso Senhor Jesus Cristo o mais perfeito ato de amor que jamais se deu na Terra. Ninguém nunca prestou-Lhe um ato de amor tão excelso quanto a humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O Santo mostra ainda como Jesus, que era Senhor onipotente, contido em Nossa Senhora, deixou-se transportar por Ela, não só pelas montanhas da Judeia para visitar Santa Isabel, como por todos os lugares pelos quais Maria o quis.

…Achou sua glória e a de seu Pai, escondendo seus esplendores a todas as criaturas deste mundo. Para revelá-las somente a Maria; glorificou sua independência e majestade, dependendo desta Virgem amável, em sua conceição, em seu nascimento, em sua apresentação no templo, em seus trinta anos de vida oculta, até a morte, a que ela devia assistir, para fazerem ambos um mesmo sacrifício e para que ele fosse imolado ao Pai eterno com o consentimento de sua Mãe, como outrora Isaac, com o consentimento de Abraão á vontade de Deus. Foi ela quem o amamentou, nutriu, sustentou, criou e sacrificou por nós.

Ó admirável e incompreensível dependência de um Deus!… Nossa Senhora foi incumbida de criar Nosso Senhor e de O governar em sua infância, durante a qual Ele tinha para com Ela as mesmas relações de uma criança para com sua mãe. Pois seria falso imaginar que, na presença de outros, Nosso Senhor fazia o papel de criança; e quando não havia ninguém, apresentava-se como Deus. Ele estava junto a Nossa Senhora sempre como menino, do qual Ela cuidava como quem trata a um Deus.

Depois Nosso Senhor cresceu, passando trinta anos de sua vida junto d’Ela, e consagrando aos homens somente três.

Por fim, Ela O levou até o alto da cruz e, ali, ofereceu-O a Deus.

São Luís Grignion resume o papel de Nossa Senhora na Redenção: Ela gerou, criou, acariciou e finalmente acompanhou a vítima ao altar do sacrifício, onde Ela mesma o imolou, como diz o Santo autor. Porque verdadeiramente Nosso Senhor morreu com o consentimento de Nossa Senhora. Ela aceitou que Ele sofresse tudo o que padeceu, e morresse da maneira como expirou.

Dediquemos mais tempo a Nossa Senhora, a exemplo de seu Divino Filho

Há aplicações maravilhosas para nossa espiritualidade a tirar desse fato: Nosso Senhor vivendo trinta anos sob a dependência de Nossa Senhora.

Em nossa vida de piedade, por exemplo, que importância damos, respectivamente, à nossa união com a Virgem Santíssima e ao nosso apostolado? Temos a impressão de que este é muito mais importante que a nossa união com a Mãe de Deus, de tal modo que dedicamos nosso quarto de hora de oração a Ela, e, o restante do tempo a nosso “enorme” apostolado?

Nosso Senhor nos dá exemplo do contrário. Tempo dado à união como Nossa Senhora: trinta anos; ao apostolado: três.

Podemos bem compreender o que representa de homenagem — “homenagem” de um Deus, a palavra parece até absurda —, de glória para a Virgem, o Verbo Encarnado vir ao mundo e passar trinta anos junto d’Ela, dedicando apenas três à realização de sua missão. E entender o que significa a graça de estar junto de Maria Santíssima. Assim sendo, quando vamos fazer uma visita a uma imagem de Nossa Senhora numa igreja, podemos nos unir a esses sentimentos de Nosso Senhor. Convém que, amiúde, interrompamos nossas atividades, e entremos numa igreja para fazer uma visita a Maria Santíssima com esta intenção: imitar Nosso Senhor, que não se apressou em iniciar desde logo sua vida pública, mas consagrou trinta anos a estar junto de Nossa Senhora. Vou seguir seu exemplo; por isso peço-Lhe que, dada minha impossibilidade de agradar como devo a Nossa Senhora, que Ele A agrade por mim neste momento. Quando me coloco diante do tabernáculo, devo pedir a Nosso Senhor a graça de que, em meu nome, Ele trate Nossa Senhora como eu gostaria de fazê-lo, embora seja incapaz.

