As alegrias de Nossa Senhora na Assunção

Devemos nos alegrar não só com as boas coisas que acontecem em nossas vidas, mas também pensar nas alegrias extraordinárias da Assunção, depois da qual Maria Santíssima, entrando no Céu, encontrou-Se com São José, com as almas dos eleitos e todos os Anjos, e foi coroada como Rainha por ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filha do Padre Eterno e Esposa do Divino Espírito Santo.

 

Tem-se tratado muitas vezes a respeito das dores de Nossa Senhora, mas os antigos falavam, mais do que os contemporâneos, das alegrias de Maria Santíssima. E era até uma devoção bastante intensificada, generalizada outrora, a tal ponto que uma das igrejas mais famosas do Brasil foi exatamente a de Nossa Senhora dos Prazeres dos Guararapes, onde os hereges holandeses foram derrotados, e depois se realizou uma espécie de primeiro armistício com eles.

Nesta Terra temos necessidade das verdadeiras alegrias

Devemos tratar também dos prazeres de Nossa Senhora, porque todos os aspectos da vida d’Ela nos são caros, mas também por causa de um lado muito importante, que é o seguinte: São Tomás de Aquino diz que nenhuma pessoa pode subsistir nesta Terra numa infelicidade total. Esta por pouco tempo se aguenta, mas por um longo período é sempre preciso haver algum alívio, sem o qual esse infortúnio não é suportável. Portanto, devemos nos alegrar pelas razões que merecem alegria, e é virtuoso que assim façamos.

A virtude não consiste só em nos entristecermos com as coisas que devem despertar tristeza, mas também em nos alegrarmos com aquilo que causa alegria. E há muitas coisas que devem despertar júbilo na vida do católico, embora não seja de nenhum modo a alegria como o mundo a entende.

Quando falta nas almas a alegria pelas boas razões de alegrar-se, surge a má tristeza, a depressão, e as pessoas começam a sentir atrativo pelas coisas do mundo e a se alegrarem com elas. A partir desse momento, naturalmente, inicia-se um processo de entibiamento, porque um dos sintomas da tibieza é a incapacidade de se alegrar com as coisas boas, santas, acompanhada de uma alegria ruim com uma porção de coisas indiferentes ou positivamente más.

Por isso, notamos na vida da Santíssima Virgem muitos movimentos de alegria, o mais insigne dos quais é, evidentemente, o Magnificat. Mas há outros fatos de sua vida que indicam o prazer que Ela teve. E daí os mistérios gozosos do Rosário, que mostram as alegrias da Mãe de Deus desfrutada em vários momentos de sua existência.

Mas nenhuma alegria de Nossa Senhora nesta vida foi tão grande quanto à da Assunção, que foram as maiores que Ela teve na sua existência terrena, se é que a Assunção pode ser considerada da existência terrena.

Mas elas são passageiras e desaparecem

Como podemos refletir a respeito da Assunção? Usemos de uma comparação.

No cerimonial de coroação da Rainha da Inglaterra, a soberana, portando um diadema, entra numa carruagem dourada magnífica, esplendidamente ornada.

Tocam os sinos, troam os canhões, a carruagem avança, precedida por um esplêndido cortejo de cavalaria, em direção à Abadia de Westminster, onde a rainha recebe a homenagem de todos os pares do Reino, dos membros da Casa Real e de outras notabilidades. Em seguida dirige-se ao seu trono à espera do momento máximo em que, após algumas cerimônias, ela será coroada. Realizada a coroação, o júbilo toma conta da cidade, espalha-se pelo reino e deste para o mundo. Há uma espécie de alegria universal.

Podemos compreender que a alegria desta rainha passe por etapas. Ela amanhece jubilosa e este júbilo — feito de honra, de dignidade e de consórcio com um destino magnífico que o Criador lhe deu: o de reger um enorme povo — vai subindo de grau até o momento da coroação, quando o seu triunfo é completo.

Mas, no meio de todas essas alegrias, quantas pequenas coisas incomodam…

Ela está andando na carruagem e, de repente, sente uma coceira no rosto, mas não pode se coçar porque fica feio. Aguenta esse incômodo e, ao invés de estar cogitando na popularidade, começa a pensar na coceira.

Certa vez, li um comentário da Imperatriz Maria Teresa, do Sacro Império Romano Alemão, descrevendo a coroação dela como Rainha da Boêmia.

Ela falava dos joalheiros que tinham estado, dias antes, adaptando a antiga coroa da Boêmia ao formato de sua cabeça, o que é uma obra de ourivesaria, mas também de estética; porque se um chapéu de senhora precisa ser bem colocado, quanto mais uma coroa! E descrevia, então, a paciência de ficar sentada, enquanto provavam a coroa: mexe um pouco para lá, põe para cá, e ela equilibrando aquele peso na cabeça. Depois, o cortejo, portando a coroa pesadíssima, dentro de uma carruagem que dava solavancos, nos maus calçamentos de Praga daquela época.

Esses pequenos pormenores acabam ofuscando, com seu prosaísmo, cenas magníficas. E, por outro lado, sabemos que tais júbilos desaparecem, não têm continuidade. O momento da coroação é transitório; o dia seguinte já se apresenta pálido em relação à véspera, e cheio de preocupações face ao próximo dia.  Essas são as alegrias autênticas desta vida! Porque essa é uma alegria verdadeira e nobre.

