Salve, luz pura!

Nossa Senhora é aquela que gerou luz do mundo: Jesus Cristo, Senhor nosso. Ela é o foco dessa luz que nas trevas não conseguiram envolver e impedir que fosse vista pelos homens.

Ela é o canal por meio do qual a luz do Salvador chega até nós.

E Maria tanto resplandece da luz de seu Divino Filho que dir-se-ia ser Ela a mesma luz. Por isso podemos cantar com a Igreja: “Salve radix, salve porta, ex qua mundo lux est ort – Salve, ó raiz, ó porta, pela qual jorrou a luz no mundo” (da antífona Ave Regina Carlorum).

Devemos pedir a Santíssima Virgem que encha nossas almas dessa luz que fende as trevas e chega até os homens, libertando-os do erro, do vício do crime do mal.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 33 – Dezembro de 2000

Reflexões do Divino Infante

Numa “palavrinha” para discípulos mais jovens, Dr. Plinio imagina como seriam as cogitações do Menino-Deus na Gruta de Belém, na noite de Natal. E nos faz admirar, especialmente, como o Verbo Encarnado possuía a suma ciência, tudo compreendia, e sobre nós se debruçava com amor, ao surgir neste mundo.

Como ponto de partida para nossa meditação sobre o Natal, consideremos o seguinte aspecto. Em geral, a iconografia católica nos apresenta o Menino Jesus com as características de uma criança recém-nascida, ainda sem o uso da razão, possuindo todas as limitações inerentes à primeira infância.

Uma criança com pleno uso da inteligência

Essa representação é justa, não encerra nada de censurável, porque o Divino Infante habitualmente se mostrava assim às pessoas com as quais tinha contato. Porém, tais ilustrações não nos propiciam a noção completa da realidade d’Ele na noite de Natal, e por isso algumas raras imagens do Menino-Deus no-Lo mostram com uma fisionomia bem diversa: séria, serena, pensativa, meditativa.

Quer dizer, apesar da exterioridade de uma criança tão terna, o Menino Jesus já possuía o pleno uso de sua inteligência, e desde o primeiro instante de seu ser, no recinto sagrado de Nossa Senhora, Ele já pensava e tinha o conhecimento de tudo.

Primeiros encantos com Nossa Senhora

Assim sendo, poderíamos nos perguntar quais seriam suas cogitações e reflexões naquela ocasião.

Antes de tudo, pensava Ele no Pai Eterno, no Espírito Santo, nos esplendores da Santíssima Trindade, da qual é a Segunda Pessoa em união hipostática com a natureza humana. Ao mesmo tempo, deveria refletir sobre Nossa Senhora, obra-prima de toda a criação. Sem dúvida, constituía para Jesus um profundo deleite considerar Maria Santíssima naquele momento, em atitude de conhecer, adorar, analisar e acariciar o próprio Filho. Alegrava-O vê-La guardar todas as coisas no seu coração, meditando-as, perscrutando nos traços fisionômicos do Menino as correlações com tudo o que Ela, pelo dom da sabedoria, aprendera nas Escrituras acerca do Messias.

Nossa Senhora estabelecia essas ligações com sumo respeito e insondável adoração para com o Divino Infante, que os recebia com verdadeiro encanto, prazer e intenso amor por sua Mãe.

Ali estava também São José, e a Santíssima Virgem já exercia sua mediação, apresentando ao Menino Jesus as orações de seu esposo, pai adotivo d’Ele. Embora não fosse o progenitor segundo a carne, tinha um autêntico direito sobre o fruto das entranhas sagradas de Maria e, portanto, sobre o Recém-nascido.

São José adorava o Menino Deus, agradecia a honra de ser seu pai e Lhe apresentava suas preces por meio de Nossa Senhora.

