Oração da despretensão e das santas proezas

Ó minha Senhora, Mãe de justiça e de misericórdia, modelai a minha alma de tal maneira que, inteiramente despretensioso, eu seja capaz das mais santas proezas. Afastai de mim a consideração de minhas qualidades naturais e até das sobrenaturais que a graça, implorada por Vós, possa me alcançar.

Abri minha alma para o exame sincero, leal, varonil de meus defeitos, sem buscar atenuantes e pretextos para indulgências falsas para comigo. Dai-me a verdadeira contrição pelas minhas faltas e o propósito de nunca reincidir nelas.

Assim, ó minha Mãe, serei verdadeiramente capaz de realizar todas as proezas por Vós, porque sei bem que só aos despretensiosos Vós concedeis as grandes vitórias.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 4/2/1980)

Rainha e Mãe de misericórdia

As primeiras palavras da Salve-Rainha inspiram a quem as recita a plena confiança de que será atendido, apesar de suas misérias.

 

Pediram-me para fazer o comentário da Salve-Rainha. Devido ao pouco tempo de que disponho, vou comentar apenas as primeiras palavras desta bela oração: “Salve Rainha, Mãe de misericórdia…”

Rainha que tudo tem e tudo pode

Salve, em latim, é uma saudação, e passou assim para o português. Os latinos costumavam dizer salve como saudação, sem nenhum nexo e sentido com a ideia da salvação, “salvai-me”. Não é isso, é uma mera saudação. Então, “eu Vos saúdo”.

Agora vem outro ponto: “…Rainha, Mãe de misericórdia”.

Vemos aqui uma harmonia muito bonita. O autor da oração coloca antes de tudo o título d’Ela de Rainha.

Nossa Senhora é Rainha? Evidentemente, Ela o é, pois é a Mãe do Rei, e um Rei que faz tudo quanto Ela deseja.

Maria Santíssima é chamada a Onipotência Suplicante. Ela, de Si, é uma criatura humana como nós, mas a súplica feita por Ela é onipotente, porque pode tudo diante de Deus.

Assim, também enquanto suplicante, Maria é Rainha, porque Aquela que pode tudo é Rainha. Então, vem desde logo uma ideia posta ao alcance do fiel: Aquela a quem ele vai se dirigir é uma rainha; logo, Ela tem e pode tudo.

A rainha e o rei são de uma riqueza enorme. Normalmente são as pessoas mais ricas do reino, que dispõem da maior soma de poderes, honrarias e riquezas de toda ordem. Ela é a Rainha, quer dizer, tudo quanto Lhe peçamos Ela pode dar.

Ademais, Deus, que é o Filho d’Ela, concede tudo quanto sua Mãe insondavelmente perfeita Lhe pede. O resultado é que, quando pedimos alguma coisa a Ela, temos a certeza de que Ela pode dar, porque Ela tem. Isso nos leva a nos encher de confiança no nosso pedido.

Não há carinho como o materno

Mas vem logo depois: “Mãe de misericórdia”.

Mãe já traz consigo a ideia de misericórdia, porque o mais misericordioso e compassivo dos entes, numa época em que a instituição da família funcione normalmente, é a mãe. Mesmo o pai pode ser muito bom e seu afeto é indispensável para completar a educação do filho. Mas o carinho é com a mãe.

Lembro-me de ter assistido, certa vez, a uma cena minúscula em casa, entre meu pai e minha mãe.

Eu costumava, naquele tempo, sair logo depois do almoço para meu escritório de advocacia. Minha mãe me acompanhava até a porta do elevador, junto à qual tem uma escada. Às vezes eu estava com muita pressa e me impacientava com a lentidão do elevador, e descia a escada a toda pressa. Lembro-me de que, enquanto eu descia, ouvia minha mãe dizer: “Filhão, cuidado com o corre-corre.” Era um último sinal de carinho.

Mas um dia desci muito precipitadamente e esqueci um objeto em casa. Chegando na rua, senti falta do objeto e voltei para apanhá-lo. Passei ao lado de uma pequena sala de estar onde ela e meu pai costumavam ficar durante o dia. Estavam conversando, certos de que eu tinha ido embora.

Meu pai estava sentando numa poltrona e minha mãe, em pé junto a ele, dizia:

— João Paulo, hoje para o jantar eu mandei fazer tal prato. Você acha que o Plinio ficará satisfeito ou seria melhor preparar outra coisa?

