É de noite que é belo acreditar na luz!

Nossa Senhora acreditou na luz durante a terrível treva da Paixão. Nesse tremendo desamparo, vendo que cada chaga era uma razão humana para tornar indiscutível a morte de seu Divino Filho, Ela teve uma Fé plena.

Quando Maria Santíssima segurou aquele cadáver nos braços, no momento em que O acolheu para ser objeto dos cuidados e levado à sepultura, tendo aquela imensa derrota física nas mãos, Ela via toda a impossibilidade natural da Ressurreição e fazia um ato tranquilíssimo de Fé: “Ele ressuscitará. Eu creio porque Ele prometeu!”

Plinio Corrêa de Oliveira, 19/11/1971

Uma devoção da cristandade…

Nosso Senhor Jesus Cristo morreu numa sexta-feira e ressuscitou num domingo. Ambos os dias foram-Lhe especialmente consagrados, de modo que, semanalmente, relembram a Paixão e a Ressurreição do Senhor. Porém, entre estes dias há outro: o sábado. Como faria a civilização cristã para solenizar este dia posto entre duas datas tão sublimes?

 

Na Idade Média, sob o impulso dos monges cluniacenses, o sábado passou a ser consagrado a Nossa Senhora. Mas, por que razão a piedade católica instituiu esse costume?

A Ressurreição

Embora os Apóstolos tivessem um misterioso instinto de que a história de Nosso Senhor não podia estar concluída e que a última palavra ainda não fora dita — caso contrário haveriam se dispersado —, eles ainda não tinham atinado com a ideia da Ressurreição.

Não concebiam eles que Quem ressuscitara Lázaro — fato que eles puderam comprovar —, ressuscitar-se-ia a Si próprio; não imaginavam que Nosso Senhor aceitaria o desafio lançado pelo mau ladrão crucificado a seu lado: “Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo!”(1). Cristo fez muito mais do que descer da Cruz e curar-se a Si próprio: Ele consentiu em morrer para depois ressuscitar-Se.

De fato, a Ressurreição é algo tão extraordinário e miraculoso, que o espírito humano é propenso a sequer imaginá-la. Pois, se um vivo ressuscitar um morto é incomum, quanto mais o é um morto voltar à vida por suas próprias forças, sair dos abismos da morte e dizer a seu corpo: “Levanta-te!”… Esta é uma espécie de vitória dentro da vitória, de esplendor dentro do esplendor, que o espírito humano não pode sequer imaginar.

A Fé da Santíssima Virgem sustentou o mundo

Porém, havia alguém que possuía plena certeza na Ressurreição de Jesus: Maria!

No sábado que precedeu a Ressurreição de Nosso Senhor, somente Nossa Senhora, em toda a face da Terra, teve uma Fé completa e sem sombra de dúvida na Ressurreição. Ela possuía uma certeza absoluta, uma expectativa imensamente dolorida por causa do pecado que havia sido cometido, mas imensamente calma, com a certeza da vitória que se aproximava.

A cada minuto que passava, de algum modo a espada da saudade e da dor penetrava ainda mais seu Coração Imaculado. Mas, de outro lado, havia a certeza de uma grande alegria da vitória que se aproximava. Esta concepção inundava-A de consolação e gáudio.

Maria Santíssima, nesta ocasião, representou a Fé da Santa Igreja e, por assim dizer, sustentou o mundo, dando continuidade às promessas evangélicas, pois, se não houvesse Fé sobre a face da Terra, a Providência teria encerrado a História.

Maria foi a Arca da Esperança dos séculos futuros. Ela teve em Si, como numa semente, toda a grandeza que a Igreja haveria de desenvolver ao longo dos séculos, todas as promessas do Antigo Testamento e todas as realizações do Novo; tudo isto viveu dentro da alma de Nossa Senhora.

Podemos até nos perguntar se este episódio não foi mais bonito do que quando a Santíssima Virgem trazia o Messias em seu seio. Numa ocasião Ela gestava o Messias e carregava dentro de Si a salvação do mundo inteiro; noutra, tinha Ela em Si a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, portanto, o Corpo Místico de Cristo.

É à noite que é belo acreditar na luz

Na obra Chanteclair, de Edmond Rostand, há uma linda frase: “É à noite que é belo acreditar na luz”.

Que mérito há em acreditar na luz ao meio-dia? Mas, acreditar na luz à meia-noite, ou mais ainda, às três horas da manhã, quando até a própria meia-noite já vai longe, tem-se a impressão de que o curso das coisas nos afundou nas trevas definitivamente; aí é que é belo acreditar na luz.

Ora, Nossa Senhora acreditou na luz durante a terrível meia-noite da morte de seu Filho. Apesar de presenciá-Lo “rompu, brisé, anéanti”(2), Ela não teve dúvida nenhuma.

Quando Jesus morreu e Nossa Senhora teve seu divino cadáver no colo, Ela fez um tranquilíssimo ato de Fé, dizendo: “Apesar destas chagas e desta morte estraçalhante, Ele ressuscitará! Eu creio porque Ele prometeu!”

Este foi, sem dúvida, um dos mais belos momentos da vida d’Ela.

A fidelidade de Maria fez-Lhe merecer, até o fim do mundo, ser lembrada especialmente aos sábados

Compreende-se assim, com que tato a Igreja escolheu para festejar Nossa Senhora este dia que lembra exatamente a hora trágica da dúvida e do abandono de todos.

No sábado, Jesus estava na sepultura, cheio de perfumes e de aromas, envolto no sudário. O sepulcro estava selado por uma enorme lápide e guardado por soldados. Para todos estava tudo acabado, exceto na alma d’Ela, onde uma tocha de Fé e de convicção ardia com a certeza de que Ele ressuscitaria.

Este é o Sábado Santo, dia especialmente consagrado a Nossa Senhora.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/11/1971)

 

1) Lc. 23, 39.
2) Roto, quebrado e aniquilado.

O poder das lágrimas de Maria

No momento de Jesus ser retirado da Cruz para ser depositado, como sobre um altar, nos joelhos virginais e santíssimos de sua Mãe, Nossa Senhora olhava para Ele e chorava amargamente.

As lágrimas de Maria Santíssima, vertidas tão abundantemente quanto o sangue por Ele derramado, operaram algo extraordinário: para que os efeitos da Redenção santíssima se aplicassem plenamente a nós, essas lágrimas mereceram o que nós não mereceríamos, aquilo que os nossos pecados rejeitaram afastando de nós o Sangue de Cristo.

Pelas lágrimas de Maria, intercessora onipotente junto a Deus, a misericórdia exalada pelo Sangue de Cristo mais uma vez desceu até nós, nos resgatou, nos deu forças e nos incitou à luta.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/4/1990)

Paixão

Cada festa celebrada pela Igreja é acompanhada de enorme efusão de graças correspondentes às dádivas recebidas em vida pelo santo então celebrado. Isto se dá também quanto aos mistérios da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, ou de Nossa Senhora, que eventualmente consideremos em determinada celebração.

Ora, aproxima-se o dia em que a Santa Igreja reserva para contemplarmos liturgicamente o “mistério dos mistérios”, ou seja, a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo e a redenção do gênero humano.

No momento em que Ele, expirando, disse “consummatum est” e sua Alma se separou do Corpo, a redenção se operou. O gênero humano, de perdido que era, passou a ser salvo. Nesse momento, nós fomos resgatados e a fonte de todas as graças se abriu para nós.

De fato, por causa de seu sacrifício, Nosso Senhor Jesus Cristo é uma fonte de graças aberta para todos nós; este sacrifício abriu para nós uma infinita torrente de misericórdia, que nos traz toda espécie de bem e de perdão, desde que verdadeiramente queiramos dela nos beneficiar.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/4/1966)

O caminho da dor – II

O caminho do sofrimento é, sem dúvida, o caminho da felicidade. Quanta alegria no meio da dor têm aqueles que, com serenidade e força, procuram unir-se a Deus!

A preguiça leva a criança a não estudar, mas se esta cumpre seu dever e estuda, ela se fortifica e abre para si um caminho de luz. Se, pelo contrário, ela não estuda e vai passear, no fim do ano leva bomba, perde um ano da vida… E o resultado é a frustração.

Tentações de uma criança e de um adulto

E isso se põe de tal maneira que nunca na História o número de suicídios entre crianças e adolescentes foi tão grande como em nossa época. Por quê? O mundo atual convida ao prazer de todos os modos possíveis. As pessoas aceitam e muito cedo ficam com a noção do próprio fracasso: “Fracassei, não vou ser nada, a vida não é nada. Vou entregar-me ao pecado. Ao menos assim, eu saio da realidade e gozo a vida como posso”.