Vistas proféticas sobre a História

Mas o Verbo Encarnado não circunscrevia suas considerações a esse quadro radioso. Ele pensava igualmente nos anjos, nos pastores que vinham adorá-Lo, e nos Reis Magos, os quais se aproximavam de Belém e logo se prostrariam a seus pés. Além disso, podemos supor que refletia a respeito das razões que O levaram a tomar nossa natureza humana e nascer para o tempo. Esses motivos se estendiam, com vistas proféticas, ao longo de toda a História. E foi exatamente esta a meditação feita por Ele, trinta e três anos depois, no alto da cruz: durante a existência da humanidade, sofreria muitas ingratidões, mas também suscitaria incontáveis atos de adoração.

No presépio, Ele via então todos os Natais da História, até o fim do mundo, com os mais diversos modos de se prestar veneração e reconhecimento ao Filho de Deus. Contemplou, por exemplo, São Luís Rei que, maravilhado diante de uma imagem do Menino Jesus, foi o primeiro — acredita-se — a se inclinar quando entoadas as palavras do Credo: “… e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem”. Como considerou a todos nós que, à imitação daquele grande monarca francês, fazemos o mesmo gesto ao rezarmos essa passagem do Símbolo dos Apóstolos.

Quiçá terá antevisto os poucos ­fiéis no fim do mundo — antes de Ele retornar à Terra em sua pompa e majestade — cantando pela última vez o Credo, e se inclinando ao pronunciarem aquelas palavras.

Ponderava, enfim, todos os relacionamentos de alma dos homens com Ele e com Maria Santíssima, a propósito do Natal.

Peçamos graças para cumprirmos nossa vocação

E já no seu pobre berço, sofria ao prever a incredulidade e a impiedade se espalhando em tantos lugares da Terra, diante da apatia e indiferença de muitos que se pretendem seguidores d’Ele. Mas, por outro lado, o Menino Jesus contemplou também todas as almas católicas, zelosas da glória e do serviço de Deus, vivendo e batalhando para o triunfo da virtude, sofrendo com os pecados e as ofensas que os homens cometem contra Ele, reparando-as com penitências e espírito de ascese.

Desse modo, a mente e o coração sagrados do divino Recém-nascido, desde aquela ocasião, voltava-se para os católicos fervorosos, e implorava ao Pai Eterno, em favor deles, as forças necessárias para perseverarem no bom combate que devem travar pelo bem e pela Santa Igreja.

Então, acerquemo-nos do Presépio, e por meio de Nossa Senhora, São José, dos anjos, dos pastores e dos Reis Magos, peçamos a Jesus que aceite nosso desejo de sermos conforme seus divinos desígnios para conosco, o nosso anelo de nos unirmos às cogitações, às meditações e às considerações proféticas que fez na manjedoura, para vivermos o Natal em uníssono com Ele.

Roguemos ao Menino Jesus nos conceda o mesmo amor que Ele teve a tudo quanto hoje existe de bom sobre a face da Terra, próximo a nós, em nosso movimento, assim como ao bem que almas esparsas pelo mundo estarão realizando, por perseverarem no cumprimento da Lei de Deus, nos ensinamentos da doutrina católica apostólica romana.

“Dai-me tudo que de Vós me aproxima…”

São estas algumas das importantes intenções que devemos formular no Santo Natal, e assim implorarmos uma inteira união de alma com o Divino Infante, de maneira a que tudo quanto exista no coração d’Ele esteja no nosso; tudo quanto palpite no Imaculado Coração de Maria lateje também no nosso, e que o Natal celebrado por nós reflita exatamente o sentido de tudo quanto Jesus e Maria experimentaram naquela noite mil vezes bendita nas montanhas de Belém.

Alguém poderia lembrar: “Não posso pedir algo para mim, de caráter pessoal e material?”

Sem dúvida, é uma petição inteiramente legítima. Se tivermos as vistas postas, antes de tudo, nos bens espirituais, em nossa santificação e salvação eterna, suplicada para nós e pelos outros, é lícito que contemplemos também nossas necessidades temporais, uma vez que não comprometam em nada o interesse maior da alma.