Não parei para olhar, mas tive a impressão de que meu pai estava louco para tirar uma sesta, e respondeu negligentemente que estava bem.

Não satisfeita com a resposta, ela acrescentou:

— Não, mas quem sabe se fizer de tal outro jeito seria melhor.

— Também está bem — respondeu ele.

Como ele estava querendo dormir e ela continuava a insistir, ele disse:

— Bem se vê que mãe é mãe. Se fosse comigo eu diria: “Rapaz, tem aqui para jantar tal coisa, se você não quiser, vá jantar num restaurante”.

Ora, mamãe queria exatamente evitar que eu fosse para o restaurante, pelo gosto de estar e conversar comigo. É o carinho da mãe que é todo especial, único.

Mãe toda feita de misericórdia

Entretanto, não contente com esta ideia, o autor da Salve-Rainha pôs: “Mãe de misericórdia”. É uma Mãe toda feita de misericórdia.

O que quer dizer “misericórdia”? Cordis, em latim, é o coração. Miseri, os miseráveis. Portanto, para com os miseráveis Ela é “toda coração”. Os miseráveis são aqueles que não têm do que viver, estão na miséria. Porém, moralmente falando, são os pecadores que ofenderam muitas vezes a Nossa Senhora e deram a Ela razão para estar descontente. Se esses pecadores se voltarem e rezarem para Ela, encontrarão n’Ela uma Mãe de misericórdia toda disposta a atender.

Então, está tudo reunido para inspirar a maior confiança: Ela é uma rainha que tem tudo e pode tudo; é Mãe de misericórdia, “toda coração”, inclusive para os filhos mais miseráveis.

Quem pode deixar de ter toda a confiança na bondade d’Ela em que será atendido, quando faz esta oração?

(Extraído de conferência de 5/3/1992)

 

Suave e gloriosa Assunção

É difícil conceber como terá sido o luto da natureza por ocasião da morte e do sepultamento de Nossa Senhora. Menos dificultoso, porém, é imaginar a glória sumamente delicada, suave, virginal e maternal  de Maria no momento em  que Ela ressurge, abandona o sepulcro e sobe aos Céus!

Ao passo que Nosso Senhor Jesus Cristo, na sua Ascensão, manifestou grandeza e bondade, a Santíssima Virgem externa mais bondade do que grandeza. Seus lábios dirigem um sorriso materno aos que A olham fixamente nessa hora de incomparável esplendor, conhecendo-A e compreendendo-A melhor. Sentem-se todos cada vez mais atraídos por Ela, à medida que vai se elevando ao Céu, até desaparecer.

Uma claridade especial se espalha, nesse momento, sobre tudo e sobre todos, como uma promessa d’Aquela que já não vêem: “Eu, na realidade, fiquei convosco. Rezai, porque estarei sempre presente, e sempre unida a vós”.

Lentamente essa luminosidade se extingue, deixando lembranças que duram por toda a eternidade.

Plinio Corrêa de Oliveira

AS VIRTUDES DE MARIA, remédio para nossa alma

Tesoureira das dádivas do Senhor e Mãe de Misericórdia, Nossa Senhora pode obter para nós a graça da santificação, apesar de todas as nossas carências e debilidades. Ao  comentar uma bela oração escrita por São Luís Grignion de Montfort, dirigida a Maria, Dr. Plinio evidencia uma importante realidade: a devoção à Santíssima Virgem como  meio necessário para a nossa salvação.

Atendendo o filial pedido que me fazem, passo a comentar um trecho da prece composta por São Luís Grignion de Montfort, “Oração a Maria para seus fiéis escravos”:

Ó Maria, minha querida Mãe, (…) dou-me a vós todo inteiro na qualidade de escravo perpétuo, sem nada reservar para mim ou para outrem. Se vedes em mim qualquer coisa que não Vos pertença, eu Vos suplico de tirá-la agora e de Vos tornar Senhora absoluta de tudo o que possuo; de destruir e desarraigar e aniquilar em mim tudo o que desagrada a Deus; de implantar, promover e operar tudo o que Vos agrada. Que a luz de vossa fé dissipe as trevas de meu espírito; que vossa humildade profunda tome o lugar de meu orgulho; que vossa contemplação sublime suste as distrações de minha imaginação vadia; que a vossa vista contínua de Deus encha minha memória de sua presença; que o incêndio de vosso Coração dilate e abrase a tibieza e a frieza do meu; que vossas virtudes substituam meus pecados; que vossos méritos sejam meu ornamento e suplemento perante Deus.