A coroação de Nossa Senhora no Céu

Reportemo-nos, agora, à Assunção de Maria Santíssima.

Nossa Senhora sabia o dia da sua Assunção e que, imediatamente após sua ressurreição, seria elevada pelos Anjos ao Céu. Ela estava na plenitude de sua santidade, sua alma santíssima, que durante toda sua existência terrena não deixou um instante de progredir de um modo perfeitíssimo em matéria de vida espiritual, tinha chegado àquele clímax em que Maria possuía a perfeição perfeita, a beleza belíssima, a virtude virtuosíssima, portanto ao apogeu dos apogeus, e o seu amor de Deus nunca fora maior do que naquele momento.

Podemos imaginar o estado de espírito d’Ela, sabendo que, a partir daquele instante, iria gozar da visão beatífica, passaria por um cortejo infindo de Anjos, dos quais receberia as maiores homenagens possíveis, como nunca nenhuma rainha do mundo recebera ou receberá.

Ademais, a Santíssima Virgem é capaz de compreender a natureza, a luz primordial, a graça de cada Anjo, o amor que cada um deles tem a Deus e o amor do Altíssimo a cada Anjo. E teve um conhecimento perfeito da veneração e da hiperdulia dos milhões e milhões de Anjos, todos se dirigindo a Ela e aclamando-A com o maior amor, o maior respeito, a maior veneração; e sentindo um amor e uma alegria completa por todos e cada um desses louvores, ciente de que eram merecidos porque Ela tinha sido a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e o espelho fidelíssimo d’Ele.

Imaginem que um Anjo da Guarda aparecesse para um de nós e dissesse: “Meu filho dileto, você é extraordinário e sobre você pousam todas as minhas complacências! Você é digno inteira e perpendicularmente do jorro de minha benevolência!” Um elogio como esse, feito por uma natureza imensamente maior do que a nossa, seria inebriante.

O que seria, então, para uma mera criatura humana, como era Nossa Senhora, o amor entusiástico de todos os Anjos, com o Céu angélico transformado numa coisa lindíssima porque a Rainha estava indo para lá. Era uma corte que durante milhares de anos tinha esperado sua Rainha, a qual chegava e ia pôr o termo final na beleza do Paraíso.

Depois de Nossa Senhora ter percorrido todos esses Anjos — e, antes disso, as almas santas que já haviam subido ao Céu após a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, bem como ter Se encontrado com seu esposo São José e ali permutado com ele uma saudação cheia de um respeito e de um afeto, de que nós nem sequer podemos fazer uma ideia —, a Assunção estava no auge. Maria Santíssima tinha chegado ao termo da Assunção, que foi a coroação d’Ela.

Quer dizer, Ela ia ser coroada como Rainha dos Anjos e dos Santos, do Céu e da Terra, pela Santíssima Trindade. E, com a coroação, houve uma verdadeira festa no Céu; isso não é uma hipérbole, pois se realizou uma festa autêntica no Céu, embora em termos e modos que não podemos imaginar bem.

A festa de coroação foi o auge total e pleno de alegria, mas sem sombra, sem mancha, sem incerteza, sem preocupação, sem a menor nuvem. Porque Ela foi coroada como Rainha por ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filha do Padre Eterno e Esposa do Divino Espírito Santo.

E podemos imaginar o que foi para Nossa Senhora o primeiro momento da visão beatífica — mas desde logo um instante eterno, porque a visão beatífica é eterna —, a primeira alegria da visão direta de Deus? Ora, toda a Assunção d’Ela era uma marcha para isso. E Maria Santíssima o sabia e o desejava ardentemente.

De maneira que é possível, por aí, aquilatar os oceanos — eu diria infinitudes — de alegrias que Ela teve em sua alma santíssima por causa disso.

No Céu, nossas dores serão transformadas em alegrias

Podemos fazer alguma aplicação para nós e tirar disso algum proveito? Evidentemente sim.

Precisamos tomar em consideração que também nós somos chamados para uma verdadeira assunção. Devemos morrer, mas logo depois nossas almas serão julgadas e mostradas a Nossa Senhora, e vão gozar — pela misericórdia d’Ela, evidentemente — da visão beatífica. Depois, quando vier o Juízo Final, seremos levados para o Céu. É misterioso se será por ação angélica ou por império de Deus, mas também nós vamos fazer essa viagem da Terra, completamente transformada, para o Paraíso celeste a fim de gozarmos daquilo que Nossa Senhora já desfruta.

Então, nas delícias do Céu, teremos a familiaridade dos Anjos, dos santos, iremos nos encontrar novamente uns com os outros. E uma das fontes maiores de alegria que teremos lá vai ser de lembrar as dores desta Terra, e tudo quanto aqui passamos.

Ao encontrarmos alguém com quem tínhamos implicância, diremos:

— Oh, meu caro, lembra-se daquele desacordo entre nós? E também daqueles aborrecimentos que lhe dei? Olhe, eu passei no Purgatório tanto tempo…

O outro responde:

— Eu o aborreci também, mas Nossa Senhora nos perdoou. Aquilo vai constituir entre nós um vínculo maior. Lembra-se dos favores que Ela nos concedeu? E de Fulano e Sicrano que eram tão nossos amigos?

— Onde estão? — pergunta o primeiro.

