A cidade de Genazzano está construída numa montanha, no alto da qual se ergue a Basílica de Nossa Senhora do Bom Conselho, onde se encontra o belíssimo afresco, trazido no século XV pelos Anjos desde Scútari, na Albânia.
Temos aqui uma vista da cidadezinha de Genazzano. Bem no centro e no alto encontra-se o campanário e o corpo da igreja e, depois, vemos a cidade que se pendura nas encostas dessa pequena montanha. Eis uma das razões do pitoresco dessa cidade.
O extremo pitoresco do urbanismo “genazzaniano”
Genazzano foi, outrora, uma cidade fortificada e era uma espécie de feudo dos Príncipes Colonna. No período das guerras feudais, ela teve que enfrentar várias dificuldades, diversos cercos, e por causa disso a população procurava concentrar-se dentro da cidade, encostando-se as casas, umas nas outras, tanto quanto possível. O melhor meio para uma fortificação defender-se com facilidade era localizar-se no alto de uma montanha; ora, os altos das montanhas são naturalmente estreitos, pequenos. Daí a necessidade de fazer as ruas o mais possível estreitas e com um traçado sinuoso, pelo qual se adaptem ao modo com que cada casa consegue pendurar-se no morro. Aí está o extremo pitoresco do urbanismo “genazzaniano” — se assim podemos chamar —, que vamos examinar.
Veem-se restos de muralhas, pois com o desaparecimento das guerras feudais e do perigo de invasões normandas, árabes, etc., as muralhas foram caindo, mas a cidade continuou assim, agarradinha às encostas e deitando uns prolongamentos para o sopé da montanha.
Foi no alto desse local que uma ardorosa devota da Mãe do Bom Conselho, Petruccia Nora, quis construir uma igreja de acordo com revelações e visões recebidas, e que deveria ser num lugar onde havia uma capela, em estado de deterioração, em louvor de São Brás, bispo e protetor contra os males da garganta.
Aí pousou, em certo momento, em meio a coros angélicos cantando e nuvens luminosas, a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho que tinha atravessado o Mar Adriático, acolitada pelos dois albaneses que a seguiram desde Scútari, na Albânia, caminhando milagrosamente sobre as águas.
É-nos grato tomar em consideração que no lugar onde está, na igreja, o altar de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano, a imagem baixou, e imaginarmos a cena: esse burgozinho efervescendo de alegria com as graças todas que se derramavam do Céu, de um modo sensível através das músicas, das nuvens, etc., e o triunfo de Petruccia, posteriormente sepultada na igreja, na qual há uma lápide comemorando-a.
Elegância que tem poesia
À primeira vista, quem olhasse essas construções poderia fazer uma objeção: “Isso é um espaço mal aproveitado, a cidade não deveria ter sido construída aí, as casas ficam se encostando, por assim dizer “acotovelando-se” umas nas outras; a população fica mal servida de espaços; as ruas têm que ser sinuosas e, portanto, feias; não há um plano de conjunto. Pelo contrário, se se fizer uma cidade dividida como um tabuleiro de xadrez, em quadradinhos, com espaço horizontal bem amplo, grandes avenidas e um trânsito abundante passando por aí, fica muito mais bonito!”
Ora, isso daria nessa banalidade que todos conhecemos. Pensemos, por exemplo, em uma grande avenida de São Paulo e façamos a comparação: Genazzano é pitoresca, dá vontade de ir visitar. Pelo contrário, diante da grande avenida sentimos vontade de bocejar.
Vemos nesta outra fotografia, tirada de dentro de um restaurante, um panorama muito bonito, montanhoso, variado e, felizmente, pouco cultivado pelo homem. É curioso, mas às vezes a cultura do homem embeleza e às vezes torna sem graça uma determinada paisagem. Aqui se tem a impressão de que as coisas continuam como eram quando saíram das mãos de Deus.
Em outra foto aparece uma parte da muralha, uma fontezinha com chafariz, que está ao lado de uma espécie de reservatório. Nota-se na muralha certa preocupação de elegância. Vejam as ameias, cuja finalidade é permitir que o defensor da cidade se proteja dos projéteis lançados pelo adversário, escondendo-se atrás disso que poderíamos chamar vagamente uns “Vs”; e na hora de ele mesmo atirar, aparece depressa e joga qualquer coisa, depois volta para trás.
Entretanto, esses “Vs” são mais altos do que costumam habitualmente ser em fortificações dessa natureza, para tomar assim uma forma de elegância que tem certa poesia.
