Nossa Senhora de Coromoto

Harmonia augusta, nívea e maternal.

A insondável majestade e a infatigável solicitude materna de Maria Santíssima se unem e reluzem aos nossos olhos, salientadas nesses comentários de Dr. Plinio a uma bela imagem de Nossa Senhora de Coromoto, Padroeira da Venezuela, cuja festa é comemorada em 8 de setembro.

Ao contemplarmos essa linda imagem de Nossa Senhora de Coromoto, notamos de imediato o proporcionado do conjunto que com ela estabelece a base e a cadeira. Esta última possui um espaldar alto que sobrepuja a cabeça da Virgem, e apresenta em seu topo um arco singelo, porém elegante, semelhante a um dossel.

Majestade e intimidade

Trata-se de um detalhe interessante, pois ele frisa a ideia de que Maria Santíssima tem perfeita noção da própria majestade e, sendo a Rainha do Céu e da Terra, condescende em manifestar tanta bondade para conosco.

Por sua vez, a base, um tanto elevada, encontra-se numa proporção muito amena com a imagem, situando-a numa altura que transmite a noção da intimidade — repassada de sacralidade — que Nossa Senhora deseja estabelecer com seus devotos. Cumpre observar, entretanto, que a base e o dossel são apenas elementos auxiliares para visualizarmos o conjunto.

Nas laterais aparecem quadriláteros superpostos, encimados  por dois triângulos que insinuam vagamente duas colunas, com seus capitéis, de uma hipotética catedral cuja abóbada seria representada pelo arco. Embora tais figuras geométricas pudessem ter sido concebidas de modo mais artístico, se fossem retiradas o conjunto perderia em expressão.

Brancura nívea

A qualquer hora do dia, a primeira impressão causada pela imagem é de uma brancura tal que se diria ser feita de uma matéria desconhecida nesta Terra. Ao substantivo “brancura” convém acrescentar o adjetivo “nívea”, que pode parecer exagerado, mas seria uma exceção permitida pelo rico vocabulário da língua portuguesa. Ele realça, exprime melhor esse tipo de brancura que admiramos na imagem de Nossa Senhora de Coromoto: brancura nívea.

Sobretudo à noite sente-se estar em presença de um material que teria vindo, por exemplo, da lua. Não da lua explorada pelos astronautas, mas da lua cantada em versos de poesia…

Escrínio da vida divina

Esta brancura nívea indica como a Virgem Santíssima está penetrada, repleta da graça de Deus. Realça uma transparência do Criador na alma de sua criatura eleita. Nas horas noturnas,  naturalmente, tudo isso resplandece  de modo mais acentuado. E não apenas porque a alvura se destaca no contraste com as sombras. Esta seria uma explicação verídica, mas evidente. O fato é que, de dia, tem-se a impressão de que o mármore reflete a brancura; e à noite, de que nele habita uma luz, causando-nos a sensação de que, se apertássemos aquela matéria da qual a imagem é feita, dela jorraria luz em estado líquido.

Mais ainda. A própria psicologia da personagem (no caso, Nossa Senhora) é imaculadíssima, puríssima, toda constituída para viver dentro desse níveo, que seria uma espécie de “substância” existente no Céu.

A meu ver, a primeira nota de majestade e grandeza que dela emana é um reflexo da participação de Nossa Senhora num outro mundo e da presença dentro d’Ela da vida divina, que A coloca acima de comparação com qualquer outra mera criatura.

Insondável solicitude materna

A partir dessas impressões iniciais, realçadas pela iluminação noturna, analisemos outras.

Maria Santíssima tem consciência de todos esses aspectos de sua pessoa, e demonstra estabilidade através da posição e atitude calmas, de quem se sente perfeitamente em ordem e não se acha impelido por pressa alguma. Para a imagem, o tempo como que não existe: Nossa Senhora passaria séculos acomodada onde está. É o que, com profundo respeito, se pode chamar “felicidade de situação”.