Eis uma boa visita ao Santíssimo Sacramento e a Nossa Senhora. Com isto se constrói uma vida espiritual digna desse nome. Mas é preciso que sempre tenhamos em mente todas essas idéias, esses princípios, para que possamos utilizá-los quando as ocasiões se apresentarem.

Convicção e resolução em nosso amor, não mera sensibilidade…

Pelo acima exposto, vemos como seria tolo dizer que há secura ou geometrismo na piedade por parte de quem assim procede. O que aí não se pode desejar é o vácuo, a bazófia. Pois o que recomendamos não é secura nem geometrismo, mas coerência: a inteligência ilumina, a vontade quer, e a sensibilidade acompanha o preito de amor da vontade. E se acaso a sensibilidade não acompanhar, não terá maior importância, pois o ato de amor estará feito. O amor reside na vontade.

Não se trata, portanto, de experimentar uma espécie de consolação sensível, sentir o trêmulo da comoção, para só então rezar. Importa, sim, ter convicção e resolução. A Fé nos ensina que Nossa Senhora é imensamente bondosa, e por isso recorremos a Ela com confiança. É uma consideração racional, que não nasceu da sensibilidade. Essa atitude racional na oração, a construção de uma piedade toda ela alicerçada sobre convicções recebidas da Fé, que a razão anipula, isso sim é verdadeirasi um tabernáculo admirável, “como Adão no Paraíso”. Para compreendermos bem o que isto significa, é interessante apelarmos para certos conceitos subjacentes à seção Ambientes, Costumes, Civilizações, que nós escrevemos, sobre a importância da beleza e a propriedade dos ambientes. Estando no seio virginal de Nossa Senhora, Jesus encontrou todo o necessário para suas delícias espirituais: havia ali um ambiente, uma atmosfera que Lhe eram perfeitos, graças às virtudes excelsas de Maria Santíssima. Durante este período, Nosso Senhor teve com Ela uma união verdadeiramente incomparável.

Já consideramos o fato de que, neste período, Nossa Senhora vai fornecendo sua própria carne e seu próprio sangue para a formação do corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Durante esse tempo, havia uma atividade em extremo íntima entre Ele e Ela, sendo preciso notar que Nosso Senhor teve o uso da razão desde o primeiro instante do seu ser. Ele, portanto, vivia em Nossa Senhora dispondo já completamente de sua inteligência. Podemos imaginar a intimidade enmente a seriedade na vida espiritual. O que desejamos é produzir convicções profundas, construir uma estrutura de espírito útil à vida de piedade, e não apenas fabricar uma faísca passageira de emoção mariana.

União inexprimível entre Mãe e Filho

São Luís Grignion lembra, entre outras coisas, que Nosso Senhor, no período de sua gestação, enclausurou-se no ventre puríssimo de Nossa Senhora, e aí encontrou para tre Eles e o alto grau de cada ato de amor? A cada colaboração que Ela prestava para a formação de seu corpo, correspondia da parte d’Ele uma série de graças a Ela concedidas. Durante a gestação de Nosso Senhor havia, portanto, entre Ele e sua Mãe, uma união verdadeiramente inexprimível e de uma sublimidade incomparável.

Em que sentido a consideração dessa união nos pode ser benéfica?

O homem, na Igreja Católica, encontra-se diante de um firmamento de verdades. E assim como, colocados diante do céu físico, contemplamos inúmeras pulcritudes que enriquecem nossa alma, no universo de verdades da Santa Igreja poucas maravilhas podemos considerar tão grandes quanto a intimidade de uma alma inteiramente humana, como era a de Nossa Senhora, com Nosso Senhor Jesus Cristo, durante o tempo da sua Encarnação.

Assim, nos é dado ter uma ideia da intimidade que também nós podemos adquirir, pela nossa santificação, com Nosso Senhor; faz-nos compreender um pouco o que é a vida da graça, e faculta-nos a apetência de uma maior união com Jesus Cristo.

Essas considerações não podem ficar no vácuo. Na vida espiritual devemos propriamente desejar esses dons sobrenaturais, a união com Deus e os bens eternos!