Observem as paredes. São fortificações belíssimas. A vegetação se introduziu em todas as frinchas que separam uma pedra da outra. Onde um pouco de terra pousou, uma semente se deitou, uma planta nasceu e assim aquela que poderíamos chamar quase de torre é felpuda de vegetação.
Do lado de cá, há uma porta que outrora fora aberta, mas provavelmente por razões de defesa resolveram fechar. Junto a ela está tudo ajardinado e arranjadinho, a fonte está bem conservadinha sobre uma bonita coluna que sustenta a bacia, e tem-se aí um golpe de vista muito interessante.
Ruas estreitas em zigue-zague, terraços floridos
É especialmente interessante o fato de terem conservado a muralha e, com o desaparecimento das guerras, ter-se formado um pouco de cidade de um lado e do outro dela; e, para maior comodidade, foram retirados os batentes da porta, que não é mais necessário fechar, pois os inimigos desapareceram. Contudo, a muralha permanece. Vejam como é interessante esta “piazzetta” localizada logo depois da muralha, em cujo andar térreo vê-se uma janela com cortininhas e um toldo. Trata-se, provavelmente, de um restaurante muito barato, de comida nada “raffinée”, mas saborosa, onde o povo engorda tanto quanto pode, comendo e bebendo, conversando, exclamando e, pela vocação um pouco oratória do povo italiano, declamando também.
Neste outro aspecto da cidade, vemos um claro exemplo do que falávamos há pouco sobre as ruas apertadas, estreitas. Aqui foi concedido ao fator “rua” o menor espaço possível, para poder caber dentro das muralhas o maior número possível de habitantes.
Vejam como a rua se torna, assim, sinuosa, desenvolvendo-se numa espécie de zigue-zague. E, para aproveitar mais o espaço, por cima da própria rua constroem pontes onde deve haver quartos com gente habitando.
Como habitação, não é muito diferente de uma favela de pedra. Entretanto, não se tem a impressão de miséria e para lá vão turistas para ver o pitoresco dessas mansões humildes. Notem como as ruas são limpas, os lugares arejados e como as pessoas moram um pouco ou muito apertadas ali dentro, mas alegres e com o espírito gaiato, satisfeito, cantam, evidentemente.
Isso aqui está fotografado à luz do dia, porém é ainda mais bonito sob o luar. Exatamente, nós visitamos isso ao luar, e fica um verdadeiro encanto! Não é só quando a Lua nasce “por detrás da verde mata”, que ela é muito bonita. Ela é bela em todas as circunstâncias: “pulchra ut luna, electa ut sol”(1), diz a Escritura num trecho aplicado pela Igreja a Nossa Senhora. Sob o luar essa paisagem urbana adquire certo ar de mistério, e um transeunte que anda sozinho por essas ruas, à noite, com uma capa, o rosto meio embuçado e com um passo apressado, não se sabe se é um mensageiro que está trazendo uma mensagem secreta, um aventureiro a fugir de uma polícia, ou simplesmente um habitante do lugar, um pouco teatral… É a poesia de Genazzano.
Na Itália, como em outros países da Europa, existe a preocupação frequente de florir os terraços. Vemos nessa residência como tudo está enfeitadinho, indicando o prazer e a alegria de viver, o gosto de ter uma vida razoável e alegremente ornada, dentro de certa pobreza. É o contrário da revolução social marxista, com os punhos fechados, ameaçando revolta e morte.
Aqui vemos uma porta e, no alto, um brasão com uma coroa.
Nos edifícios antigos era comum porem-se coroas, escudos, ainda que não pertencessem às famílias nobres, mas, por exemplo, à municipalidade. Elas ostentavam uma coroa, não feita de ouro e prata, mas de pedra, representando, em ponto pequeno, a muralha, símbolo da autonomia da cidade. Tanto quanto a minha vista me permite discernir, não há sobre esta porta uma coroa nobiliárquica, mas municipal. Entretanto, vejam como ela ficou agradável de ver em cima dessa entrada. É a pequena e modesta pompa de um vilarejo consciente de sua dignidade.
O teto, a mesa de Comunhão e o quadro da Mãe do Bom Conselho
Vemos aqui o interior da igreja. O afresco de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano está à esquerda. Nota-se do lado esquerdo alguns arcos grandes que, à primeira vista, parecem vedados por um grande cortinado; mas não é cortina, e sim um gradeado muito bonito, sólido e bem desenhado, que defende por todos os lados a imagem de eventuais atentados durante a noite. Assim, a sagrada imagem fica ao resguardo de qualquer ladrão que queira vendê-la, de qualquer devoto indiscreto que deseje fazer com ela uma extravagância, inspirado por alguma piedade mal entendida, ou de qualquer blasfêmia de algum profanador.