De outro lado, percebe-se que a Santíssima Virgem tem dupla atenção: uma para seus valores internos e celestes, e outra, minor, para a pessoa que d’Ela se aproxima. Dir-se-ia que Ela é toda solicitude materna, e não nota, porque não o quer, a extrema inferioridade de quem se ajoelha a seus pés. Maria não se compara com o filho que vem lhe apresentar uma súplica, dirigir-lhe uma
prece. Assim, a Mãe de Deus eleva o devoto à categoria d’Ela, sem analisá-lo: “Você tem culpa ou não; é bom ou ruim”. Apenas diz: “Você existe e, portanto, tenho misericórdia. O que deseja?”

Nesta imagem transparece muito essa bondade maternal de Nossa Senhora, e a pergunta que dirige ao fiel —  “O que deseja?” — é discernida no olhar e na leve inclinação da cabeça para frente, significando seu extremo desvelo e a disposição de atender até os nossos menores pedidos.

 

Brancura nívea que indica
como a Santíssima Virgem se
acha repleta da graça de Deus,
situando-A acima de qualquer
outra mera criatura

Breve história de Nossa Senhora de Coromoto

Nossa Senhora de Coromoto é a Padroeira da Venezuela, venerada de modo particular na cidade de Guanare, onde apareceu há 354 anos. Quando os espanhóis chegaram a essa região, em 1591, um grupo de índios da tribo dos Coromotos decidiu abandonar sua terra e fugir para a selva próxima ao rio Tucupido, dando as costas à evangelização que a Igreja Católica começara a empreender entre eles.

Seis décadas mais tarde, num dia de 1652, o cacique Coromoto e sua mulher atravessavam uma corrente de água quando viram uma Senhora de extraordinária beleza, levando nos braços um menino igualmente esplendoroso. A Senhora lhes disse no seu idioma: “Dirijam-se à casa dos brancos e peçam que lhes derramem a água sobre a cabeça (o batismo), para que possam alcançar o céu”.

Algum tempo depois, um espanhol chamado João Sanchez viajava por aquela mesma região quando o cacique Coromoto lhe vem ao encontro, relata a visão que tivera da bela Senhora e as palavras que dela ouvira.

João Sanchez combinou com o índio o necessário para que toda a tribo fosse instruída na doutrina cristã e recebesse as águas do batismo. De fato, vários indígenas foram batizados, não porém o cacique, o qual, acostumado à liberdade dos bosques, não conseguia se adaptar ao novo regime de vida. Junto com sua família, retornou à existência na selva.

Entretanto, no dia 8 de setembro de 1652, sábado, Nossa Senhora aparece novamente para o índio na sua choça, em presença da sua mulher, sua cunhada Isabel e um sobrinho desta. O cacique pega o arco e a flecha para matá-la. Tendo a Virgem Maria se aproximado, Coromoto larga o arco e tenta agarrá-la. Mas, no exato momento em que ia ser tocada, Nossa Senhora desaparece, deixando nas mãos do índio um pergaminho com sua imagem. O sobrinho da cunhada Isabel saiu correndo para avisar a João Sanchez do sucedido. Este, com mais dois companheiros, dirigiu-se ao local da aparição e recolheu a preciosa relíquia.

No dia seguinte, acompanhado por alguns de seus índios, o cacique tentou uma fuga para os montes. Contudo, ao embrenhar pelo bosque foi mordido por uma cobra venenosa. Vendose imortalmente ferido e conhecendo nisto um castigo do Céu pela péssima conduta que tivera diante da excelsa Senhora, começou a se arrepender, suplicando em altas vozes que lhe administrassem o santo batismo. A divina Maria, que tanto fizera pela conversão dos índios e seu cacique; Ela, canal de todas as graças, alcançou para o moribundo a regeneração pelas salvadoras águas batismais. Por especial providência de Deus, passava por ali um católico da cidade de Barinas, que imediatamente o batizou. O cacique recomendou aos índios que se mantivessem com os brancos e, resignado, em meio a acerbas dores, rendeu o último suspiro.

Atualmente, o pergaminho com a imagem, encerrado num belíssimo relicário de ouro, brilhantes e pérolas, encontra-se no Santuário Nacional Nossa Senhora de Coromoto, erguido no lugar da segunda aparição, e inaugurado com a solene Eucaristia presidida pelo Papa João Paulo II, em 10 de fevereiro de 1996.

No caráter virginal e na extrema delicadeza dos traços da mãe e do filho está presente a noção de uma insondável misericórdia para conosco.