— Estão lá.

Não tenho a menor dificuldade em admitir que haverá festas no Paraíso, em que todos os de nosso Movimento se encontrarão juntos para louvar de um modo especial Maria Santíssima. Então, todas as dores que temos no momento presente serão transformadas em alegrias superabundantes, em satisfações insondáveis, que nos inundarão durante toda a eternidade.

Em comparação com a eternidade nossa vida terrena é um pesadelo

Meus caros, nossa vida pode durar trinta, cinquenta anos, mas passa. É um minuto quando nos colocarmos diante da ideia da eternidade. Sofremos agora, mas depois, quantas alegrias! E a maior delas será olhar para Nossa Senhora.

Há uma história medieval, bastante conhecida, referente a um homem que pediu muito para ver Nossa Senhora. A Mãe de Deus apareceu-lhe e ele ficou encantado, deliciado com a vista d’Ela. Quando Maria Santíssima desapareceu, ele estava cego de um olho. Então um Anjo perguntou-lhe se ele quereria vê-La ainda mais uma vez, com a condição de perder o outro olho. Ele pensou e respondeu: “Quero. Vale a pena ficar cego para ver Nossa Senhora mais uma vez. Qualquer treva é aceitável, desde que, por um instante, eu possa pôr os meus olhos outra vez nessa luz!”

A Santíssima Virgem veio de novo. Ele A contemplou longamente e, quando Ela foi embora, estava curado da outra vista!

Se é tão magnífico ver Nossa Senhora, imaginem o que significa ver Nosso Senhor Jesus Cristo! E, depois, a essência de Deus na visão beatífica. Tudo isso é eterno, pelos séculos dos séculos!

E agora pergunto: Em comparação dessa eternidade fixa, imóvel, perpetuamente nova, sem jaça, insondavelmente interessante, curiosa para ver, animada, empolgante, o que é esta vida que passa? Não é absolutamente nada, é uma escória, um pesadelo. Temos a impressão de que esta vida é uma realidade. Muito mais do que ser uma realidade, ela é um pesadelo.

Então, pensarmos que vamos ter alegrias análogas às de Nossa Senhora, uma ida ao Céu a qual é uma analogia com a ida de Maria Santíssima ao Paraíso no dia da Assunção, é, a meu ver, a melhor das meditações.

Representa-se Nossa Senhora com um coração circundado de rosas brancas, para lembrar a pureza; e também perfurado por sete gládios. Estes evidentemente são gládios espirituais e o coração simboliza a alma d’Ela, ferida pela espada de dor sobre a qual falou o Profeta Simeão.

Eu gostaria de ser pintor para representar Maria Santíssima subindo ao Céu, com o coração à mostra e desses gládios saindo a maior das luzes que se possa imaginar. Porque essa era a grande alegria d’Ela, ou seja, os tormentos sofridos, as lutas aceitas. E também vai ser a nossa. Quanto mais sofrermos, mais devemos lembrar-nos da glória e alegria que teremos na passagem desta Terra para o Céu, e, sobretudo neste, pelos séculos dos séculos.

Na Ladainha do Espírito Santo, há uma jaculatória que sempre me impressionou muito: “Senhor, dignai-vos elevar nossas almas para o desejo das coisas celestes!” É com meditações assim que nos damos conta das coisas celestes, temos alegria e inteira consolação para suportar as coisas da Terra porque o Céu existe.

Contaram-me que uma senhora simples viu pela primeira vez a sala do Reino de Maria(1), e fez este comentário: “Depois de ver esta sala, a gente tem menos medo de morrer”.

Isto é de uma teologia profunda. Até então ninguém fizera igual elogio à sala do Reino de Maria. É o mais faustoso elogio que se possa fazer de uma sala.

Assim deveríamos pensar nós: vendo a sala do Reino de Maria e outras maravilhas, não só não termos medo, mas quase vontade de morrer, para sair depressa daqui e irmos para o Céu. Só não fazemos isso porque, vivendo na Terra todo o tempo que Nossa Senhora quiser, teremos o Paraíso perfeito que para nós Ela destina.

Peçamos a Maria Santíssima, nesta festa de sua Assunção, que essas considerações tenham vida em nossas almas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/8/1966)

 

1) Sala nobre da sede social do Movimento fundado por Dr. Plinio. Ver Revista Dr. Plinio, n. 194, p. 14.

 

Festa de todas as alegrias

A festa de todos os gáudios e todas as alegrias, a festa do dia em que Nossa Senhora, ressurrecta, foi levada aos céus em corpo e alma, terá sido a maior celebração realizada no Paraíso, depois dos esplendores retumbantes da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Maria Santíssima, a obra-prima da mera criação ocupará seu lugar ao lado do trono de seu Divino Filho.

Pode-se imaginar que, nesse instante, todas as gloriosas perfeições da Mãe de Deus brilharam de modo ímpar: a bondade imensurável, a suavidade, a soberania, o domínio, o atrativo, a virginal firmeza, tudo se manifestou de maneira fulgurante, misteriosamente reluzindo e se acentuando, acentuando-se e reluzindo, para maravilhamento dos anjos e dos bem-aventurados que então A contemplavam na eternidade…

CLEMÊNCIA INDIZÍVEL

A realeza que Nossa Senhora exerce sobre o gênero humano não é a do juiz, mas a da advogada, isto é, d’Aquela que não tem por missão julgar e punir os pecadores, mas a de os defender. Por isso  tem Ela para conosco toda sorte de predisposições favoráveis, e sempre nos atende com inefável bondade.