A igreja tem um tom de seriedade que lembra a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em São Paulo. Na parte do fundo, vê-se a capela-mor, o presbitério e dois altares — o altar onde estão as velas, e aquele onde se encontra o Crucifixo é o altar antigo.
O teto não cai perpendicularmente, mas à maneira de uma semi abóboda, cujo desenho é mais ou menos entrevisto pelo arco que há no alto, na entrada do presbitério, e que se repete depois. Aqueles losangos e os desenhos dentro deles não são pintados, e sim feitos em alto-relevo muito fino, muito bonito e distinto, sem aqueles transbordamentos demagógicos e um tanto cafajestes que o Renascimento tem, mesmo quando procura ser aristocrático. Aqui não: esse adorno é muito discreto e distinto, como convém às coisas sacrais.
A mesa de Comunhão é de um mármore de muito boa qualidade, concebida segundo uma inspiração muito justa e verdadeira, do ponto de vista teológico. Dado que o Santíssimo Sacramento é Nosso Senhor realmente presente sob as espécies eucarísticas, o padre dar a Comunhão e o fiel recebê-la constituem um ato tão alto, de uma elevação infinita — porque Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus, é Aquele que é dado e recebido — que seria próprio aos Anjos segurarem o pano da mesa de Comunhão.
Por isso, é muito bonita a ideia de representar a mesa de Comunhão como um pano improvisado, sustentado poeticamente por anjos, não esticado, mas com umas ondulações bonitas esculpidas no mármore.
Desagrada, entretanto, o fato de serem representados uns anjos travessos, sem seriedade, nada daquilo que se pode imaginar de um Príncipe na presença de Deus por toda a eternidade. Isso desdoura e entra em contraste com toda a respeitabilidade autêntica, muito maternal e afável da igreja.
Ao fundo da nave esquerda, na capela guarnecida de grades fortes e distintas, de que falamos há pouco, e cujas paredes estão revestidas de mármores particularmente bonitos, encontra-se o nicho com o quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho.
A imagem é altamente expressiva e deixando transparecer esse convívio maternal, silencioso, de longas e longas horas entre Ela e o Menino Jesus, e uma espécie de consenso mudo entre ambos a respeito de toda espécie de coisas, de temas, indicando a união intimíssima de almas da mais alta das meras criaturas, que é Maria Santíssima, com Aquele que, enquanto Homem é criatura, e na sua natureza divina é o Criador. Isso tudo vivido na simplicidade das relações, Mãe e Filho. É o tipo de relação mais simples, mais espontânea, mais natural e mais íntima que o espírito humano pode conceber.
Há nessas duas figuras uma espécie de silêncio vivo pelo qual não dão a impressão, nem um pouco, de meras pinturas. Não se pode retratar melhor o intercâmbio de afeto, de mentalidade e quase de vitalidade entre Mãe e Filho do que essa imagem representa.
Imagem do Beato Stefano Bellesini
Em uma capela contígua à igreja encontra-se um altar com os restos mortais do Bem-aventurado Stefano Bellesini, sacerdote agostiniano que viveu em meados do século XIX(2). É o grande devoto de Nossa Senhora de Genazzano.
Tanto quanto a minha experiência faz notar, essa devoção tem como que eclipses. Quer dizer, há momentos em que ela é muito sensível, e a esperança de ser atendido pela intercessão de Nossa Senhora do Bom Conselho é fácil, alegre e luminosa. Em outras ocasiões fica difícil, essa esperança não é sensível e torna-se necessária uma grande força de alma para se perseverar na confiança.
Para praticar esta virtude com este grau enérgico de confiar, quando todas as impressões de caráter sobrenatural se apagam em nós para nos provar, a intercessão do Beato Stefano Bellesini que, com certeza, foi exímio nisso, nos é muito favorável. Eu rezo a ele mais de uma vez por dia, e recomendo muito que rezem também.
A atitude dele nessa imagem de cera que reveste suas relíquias é muito calma, tranquila, de quem já está elevado às tranquilidades eternas do Céu.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/11/1988)
1) Do latim: bela como a Lua, incomparável como o Sol (Ct 6, 10).
2) * 1774 – † 1840.