Uma coisa traz outra. A criança adquiriu o hábito de não resistir às tentações, entra numa rampa que ninguém sabe até onde pode chegar.

Mas isso se repete a vida inteira. Entre vinte e cinco e trinta e cinco anos de idade, aparece para o homem outro tipo de tentação, embora as tentações contra a pureza continuem.

Ele vê os de sua idade, que estão fazendo carreira: um já é um médico ilustre; outro recebeu um prêmio para realizar estudos numa universidade da América do Norte ou da Europa, volta laureado e se torna cirurgião de um hospital. Um terceiro é um grande advogado que faz discursos e tira os criminosos da cadeia; quando ele efetua defesas no júri, a sala se enche de gente que vai somente para vê-lo falar e o aplaudem; por fim, o réu é absolvido devido à sua eloquência; então ele se dirige até o banco dos réus, felicita o réu e sai de braços com o mesmo; e as pessoas que foram assistir exclamam “Aahh!”. A vida é cheia de coisas dessas.

Enquanto aqueles vão para a frente, ele está parado, queimando o rojão da vida…

A perseverança na prática dos Dez Mandamentos é heroísmo

Conheci um professor público em Curitiba, Paraná. O pobre homem levou-me até sua casa e eu lhe propus certas atividades católicas; disse-me ele: “Dr. Plinio, não vale a pena o senhor me propor nada. Vou lhe explicar quais são as minhas condições. Eu sou católico praticante, nunca quis assumir compromisso com ninguém, estou numa situação de pobreza e imolando minha vida por minha família, para acabar de educar meus filhos. Meu médico me disse que, para eu não morrer do coração de uma hora para outra, preciso diminuir o número de minhas aulas pela metade. Se eu fizer isso, meus filhos não podem formar-se. Quero que eles estudem numa boa faculdade e isso custa dinheiro. Então estou carregando o dobro de trabalho que meu coração permite e, portanto, vou viver a metade do tempo que me restaria de existência. Diante disso, como assumir mais algum encargo apostólico?”

Tive vontade de dizer-lhe: “Professor, reze por mim!”, porque se respeita e se venera um homem que faz esse sacrifício.

Esse é o caminho da dor. Não é indispensável que sobre o homem caia uma grave doença, como a cegueira ou outra desgraça. Se cumprir bem os Mandamentos, ele vai encontrar em nossa época tantas dificuldades, que a perseverança é um heroísmo. Terá que rezar e refletir muito para manter-se no bom caminho, tornando-se um homem sério. E ainda que os outros o desprezem, desde que ele diga: “Eu me imolo por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, o Qual morreu por mim na Cruz, e vou para a frente”, ele não só vai para a frente, mas para cima.

Alguém me dirá: “Dr. Plinio, há recompensas nesta vida. Um homem desses é pelo menos um pai tão venerado pelos seus filhos, que seu lar modesto se torna para ele um pequeno paraíso”.

Não se iluda, pois na maior parte dos casos os filhos caem debaixo da influência da Revolução(1) e ficam com raiva do pai que lhes dá exemplo em sentido oposto. Essa é a realidade. Eles seguem um caminho, o pai segue outro e ainda tem o desprazer de ver a ingratidão daqueles pelos quais se imolou. Ele morre abandonado, incompreendido por todos, como Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz. E, no momento de sua morte, poderá dizer em união com o Redentor: “Consummatum est”.

Devemos cumprir o dever, sem choramingar

Numa de suas cartas, São Paulo escreveu o seguinte: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia” (2Tm 4,7-8). De fato, o prêmio da glória ele não viu na Terra, mas no Céu; entretanto, segundo uma bonita lenda, os que assistiram à morte dele viram esse prêmio na Terra. Ele estava ajoelhado diante de um tronco de árvore ou uma pedra, e o carrasco golpeou com a espada a nuca dele com tanta força que a cabeça de São Paulo saltou longe, batendo três vezes no solo. De cada um dos lugares onde ela tocou, nasceu uma fonte. Esse milagre mostrou aos homens para todo o sempre como Deus amou aquela alma que estava na Terra.

Então não podemos ter a ilusão, fazer uma ideia moleirona, de que, depois de nosso sacrifício, vem uma consagração. Às vezes ela ocorre, mas não devemos fazer isso por causa dessa consagração. É necessário estarmos prontos para a ideia de que venha a ingratidão e a incompreensão. Apesar disso, faremos o sacrifício!

O caminho da seriedade é este: fazer sempre aquilo que é o dever, ainda que doa; fazer logo e bem feito, sem choramingar.

Nunca tenham pena de si mesmos! A pena de si é o começo da moleza. Se um homem declara: “Pobre de mim”, tenho vontade de lhe dizer: “É pobre mesmo, porque agora você perdeu todo o mérito anterior. Não tenha pena de si mesmo, meta o peito por cima da espada da dor, custe o que custar, dê no que der! O seu prêmio no Céu será enorme”.

Os prazeres desta Terra nunca saciam

Essa é a dor e a luta do homem que anda bem. Como é a vida do homem que procede mal?

Na aparência pode ser uma vida cheia de delícias, mas acontece uma coisa curiosa em sua alma: o castigo das delícias que ele arranjou. Cada vez que esse homem tem uma delícia, ele fica com vontade de uma delícia maior e, quando não a consegue, ele sofre. E quando obtém mais alguma delícia, ele sofre porque não tem outra; não há o que lhe baste.

Dou um exemplo concreto.

Imaginemos um homem que começa a ganhar dinheiro indevidamente. Ele compra um automóvel Mercedes e, ao ir pegá-lo na loja, para prestigiar-se na família, diz aos de sua casa: “Passarei aqui à tarde, vamos jantar juntos num grande restaurante”. Para a mulher: “Fulana, vista-se bem porque aquele é um restaurante onde você nunca foi!” E aos filhos: “Fulano, sicrano, beltrano, preparem-se, todos com bom apetite!” Vão ao restaurante, comem, divertem-se etc. Naquela hora isso dá prestígio.

Voltam para casa e, entre as cartas por ele recebidas naquele dia, há um convite, mandado somente às pessoas ricas da cidade: “Foi preparado um cruzeiro magnífico no melhor hotel flutuante que há no mundo, o cruzador ‘Queen Elisabeth’, o maior navio de passageiros construído até hoje, no qual há todo o luxo moderno, todas as delícias da vida”.

O homem se lembra de que, conversando com um colega, este lhe perguntara: “Por que você não vai com sua família ao passeio do Queen Elisabeth?” Mas para isso ele não tem dinheiro… 

Sua mulher lhe diz, como se fosse por acaso: “Fulano, vamos fazer um passeio no Queen Elisabeth!” Eles dormem amargurados porque não podem viajar no Queen Elisabeth, quando há um ano atrás eles tinham apenas um Volkswagen qualquer, para se deslocar de um lugar para outro, e usando-o pouco para não estragar a máquina. O indivíduo passava as manhãs dos domingos limpando o Volkswagen como se fosse uma criança, e ele mesmo o consertava. Agora ele tem um automóvel Mercedes. Mas, porque não pode fazer uma viagem verdadeiramente fabulosa pelos pontos mais bonitos da Europa e do Oriente Próximo e, ao cabo de seis meses, estar de volta, ele tem a amargura que sentia no tempo em que apenas possuía o Volkswagen.

Às vezes sentimos isso na própria pele. Porque cada um de nós, em proporção maior ou menor, faz o papel do homem do automóvel Mercedes em comparação com outro indivíduo mais pobre. Todos os presentes neste auditório conheceram meninos mais pobres, que os olhavam como os que estão aqui consideram quem tem um automóvel Mercedes. Os que assistem a esta reunião tinham tudo o que um desses meninos desejava possuir, mas não se sentiam felizes.

Essa era uma reflexão que várias vezes fiz, por causa do bairro em que eu morava, onde havia casas muito boas, casas modestas e até de operários. Em minha residência, que ficava em frente a uma fila de casas de operários, existia do lado de fora uma escada, a qual eu subia e descia estrepitosamente; era barulhento por natureza.

Quando eu saía, uma ou outra pessoa de uma dessas casas metia a cabeça fora da janela para me ver: era uma velha, ou uma mocinha, querendo casar com o moço rico, ou então um rapaz da minha idade que se deslumbrava de ver o luxo que eu tinha. Mas de fato meu luxo inexistia, porque eu era o mais pobre da roda de amigos que frequentava. Era uma regra de três: ele queria ter o que eu possuía, como eu desejava possuir o que um rico tinha; e o rico queria ter o que o mais rico possuía. É uma sede que ninguém sacia.