Entretanto, a alma moderna, muito atribulada e tratada com terrível dureza pela atual tirania do demônio, encontra certa dificuldade em compreender o verdadeiro sentido da clemência de Nossa   Senhora.

Tanto mais quanto uma falsa piedade apresenta esta misericórdia de modo alvar e adocicado, como se ela fosse uma espécie de cumplicidade com o erro. Ora, a ternura e a bondade de Maria não  consistem numa vil condescendência para com quem praticou o mal, e sim na materna e invariável disposição de lhe conceder as graças necessárias para abandonar o erro e o pecado.

É nesse sentido que se deve entender a clemência de Nossa Senhora. E enquanto tal, ela é única, suprema e indizível.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 41 (Agosto de 2001)

Admiração transformante

A experiência da vida nos confirma o princípio segundo o qual aquilo que admiramos penetra em nossa alma e nos transforma. Exemplo arquetípico dessa verdade encontramos em Nosso Senhor.

Percorramos as páginas do Evangelho sob este ângulo e veremos como Ele, durante todo o tempo de sua passagem pelo mundo, procurou despertar admiração. O povo que O ouvia não cabia em si de tanto admirá-Lo. E como se tal não bastasse, o Divino Mestre ainda se transfigurou no Tabor. Para quê? Para transformá-los, para obter o amor daquela gente, pois o autêntico amor começa pela admiração.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 30/9/1969)

Estarei sempre presente entre vós

Não posso imaginar como terá sido o luto da natureza com Nossa Senhora morta… Mas imagino-A saindo da sepultura com glória delicadíssima, suavíssima, virginalíssima e maternalíssima.

Ressurrecta, vai subindo ao Céu. Enquanto Nosso Senhor, em sua Ascensão, manifestava grandeza e bondade, Ela exprime mais bondade do que grandeza.

Todos os presentes, vendo seu sorriso materno, compreendem-nA cada vez mais e são atraídos por Ela, à medida em que Maria Santíssima vai se elevando ao Céu, até o momento em que Ela desaparece e uma claridade fica espalhada sobre tudo e sobre todos, como quem diz: “Eu, na realidade, fiquei. Rezai, porque estarei sempre presente e unida a vós”.

Lentamente aquilo se desfaz, deixando lembranças que durarão por toda a eternidade…

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/10/1971)

A perfeição da santidade

Os pintores costumam representar a Transfiguração de Nosso Senhor com uma fisionomia muito plácida e serena, e os três apóstolos olhando para Ele numa atitude de admiração.

Isto certamente estava presente em tal episódio. Mas o Redentor, na infinita riqueza de sua santidade, possuía ao mesmo tempo todos os aspectos de todas as virtudes, levadas ao último extremo e à perfeição mais sublime.

Assim, juntamente com a afabilidade, havia em Nosso Senhor majestade e superioridade sem proporção com nenhum conceito humano. A superioridade incutia respeito, afeto e medo, que é o temor de Deus. E a face de Jesus também apresentava ali sublimidade, nobreza régia, poder, seriedade, gravidade e força, deixando estupefatos e tremendo de medo aqueles que O viam.

Na junção de ambos os aspectos, a afabilidade serena e a sublime gravidade, podemos compreender algo de como foi magnífico esse acontecimento, pois a harmonia das virtudes extremas e contrárias constitui a perfeição da santidade.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/8/1965)

Lágrimas, milagroso aviso

Em 1972, uma fato despertara interesse nos católicos do mundo inteiro: uma imagem de Nossa Senhora de Fátima vertera lágrimas em Nova Orleans, Estados Unidos. A fim de atender aos anelos de seus leitores a este respeito, Dr. Plinio serviu-se de sua tribuna semanal na “Folha de São Paulo” para analisar o acontecimento.

Sob a direção imediata [da Irmã Lúcia], um artista esculpiu duas imagens, que correspondem o quanto possível aos traços fisionômicos com que a Santíssima Virgem apareceu em Fátima. Ambas essas imagens, chamadas “peregrinas”, têm percorrido o mundo, conduzidas por sacerdotes e leigos. Uma delas foi levada recentemente a Nova Orleans. E ali verteu lágrimas.

O Pe. Romagosa(1) tinha ouvido falar dessas lacrimações pelo Pe. Joseph Breault, M. A. P., ao qual está confiada a condução da imagem. Entretanto, sentia ele funda relutância em admitir o milagre. Por isto, pediu ao outro sacerdote que o avisasse assim que o fenômeno começasse a se produzir.

O Pe. Breault, notando alguma umidade nos olhos da Virgem peregrina no dia 17 de julho, telefonou ao Pe. Romagosa, o qual acorreu junto à imagem às 21:30, trazendo fotógrafos e jornalistas. De fato, notaram todos alguma umidade nos olhos da imagem, que foi logo fotografada. […]

Às 6:l5 da manhã seguinte, o Pe. Breault telefonou novamente ao Pe. Romagosa, informando-o de que desde as 4 horas da manhã a imagem chorava. O Pe. Romagosa chegou pouco depois ao local, onde, diz ele, “vi uma abundância de líquido nos olhos da imagem, e uma gota grande de líquido na ponta do nariz da mesma”. Foi essa gota, tão graciosamente pendente, que a fotografia divulgada pelos jornais mostrou a nosso público.