Enfim, mui querida e bem-aventurada Mãe, fazei, se for possível, que não tenha outro espírito senão o vosso para conhecer Jesus Cristo e suas divinas vontades; que não tenha outra alma senão a vossa para louvar e glorificar o Senhor; que não tenha outro coração senão o vosso para amar a Deus com um amor puro e ardente como Vós.

Foco de virtudes que sanam nossos defeitos

Nesse trecho transparece a unção e o fogo dos melhores textos de São Luís Grignion. Ele se apresenta e fala como se fosse uma alma pecadora, contendo em si inúmeros defeitos que deseja corrigir, e cuja solução se apóia no seguinte princípio: Sendo Nossa Senhora, por disposição divina, o receptáculo de todas as virtudes que possam reluzir numa criatura humana, Ela é o canal dessas excelências a serem distribuídas pelo universo. Dessa sorte, cada perfeição de Maria produz como que um efeito medicinal sobre a nossa lacuna moral oposta: sua pureza é dotada de uma capacidade de extinguir nossa impureza; sua humildade, de extirpar nosso orgulho; sua piedade, de erradicar nossa falta de devoção; seu recolhimento, de eliminar nossa dissipação.

Portanto, Nossa Senhora se assemelha a um foco do qual se difundem graças invulgares e dons especiais, próprios a vencerem nossas mazelas. Então, é legítimo dirigirmos uma oração a Ela pedindo-Lhe infunda em nós suas virtudes, para que estas nos transformem.

Como as curas do Divino Mestre no Evangelho

Revela-se-nos aqui o princípio da atuação intensa e sanativa da graça nas almas.

De fato, obedecendo aos desígnios de Deus, a graça pode descer sobre uma alma e num minuto modificá-la por completo, assim como, na expressão da Escritura, uma pedra é capaz de se tornar outro filho de Abraão. Quer dizer, pode tomar a pessoa mais radicada num defeito, mais tíbia, mais entregue a um vício, na situação mais aflitiva e miserável, e num momento livrá-la de todos esses males, desde que peça e seja ouvida por Nossa Senhora.

Assim, desejosa de se corrigir, mas acovardada diante da imensidade de suas imperfeições, contra as quais se verificam vãos todos os seus esforços, ela se volta para Maria Santíssima, rogando o socorro de graças superabundantes e necessárias para a sua conversão.

Daí São Luís Grignion formular essa prece pela qual o homem fraco, tíbio, pecador, em cujo fundo de alma lateja o anseio das mais altas virtudes, pode realmente resolver seu problema e encontrar os meios para galgar a elevada montanha da santidade.

Devemos, pois, pedir a Nossa Senhora uma atuação d’Ela em nosso coração, como eram as de Nosso Senhor no Evangelho ao curar os doentes. Na verdade, cada milagre daqueles significava uma ação divina sobre um organismo que apresentava um defeito, uma disfunção ou algo do gênero, remediando-o num instante. E quando os evangelistas narram tais curas, deixam ver que Nosso Senhor, restabelecendo os corpos, fazia entender que Ele podia sanar as almas, sendo cada uma daquelas debilidades físicas o símbolo de uma carência moral.

O socorro de Nossa Senhora, quando menos se espera

Exemplo magnífico dessa influência do sobrenatural numa alma temos no fato da conversão de São Paulo Apóstolo. Ferrenho perseguidor da Igreja nascente, em determinado momento, na estrada de Damasco, é ofuscado por uma luz, cai ao chão e, recompondo-se, a primeira pergunta que brota de seus lábios é: “Senhor, que quereis que eu faça?”. Quer dizer, ele se pôs inteiramente às ordens da graça para operar de acordo com a vontade dela.

Como este, inúmeros exemplos há na Igreja de pessoas que se convertem e mudam radicalmente, por uma ação fulminante da graça. Ouviram uma palavra, perceberam um gesto, tiveram um pensamento que as tocou e transformou por inteiro.