Serenidade, força e alegria dos bons

Quer dizer, a infelicidade do filho das trevas é maior do que a do filho da luz, porque este possui, na sua infelicidade, a alegria da consciência tranquila; e o filho das trevas tem a recriminação da consciência, que a Escritura compara a um verme roedor, o medo da morte que pode vir de uma hora para outra e, além disso, a frustração nesta vida.

Aquele bom professor com quem conversei podia ter todos os desapontamentos, todas as decepções, passar a vida atracado na dor, carregando sua cruz, mas ele possuía a certeza de que fazia a vontade de Deus, que o estava abençoando; ele tinha a consciência tranquila e a confiança de que iria para o Céu.

Prestem atenção nas Vias Sacras bem escritas, leiam no Evangelho a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo! Verão que não há um momento em que Ele tenta tirar o corpo da dor, ou está adotando um jeitinho para ver se sofre menos. Nosso Senhor vai para a frente, não cessa de caminhar um instante. E cai três vezes sob o peso da Cruz, porque não aguenta mais; readquire um pouco de fôlego, levanta-Se e continua.

Quando Ele chega ao alto do Monte Calvário, dir-se-ia que não tem mais nada para sofrer. Nessa hora Jesus é deitado sobre a Cruz e começa o pior: pregos são cravados, a coroa de espinhos O fere mais ainda, o Sangue verte. Ele sente uma sede tremenda, porque quem perde muito sangue fica com enorme sede, e é erguido no alto da Cruz. E o peso do Corpo começa a rasgar os tendões, as mãos a se crisparem, os pés estão atravessados por um prego, no qual Nosso Senhor procura Se apoiar. Em geral, nas cruzes se põe um pauzinho para apoio dos pés, mas não foi a realidade. Os pés ficavam torcidos e pregados na Cruz, causando-Lhe dores. Então, para sentir menos dor nos pés, Ele era obrigado a fazer força com as mãos para Se soerguer um pouco; sentia dores nas mãos, perdia o aprumo e voltava a Se apoiar nos pés. Era pêndulo de dores contínuo.

E o tempo inteiro Jesus ia cumprindo o seu dever e marchando resolutamente para o fim. E ainda organizando o que Lhe restava: a Mãe e o discípulo bem-amado, São João, que estavam ao pé da Cruz. O Redentor disse-lhes: “Mãe, eis o teu filho. Filho eis a tua Mãe”. Como quem afirma: “Eu vou deixar a Terra, mas quero que minha Mãe fique nas mãos virginais deste meu Apóstolo casto”. O Evangelho diz que a partir desse momento São João A tomou como Mãe.

Afinal, Ele ainda perdoa o bom ladrão, fazendo-lhe uma predição que é sua própria canonização, o que indica o oceano de esperança existente na alma d’Ele e, ao mesmo tempo, uma dor sem fim. Qual era o oceano de esperança? O que Ele disse ao bom ladrão: “Hoje estarás comigo no Paraíso”, o que queria dizer: “Hoje estarei no Paraíso”.

Depois Ele pronunciou as palavras de sua própria liberação: “Consummatum est”. Sua Alma santíssima desprendeu-se do Corpo, Ele morreu e terminou a Paixão. Desceu ao Limbo, onde foi recebido com uma alegria sem fim por todos os justos que lá estavam; anunciou-lhes que tinha havido a Encarnação do Verbo, explicou-lhes tudo. Ressurgiu e subiu ao Céu.

Quanta alegria no meio da dor! Disso não devemos nos esquecer. A serenidade, a força, a alegria daqueles que procuram unir-se a Nosso Senhor e Maria Santíssima, os ímpios não têm.

Certa vez, eu caminhava no entroncamento da Av. Ipiranga com a Rua da Consolação, no centro velho de São Paulo, onde havia então pouco trânsito. Eu tinha sido deputado, não fui reeleito e aceitara dois empreguinhos para manter a minha mãe. De longe reconheci um colega deputado que estava fazendo uma grande carreira na vida. Encontramo-nos, abraçamo-nos, e ele, que era um homem muito cordial, me perguntou alguma coisa sobre minha vida e eu lhe respondi. Depois nos despedimos, cada um tomou seu caminho e eu pensei: “Ele tem o que desejou; eu tenho o que quis”.

Um ou dois dias depois, lendo no jornal a secção “Falecimentos”, encontrei a notícia: Deputado fulano morreu logo depois de chegar a sua casa, dando-se um tiro na cabeça.

Minha ilusão seria: aqui está um homem feliz. Pela Fé, eu sabia que não o era, mas as aparências humanas indicavam que era feliz. Provavelmente ele se despediu de mim pensando: “O Plinio é que escolheu o caminho da felicidade”. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/8/1986)

1) Revolução: Dr. Plinio assim denominava o processo multissecular que procura destruir a Igreja e a civilização cristã. (cf. Revolução e Contra-Revolução, Editora Retornarei, São Paulo, 5ª edição em português.)

Fazei-me, enquanto viver, com meu Jesus condoer!

Um dos mais bonitos lances da Paixão foi o encontro de Nosso Senhor com sua Mãe.

Vinha Ele carregando a Cruz pela estrada, todo flagelado, coroado de espinhos, com todo o aparelhamento de horrores que conhecemos, quando, de repente, se encontra com Nossa Senhora. 

Imaginemos Jesus, o mais amoroso dos filhos, e Maria, a mais perfeita das mães. Como Ela há de ter chorado por ver seu Filho nessa situação, e como o Filho há de ter chorado por ver sua Mãe presenciar o infortúnio tremendo que acabava de cair sobre Ele?

Diante dessa cena, devemos nos perguntar: Como aliviar as dores de Nosso Senhor?

O ponto essencial para isso é pedir que sintamos verdadeira dor pelo que Ele sofreu. Devemos rezar a Nossa Senhora, fazendo esse pedido, pois, ao longo da Paixão, Jesus previa todo o futuro, previa todos nós que estamos passando pela vida e pela História, sofrendo como Ele, em união com os sofrimentos d’Ele.

Plinio Corrêa de Oliveira, 01/4/1995

Cerimônia do Sábado Santo Ocasião de graças

Dr. Plinio possuía um amor intenso às cerimônias, não só as litúrgicas — pelas quais tinha um enlevo especial —, mas também as realizadas no Movimento por ele fundado. Na medida em que possuam o espírito militante da Igreja, as cerimônias constituem um modo eficacíssimo de fazer a Contra-Revolução.

 

Analisei profundamente a cerimônia do Sábado Santo da qual participei. A cerimônia é um conjunto de ritos. Por rito se entende o conjunto de ideias, de gestos realizados pelo celebrante, pelos acólitos e pelas outras pessoas que ali estavam participando da cerimônia eclesiástica propriamente dita, feita pelo sacerdote.

Oração pública e oração privada

Entretanto, a cerimônia não consistia apenas em gestos, mas também em palavras pronunciadas pelo padre e diante das quais todos os presentes reagiam ora por gestos, ora por palavras, ora por cânticos, ora pelo silêncio e pelo recolhimento, que manifestavam a impressão que tudo aquilo lhes estava causando.

O que faziam ali o clero e os fiéis? O clero, personificado pelo sacerdote, rezava uma oração oficial da Igreja. Quer dizer, não era apenas a pessoa do padre que orava. Ele poderia, eventualmente, fazer uma oração privada, por exemplo, se estivesse recitando um Terço acompanhado pelos presentes; como pessoa particular, rezaria em nome dele e, sendo sacerdote, por sua dignidade puxaria a oração e todos nós participaríamos, mas não passaria de uma oração privada.

Na cerimônia de ontem, porém, o padre estava fazendo o que se chama uma oração pública, isto é, em nome de toda a Igreja. De maneira que como ele é, dentro da Igreja, uma pessoa pública, fazendo aquela oração era a Igreja universal que falava por sua boca.

Notem especialmente o seguinte: não só era a Igreja universal, mas o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo Quem falava por ele. A Cabeça mística da Igreja é Cristo, e quando a Igreja fala oficialmente, é Ele Quem fala. E tudo quanto o sacerdote pede, Nosso Senhor Jesus Cristo está oficialmente rogando ao Padre Eterno. Eis o valor impetratório de uma oração oficial da Igreja.

A cerimônia se compõe de várias partes; há o Círio Pascal, o fogo, a renovação das promessas do Batismo, etc., que preparam a Missa e antecedem as alegrias da Páscoa, e de um ou outro modo se relacionam com a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, comemorada na Santa Missa.