O Pe. Romagosa acrescenta que vira “um movimento do líquido enquanto surgia lentamente da pálpebra inferior”.

Mas ele queria eliminar dúvidas. […] Cessado o pranto, o Pe. Romagosa retirou a coroa da cabeça da imagem: a haste metálica estava inteiramente seca. Introduziu ele, então, no orifício respectivo, um arame revestido de papel especial, que absorveria forçosamente todo líquido que ali estivesse. Mas o papel saiu absolutamente seco.

Ainda não satisfeito com tal experiência, introduziu no orifício certa quantidade de líquido. Sem embargo, os olhos se conservaram absolutamente secos. O Pe. Romagosa voltou então a imagem para o solo: todo o líquido colocado no orifício escorreu normalmente. Estava cabalmente provado que do orifício da cabeça — único existente na imagem — nenhuma filtração de líquido para os olhos seria possível.

O Pe. Romagosa ajoelhou-se. Enfim ele acreditara.

* * *

O misterioso pranto nos mostra a Virgem de Fátima a chorar sobre o mundo contemporâneo, como outrora Nosso Senhor chorou sobre Jerusalém. Lágrimas de afeto terníssimo, lágrimas de dor profunda, na previsão do castigo que virá para os homens do século XX se não renunciarem à impiedade e à corrupção.

Ainda é tempo, pois, de sustar o castigo, leitor, leitora! Se vier, tenho por lógico que haverá nele, pelo menos, uma misericórdia especial para os que, em sua vida pessoal, tenham tomado a sério o milagroso aviso de Maria.

É para que minhas leitoras, meus leitores, se beneficiem dessa misericórdia, que lhes ofereço o presente artigo…

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído da “Folha de São Paulo” de 6/8/1972)

1) Pe. Elmo Romagosa, autor do artigo “As lágrimas da imagem molharam meu dedo” publicado em “Clarion Herald” — semanário de Nova Orleans distribuído em onze paróquias do Estado de Louisiana.

Nossa Senhora das Neves

É próprio de Maria Santíssima violar todas as regras de distância que há entre o Céu e a Terra e aparecer a um Papa. Como também é próprio a Ela indicar o lugar para algo maravilhoso, escolhendo para isso a neve, que representa o refrigério no meio do calor.

No verão horroroso de Roma, aparece um lugar coberto de neve. Ali Nossa Senhora quer que se construa uma igreja em seu louvor.

Este é bem o papel de Nossa Senhora em nossa vida: a neve em meio ao calor de nossas batalhas, provações e sofrimentos.

Em meio à poeira desta vida, a Santíssima Virgem é a neve alvíssima, imaculada, que refrigera e nos dá um antegozo do Céu.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/8/1965)

O inestimável tesouro da oração

o dia 1º de agosto a liturgia católica festeja Santo Afonso Maria de Ligório, Fundador dos Padres Redentoristas, Doutor da Igreja e autor de renomadas obras sobre moral, muitas voltadas  especialmente para a orientação de Confessores. Entre as que dedicou ao comum dos fiéis, há uma admirável — “A Oração, o grande meio da salvação” —, apreciada de modo particular por Dr.  Plinio, que, nos idos de 1957, acerca dela teceu diversos e luminosos comentários.

 

Ao tratar da oração, Santo Afonso de Ligório não o faz à maneira de um teólogo que ensinará a respeito dela tudo quanto é possível. Ele escreve como diretor de consciências, mostrando o precioso proveito a se tirar da oração na vida espiritual.

Acompanhando seu ensinamento, vemo-lo constantemente em face de uma determinada situação espiritual, não enunciada, mas que devemos conhecer com toda a clareza. É o que poderíamos  chamar o encalhe.

Com efeito, na vida de piedade existe o encalhe e, depois, o desencalhe. Sabe-se bem o que significa encalhar. Por exemplo, um automóvel encalha quando encontra qualquer obstáculo que o  impede de andar, ou  quando sofre algum tipo de avaria interna, falta de combustível, etc.

A idolatria na Antiguidade, um “encalhe”

Inúmeras almas encalham na vida espiritual, em qualquer estágio dela, às vezes de um modo completo, e até aparentemente irremediável. O mais prodigioso exemplo de encalhe espiritual  verificou-se, a meu ver, com a idolatria nos povos antigos.

O célebre pregador francês Bossuet, ao se referir à situação do mundo naquele período, invectiva a crença idólatra como um defeito grosseiro e um erro evidente praticado por aquelas populações.  Os antigos estavam profundamente aferrados a esse erro, não obstante possuírem muitos deles uma inteligência privilegiada, como os gregos e os romanos.

Não que a razão humana não fosse bastante forte para perceber o erro da idolatria. Prova-o as diversas vozes discordantes dela, entre as quais Sócrates, Aristóteles e Platão. Contudo, esses três  homens, dos mais inteligentes de todos os tempos, falando para um povo também dos mais sábios do mundo, renunciaram a abolir esse mal, por considerar que o povo estava encalhado na  idolatria.