Então, se confiarmos na oração, se compreendermos a sua necessidade e sua eficácia, temos a possibilidade de obter os frutos espirituais mais inesperados e magníficos. Sobretudo se nos compenetrarmos de que essa prece é dirigida a Deus por meio de Maria, nossa Mãe de misericórdia e nossa vida. Sem Ela não haveria valor, nem doçura nem esperança em nossa existência. Com Ela, nossa vida é plena de vida, nossas doçuras são repletas de doçura e nós, em qualquer situação na qual nos achemos, devemos ter esperanças superabundantes e imensas. Nossa Senhora se compadece de nós e nos atende, pois é nossa Mãe. Em dado momento, nos tomará pelos braços e nos conduzirá à santidade a que somos chamados.

Cumpre considerar, entretanto, que o modo de Nossa Senhora exercer sua bondade para conosco é insondável. Assim, não raro as almas que recebem graças fulminantes são as mais provadas, depois de caminharem de provação em provação até um ponto onde não entendem mais o que se passa com elas, encontrando-se numa espécie de beco-sem-saída da perplexidade e do sofrimento. Nessas horas se dão as ações admiráveis de Maria em nosso favor.

Quantas vezes tenho visto almas nessas encruzilhadas da vida espiritual, tão aflitas e atormentadas que chegam a chorar. Observando-as, sinto o desejo de dizer a cada um: “Meu caro, espere, Nossa Senhora virá quando você menos imagina e vai socorrê-lo”. E com freqüência, no momento em que se tem a impressão de não haver saída para mais nada, a pessoa recebe uma graça magnífica e tudo se resolve pelas mãos de Maria, de um modo mais esplêndido do que jamais se poderia esperar.

Sacrossanta importunidade

É necessário, pois, tomar em consideração essa preciosa verdade: podendo rezar e possuindo uma Mãe como Nossa Senhora, nunca, nunca, nunca se deve ter desespero nem sequer a menor dúvida a respeito do auxílio do Céu. A quem bate, se abrirá; a quem pede, se dará. A nós de sermos insistentes na oração.

Lembremo-nos da célebre parábola do Evangelho, onde um homem se achava deitado na cama com seus filhos e aparece um vizinho importuno a lhe bater à porta, pedindo pão. O que já havia se recolhido não queria atender. Porém, o pedinte tanto insistiu que o pai de família se levantou, abriu a porta e lhe deu o pão. Comentário de Nosso Senhor: “Se esse homem não fosse importuno, não teria sido atendido”.

Portanto, a virtude aconselhável ante essas palavras é a da sacrossanta importunidade. Precisamos fazer violência ao Céu: pedir, pedir, pedir; bater, bater, bater. Seremos ouvidos, por maiores que sejam nossas dificuldades.

Pedir as graças próprias à nossa vocação

E o seremos, de maneira especial, no tocante ao nosso desejo de corresponder à vocação de perfeitos servos de Nossa Senhora.

Nesse sentido, poder-se-ia perguntar se caberia algum pequeno aditamento, repassado de enlevo, veneração e ternura, a essa prece de São Luís Grignion. Parece-me que sim, entendido nos seguintes termos.

Em uma instituição ou movimento católico semelhante ao nosso, o conjunto apresenta mais virtudes do que a soma das qualidades morais de seus membros. Compreende-se, pois ele recebeu uma série de graças que costumam estar em nosso ambiente, pairar em  nosso meio, como patrimônio do grupo. Elas são o tesouro do qual vivemos, e não significam outra coisa senão a própria projeção da misericórdia de Maria Santíssima entre nós, comunicando-nos suas virtudes e nos convidando continuamente a pedir essas graças.

Então, se Nossa Senhora nos chama para pertencer ao movimento, é natural que supliquemos a Ela nos obtenha os dons e dádivas celestiais específicos para o cumprimento dessa missão à qual fomos destinados. Dádivas e dons estes de que seu Coração Imaculado está repleto, aguardando nossa prece feita, como disse, com ternura, veneração e enlevo profundos.

Essa seria, a meu ver, uma forma magnífica de completar essa linda oração de São Luís, de maneira a alcançarmos as graças para sermos conformes a Jesus Cristo e a Nossa Senhora, atingindo o auge da perfeição em fazer a sua sacrossanta vontade enquanto seus filhos e servos amorosos.