 

 

Arca da Esperança

Com sua Fé inabalável e íntegra, Nossa Senhora foi a Arca da Esperança do futuro. Todas as expectativas do Antigo Testamento acerca do Messias, todas as promessas e certezas contidas no Evangelho de que Ele seria o Rei da Glória e o centro da História, todas as realizações do Novo Testamento, toda a grandeza que a Igreja haveria de atingir ao longo dos séculos e todas as virtudes que ela haveria de semear sobre a face da Terra inteira, tudo isso viveu dentro de uma só alma — a alma mil vezes bendita de Maria Santíssima!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Largamente Atendidos

Do fundo das infidelidades crônicas que nos perturbam, das sombras dos pecados que cometemos no passado, das insatisfações conosco mesmos, devemos pedir à Santíssima Virgem nos alcance a graça especial de compreendermos como Ela nos auxilia e ampara, até o inimaginável.

Nossas misérias são uma razão especial para Lhe suplicarmos a cura dos males que nos afligem. E por maior horror que nos inspirem nossos defeitos interiores, nem por isso deixará de ser verdade que, levantando os olhos para Maria, com firme e inabalável confiança, seremos por Ela largamente atendidos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 23/5/1964)

Nossa Senhora, o céu e o mar: reflexos da beleza divina

E se fala a respeito da sabedoria do Criador, mostra-se quase sempre como as coisas estão concatenadas de tal forma que elas não se destroem, nem colidem umas com as outras, mas que coexistem com harmonia e mutuamente se apoiam. É uma visão funcional do universo inteiramente verdadeira, por certo, mas que mostra apenas um aspecto, que nossa época mecanicista e ultra técnica mais facilmente compreende.

Mas há um outro aspecto do Universo relacionado com Deus enquanto causa exemplar, enquanto Ser incriado e infinitamente belo, que se reflete de mil maneiras em todos os outros seres que Ele criou. De maneira tal que não há nenhum ser que, a um título ou outro, não seja um reflexo da beleza incriada de Deus. […]

O mar: exemplo do princípio da unidade na variedade

Há um conjunto de regras de estética que nos podem facilitar o conhecimento da beleza que Deus pôs no Universo, como ponto de partida para subirmos à consideração de sua beleza incriada. A mais fundamental dessas regras é a coexistência harmônica da unidade e da variedade.

Em vez de nos atermos, entretanto, a uma enumeração e a uma definição fria desses princípios, seria, talvez, mais interessante que os consideremos enquanto realizados em alguns dos seres que mais facilmente nos caem debaixo dos olhos.

Comecemos pelo mar. Um dos primeiros elementos de sua grandeza é precisamente a unidade. Todos os mares da terra comunicam-se entre si e constituem uma imensa massa de água que cinge o globo terrestre. Assim, numa orla do mar, em qualquer ponto do mundo, uma das considerações mais agradáveis que nos é dado fazer é lembrar que a imensa massa líquida, que se estende diante de nós até as fímbrias do horizonte, não se encerra ali, e tem atrás de si imensidades a que se sucedem outras imensidades, para formar a grande e única imensidade do mar, que se move, que se joga e que brinca por toda a superfície da terra.

Mas, ao mesmo tempo que o mar nos apresenta essa unidade esplêndida, impressiona pela grande variedade que nele podemos observar.

Variedade, em primeiro lugar, quanto ao movimento. Ora o mar se nos apresenta manso e sereno, parecendo satisfazer todos os desejos de paz, de tranqüilidade e de quietude de nossa alma. Ora ele se move discreta e suavemente, formando em sua superfície pequenas ondas que parecem brincar diante de nós, para fazer sorrir e distender-se nosso espírito, como se tivesse diante de si as realidades amenas e aprazíveis da vida. E ora, por fim, ele se mostra majestoso e bravio, erguendo-se em movimentos sublimes, arremetendo furiosamente contra rochedos altaneiros e deslocando de seus abismos massas de água insondáveis, para submergir ilhas e invadir continentes. Neste estado, o mar parece dominado de uma fúria avassaladora e que canta com seus rugidos e sua grandeza todo um poder que existe no mais profundo dele, e que não se suspeitava nem um pouco nos seus momentos de mansidão e de graça. Parece-nos presenciar os lances mais empolgantes e heroicos da História.