A Igreja militante, padecente e gloriosa

Tudo conflui, portanto, para a Missa, na qual se dá a renovação incruenta do Santo Sacrifício do Calvário, mas na alegria pela Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, festejada pela Igreja. A Igreja militante celebra na Terra, a Igreja gloriosa festeja no Céu, e há, portanto, uma especial alegria no Paraíso porque na Terra é Páscoa.

Alguém perguntará: “E a zona dolorosa da Igreja penitente?” Nesse dia, Nossa Senhora, sorridente, vai ao Purgatório e leva para o Céu uma quantidade enorme de almas, cujo tormento Ela abrevia. Ademais, Ela alivia o sofrimento de muitas que permanecem ali e as enche de gáudio pela presença d’Ela. É a Páscoa da Ressurreição!

Vejam que firmamento de ideias — cada uma mais rica do que a outra — povoam essa cerimônia!

A parte não litúrgica da cerimônia teve um complemento muito bonito: o momento em que se descerrou o véu e apareceu a Sagrada Imagem(1). Nesse instante, olhei para os outros também, e tive a impressão de que havia um estado de espírito coletivo por onde, no fundo da alma, numa zona que se sente pouco, todos estavam bebendo, em pequenos goles, o licor mais delicioso e mais seleto do espírito católico. Havia um recolhimento sacral, uma paz, uma alegria, um bem-estar que nem sequer pode ser adequadamente descrito com as palavras “felicidade de situação”. Porque a felicidade de situação é um comprazimento do homem com uma determinada circunstância terrena, e o bem-estar de alma que se sentia ali era muito mais do que isso; e lembrava mais o Céu empíreo, com lampejos de visão beatífica, do que qualquer outra coisa.

Um mistério cheio de luz, uma luz cheia de mistério

Na cerimônia, as pessoas estavam como que vendo uma fisionomia, que era a fisionomia da Igreja, e aprendendo, a respeito da Esposa de Cristo, um modo de ser, uma impostação de alma feita de uma seriedade cheia de alegria, de um bem-estar que não é nem um pouco o que no mundo entendem por bem-estar — aquela delícia horrível que a cibernética e outras coisas pretendem trazer —, mas é um bem-estar feito de harmonia e de equilíbrio, o qual reúne junto de si as coisas mais heterogêneas numa harmonia suprema.

Por exemplo, o maior recolhimento, mas ao mesmo tempo com a maior naturalidade. É o recolhimento sem esforço em que a alma, sem tentar pensar em outras coisas, é atraída para aquela seriedade, dignidade, que a música e tudo quanto está ali exprime, que faz entender fiapos do que é dito em latim, mas que tem um sentido, uma significação extraordinária, em que a pessoa se percebe num mistério cheio de luz — não é um jogo de palavras, mas um outro sentido da coisa —, uma luz cheia de mistério. E assim fica posto um estado de alma diante do qual, de bom grado, se passaria ao Céu.

E o efeito disso sobre a alma é diretamente o seguinte: torna-a suave e amoravelmente propensa a todas as virtudes.

Esta impressão é conjunta. Não é a impressão somada deste, daquele ou daquele outro, mas todos sentem que estão com esta impressão. E o fato de no conjunto todos terem esta impressão, ganha mais do que se as pessoas estivessem sozinhas.

A ação da graça é intensificada pelas aparências sensíveis

Tratamos há pouco do que se passou entre Deus e o celebrante, em nome da Igreja, e da participação daqueles que concorriam para a cerimônia à maneira de leigos. Existe, contudo, algo mais profundo. Esse estado de alma ao qual me referi, de onde nasce e o que ele é perante Deus? Esta impressão individual e coletiva que se teve ali, como se relaciona com a graça?

Nós temos a graça recebida no Batismo. Ademais, recebemos também a graça da vocação. Mas outras graças se acrescentaram a essas, de maneira a incrementá-las. Nessa ordem interior, o que se passou em nós?

É uma coisa correlata com o que o padre estava fazendo, porque tudo isso constitui um todo, não são dois pedaços. A correlação entra pelos olhos, mas são aspectos distintos. Apresentada a distinção, vou tratar disso.

A graça teve como ocasião a cerimônia. O que quer dizer aqui ocasião? É uma palavra de sentido muito precioso. Deus é o Autor da graça, a qual é um dom criado por onde o homem participa da própria vida do Criador. Contudo, Deus muitas vezes liga a concessão da graça a fatos externos que são, assim, ocasiões para Ele concedê-la. Por isso, ao considerarmos tal fato, ela fala a nossas almas.

Quando contemplamos esse conjunto de ações correlatas, sentimos e conhecemos um “verum, bonum, pulchrum” — uma verdade, ou todo um horizonte de verdades da Fé que vem ao nosso espírito, a santidade e a beleza dessas verdades em si — e, por outro lado, como o que está se passando exprime bem aquelas verdades, e faz sentir a santidade e a beleza delas. Então, as aparências sensíveis são também elas uma ocasião para que a graça intensifique em nós a sua ação.

E vendo, por exemplo, as respostas varonis dadas às perguntas do padre sobre a renovação das promessas do Batismo, aquilo tudo é ocasião para a graça da virtude da fortaleza operar em nossas almas.

Aspecto simbólico da cerimônia

Isso age de várias maneiras, porque nós raciocinamos e vemos o nexo entre as coisas, mas também — e eu queria chamar a atenção para este pormenor — pelo seu lado simbólico. Esses gestos, esses objetos, esses sons, esses paramentos, essas cerimônias são símbolos que nos fazem ver, de um modo para nós meio misterioso, por uma série de analogias, aquilo que está sendo simbolizado. É o próprio do símbolo.

Por exemplo, a Sagrada Imagem está com uma coroa, que é o símbolo da realeza. Vendo-a sobre a cabeça da Sagrada Imagem, nós temos uma ideia de realeza ainda mais plena de Nossa Senhora como Rainha, ainda mais perfeita, de maneira que o símbolo nos fala prodigiosamente dentro da alma. E essa simbolização serve de ocasião para a graça produzir em nós esse estado de espírito que notamos ali.

Então, a cerimônia assim vista é uma ocasião para a graça. Se olharmos os paramentos do padre, a cor e a forma deles, o barrete, os gestos que ele faz, o modo pelo qual o texto é cantado, tudo isso tem cintilações de grandezas, todo o passado da Igreja aparece, por assim dizer, em pequenas chamas.

Sente-se, por exemplo, quando o texto fala do fogo, que há uma certa grandeza patriarcal dos tempos primitivos, do Antigo Testamento; e tem-se a impressão de ver a Igreja sair das névoas mais profundas da História, cantando o fogo, quando ela nem era nascida, mas havia a pré-Igreja, que eram os justos do Antigo Testamento e o culto verdadeiro de Yaveh. E um padre em 1982 — face aos problemas da cibernética e de todos os horrores promovidos pela Revolução — de repente faz emergir misteriosamente esse passado. Assim são os aspectos da vida da Igreja.

Quem coligou esses trechos? Quem determinou que, para o Sábado Santo, essas deveriam ser as impressões causadas nos fiéis? Quem definiu que tais paramentos e tais gestos eram indicados para tal ocasião? Quem reuniu tudo isso para formar essa cerimônia?

É assombrosa a naturalidade com que o sacerdote segue os ritos; por exemplo, tirar o fogo da pedra para acender a chama pascal. Isso é do tempo em que não havia fósforo, quase a época da pedra lascada, da pedra polida! É até lá que aquilo nos leva! Em seguida, o padre faz uma invocação de algo tirado do Evangelho, e posteriormente se refere à Cristandade atual. Ele desliza pelos séculos como um pássaro…

O barrete, a estola, a capa magna, o cantochão, o órgão

Aquele barrete que o padre usa em certos momentos, no fundo, corresponde à ideia de que o homem deve ter adornos que o completem, porque sem eles o homem não realiza inteiramente aquela beleza que perdeu quando saiu do Paraíso. Portanto, é uma espécie de vergonha do pecado, não relativa ao pudor, ao sexto Mandamento, mas da condição de pecador, e vontade de algum modo recompor a dignidade humana, que leva os homens a usarem chapéus. Aquele barrete corresponde a esta ideia; é preto, em sinal de luto pela Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, como a batina é preta. O barrete é dividido em três gomos, e tem uma parte inteiramente lisa do outro lado: Deus Uno e Trino. Mas o barrete, do qual gosto muito, dá ao padre uma dignidade perfeita e acabada, porém não suprema. Para indicar a plenitude do sacerdócio a Igreja tem para a fronte humana um símbolo mais augusto, que é a mitra; e, para mostrar a plenitude conjunta dos três poderes, a tiara que pousa sobre a cabeça de um só: o Papa.