Fátima, profetismo e mudança de mentalidade

A devoção a Nossa Senhora de Fátima se desdobra em duas outras invocações: Nossa Senhora do Carmo e Imaculado Coração de Maria. Assim, naquele conjunto de fatos nos quais se inserem as aparições em Fátima, a Santíssima Virgem quer ser venerada também por meio desses dois títulos. Que relação têm eles com o assunto Fátima?

Nossa Senhora do Carmo está relacionada com o Monte Carmelo e, portanto, com o Profeta Elias e toda a família de almas que, passando por São João Batista e chegando  até São Luís Grignion de Montfort, representam o profetismo dentro da Igreja. Isso representa um convite a que tenhamos o espírito profético.

Outro é o significado de Nossa Senhora apresentar-Se sob o título de Imaculado Coração de Maria. O coração simboliza a mentalidade. Essa devoção supõe a renúncia à  nossa mentalidade revolucionária para assumirmos a participação na mentalidade do Imaculado Coração de Maria. Quer dizer, é o esmagamento do orgulho e da  sensualidade que são as duas raízes da Revolução. Sem dúvida, a Virgem Maria brilhou de um modo perfeito em todas as virtudes, mas aquelas que, a justo título, os  pregadores costumam pôr mais em realce são a humildade e a pureza. Isso corresponde, portanto, a assumir uma mentalidade contrarrevolucionária.

Há, pois, um sentido profundo na jaculatória que costumamos rezar: “Cor Sapientiale et Immaculatum Mariæ, opus tuum fac – Ó Coração Sapiencial e Imaculado de Maria,  realizai a vossa obra”.

O Coração Sapiencial de Maria é a mentalidade cheia de sabedoria da Mãe de Deus, oposta à demência revolucionária. Poder-se-ia dizer: “Coração contrarrevolucionário de  Maria”. “Opus tuum fac” significa que a completa mudança da alma para assumir a mentalidade de Nossa Senhora depende de uma iniciativa d’Ela. Corresponde, portanto, a pedir à Rainha dos corações que faça a obra específica de mudar a mentalidade dos homens.

Então, se quisermos ter uma devoção inteiramente refletida, ponderada a Nossa Senhora de Fátima, devemos desenvolver essa reflexão: Nossa Senhora de Fátima  acompanhada com uma impostação de alma rumo ao profetismo representado na Rainha do Carmo, e ao Sapiencial e Imaculado Coração de Maria enquanto Aquela que age nos corações dando às pessoas a verdadeira mentalidade que devem ter.

A realeza de Nossa Senhora, fato incontestável em todas as épocas da Igreja, veio sendo explicitada cada vez mais a partir de São Luís Grignion de Montfort, até aquele 13 de  julho de 1917, quando Maria anunciou em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. É uma vitória conquistada pela Virgem, é o seu calcanhar que outra vez  esmagará a cabeça da serpente, quebrará o domínio do demônio, e Ela, como triunfadora, implantará seu Reino. Portanto, devemos confiar em que Maria já determinou atender as súplicas de seus filhos contrarrevolucionários, e que Ela, Soberana do universo, pode fazer a Contra-Revolução conquistar, num relance, incontável número de almas. Nossa Senhora Rainha haverá de expulsar desta Terra os revolucionários impenitentes, que não querem atender ao seu apelo, de maneira que um dia Ela possa dizer: “Por fim o meu Coração Imaculado triunfou!”

Plinio Corrêa de Oliveira

Onipotência Suplicante

Mediante a Encarnação do Verbo no seio puríssimo de Maria, Deus, por um ato de sua infinita bondade, criou os vínculos que O ataram ao gênero humano e Nossa Senhora, tornando-Se Mãe d’Ele, passou a ser também a Mãe espiritual de todos os homens.

Em vista disto, quando Ela pede a seu Divino Filho por nós, é como uma mãe que intercede junto a um filho em benefício de outro irmão deste. É impossível não atendê-la. 

Por isso os teólogos atribuem a Nossa Senhora o título de Onipotência Suplicante. Em virtude de suas insondáveis perfeições, Ela é sempre ouvida por Deus em suas preces a nosso favor, e d’Ele nos obtém aquilo que, por nós mesmos, não mereceríamos.