Também há variedades estéticas no mar. Às vezes é ele tão claro através de uma grande massa líquida até o fundo de suas águas. E outras vezes, ele se mostra escuro, impenetrável, profundo, misterioso. Se em certos panoramas o mar se apresenta em superfícies imensas e quase sem limites, em outros panoramas ele está circunscrito pelos acidentes do litoral e forma pequenos golfos fechados em que, por assim dizer, ele se compraz em estar em intimidade conosco, fazendo-se pequeno para melhor se deixar ver e amar.

O mar, pelos seus ruídos, não é menos variado. Ora seu murmúrio dá a impressão de uma carícia que embala e faz dormir, ora não passa de um fundo auditivo que parece com a prosa de um velho amigo, que já muitas vezes se ouviu. Mas, pouco depois, ele nos fala com o bramido dominador de um rei, que quer impor a sua vontade a todos os elementos.

O modo por que ele se “comporta” na praia é igualmente variado. Às vezes, o mar chega à terra célere e ofegante, outras vezes caminha para ela tardio e preguiçoso, em ondas que se movem languidamente. E outras vezes, por fim, parece tão completamente parado, que se diria quase que ele se contenta em ver a terra sem tocá-la.

Ora, todas essas diversidades do mar não teriam para nós concatenação nem encanto, se não se apresentassem sobre o grande fundo de uma unidade fixa, invariável e grandiosa. Esta é a beleza da unidade na variedade.

Caracteres específicos da variedade harmônica

Devemos, entretanto, reconhecer que a variedade do mar é um tão poderoso elemento de beleza por não ser uma variedade qualquer, mas oferecer em alto grau os caracteres específicos da verdadeira variedade harmônica.

Tais caracteres são: primeiro, essa variedade chega até a oposição, quer dizer, é tão grande que seus pontos extremos chegam a atingir aspectos opostos e como que contraditórios entre si. Essa variedade, pelo próprio fato de que reúne em uma só gama extremos tão pronunciados, tem uma suprema harmonia, uma indiscutível beleza. Nós não encontraríamos tanta beleza no mar se ele não soubesse ser, por exemplo, tão extremamente furioso, tão extremamente majestoso e tão extremamente gracioso. É na harmonização do extremo da mansidão e do extremo da fúria, por exemplo, que se verifica a perfeição da variedade do mar.

Essa variedade de oposição deve comportar uma certa simetria. Quer dizer, é necessário que, quando uma coisa tem um caráter levado a um extremo, no lado oposto ela chegue a um extremo igualmente acentuado. Se o mar fosse extremamente furioso em certos movimentos e apenas um pouco calmo em outros, sua beleza não seria grande. Para que a oposição seja perfeita, cumpre que o mar possa ser tão furioso em umas horas quanto é profundamente manso em outras. E só com esta simetria é ele inteiramente belo.

Mas, ao mesmo tempo, as variedade harmônicas das gamas intermediárias também concorrem notavelmente para a beleza do mar. Estas situações de transição são tão harmônicas que nós, em determinados momentos, nem podemos dizer bem como o mar nos parece. Estará bravo? Estará manso? Estará claro? Estará obscuro? Não o sabemos dizer, porque o mar vai passando de um extremo para outro com várias fases intermediárias tão esplendidamente matizadas e harmônicas, que a linguagem humana não é suficiente para as descrever, e o único processo para tal é o da comparação.

Por exemplo, quem viu o mar que esteve furioso e está ficando manso pode dizer que ele está manso; mas quando se lembra do mar verdadeiramente manso e o considera nesse momento de transição, tem ainda a impressão do mar furioso. Por esta espécie de contradição de aspectos opostos coexistentes no mesmo meio termo, tem-se bem a ideia de toda a riquíssima gama de estados intermediários que o mar atravessa.

Mas a relação entre esses próprios estados intermediários deve apresentar uma verdadeira continuidade. De um extremo ao outro, o mar não salta, mas passa sempre, com rapidez maior ou menor, por todos os estados intermediários. Esses estados são habitualmente perceptíveis em sua sucessão, como matizes que se substituem uns aos outros. Quando, porém, tal sucessão de matizes é muito perfeita, dá por vezes a impressão de que não muda. Mas ao cabo de pouco tempo, e sem saber como, o observador está diante de um quadro diverso. É que essas mudanças foram tão delicadas e tão imperceptíveis, que até excederam a precisão de nossos sentidos ou pelo menos a acuidade de nossa atenção.