Isso é o que notamos no encalhe da vida espiritual: há todas as possibilidades para se ver o erro em que se caiu, mas as pessoas estão enraigadas no apego a ele. Não existem argumentos nem  recursos que obtenham resultados, por causa de um ponto encalhado.

Em contrapartida, o cristianismo é o exemplo do maior desencalhe da História. Depois da vinda de Nosso Senhor, homens menos inteligentes, dirigindo-se a povos por vezes menos favorecidos no tocante à inteligência, lograram vencer com facilidade a idolatria. De modo repentino, porque entrou um fator novo diferente de todos os anteriores, eles desencalharam.

Temos então, na idolatria e no cristianismo, casos coletivos de encalhe e desencalhe. Características do “encalhe” espiritual O que propriamente caracteriza um encalhado na vida espiritual é o fato  de ele se recusar a sair do erro em que se encontra preso. Alguém pode ter um defeito, mas se empenha na atitude de o deixar, acatando os conselhos que lhe dão nesse sentido.

Este inidvíduo não deve ser tido como um encalhado.

Pelo contrário, a vítima do encalhe é aquela que toma em relação ao seu defeito um apego tal que não quer abrir mão dele, apesar de todas as admoestações e orientações que receba. Esse defeito  não será, necessariamente, um pecado mortal. É uma falta venial ou uma mera imperfeição. Mas, à medida que a pessoa não quer renunciar àquele ponto, ela estagna. Por isso a vida espiritual é  semelhante a uma montanha em cuja encosta se pode encalhar, a qualquer altura. Há quem pare num ponto muito elevado dela. Não raro, quanto maior a altitude alcançada, tanto menor a  bagatela pela qual se fica preso.

Dir-se-ia existir uma espécie de enfermidade das alturas, pois o indivíduo que não se deixou encalhar por medo de leões, detém-se por causa de uma borboleta. É uma forma de vertigem na vida espiritual, um tremendo complexo contra o qual é preciso se defender com dez mil cuidados.

Às vezes, uma pessoa que renunciou a tudo julga-se muito engraçada e se toma de apego pelos gracejos que prodigaliza. Noutros casos, o homem se apega ao que não tem. Por exemplo, um grande jurista com mania de ser poeta, tem pouco ou nenhum apego por seu saber jurídico, mas vive com receios de que não o reconheçam como autor de versos inspirados.Nasce daí a vaidade, vem o
encalhe…

O salutar e valioso remédio da oração

Posto, então, diante desse problema que se apresenta na vida espiritual de incontáveis almas, Santo Afonso faz uma afirmação bem característica no começo do seu livro, indicando um elemento  para a sua solução. Escreve  ele: Vejo que os cristãos pouco  cuidam de empregar este grande meio de salvação [que é a oração]. E, o que ainda mais me aflige…. é ver que os pregadores e  confessores tampouco recomendam a oração a seus ouvintes e penitentes. E mesmo os livros espirituais que hoje em dia correm pelas mãos dos fiéis não tratam suficientemente desse assunto,  quando é certo que todos os pregadores e confessores e todos os livros outra coisa não deveriam incutir, com mais empenho e afinco, do que a necessidade de orar. Ensinam eles às almas tantos  meios de se conservar na graça de Deus, como fugir das ocasiões, frequentar os sacramentos, resistir às tentações, ouvir a palavra de Deus, meditar as máximas eternas e outros meios. Todos eles  são certamente utilíssimos, mas, digo eu, de que valem as prédicas, as meditações e todos os outros meios aconselhados pelos mestres espirituais, se falta a oração, quando é certo que o Senhor diz  não conceder graças senão a quem pedir? “Petite et accipietis: Pedi e recebereis”.

Sem a oração (falando segundo a providência ordinária) serão inúteis todas as meditações que se fazem, todos os propósitos e todas as promessas. Se não orarmos, seremos sempre infiéis a todas  as luzes d’Ele recebidas e a todas as nossas promessas. (…) Eu quisera, caro leitor, antes de tudo  que vou escrever aqui, explicar este meu sentimento, para que agradeçais ao Senhor, o qual, por  meio deste meu livrinho, dá a graça de fazer a oração com maior entendimento e conhecimento deste grande meio de salvação que temos, pois todos os que se salvam, falando dos adultos,  ordinariamente se salvam por este único meio.¹

A oração é, portanto, o mais seguro caminho que nos conduz à salvação. E o primeiro fundamento para compreendermos este valor da oração, no plano da Providência, é considerar como Deus  deseja ser, Ele mesmo, o nosso Cireneu. Com efeito, Nosso Senhor Jesus  Cristo aceitou sofrimentos superabundantes para nos salvar na Cruz.

Mas, Ele quis dar ao homem a possibilidade de se associar a esses padecimentos, completando o que era necessário por meio do sacrifício de cada um. É o papel da expiação que forma o tesouro  da Igreja, Corpo místico de Cristo. Assim, se Deus quis que fôssemos os cireneus d’Ele, também quer ser o nosso divino Cireneu.

Ele não é, portanto, um estranho na nossa vida. Ele, fonte de toda a consolação, quer entrar em nossa existência pessoal, tomando parte nela a pedido nosso, ajudando-nos, tanto em nossas  necessidades espirituais quanto nas terrenas. Seria mesmo compreensível que alguém fizesse uma imagem de um homem carregando a cruz, auxiliado por Nosso Senhor, como outro Simão  Cireneu.