Quantos exemplos atestam essa incansável solicitude de Maria para com os homens! Compreende-se, assim, a importância da intercessão de Nossa Senhora, como ela  alivia a nossa penosa existência e enche de júbilo nossas almas. Como seria soturna a vida de um católico se não fosse a proteção da Virgem. Ao contrário, como ela é leve, cheia de esperança, de perdão e de afeto materno, com a contínua assistência de Maria, a Onipotência Suplicante!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/9/1991)

A procura de um superior

Todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer título. A existência de superiores é uma condição natural para a inteira prática da virtude da religião. O maior crime que se pode cometer contra uma civilização é a supressão dos superiores, de maneira que as almas fiquem numa terrível orfandade.

 

Do ponto de vista natural, prescindindo, portanto, da graça para efeitos de estudo, o que vem a ser a força da presença de Deus e no que isto sustenta o homem?

Um jovem que deseja ser cavaleiro e vê passar ao longe Carlos Magno

Tenho a impressão de que, assim como dos elementos somados de uma paisagem resulta o panorama — o qual é muito mais do que o elenco de seus elementos constitutivos —, assim também, de várias influências conjugadas resulta o fato de que o verdadeiro superior dá para o inferior uma impressão de alguém que é uma resposta a uma pergunta, que é a pergunta da vida dele e o preenchimento de algo de que sua alma está vazia.

Nesse sentido, todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer título.

E o maior crime que se pode cometer contra uma civilização é a supressão dos superiores, de maneira que as almas fiquem nessa orfandade, terrivelmente péssima, de não sentir que o superior aparece e que preenche o horizonte da vida.

Esse anseio por um superior corresponde a algo por onde a pessoa, melhor do que nunca, nota o conjunto todo da Criação reunido num ponto panoramático, a partir do qual ela capta melhor aquele panorama que explica a sua alma até o fundo, dando respostas às perguntas sem as quais o viver dela não tem sentido.

A título de exemplo, poderíamos imaginar um rapaz do tempo de Carlos Magno que tem o desejo de ser cavaleiro, mas nem tem noção clara de cavalaria. Está cavalgando pelos Pirineus, e numa volta de caminho vê passar ao longe Carlos Magno e seus cavaleiros. Ele fica encantado, vai correndo, presta ao soberano uma homenagem e pede licença para entrar naquela coorte. 

Esse é um momento sagrado, pois o que há de mais semelhante, mais adequado a ele, por onde ele explica a vida e encontra o caminho para Deus, aparece de repente diante dele, e é como que um encontro com o Criador.

Distâncias majestosas, intimidades paternas 

O que está dentro do homem bramindo, gemendo, sob a forma de aspirações implícitas que a realidade contingente não satisfaz; o que há de nobre em certos desejos, que o homem não conhece, mas que gemem dentro dele à procura de uma explicitação, de uma realização, de uma conexão para se tornarem mais elevados; tudo quanto é o próprio impulso na vida do homem; tudo quanto há de nobre na alma enquanto alma; tudo isso nesse momento se coloca em posição porque encontrou seu superior que lhe explica tudo.

Nisso o homem vê Deus que Se explica a ele por uma espécie de semelhança, que passará a orientar e a interpretar sua vida até o fundo. E estabelece-se um comércio entre Deus e o que a alma tem de mais delicado, e ao mesmo tempo de mais forte. De maneira que todas as ternuras e também todos os vigores se instalam naturalmente nesse comércio.

Um cavaleiro assim seria capaz de confessar os seus pecados para um homem desses, embora sabendo que não se trata de uma absolvição. Ato de suma intimidade e ao mesmo tempo de ternura. Sentir-se-ia, ademais, cheio de alegria ao contemplar esse homem num trono, ainda que ele se mantivesse afastado do trono a uma distância enorme. E ao presenciar uma ação solene diante deste homem, por exemplo, coroando-o, o cavaleiro sentiria todas as distâncias majestosas e todas as intimidades paternas em relação ao superior, fundidas num todo só, o que representaria para ele algo que é a figura de Deus.

É como nós veremos, no Céu, a Deus Nosso Senhor. Infinitamente transcendente a nós, mas na realidade o centro de nossa própria vida.

Entre superior e inferior há, pois, uma relação pela qual o superior está continuamente dando ao inferior toda essa corrente de “deiformidades”, que penetram nele e o vão modelando.

Às vezes, quando o pai é bom, é um mero precursor, porque o chefe o indivíduo vai encontrar em outras circunstâncias da vida.