Nesse sentido, convém nos lembrarmos da bela e concisa oração formulada por São Nicolau de Flue: “Meu Deus, dai-me tudo que de Vós me aproxima; tirai-me tudo que de Vós me afasta”. Eis um excelente pedido para apresentarmos ao Menino Jesus, a rogos de Maria Santíssima e São José.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 93 – Dezembro de 2005

Diante do Menino-Deus, a maternal admiração de Nossa Senhora

Dr. Plinio tinha o propósito de sempre, em suas conferências, palestras, reuniões, inserir em certo momento alguma referência a Nossa Senhora. E havendo oportunidade, dedicava a Ela todo o tempo da reunião, notando-se seu júbilo de alma em fazer reluzir, nos seus comentários, as excelências da Mãe de Deus. Enquanto fundador e mestre de uma família de almas, Dr. Plinio visava também, com tais reflexões, afervorar seus seguidores na devoção a Maria Santíssima, assim como alentá-los no cumprimento da vocação a que foram chamados. Exemplo disso é a meditação que a seguir transcrevemos, feita por ele numa véspera de Natal.

Nada mais oportuno, em torno do santo nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, do que considerarmos o afeto, o amor e a admiração indizíveis de Maria, a Mãe celeste, para com seu Filho único e incomparável.

Embora sabendo-se o ápice e a mais eleita de todas as meras criaturas, Nossa Senhora é também modelo de humildade, e tem pleno conhecimento da infinita distância que A separa de seu Criador. Trata-se, portanto, de uma humildade teocêntrica, isto é, mais ainda do que a sua condição limitada de ser humano, tem Ela em vista a inabarcável grandeza de Deus.

Tomando em conta essa perfeitíssima disposição de alma, é compreensível que, no sublime e augusto momento em que a Virgem Mãe trouxe ao mundo o Divino Salvador, tenha Ela, em primeiro lugar, manifestado todo o respeito, toda a admiração e toda a adoração que Ele merece. E somente num movimento posterior passasse a externar seu incomensurável amor pelo Menino Jesus. Há nisso uma ordenação lógica de sentimentos e atitudes. De fato, quando queremos muito bem a alguém, devemos começar por admirá-lo, porque a admiração é o fundamento do amor.

Ora, no caso concreto da Santíssima Virgem, tinha Ela para amar Aquele que, enquanto Homem-Deus, é o mais admirável ser da Criação, hipostaticamente unido à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. E Maria sabia, por revelação divina, que o fruto gerado em suas entranhas era Este que se encontra acima de tudo, o Verbo Encarnado. Havia, portanto, para essa admiração e esse amor, razões que excediam o fato de o Filho recém-nascido ser sumamente belo e gracioso. Então, o primeiro pensamento dEla é para Deus, no que Ele tem de magnificente: “Tão fraco, tão pequenino, entretanto o Altíssimo, na sua infinita grandeza, na sua incomensurável admirabilidade, aí está!”

Em seguida, Ela mede a profundidade dessa União Hipostática, e a glória que tal União faz derivar, a torrentes solares, sobre a natureza humana de seu Filho. Depois, começa a analisar o Menino, mas com todo o afeto de mãe: contempla aqueles olhos nos quais reluz o brilho da luz divina; toca-lhe os tenros braços, os pezinhos, e vai assim manifestando para com Jesus recém-nascido sua insondável ternura materna.

Quando qualquer mãe se enternece com seu bebê, no subconsciente dela está a seguinte reflexão: “Eis aqui um novo homem (ou uma nova mulher). Que grandeza há numa criatura humana, chamada a levar uma vida de extensa duração, a cumprir deveres graves, os deveres da paternidade, os da maternidade, mas, sobretudo, os deveres para com Deus, a ser boa filha ou bom filho da Igreja Católica, dominar as suas paixões, santificar-se e ir para o Céu por toda a eternidade! Esse como que projeto de anjo que está aqui, que coisa extraordinária! E como eu fico enternecida vendo como algo tão grande cabe em tão pouco!”

Depois, quando ela considera que aquele é seu próprio filho, ainda aí entra uma ternura muito grande, mas também uma imensa admiração: “Que mistério admirável pelo qual eu, criatura humana, gerei outra criatura humana! Que coisa misteriosa, profunda! Este menino nasceu de mim, foi alimentado por mim, formou-se no meu claustro, eu o liberei para a vida e aqui está, tão pequenino, tão minúsculo e, entretanto, para ele existir, realizou-se um vasto mistério, semeado de aspectos fascinantes”.