Sim, Ele é um Cireneu que nunca nos abandona. E se nalgum momento deixa a Cruz pesar em nossos ombros, é para nosso bem, a fim de que alcancemos méritos e frutos para o Céu. Devemos,  pois, nos compenetrar dessa confortadora verdade: Deus é o nosso Cireneu infinitamente afável, infinitamente misericordioso, disposto a nos socorrer e amparar sempre. Para isso, basta o nosso  pedido, ou seja, a nossa oração.

Preparar o espírito, antes da oração

E como fazer para adquirir o valioso hábito da oração? Antes de rezarmos é preciso preparar o espírito, colocando-o diante das verdades que fazem com que nossa prece tenha alimento, do  contrário será completamente mecanizada. Então, um ponto de nosso exame de consciência seria preguntar se preparamos o nosso espírito para a oração, considerando os motivos pelos quais se reza bem. Por exemplo, tendo presente que Deus sabe como nos modificar e tem a força para fazê-lo.

Que Ele nos transformará, desde que peçamos. E que a condição para o nosso pedido ser atendido é a importunidade, virtude evangélica tão recomendada por Nosso Senhor:  Se algum de vós tiver um amigo, e for ter com ele à meia-noite e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, porque um meu amigo acaba de chegar à minha casa de viagem e não tenho nada  que lhe dar; e ele, respondendo lá de dentro, disser: Não me sejas importuno, a porta já está fechada, os meus filhos estão deitados comigo; não me posso levantar para te dar coisa alguma.

Se o outro perseverar em bater, digo-vos que, ainda que ele se não levantasse a dar-lhos, por ser amigo, certamente pela sua importunação se levantará e lhe dará quantos pães precisar (Lc 11,5-8).

Esta é a imagem d’Ele mesmo, querendo ser importunado e pedindo de nós, não o que alguns dizem: “reze pouco, mas reze bem”, mas o contrário: “reze como puder e reze muito, seja maçante,  reclame, e se Deus demorar em atender, peça ainda mais, porque Ele acabará atendendo com uma generosidade maior!”

Ora, se eu, antes de rezar, lembro-me bem que Nosso Senhor quer e sabe como me curar, e que a condição é ser importuno, eu preciso pedir muito. E fazê-lo por meio de Nossa Senhora, pois  através d’Ela realmente obtemos tudo.

Deus deseja nos fazer o bem

Além disso, é muito proveitoso tomarmos os trechos do Evangelho a respeito da oração — Nosso Senhor a ela se refere inúmeras vezes — e analisá- los sob o seguinte ponto de vista: o desejo de  Deus de nos fazer bem. O próprio fato de Nosso Senhor nos ensinar a rezar o Padre Nosso é a prova de que Ele nos quer conceder tudo quanto está dito ali. Senão, seria da parte de Deus uma  aberrante contradição.

Imaginemos um rei que dissesse: — Plinio, se você quiser obter graças de mim, reze de acordo com esta fórmula…  Se eu não fizer uso dela, o rei poderá ficar zangado comigo e pensar: “Esse homem me está tomando como palhaço, porque se eu lhe forneço um modo de obter aquilo que ele quer, deve admitir que darei mesmo, se ele pedir.” A parábola do Bom Pastor encerra um  tocante ensinamento a esse respeito: a ovelha está toda emaranhada, numa posição em que não pode se mexer mais. E o Bom Pastor toma a iniciativa de tirá-la da má situação na qual se encontra.

É bem a imagem de Deus, pegando a alma escangalhada, arrebentada, colhendo-a e conduzindo-a. O Bom Samaritano também faz isso com o homem que está à beira da estrada todo ferido. Ele  pára e o socorre. Pois de igual maneira procede Deus conosco. Estarei eu, então, fazendo a minha meditação do Evangelho orientada neste sentido? Não é o caso de incluir este ponto no meu exame de consciência? Por outro lado, cumpre lembrar  que, ao atender as nossas orações, Deus nos faz um imenso favor. Mas, Ele faz também uma ação que O glorifica  e, portanto, temos toda a razão de achar que, movido pelo amor de Si mesmo, Ele encontrará motivos para nos ser favorável.

Importa pedir sempre, e pedir muito

Seguindo a linha de seu ensinamento, Santo Afonso cita alguns trechos interessantes do Evangelho que provam a necessidade de pedirmos para  recebermos. O primeiro é uma promessa de Nosso Senhor, exposta em São João (16, 24): “Pedi e recebereis”. Noutro passo: “Pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á concedido” (Jo 15, 7). Num terceiro se afirma: “Todo o que pede recebe, e o que busca acha” (Lc 11, 10). E ainda: “Se pedirdes a meu Pai alguma coisa em meu nome, Ele vo-la dará” (Jo 16, 24).

Santo Afonso insiste para que vejamos a estrutura dessas frases e a natureza de suas promessas.  “Pedi e recebereis”. É uma verdadeira condicional. Devemos pedir, do contrário não recebemos. É  como  quem diz: “preencha a condição, e eu faço”. E não está escrito que apenas o homem bom, justo, casto ou puro recebe o que pede, mas simplesmente: “quem pede, recebe”! É difícil haver afirmação mais incisiva que esta. “Pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á dado”. Excetuando os pedidos que não forem para o nosso bem, tudo quanto rogarmos, ser-nosá concedido. Que  palavras poderiam ser usadas para afirmar isto com mais clareza?