Abstraindo de superiores, não podem existir verdadeiramente as condições naturais próprias para uma inteira prática da virtude da religião. Porque é só em função disso bem constituído que a virtude da religião se estabelece de um modo completamente adequado.

Quando esse fenômeno é irrigado pela graça — creio que normalmente o é —, então entra qualquer coisa que toma a graça do Batismo e dá a ela um fluxo especial.

Má influência exercida sobre a criança em muitos colégios

Algumas crianças têm certa noção da nobreza de sua própria alma — eu excluo aqui, completamente, a ideia de aristocracia terrena —, por onde elas, olhando no fundo de si mesmas, percebem a existência de algo muito elevado e nobre, que já habita ali. E acrescento, sem vacilação: percebem algo de muito santo. Quer dizer, muito conforme também à ordem sobrenatural, em que uma criança discerne em si mesma a própria graça de Deus que pousa sobre ela, mas especialmente sobre aquilo por onde é especialmente ela mesma e difere de todo mundo.

Isso dá à criança uma experiência interna de ser participante da natureza divina, chegando até a notar, em termos católicos, algo de divino em si mesma.

Quando a criança é fiel a isso, ela está ordenada, muito mais facilmente do que outras, a desenvolver tudo aquilo por onde tem em si radicalmente a semelhança de Deus. E, por isso, procurar com mais empenho, analisar com mais finura e encontrar com maior certeza o superior de sua vida.

Lamentavelmente, a maior parte das crianças perde isso no colégio, se não antes. Na vida da escola aparece, com o agarra-agarra e o empurra-empurra, o problema da comparação: esse veio com um automóvel mais bonito, o outro com não sei o quê… E isso no meio daquela folia e da zoeira do colégio, que se prolonga cabeça adentro até quando a criança dorme.

A criança é violentamente arrancada dessa ordem de cogitações e lançada no desenrolar da vida. Ela deixa de se perguntar quem ela é — interrogação através da qual encontra o seu superior — e passa a se perguntar como sobrepujar este ou aquele; surgem apegos, amizades e inimizades…

Aí entram as paixões desordenadas que calcinam a alma, na qual o ambiente procura incutir a ideia de que aqueles sentimentos interiores imbecilizam o homem, e são fatores negativos quando ele se põe na luta pela vida dentro do colégio: tornam-no menos capaz de berrar e de correr.

Ou seja, a criança era um Jacó em meio aos Esaús. E, para se redimir daquela situação, ela se joga naquela “esausada” e perde esse senso inicial incomparável.   v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/7/1984)

Revista Dr Plinio 220 (Julho de 2016)

 

Obra-prima da misericórdia divina

Para honrar a Esposa do Espírito Santo e Mãe do Verbo Encarnado, a Santíssima Trindade coroou Nossa Senhora como Rainha do Universo: todos os Anjos e Santos, todos  os homens vivos, todas as almas do Purgatório, assim como todos os réprobos e demônios, devem obedecer à Celeste Soberana. De sorte que Maria, além de medianeira das graças, é igualmente a do poder de Deus. É por intermédio de sua Mãe que Ele executa todas as suas obras e realiza todos os seus desígnios.

Mais ainda. Nossa Senhora não é somente o canal por onde o império divino passa e se manifesta na criação, mas é também a Rainha que decide por uma vontade própria,  consoante os desejos do Rei. Ela é, na verdade, uma obra-prima do que poderíamos chamar a habilidade de Deus de ter misericórdia em relação aos homens.

Oração: Pedindo graças que fazem parte do segredo de Maria

Ó Maria Santíssima, Esposa do Espírito Santo, obtende-me d’Ele a graça necessária para que eu olhe de frente a minha alma, fazendo um exame implacável e verdadeiro de tudo quanto nela se contém. Obtende-me amar o que ali puseste de bom e odiar o que há de mau. De sorte que, expulso dela o mal, triunfe o bem, e comece em mim aquela aurora do Reino de Maria, pelo qual devemos viver, lutar e morrer. E se tal for a minha fraqueza e falta de generosidade que eu não consiga corresponder às vossas graças, dai-me graças ainda maiores, aquelas que fazem parte do vosso segredo e das quais diz São Luís Grignion que o homem, como que, não lhes pode resistir.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 25/7/1970)