De um lado, o belíssimo prodígio pelo qual de um ser humano nasce novo ser humano. Mas, depois, essa outra misteriosa maravilha: o instante no qual Deus, debruçando-se sobre aquele embrião que começa a se formar, infunde nele uma alma. E lhe dá algo que a mãe não gerou, que não veio do ato nupcial, e sim da infinita bondade do Criador. Mais ainda. Por ser espiritual, essa alma confere àquele embrião uma participação na natureza dos próprios anjos. Que coisa magnífica!

Horizontes que se abrem para a nova vida

Assim, na ternura de uma mãe verdadeira, da mãe bem orientada para com seu filho, transparece a consciência que ela tem de toda essa série de mistérios que se formaram nela: a carne da carne, o sangue do sangue, um “outro eu mesmo” dela, ao qual se somou a obra divina, tão imensamente maior, soprando no novo ser uma alma imortal.

E para essa alma, que horizontes se abrem, ainda que consideremos apenas sua vida nesta terra! Horizontes de luta, de batalha, de abnegação, como também de alegria, de vitória, de momentos em que se tem a impressão de estar tocando o Céu com as mãos. Mas ainda, horizontes de tristeza, de abatimento, de desfalecimento, em que se tem de pedir a Deus graças para continuar a percorrer o caminho.

Tal reflexão faz surgir aos nossos olhos outro aspecto do nascimento de uma criança. É que, segundo a Igreja, a vida de toda criatura humana é comparável ao combate de um gladiador. Este, antes de entrar na arena, prepara-se com exercícios, fricções, óleos, etc., a fim de que toda a sua musculatura esteja em condições de enfrentar as feras ou outros lutadores. Em seguida, munindo-se de suas armas e escudo, penetra na cena da batalha. Quem, antes de ele ser chamado para a imensa contenda, o visse sentado, tranqüilo, preparado para entrar na arena, não poderia deixar de admirá-lo.

Ora, assim é uma criança que entra no mundo. Ela está no pórtico de uma imensa batalha. E seja ela menina, seja menino, poderá a mãe dizer: “Batalhador! Batalhadora! Eu te admiro porque és combatente do bom combate! Teu dever é este. Uma vez que recebas o Batismo, a graça te chamará. E a partir desse momento, começará uma vida sobrenatural em ti”.

Estes devem ser alguns dos movimentos de afeto e admiração de uma mãe em re-lação a seu filho recém-nascido.

Nossa Senhora em face do Menino Jesus

Se assim ocorre com as mães comuns, que dizer da Mãe das mães, Maria Santíssima, diante do Menino Jesus?

Sem dúvida, a alma dEla transbordava de admiração e de carinho para com seu Divino Filho. Ela tinha o conhecimento do mistério da Encarnação do Verbo, e bem sabia que aquele Ser, gerado em suas imaculadas entranhas por obra do Espírito Santo, representava a remissão do gênero humano. Ele era seu Filho, seu Deus, seu Redentor! E como tal Ela O amava e venerava na Gruta de Belém.

Só na Gruta de Belém? Evidentemente, não.

Junto ao presépio, existe já todo o desenvolvimento de uma história. Da história de ambos, Jesus e Maria. Do período que Ele passou recolhido ao lado dEla e de São José. Do tempo em que, após a morte do glorioso Patriarca, Ele prestava assistência à sua Mãe Santíssima, num sublime convívio que extasiava os Anjos. Podemos imaginar os dois, sozinhos na casa em Nazaré, à noite, após uma refeição que fora sóbria mas cheia de agrado, porque estavam juntos, olhavam-se e se queriam bem. Que indizível felicidade o estarem unidos, conversarem, trocarem pensamentos e desejos de alma!