Na abóbada celeste, a variedade do progresso

Há, por outro lado, uma forma de variedade que não é tão nítida no mar, mas que é muito relevante no céu: a variedade do progresso.

Há no firmamento uma variedade de aspectos que vem desde a aurora até a noite posta, de maneira tal que ele oferece um quadro encantador, primaveril, matutino na aurora, depois vai ganhando em colorido, em força e em majestade até chegar à gloriosa plenitude do meio dia. Em seguida, ele se vai esvaindo lentamente até chegar às tristezas do crepúsculo e, por fim, toma o seu aspecto noturno. Este se conserva mais ou menos contínuo e imóvel até os primeiros clarões da aurora.

Há assim, ao longo do dia, uma harmoniosa sucessão de aparências, que vão dos primórdios ao apogeu e deste à decadência, num processo de progresso e retrocesso, ciclo de aspectos variados que o céu percorre.

Outro princípio de variedade, que confere ao céu uma beleza peculiar, é o princípio monárquico: a ordenação das múltiplas formas da variedade em torno de um elemento ou ponto central, em função do qual elas se harmonizam e reciprocamente se explicam. É o papel do sol no firmamento. Em função dele, no céu todas as variedades não são senão fundos de quadro, que cooperam para o realçar de mil modos em toda a sua beleza.

Assim temos os vários princípios da beleza realizados no mar e no céu, isto é, em duas criaturas que estão constantemente debaixo dos nossos olhos e que são esplêndidas semelhanças da beleza incriada e espiritual de Deus, Nosso Senhor.

A beleza da santidade na mais alta das criaturas: Nossa Senhora

Mas sabemos pela doutrina católica que se a formosura de todas essas coisas é imagem de Deus, Espírito puro e infinitamente perfeito, assim também, já que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, elas são também imagens do homem. E que o céu e o mar, em seus vários estados, fazem lembrar a alma humana em suas várias disposições, o jogo complexo das paixões humanas, as virtudes da alma humana quando esta realmente reflete a santidade de Deus, Nosso Senhor.

Desta maneira, essas regras

de estética são para nós meios para considerarmos a verdadeira beleza da santidade, no homem, sim, e, pois, na mais alta de todas as meras criaturas: em nossa Senhora, que, com tão esplêndida propriedade, tem sido e deve ser comparada quer ao céu quer ao mar.

Alma de uma imensidade inefável, alma na qual todas as formas de virtude e de beleza existem com uma perfeição supereminente, da qual nenhum de nós pode ter uma ideia exata. […] [Ela reúne] numa perfeita harmonia contrastes aparentemente irreconciliáveis: é a Virgem Mãe, chamada a Virgem das Virgens, que poderia, muito lícita e validamente, também ser chamada a Mãe das Mães. Ninguém mais plenamente Mãe, Mãe por excelência, do que Ela. Ninguém mais plenamente Virgem, Virgem por excelência, do que Ela também.

Em Nossa Senhora se encontra, outrossim, a mesma unidade na variedade dos dons de Deus. Isto se nota bem no fato de que, sendo una, Ela se apresenta a nós na diversidade admirável das suas invocações. Ela é a Nossa Senhora da Paz, é a Nossa Senhora dos Prazeres, a Saúde dos enfermos, mas é também Nossa Senhora das Dores, Ela é Nossa Senhora da Boa Morte. N’Ela todos os contrastes se harmonizam. Ela é ao mesmo tempo Auxílio dos cristãos, mas Refúgio dos pecadores; Ela é glorificada pela sua humildade incomparável, mas todos os videntes que tiveram a felicidade de A contemplar nas aparições comentam a sua soberana majestade. Ela é Nossa Senhora que se apresenta a nós “ut castrorum acies ordinata” (“como um exército em ordem de batalha”), mas, ao mesmo tempo, Ela é “Mater clementiae et misericordiae” (Mãe de clemência e de misericórdia).

Nossa Senhora é bem aquele mar, aquele céu de virtudes, diante do qual o homem deve ficar estarrecido e enlevado, e, com todas as suas forças, deve procurar amar e imitar.

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de “O Mensageiro Carmelitano”, de 15/5/59)