Símbolos e símbolos, graças e graças, dizendo coisas misteriosas à nossa alma. Até o sapato. Por exemplo, o sacerdote pode celebrar de sandálias, mas não de tênis. A capa magna, a capa de asperges, a estola, tudo tem beleza! O cantochão! O órgão! O harmônio é um filho do órgão. Que maravilha!

Mas como é que se juntou isso ao longo dos séculos? Historicamente, para quase todas essas coisas, ou para muitíssimas delas, há uma explicação, a qual, entretanto, é insuficiente, porque a pergunta não é quem propôs isto, aquilo, mas quem incrustou isso definitivamente na vida da Igreja.

Ação do Espírito Santo e espírito militante

Quem fez isso foi o Divino Espírito Santo. Ele é o Espírito da Igreja, e foi juntando, dispondo as coisas ao longo da História da Igreja, arranjando tudo isso para chegar àquela maravilha que vimos na cerimônia.

De maneira que tivemos, naquela simbolização toda, uma comunicação do Espírito Santo aos homens, indicando como o ambiente no qual habitualmente o homem se move, as mentalidades, a sociedade espiritual e a temporal deveriam ser.

Ali vimos, movendo-se, a Igreja de todos os tempos, e a Igreja do Reino de Maria que vai nascendo. E que, ou eu me engano muito, ou timbrará em conservar, mais saliente do que nunca e manifestado com todos os esplendores, o seu caráter de militante. Tudo naquela cerimônia entrava como uma moção do Espírito Santo, já dando os primeiros lampejos do Reino de Maria.

Nas graças que recebemos durante aquela solenidade há um nota preponderante, dizendo às nossas almas: “Tudo quanto constitui nesta cerimônia um chamado para toda espécie de virtudes, concebei-o, vede-o à luz da batalha. Sede militantes até o fim, que o resto vos será dado abundantemente! Sede filhos da luta, deixai-vos inspirar por ela, sede batalhadores vossa vida inteira e cada vez mais, e Deus fará convosco uma aliança”.

Mas não se trata apenas de ter a alma aberta a uma impressão enquanto se está na cerimônia. É preciso levá-la como uma recordação saudosa e analítica do que houve e, de vez em quando, retomá-la.

Então, compreendemos qual é o papel que nossas cerimônias têm. Naturalmente, num grau eminente, as solenidades ligadas à sagrada Liturgia, em que a Igreja fala e implora. Nosso Senhor Jesus Cristo pede oficialmente em nome de toda a Igreja. Mas também, e de modo autêntico, se bem que menos eminente, em todas as nossas cerimônias.

A cerimônia, enquanto tal, é ocasião para graças deste gênero. Ela exterioriza, torna sensível aquilo que não basta estar só na inteligência e na vontade. Mais ainda, não entra inteiramente na inteligência nem na vontade enquanto não tiver penetrado de algum modo na sensibilidade.

Compreendemos, assim, que a cerimônia é um modo de combater; é um modo eficacíssimo de fazer a Contra-Revolução, na medida em que levemos o espírito militante para dentro dela.

Evidentemente não é uma luta sem sentido, sem razão de ser. A causa pela qual se combate é a Fé; é por Deus que lutamos. Se não amássemos Nosso Senhor e Maria Santíssima, não teríamos razão para combater. Mas, diante do pecado que ofende a Ele e a Ela, a atitude é a luta. Não se compreende a oração sem luta, como não se compreenderia, a “fortiori”, a luta sem oração.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/4/1982)

1) Imagem de Nossa Senhora de Fátima que verteu lágrimas milagrosamente em Nova Orleans, em 1972.

Per lucem ad crucem

A constatação de nossa insuficiência em face dos sofrimentos pode nos levar a fugir do caminho da cruz, indispensável à nossa santificação. Como estarmos preparados para oferecer, sem pânicos nem desânimos, os sacrifícios que nos venham a ser pedidos?

 

Devo tratar nesta conferência a respeito de como acondicionar a cruz para que a pessoa saiba andar com ela, entendendo-se desde já como cruz não apenas os sofrimentos lancinantes que dilaceram e estraçalham, mas também a vida cotidiana nos seus aspectos normais, com uma dose de felicidade ou de bem-estar normal, que não é a alegria de delirar, e as dores também normais.

Portanto, a matalotagem que o indivíduo precisa levar no caminho da cruz, e como ele deve ver esse caminho e a suportabilidade da cruz para nele andar.

Os grandes e os pequenos sacrifícios

Muitos pregadores — não os censuro por isso, acho normal — quando falam da cruz, querem levar as almas num só voo para a admiração e a eventual aceitação da dor no que ela tem de mais lancinante e terrível.

Então dizem: “Eu vou falar da cruz. Olha, São Vicente sofreu tal martírio assim… Este outro fez isso e suportou tal situação, etc.” Pergunto: Isso é bom ou não?

Para tratar da questão da cruz é preciso, antes de tudo, um discernimento dos espíritos, porque de fato a graça chama a alma para a cruz conforme as ocasiões, os momentos. Há determinados lampejos em que ela convida de uma vez a pessoa para o pináculo da cruz, e pode ser um principiante. Às vezes, ela não chama para o pináculo, mas vai se revelando lentamente, gradualmente.

Então, pode ser que para um auditório, em certo momento, em determinada situação, um pregador seja levado, pelo discernimento dos espíritos, a ensinar a cruz no que ela tem de mais terrível: “Meus caros irmãos, quereis saber o que é a cruz? Ouvi essas palavras: ‘Eli, Eli, lamá sabactâni?’”(1). Começar por aí e produzir um choque. Como também pode acontecer que inicie pela doutrina dos pequenos sacrifícios, de Santa Teresinha do Menino Jesus, porque a cruz é tão divina, tão enorme, tão complexa, que não a pega quem quer, do jeito que deseja. Cada um é atraído pelo Espírito Santo, pela graça, a apanhá-la de um jeito. E se pegar do jeito errado, não entra no caminho da cruz.

Admirar as pessoas mais perfeitas

A grande maioria dos fiéis tem que viver a cruz nas condições de vida comum, porque, do contrário, a sociedade temporal desaparece. Isso está ligado à teoria do estado de perfeição. A perfeição é sempre uma cruz, e uma cruz insigne. E o estado de perfeição, vivido em toda a sua autenticidade, é um estado de cruz.

Entretanto, o estado de perfeição deve ser praticado por muitos, não porém por todos. E esses muitos constituem uma multidão e ao mesmo tempo uma minoria. Porque, em absoluto, o número dos que seguem a perfeição é muito grande. Por exemplo, podemos dizer que a Igreja tem um número colossal de Santos. Não há exagero nem mentira nisso. Mas, se for comparado com o número de homens, é um pingo.

Então, são tantos que se poderia falar que há um número infindável de Santos. Mas, de outro lado, se poderia dizer também: é pequeno o número de Santos canonizados.

Na perspectiva de que esse número é pequeno, que há uma quantidade infindável de almas que não são chamadas para determinada perfeição, mas a admiram, embora sabendo que não irão adquirir aquela perfeição, elas devem ter uma espécie de tristeza de não serem chamadas para aquela perfeição. E só a alma que admirou profundamente a cruz para a qual ela não é chamada consegue ser correta.

Aqueles que admiram os mais corretos e os mais exímios conseguem ser corretos. A partir do momento em que o indivíduo deixa de ter um amor abrasado, um entusiasmo pela perfeição para a qual não foi chamado, ele começa a relaxar.

É um modelo que ele sabe que não tem proporção para seguir, e fica com certa nostalgia de não poder acompanhar. Este ponto é muito importante.

Um cuidado ao se levantar o estandarte da cruz

Então, pode-se pregar a cruz no que ela tem de mais terrível, tranquilizando as pessoas: “Não se tomem de um escrúpulo torturante ao verem que não são capazes disso, mas compreendam que podem amar sem ser tragadas por esse sofrimento que não lhes será pedido. Ou, se for pedido — porque não se sabe qual é o futuro do homem —, vocês receberão outras graças que não têm agora. Sentirem-se proporcionadas com isso no momento, não é sua obrigação”. Tenho a impressão de que, ao levantar o estandarte da cruz, a primeira precaução é essa; do contrário, perde-se o rumo.

Lembro-me de uma experiência pessoal. Eu tinha muita admiração pelos mártires, mas um medo enorme de passar pelos sofrimentos que eles tiveram. E me perguntava: “Você está embevecido de admiração por eles. Do que vale essa sua admiração? Eu queria ver se você, diante de um leão, tomaria a atitude deles. Não toma! É um fracalhão. Essa sua admiração é hipócrita!”