Depois, em certas horas, enquanto Jesus executava seus trabalhos de carpinteiro, Nossa Senhora meditava no que aconteceria com Eles; vislumbrava aquele momento em que os Anjos haveriam de elevar aos ares a santa casa de Nazaré e transportá-la para um lugar chamado Loreto. E que ali, um incontável número de peregrinos, provavelmente até o fim do mundo, iria venerar as paredes sagradas onde ecoaram essas conversas; onde se ouviram os risos cândidos e cristalinos do Menino Jesus; onde se ouviu a voz grave, paterna e afetuosa de São José; onde se ouviu a voz modelada quase ao infinito como um órgão, de Nossa Senhora, exprimindo adoração, manifestando veneração, em todos os seus graus e modalidades. Em tudo isso Ela pensava.

Como pensava também nos milagres que Nosso Senhor praticaria na sua vida pública, nas almas que Ele iria conquistar, converter e salvar. Pensava em como toda essa bondade divina seria recusada pelos judeus, em como Ele teria de sofrer o esquecimento e a covardia dos Apóstolos, a traição de Judas e a morte na Cruz.

Ela pensava em Pentecostes, na dilatação da Igreja pela bacia do Mediterrâneo e por tantos lugares aonde chegariam os discípulos de seu adorável Filho.

Com vistas proféticas, Nossa Senhora considerava o reluzimento da Santa Igreja, saída vitoriosa das perseguições e brilhando sobre a face do mundo. Ela pensou na extraordinária figura de São Bento apartando-se da sociedade decadente do fim do Império Romano, fixando-se nas grutas de Subiaco e dando início, ali, a uma vida espiritual da qual nasceriam a Idade Média e a Civilização Cristã.

Mas, Nossa Senhora via também o processo de derrocada e ruína dessa Cristandade e todos os seus desdobramentos até os dias de hoje, lançando a humanidade na grave crise moral e religiosa que a Santíssima Virgem haveria de censurar em Fátima.

E por que não imaginarmos que Nossa Senhora considerou igualmente o triunfo de seu Imaculado Coração, por Ela prometido na Cova da Iria?

E essa meditação em torno do Santo Natal estende-se na consideração também da história individual de cada um dos que participam dos nossos ideais. Do caminho que a graça percorreu nas almas de todos, os altos e baixos, as correspondências e as infidelidades, as vitórias sobre si mesmo, às vezes as derrotas, e novamente a vitória e a misericórdia de Deus.

“Não me tireis os dias na metade da minha obra”

Tudo isso nós devemos considerar quando estivermos ante o presépio. E ao nos aproximarmos para venerar a maternal e enlevada figura da Santíssima Virgem, a respeitosa e protetora figura de São José, e, sobretudo, a imagem dAquele que é, segundo a Escritura, a pedra de escândalo que divide a História ao meio — e tudo quanto está com Ele é bom, tudo quanto é contra Ele é mau — façamos esta prece:

Eis-me aqui, Senhor Jesus Cristo, ajoelhado a vossos pés, antes de tudo para Vos agradecer.

Agradeço a vida que me destes. Agradeço o plano eterno que tínheis a respeito de mim, como de qualquer homem, um plano determinado e individual. Agradeço-Vos por terdes posto uma luta no meu caminho. Agradeço-Vos a força que me destes para resistir, para combater e para rezar.

Grato Vos sou por tudo isso, Senhor. Porém, há mais. Agradeço-Vos todos os anos de minha vida que já se foram e que se tenham passado na vossa graça. Agradeço-Vos também os anos que se foram e que não se passaram em vossa graça, porque Vós os encerrastes num determinado momento, e eu abandonei o caminho da desgraça, para entrar novamente na vossa graça.

Agradeço-Vos, ó Divino Infante, ó Menino Jesus, pelas mãos de Maria Santíssima e de São José, agradeço-Vos o momento em que eu disse “sim” ao vosso chamado e comecei a travar o bom combate por Vós.

Agradeço-Vos todo o auxílio que me destes para eu vencer os meus defeitos. Agradeço-Vos por não Vos terdes impacientado comigo, e por haverdes me conservado vivo para que eu ainda tivesse tempo de corrigi-los.