Portanto, a promessa está formulada de um modo límpido e preciso. O mal está em não nos convencermos  disto, não sabendo manejar a oração como deveríamos. Ademais, Nosso Senhor não  especifica o pedido. Portanto, podemos solicitar tudo o que quisermos, até mesmo os bens materiais, desde que estes não ofendam a Deus. E se o pedido não convier, Ele não dará o que rogamos, porém nos compensará com algo melhor. Dessa maneira, acabaremos  alcançando o que desejamos.

Nesses dias difíceis em que vivemos, semeados de problemas, tenho certeza de que se rezássemos jaculatórias para cada necessidade, mesmo temporal, implorando a Nossa Senhora que nos  facilite isto, que nos simplifique aquilo, etc., conseguiríamos muitas coisas. Com o desgaste que as dificuldades da vida moderna causa nos temperamentos, e os problemas que podem acarretar  para a vida espiritual, esse gênero de pedido é altamente recomendável.

Tanto mais quanto a linguagem de Nosso Senhor é claríssima. As mesmas regras do Evangelho em virtude das quais acreditamos que, tendo Ele dito “isto é meu corpo”, opera-se a transubstanciação quando o sacerdote consagra as espécies, levam-nos também a crer que tendo Ele dito: “Pedi e recebereis”, de fato receberemos, se pedirmos.

Outra frase típica nesse sentido: “Todo o que pede, recebe; e o que busca, acha”. Ora, eu sou um que pede; logo, recebo. Eu sou um que busca; logo, acho. Naturalmente pode demorar, levar mais  tempo ou menos, mas a promessa de Nosso Senhor permanece imutável. Às vezes, no nosso apostolado precisamos de algo que não temos, e desanimamos. Peçamos! Rogando, obteremos. E se  não for o que necessitamos, será algo melhor. Nunca se perde por pedir.

Como a vida seria mais fácil e mais suave se nos compenetrássemos desse valor da oração! Ela é, verdadeiramente, um cetro posto em nossas mãos. A bem dizer, governamos os acontecimentos  com a prece humilde e persistente. Se nós não tomamos a sério estes ensinamentos, por falta de espírito de fé, privamos de tesouros inestimáveis a Igreja.

A via régia da vida espiritual

Consideremos, ainda, esta outra promessa de Nosso Senhor: “Em verdade, em verdade vos digo, se pedirdes a meu Pai alguma coisa em Meu nome, Ele vo-la dará” (Jo 16, 23). Santo Agostinho diz que a expressão “em verdade, em verdade” é uma espécie de juramento. De tal maneira quis Nosso Senhor acentuar o sentido exato das suas palavras, que chegou a usar esta frase: “Em verdade, em verdade Eu vos digo…”. Ou seja, “Eu vos juro: se pedirdes a meu Pai alguma coisa em meu nome, Ele vo-la dará”.

Assim, dificilmente haverá melhor oração do que esta: “Padre Eterno, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo eu vos peço: lembrai-Vos das promessas de vosso Filho e concedei-me essa graça de  que necessito”.

Compreende-se que talvez não seja fácil nos compenetrarmos deste inestimável valor da oração, e de nos colocarmos nesta perspectiva. Nosso Senhor, a Sabedoria infinita, compreende essa nossa  deficiência melhor do que nós mesmos. A prova está na insistência d’Ele, pois encontramos inúmeras promessas do gênero nas Sagradas Escrituras. Ele sabe não terem os homens muita  propensão para se humilharem e pedir com perseverança. Diversas razões os desviam dessa atitude tão necessária: o desejo de fazerem as coisas pessoalmente, de escalar o Céu por seu esforço  próprio e não pela graça de Deus; por não quererem acreditar nos juramentos e nas misericórdias de Nosso Senhor em nosso benefício, enfim, por misérias de toda ordem.

Mas, note-se bem, é este o principal ponto de batalha da vida espiritual. Se a pessoa de fato pedir a graça de se compenetrar das verdades acima consideradas — e é preciso implorar essa graça, não  basta fazermos um exercício mental de compenetração — Nossa Senhora nos alcançará tudo. Quanto a isto não se pode ter dúvidas. Esta é a via régia da vida espiritual.

Plinio Corrêa de Oliveira

Modelo de santidade

Nossa Senhora é para nós o exemplo perfeito de santidade. Ou seja, se nos modelarmos inteiramente segundo Ela, alcançaremos a completa semelhança com Nosso Senhor Jesus Cristo. Se A tomarmos como ideal, acreditarmos na eficácia da devoção a Ela, e tudo fizermos em estreita união com Maria, a Ela nos assemelharemos.

Assim, devemos pedir a Nossa Senhora, com todo o empenho, a graça de uma profunda compreensão de suas altíssimas virtudes, as quais havemos de imitar. E que Ela nos faça participar, em grau sempre crescente, da sua insondável fortaleza. Maria é a Virgem forte e combativa, a Virgem intransigente e absolutamente inflexível diante do demônio, do mundo e da carne. Supliquemos a Ela essa intransigência, antes de tudo contra o que há de mal em nosso interior; em segundo lugar, contra o que há de mal fora de nós — tendo em vista nossa própria santificação.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 76 (Julho de 2004)