Eu sentia que isso me perturbava a fundo. Parecia uma increpação virtuosa, tinha seu quê de virtude, mas com algo mal visto, mal compreendido. Até que ouvi um padre dizer, de passagem, diante de mim: “A maior parte desses mártires tinha a graça no momento de chegar diante da fera”.

Para mim foi uma descoberta! Comecei a admirar os mártires sem me causar nenhum arrepio. Isso eu vi repetido, depois, em mil situações e de mil modos.

Portanto, eu colocaria como primeiro problema entender bem isso. Com o seguinte acréscimo: aquilo que se dá com os sofrimentos lancinantes, ocorre também com os padecimentos menores que conhecemos na vida de todos os dias. Vemos, de repente, alguém fazer um sacrifício de que nós não somos capazes. Admiremos! E admiremos sem remorsos, nem increpações tontas contra nós mesmos.

Alguém poderia dizer: “É bem verdade, essa cruz no momento não tenho que carregar. Eu terei que carregar algum dia? Como vai ser de mim quando precisar levá-la?”

A resposta é a seguinte: Não se ponha o problema. Admire debandadamente e sem restrições, e peça a graça — caso se ponha para você esse sofrimento — de ter a coragem de enfrentá-lo, mas sem certa forma de angústia que faz mal à alma.

O cálice por onde algo de superior penetra em nós

Quem de nós seria capaz de arcar com o sofrimento que teve Nosso Senhor Jesus Cristo ou Nossa Senhora? Não há um! Nem de longe nós temos substância para isso. Mas, de tanto admirar aquilo de que não somos capazes, algo daquela graça entra em nós.

A admiração é o cálice por onde a coisa superior entra em nós.

E, na medida em que eu admiro a capacidade de outro sofrer, entra em mim essa capacidade. Não quero dizer que entre tanto quanto há nele, mas, dentro de minhas proporções, recebo esta capacidade à força de admirar.

A alma capaz de admirar é aberta a todas as estrelas, a todos os sóis. A alma fechada à admiração está entregue a si mesma. Da alma invejosa, então, nem sei o que dizer! Esta apedreja, insulta as estrelas!

Como entrada no caminho da cruz, devemos admirar a cruz, naturalmente antes de tudo o Crucificado e a Corredentora, mas não nos limitemos a exemplos históricos. Procuremos ver a cruz naqueles que, em torno de nós, praticam o amor à cruz.

Porque ficar no mundo do que passou, é permanecer no zero. Eu só entro em nexo com aquilo que passou quando admiro algo de congênere que ocorre em torno de mim, e por aí chego até o passado. A Paixão de Nosso Senhor não passou, pois de algum modo ela é permanente.

Então deveríamos olhar admirativamente em torno de nós. E se não temos o costume de fazer exame de consciência para saber o que se passa em nossas almas, entram pedregulhos de inveja que causam relutância em relação a essas considerações. Não tenhamos ilusões, porque entram. A inveja é tal que, ou temos a certeza de tê-la expulsado, ou ela habita em nós. Não é alentador, mas é a pura verdade. Tratemos de vencê-la, portanto, e procuremos admirar, pois temos importantes razões para querer que nossas almas progridam nisso.

Pedir forças a Nossa Senhora

Se fosse possível fazermos uma meditação sobre nossa própria cruz, precedida de uma cuidadosa preparação na linha do que estou dizendo, sairíamos da pura teoria e teríamos condições para entrar no caminho da cruz. Se não for assim, não entramos verdadeiramente.

Pode acontecer que alguém tenha diante de si um sacrifício que não tem coragem de fazer. E o pior é o seguinte: não se trata de algo extraordinário, mas está abaixo das reais resistências do indivíduo. Porém, por ser ele um poltrão, não tem forças.

Então, se sou um poltrão, rezo: “Salve Rainha, Mãe de Misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve!” Vou pedir para Ela me dar as forças que eu deveria ter e não possuo, que Ela tenha pena de mim. Vou rezar, rezar, e acabarei obtendo. Mas nunca devo me aproximar da cruz em seco, porque isso costuma causar muitos desvios!

Com essa postura a cruz se torna manuseável. Fora disso, não. E o exemplo foi Nosso Senhor, o Qual como que Se manifestou sem proporção com a Cruz d’Ele, a tal ponto que disse “Pater, si fieri potest…”(2); e a oração d’Ele, como não podia deixar de ser, foi gratíssima a Deus Pai que Lhe mandou um Anjo. E depois o Cireneu no percurso da “Via Crucis”, que O ajudou a carregá-la; a Verônica; o encontro com Nossa Senhora, etc.

Tudo isso é muito matizado, e sem essas matizações nós fugimos da cruz, o que é um disparate, pois se Deus matiza tanto para nós o caminho do sofrimento, por que havemos de imaginá-lo sem matizes?

A meu ver, para percorrermos esse tema sem constrição para nossas almas, seria absolutamente necessário considerar esses matizes como pórtico do tema da cruz.

Cada pessoa é chamada para um grau de perfeição

Outro lado que ainda está no condicionamento da via da cruz é o seguinte: essas multidões de pessoas a quem nos referimos acima, aparentemente não são chamadas à perfeição. Por quê? Seria pelo fato de estarem destinadas à sociedade temporal? Esse é um erro.

É verdade que todos os que pertencem a Ordens religiosas são chamados para o estado de perfeição. O religioso que, consciente e voluntariamente, deixe de tender para a perfeição comete pecado grave. Essa é a doutrina da Igreja.

Contudo, se não houver entre os membros da sociedade temporal um bom número de pessoas que, dentro das condições próprias ao âmbito civil, pratiquem intencionalmente a perfeição, a sociedade temporal fenece, perece. De maneira tal que não devemos identificar a perfeição com a condição eclesiástica ou religiosa, e a imperfeição consentida e desavergonhada com a sociedade temporal. Cada pessoa é chamada para um grau de perfeição. Para o grau de perfeição dos religiosos, a grande maioria não é chamada, mas sim a um determinado teto de perfeição, dentro da vida que leva, e para isso deve tender.

Tomemos, por exemplo, a Igreja de São Basílio, em Moscou, com aquelas cúpulas. Aquilo poderia ser o gráfico das perfeições. Algumas perfeições são enormes, outras são pequenas, como os torreõezinhos que têm na ponta uma cúpula pequenininha também. Assim é a multidão das almas: cada uma é como um torreão que tem no alto uma cúpula, ou seja, uma perfeição própria para a qual deve tender.

Considerar que alguém pode até chegar ao Céu sem passar pelo Purgatório, por ter vivido retamente na sociedade temporal para uma perfeição menor que foi atingida, faz com que a pessoa esteja animada por ter encontrado para si um ideal muito belo. Com isso, creio que a alma fica arejada e balizada para entrar no caminho da cruz.

Esse caminho é lindo e cheio de surpresas, como uma navegação num mar ignoto, que apresenta as borrascas e as ciladas mais tenebrosas, mas também os panoramas mais magníficos.

Deus nos pede o sacrifício, mas nos sustenta com sua graça

Assim, há certas coisas que, para o comum das pessoas, constituiriam um sacrifício medonho a praticar; entretanto, quando se é chamado pela graça a uma vocação, a alma se enche de alegria e de consolação.

Exemplifico com a Gruta de Lourdes. Há voluntários que se esmeram em dar banho aos doentes em piscinas apropriadas.

Alguém diria: “Olhe, você vai ter contato com o que há de mais repugnante, mais terrível. Você precisará mexer naquela água de banhos imundos, onde há as cascas de feridas, o pus de todos os que por ali passaram e os micróbios mais ameaçadores de todas as doenças. Aquelas piscinas são anti-higiênicas no sentido mais violento e literal da palavra, e você porá as suas mãos limpas, que desinfetou antes, naquela água para lavar aqueles doentes! Isso será para você uma tortura todos os dias”.

Para quem se sentiu chamado por uma graça para fazer isso, não é uma tortura. Vá lá, mexa naquilo, a graça vai mexer na sua alma de outro jeito e você dará os banhos com naturalidade. Não considere, portanto, a situação como ela não vai ser.

Com muitas modalidades de sofrimento se dá isso. Sofre-se muito, mas não se percebe que a Providência pôs uma suavidade na alma a propósito daquele padecimento, de maneira que, quando o sofrimento acabou, tem-se gosto de se lembrar dele. E às vezes vai-se ao lugar onde se padeceu, para dar graças a Nossa Senhora por aquele sofrimento.

Convém, pois, cada um compreender que não deve confrontar o sofrimento futuro com o seu estado de espírito atual, porque, quando chegar a hora de sofrer, Maria Santíssima obterá as forças. Ainda mais, Ela, que é Mãe de Misericórdia, providenciará os meios para se padecer aquilo potavelmente.