E se uma prece eu Vos posso fazer nesta noite de Natal, Senhor Jesus, formulá-la-ei inspirado nas palavras do Salmista, que Vos disse: Não me chames na metade dos meus dias (Sal. 101). E eu Vos digo: Não me tireis os dias na metade da minha obra, e ajudai-me para que meus olhos não se cerrem pela morte, meus músculos não percam seu vigor, minha alma não fique privada de sua força e sua agilidade, antes que eu tenha, por vosso louvor, em mim vencido todos os meus defeitos, galgado todas as alturas interiores às quais me destinastes, e que no vosso campo de batalha tenha eu, por feitos heroicos, prestado a Vós toda a glória que esperáveis de mim quando me criastes. Assim seja.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr. Plinio 09 – Dezembro de 1998

Luz, o grande presente

Ora, naquela mesma região havia uns pastores que velavam e faziam de noite a guarda ao seu rebanho. E eis que apareceu junto deles um Anjo do Senhor, e a claridade de Deus os envolveu, e tiveram grande temor. Porém o Anjo disse-lhes: Não temais; porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo. Nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador, que é o Cristo  Senhor (S. Lucas II, 8 a 11).

A noite ia em seu meio. As trevas tinham chegado ao auge de sua densidade. Tudo em torno dos rebanhos era interrogação e perigo. Quiçá alguns pastores, relaxados ou vencidos pelo cansaço,  estivessem dormindo.

Entretanto, outros havia a quem o zelo e o senso do dever não consentiam o sono. Vigiavam. E presumivelmente oravam também, para que Deus afastasse os perigos que rondavam. Subitamente, uma luz apareceu para eles e os envolveu: “a claridade de Deus os envolveu”. Toda a sensação de perigo se desfez. E lhes foi anunciada a solução para todos os problemas e todos os riscos. Muito mais do que os problemas e os riscos de alguns pobres rebanhos ou de um pequeno punhado de pastores. Muito mais do que os problemas e os riscos que põem em contínuo perigo todos os interesses terrenos. Sim, foi-lhes anunciada a solução para os problemas e riscos que afetam o que os homens têm de mais nobre e mais precioso, isto é, a alma. Os problemas e os riscos que ameaçam, não os bens desta vida, que, cedo ou tarde, perecerão, mas a vida eterna, na qual tanto o êxito quanto a derrota não têm fim.

Sem a menor pretensão de fazer o que se poderia chamar uma exegese do Texto Sagrado, não posso deixar de notar que esses pastores e esses rebanhos e essas trevas fazem lembrar a situação do  mundo no dia do primeiro Natal.

Numerosas fontes históricas daquele tempo longínquo nos relatam que se apoderara de muitos homens a sensação de que o mundo havia chegado a um fracasso irremediável, de que um emaranhado inextricável de problemas fatais lhes fechava o caminho, de que estavam em um fim de linha além do qual só se divisava o caos e a aniquilação.

Olhando para o caminho percorrido desde os primeiros dias até então, os homens podiam sentir uma compreensível ufania. Estavam num auge de cultura, de riqueza e de poder. Quanto distavam as grande nações do Ano 1 de nossa era — e mais do que todas o superestado Romano — das tribos primitivas que vagueavam pelas vastidões, entregues à barbárie e açoitadas por fatores adversos de toda ordem! Aos poucos, haviam surgido as nações. Essas tinham tomado fisionomia própria, engendrado culturas típicas, criado instituições inteligentes e práticas, rasgado estradas, iniciado a navegação e difundido por toda parte, tanto os produtos da terra, quanto os da indústria nascente. Abusos e desordens, havia-os por certo. Mas os homens não os notavam inteiramente. Pois cada  geração sofre de uma insensibilidade surpreendente para com os males de seu tempo.

O mais cruciante da situação em que  se encontrava o Mundo Antigo não estava, pois, em que os homens não tivessem o que queriam. Consistia em que “grosso modo” dispunham do que desejavam, mas depois de ter feito laboriosamente a aquisição desses instrumentos de felicidade, não sabiam o que fazer deles. De fato, tudo quanto haviam desejado ao longo de tanto tempo e de tantos esforços, lhes deixava na alma um terrível vazio.