Diz-se que quando Deus permite que fiquemos doentes, Ele mesmo prepara a cama para nos deitarmos.

Existe uma doçura especial no âmago do sofrimento, quando nos lembramos de que ele nos foi dado por Deus: é o travesseiro suave que a Mãe de Misericórdia nos preparou para aguentarmos tal padecimento. Vamos adiante porque, quando isso terminar, teremos saudades desses dias. Parece-me muito importante considerar isso também.

São das tais graças como a de Jesus com os discípulos de Emaús: no momento de ir embora, revela-Se. Na hora do sofrimento cessar, percebemos que uma mão estava nos segurando, e ficamos encantados!

Aversão à atitude de Múcio Cévola

Entretanto, as pessoas que tratam habitualmente da dor não a apresentam assim, mas à maneira de um Múcio Cévola(3). Sempre tive aversão àquele tipo de atitude. Queimar minha mão? Não! Fico apavorado, tenho horror ao fogo e não vou pôr nele meu braço! Porém, se eu receber uma graça especial, ponho. Mas numa perspectiva católica, como São Lourenço na grelha.

Há, portanto, atenuantes, acolchoados que nos conduzem àquilo. Não nos apavoremos! A entrada no caminho do sofrimento é, ao mesmo tempo, uma resolução heroica e viril, mas também uma ponderação dos mil acolchoados que entram dentro disso. Do contrário, não se viveu e não se sofreu catolicamente.

Fizemos juntos uma preparação para a entrada da cruz em nossas vidas e para o modo pelo qual devemos ver a cruz. Foi apresentado um equilíbrio entre a luz e a cruz, de tal maneira que se poderia dizer “per crucem ad lucem”(4), mas também “per lucem ad crucem”, que é o reverso da medalha que poucas pessoas consideram.

Plinio Corrêa de Oliveira(Extraído de conferência de 6/12/1985)

1) Mt 27, 46.
2) Do latim: “Pai, se for possível…” (cf. Mt 26, 39).
3) Conta Tito Lívio, historiador romano, em sua obra História de Roma desde a sua fundação, que em 508 a.C. Roma foi cercada por um rei etrusco de nome Porsena. Ante o perigo, um jovem romano chamado Gaio Múcio Cévola se voluntariou a matar o rei. Mas, ao entrar no acampamento inimigo, foi aprisionado. Levado ante o rei e questionado sobre a estratégia dos romanos, Gaio disse: “Sou um cidadão de Roma e vim para matar um inimigo ou morrer com valentia, e muitos como eu estão dispostos a fazer o mesmo.” O rei o ameaçou de queimá-lo vivo se não contasse detalhes dos planos romanos. Então, Gaio Múcio colocou sua mão direita em um fogo que havia ao seu lado, deixando-a queimar até os ossos, diante do rei e de outros nobres assombrados com tal ato de valentia.
4) Do latim: “pela cruz à luz”.

Frutos esplendorosos do Sangue de Cristo

Segundo o ensinamento da Igreja, no Paraíso Celeste, além da visão beatífica que inunda de gáudio as almas dos justos, há também uma realidade material — o Céu Empíreo — onde Deus semeou maravilhas inimagináveis, para que os corpos ressurrectos vivam imersos num universo físico que lhes fale das grandezas de seu Criador.

Por essa disposição divina percebe-se quão necessário é ao homem alimentar o seu espírito, não só na consideração dos aspectos teóricos e doutrinários da Religião, mas igualmente através das coisas temporais que o façam desejar aquelas superiores belezas da bem-aventurança eterna.

Compreenderam-no muito bem os filhos da velha Europa, a Europa da Civilização Cristã, os quais corresponderam de modo único às graças que receberam da Providência, alcançando realizações magníficas nesta terra. Por isso, até hoje olha-se para os esplendores europeus como para uma espécie de mito que a Religião Católica elevou à condição de ante-câmara ou de “seminário” do Éden celestial.

Tempo houve, pois, em que todo o teor da vida era diverso do de nossos dias, num continente onde foi possível ao homem idealizar e construir um mundo de maravilhas, de coisas arquitetônicas e sapienciais capazes de nos falar do Céu e, ao mesmo tempo, deleitar de maneira virtuosa o “irmão corpo” de quem as contempla. São os símbolos excelentes e nobres daquelas magnificências que nos aguardam no Céu Empíreo.

Dado, porém, que o efeito é sempre menor que a causa, comprazo-me em salientar que a maior dessas pulcritudes da antiga Europa é precisamente o espírito daqueles que as conceberam, as almas sedentas das grandezas celestiais, os corações nos quais se sentia este anseio de modo mais intenso do que naquilo que produziram e legaram à posteridade.

***

Pensa-se nisto, ao considerar uma Sainte Chapelle e o monarca que a construiu, São Luís IX; ao admirar um Eremo delle Carceri e seu mais ilustre habitante, São Francisco de Assis; ou ao examinar a pujança e beleza de formas de uma Torre de Belém, diante da qual poderia se  passar uma noite inteira, sob as refulgências do luar, meditando no heroísmo dos valorosos portugueses de que ela é portentosa expressão.

E por que não lembrar do palácio do Rei Sol, do Versailles de Luís XIV, cujas linhas e arquiteturas, no que têm de virtude e catolicidade, nasceram da Igreja e, a “fortiori”, estavam contidas na mentalidade e no modo de ser dos homens e instituições sagrados que incutiram nos seus artífices o espírito católico? Logo, num São Vicente de Paulo, por exemplo, insigne santo do tempo do pai de Luís XIV e que frequentava a corte, proporcionando uma abertura de alma para as virtudes que realizaram Versailles.

O mesmo se poderia dizer do Escorial, concebido por Felipe II de Espanha, o qual era mais “Escorial” que todo o seu famoso palácio. E como não imaginar a influência sobre essa idealização de uma alma que sobrepujava a do próprio Rei: a grande Santa Teresa de Jesus, ela mesma um “Escorial do Céu”?

***

Portanto, na causa de tantas maravilhas que duram há séculos e que ainda hoje encantam o mundo, havia toda uma estrutura moral, virtudes e qualidades de alma, havia um portentoso vínculo entre Igreja, Religião e civilização, concorrendo para realizá-las.

Para se dizer tudo, havia o Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo e as lágrimas de Nossa Senhora, fontes de graças inapreciáveis que fecundaram e geraram um mundo inteiro posto na perspectiva das grandezas eternas, apetecendo-as e procurando espelhá-las do modo mais perfeito possível nesta terra de exílio.

***

E assim são os esplendores da Europa cristã, da Europa sacrossanta, cujos passado e relíquias nos enchem do desejo de, ali chegando, oscular o solo em que primeiro pousam nossos pés. Porque, seja como for, é a parte do mundo por excelência onde os sofrimentos de Cristo e as dores de sua Mãe Santíssima engendraram uma grandiosa civilização, antecâmara do Paraíso Celeste.

Caro Christi, caro Mariæ; sanguis Christi, sanguis Mariæ

Desde o primeiro momento de sua concepção, Jesus começou a adorar o Pai Eterno, o Divino Espírito Santo e a alimentar-Se dos elementos que o santíssimo e  virginalíssimo corpo de sua Mãe Lhe proporcionava. Nossa Senhora tinha consciência inteira do que se passava em seu interior, e sentia a sublimação de seu sangue que  estava sendo transformado n’Ele.

 

Antes da Santíssima Virgem Maria saber que seria Mãe do Redentor e Esposa do Divino Espírito Santo, tudo n’Ela se orientava nesse sentido. Não que Ela aspirasse ser a  Mãe do Messias, mas a fim de que Ele viesse logo.

“Mandai o Messias, mandai o Messias…”

As orações de Nossa Senhora para a vinda do Messias devem ter acelerado muito essa chegada, pois Ela é onipotente em suas súplicas. A partir do momento em que Deus A criou, Maria Santíssima teve conhecimento da situação da humanidade e começou a rezar para vir logo o Salvador.

Com o nascimento d’Ela levantou-se, portanto, como que uma coluna de fumo odorífero de cor maravilhosa, de movimentação encantadora e ao mesmo tempo majestosa na  presença de Deus. Era a oração de Nossa Senhora que subia do Coração Imaculado d’Ela até o trono do Criador, pedindo: “Mandai o Messias, mandai o Messias…”

A Virgem Maria possuía tanta admiração e adoração pelo Messias o qual devia vir, que se acredita – a meu ver com muito fundamento – ter Ela pedido para ser escrava da  Mãe d’Ele e poder, assim, servi-La de todos os modos, como uma forma indireta de servir o próprio Salvador.

Essa oração também foi ouvida, como acontecerá com tantas  preces de Nossa Senhora, mais até do que Ela esperava. Segundo a narração do Evangelho, a Anunciação se deu sem preparação extraordinária.

A Santíssima Virgem estava muito normalmente rezando naquele claustrozinho da casa d’Ela, quando apareceu um Anjo e A saudou: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lc 1, 28). Com certeza, na medida em que isso se pode entender de puros espíritos, ele se inclinou profundamente diante d’Ela.

A Santíssima Virgem julgava-Se indigna

Isso dito por um Anjo! Os Anjos são seres de uma beleza, de um esplendor incomparável. Podemos calcular a impressão que isso deve causar, ainda mais para uma pessoa humílima como Nossa Senhora.

Foram surpresas sobre surpresas: Por que um Anjo vai aparecer para Ela? Por que A saúda reverentemente? Por que Lhe faz esse elogio? Depois, surpresa ainda maior: Maria Santíssima tinha pactuado com São José de ficar sempre virgem. E Ela vê que o Anjo lhe fala de um Filho ao qual deverá dar o nome de Jesus.

Ora, Nossa Senhora estava longe de imaginar que o Messias seria Filho d’Ela e, para se manter longe dessa suposição, tinha uma razão que em sua psicologia era invencível: a indignidade d’Ela. Sendo Ela  tão indigna – pensava –, estava claro que não era para Ela que viria isso. E chega a revelação de que Ela – com sua promessa de virgindade – dará à luz um Filho chamado Jesus e, com certeza, o Anjo quando pronunciou esse santíssimo nome reluziu num esplendor muito maior.

Talvez as miríades de Anjos que deveriam encher, nesse momento, o pequeno claustro da casa de Nossa Senhora também tivessem indicado, de algum modo, a festiva  presença deles, anunciando o nome de Jesus. Então Ela perguntou como isso seria possível, pois fizera o voto de permanecer sempre virgem.

O Anjo deu a  entender que isso não seria impedimento, porque para Deus não há obstáculos e, portanto, Ela não se preocupasse, pois seria assim, desde que Ela consentisse. O bonito está nisto: que Ela consentisse. E Maria Santíssima deu aquela resposta perfeita: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Deu-se, então, a Encarnação do Verbo de Deus, e naquele momento Ela sentiu-Se Esposa do Divino Espírito Santo.

É uma situação tão colossal, tão fabulosa que ninguém imagina bem o que seja. Houve muitos santos que tiveram revelações do Espírito Santo, a quem Ele manifestou-Se de  algum modo. Isso não é nada em comparação com o fato de Se tornar Esposa do Espírito Santo!

Início do processo da Encarnação

Quer dizer, houve um determinado momento em que o Espírito Santo se manifestou a Nossa Senhora tão profundamente que gerou n’Ela um Filho. Se tudo quanto os  Santos sentiram na hora da manifestação do Divino Espírito Santo fosse somado, não daria nada em relação ao momento em que Ela, sendo uma criatura humana, passou a  ser a Esposa do Divino Espírito Santo, por toda a eternidade.

Essa situação gerou, necessariamente, tanta felicidade, tanta intimidade, tanto fogo dentro da alma d’Ela, que nós não podemos conceber, e teve como resultado o início do processo da Encarnação.  Ou seja, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Se encarnou no claustro d’Ela e, desde o primeiro momento da concepção, começou a adorar o Pai Eterno, o Divino Espírito Santo e a alimentar-Se dos elementos que o santíssimo e virginalíssimo corpo de sua Mãe Lhe proporcionava.

Nesses atos simultâneos, na medida em que Ele Se nutria, o seu Corpo ia tomando consistência e também a união da alma d’Ela com Ele ia aumentando. Nesse período da gestação, a intimidade entre Ele e Ela, seus colóquios, como se amaram, são coisas inefáveis. É algo superior a toda cogitação!

Pensarmos que tudo quanto rezamos no “Veni Creator Spiritus” deu-se com a Santíssima Virgem em grau superlativo!

“Veni, Creator Spiritus, mentes tuorum visita”. Considerem o que significa pedir que o Divino Espírito Santo visite as nossas mentes. A entrada d’Ele e sua ação em nossas  mentes, o que é uma coisa dessas?! “Imple superna gratia quæ Tu creasti pectora”: Os corações que Tu criaste, enche com a tua graça superior”.

“Qui diceris Paraclitus, donum Dei altissimi…”: Tu que és chamado o Paráclito, dom de Deus altíssimo… “Fons vivus, ignis, caritas, et spiritalis unctio”: Fonte viva da graça e  de todos os bens espirituais que a pessoa possa ter, e unção espiritual.

Essa presença do Espírito Santo nos enche de graça e de unção espiritual.

A gruta de Belém se torna mais augusta que qualquer outro palácio

Mas como essa presença é  tênue, leve, pequenina, em comparação com a de Nosso Senhor em Nossa Senhora!

Imaginem esse ato de comunhão perpétuo – no sentido de que será durante todo o período da gestação –, em que Ele está dentro d’Ela e vai Se nutrindo do sangue puríssimo d’Ela, e a carne do Homem-Deus vai cada vez mais se constituindo. Ela sabe disso, tem a consciência inteira do que se passa em seu interior e sente a sublimação de seu sangue que está sendo transformado n’Ele.

Diz-se “caro Christi, caro Mariæ; sanguis Christi, sanguis Mariæ: a carne de Cristo é a carne de Maria; o sangue de Cristo é o sangue de Maria”.

Assim, no corpo d’Ela vai se modelando o d’Ele. Aí se dão certos fenômenos, como o da hereditariedade, por onde Ele herda elementos de sua Mãe, tornando-Se parecido  com Ela, e a inter- relação entre os dois vai aumentando de intimidade, à medida que vai se definindo essa semelhança.

Imaginem, quando o processo está terminado e Nosso Senhor prestes a manifestar-Se aos homens na noite de Natal, até que ponto a intimidade, a relação mútua entre Eles  é grande!

Naturalmente, à medida que no Presépio de Belém a complementação da geração d’Ele vai se tornando perfeita, tudo anuncia em volta de Nosso Senhor que Ele está para   nascer, e a gruta vai ficar augusta com nunca nenhum palácio ficou. Os Anjos enchem aquele ambiente, há uma respeitabilidade,  mas, ao mesmo tempo, uma doçura, um amor, uma confiança inexprimíveis.

Só no Céu ter-se-á uma ideia exata do que foi a gruta de Belém naquela noite. Chega, por fim, a hora bendita entre todas as horas como Maria é bendita entre todas as  mulheres. Por um modo de fazer que só Deus sabe,  Aquela que era a Porta do Céu e sempre Virgem Se torna Mãe de Deus. Porque a maternidade se completa quando Maria  Santíssima dá ao mundo o Filho que Ela gerou. Afinal, aparece na manjedoura o Filho de Deus vivo.

Os olhares se entrecruzaram

Um artista comum representa o Menino Jesus como uma criança que ainda não tem consciência muito completa de si, batendo um pouco as perninhas, os bracinhos numa posição bonita, mas que não é diretamente racional; são mais ou menos movimentos reflexos. E Nossa Senhora, com o olhar profundamente sábio, santo, etc., observando-O   analisando-O. Mas não é essa a realidade das coisas. Como Ele, desde o seu primeiro instante de ser, refletiu e refletiu…

Ao seu lado, pouco favorecido e ignorante aquele que foi o mais inteligente dos homens: São Tomás de Aquino! Pobre, rústico e bárbaro quem foi o mais civilizado dos  homens – digamos que tenha sido São Luís! E daí  para fora, diante do Menino, o mais lúcido, mais fino, mais nobre, mais casto e mais piedoso de todos.

Ele olhou-A no momento em que Ela O viu, os olhares se entrecruzaram, mas Ele A olhou com mais lucidez do que Ela a Ele. Porque Ele era Ele. Nós devemos fazer a pergunta: Que fisionomia Jesus fez ao ver a Mãe que Deus Lhe tinha dado? Ele já A conhecia, mas com os olhos humanos observava-A com a análise amorosa,  completamente embevecida, etc….

Então podemos imaginá-La sentindo-Se assim analisada, querida, sem a mínima timidez porque Nossa Senhora era puríssima, perfeita, nunca tinha tido a menor falha, em nenhum ponto, jamais deixara de crescer e progredir em toda a medida do necessário. Enfim, Eles se  olham e Eles se reconhecem e cada um vê o outro pela primeira vez.

Que momento de afeto deve ter sido esse! Eu acho que não é possível imaginar. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/7/1995)