Mais ainda, não raras vezes atormentava-os. Pois o poder e a riqueza de que não se sabe tirar proveito servem tão-só para dar trabalho e produzir aflição. Assim, em torno dos homens, tudo eram trevas. — E nessas trevas, o que faziam eles? — O que fazem os homens sempre que baixa a noite. Uns correm para as orgias, outros afundam no sono.

Outros, por fim — e quão poucos — fazem como os pastores. Vigiam, à espreita dos inimigos que saltam no escuro para agredir. Aprestam-se para lhes dar rudes combates. Oram com as vistas postas no céu escuro, e as almas confortadas pela certeza de que o sol raiará por fim, espancará todas as trevas, eliminará ou fará voltar a seus antros todos os inimigos que a escuridão acoberta e convida ao crime. 

No Mundo Antigo, entre os milhões de homens esmagados pelo peso da cultura e da opulência inúteis, havia homens de escol que percebiam toda a densidade das trevas, toda a corrupção dos costumes, toda a inautenticidade da ordem, todos os riscos que rondavam em torno do homem, e sobretudo todo o “non sense” a  que conduziam as civilizações baseadas na idolatria.

Estas almas de escol não eram necessariamente pessoas de uma instrução ou de uma inteligência privilegiadas. Pois a lucidez para perceber os grandes horizontes, as grandes crises e as grandes  soluções, vem menos da penetração da inteligência do que da retidão da alma. Davam-se conta da situação os homens retos, para os quais a verdade é a verdade, e o erro é o erro. O bem é o bem, e o mal é o mal. As almas que não pactuam com os desmandos do tempo, acovardadas pelo riso ou pelo isolamento com que o mundo cerca os inconformados.

Eram almas deste quilate, raras e  esparsas um pouco por toda parte, entre senhores e servos, anciãos e crianças, sábios e analfabetos, que vigiavam na noite, oravam, lutavam e esperavam a  Salvação.

Esta começou por vir para os pastores fiéis. Mas, passado tudo quanto o Evangelho nos conta, ela extravasou dos exíguos confins de Israel e se apresentou como uma grande luz, para todos os que, no mundo inteiro, recusavam como solução a fuga na orgia ou no sono estúpido e mole.

Quando virgens, crianças e velhos, centuriões, senadores e filósofos, escravos, viúvas e potentados começaram a se converter, baixou sobre eles o ciclo das perseguições. Nenhuma violência, porém, os fazia vergar. E quando, na arena, fitavam serenos e altaneiros os césares, as massas ululantes e as feras, os Anjos do Céu cantavam: Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade.

Este cântico evangélico, nenhum ouvido o ouvia. Mas ele comovia as almas. O sangue desses serenos e inquebrantáveis heróis se transforma, assim, em semente de novos cristãos. O velho mundo, adorador da carne, do ouro, e dos ídolos, morria. Um mundo novo nascia, baseado na Fé, na pureza, na ascese, na esperança do Céu. Nosso Senhor Jesus Cristo, resolverá tudo.

* * *

Há ainda hoje homens de boa vontade autênticos, que vigiam nas trevas, que lutam no anonimato, que fitam o Céu esperando com inquebrantável certeza a luz que voltará?

— Sim, precisamente como no tempo dos pastores. […] A esses autênticos homens de boa vontade, a esses genuínos continuadores dos pastores de Belém, proponho que entendam como dirigidas a eles as palavras do Anjo: “Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo”!

Palavras proféticas, que encontram seu eco na promessa marial de Fátima. Poderá o comunismo espalhar seus erros por toda a parte. Poderá fazer sofrer os justos. Mas, por fim — profetizou Nossa Senhora na Cova da Iria — o seu “Imaculado Coração triunfará”.

Esta é a grande luz que, como precioso presente de Natal, desejo para todos os leitores, e mais especialmente, para os genuínos homens de boa vontade.

Plinio Corrêa de Oliveira (Transcrito da “Folha de S. Paulo”, 26/12/71)

Voltemo-nos para o Menino Jesus…

A  expectativa de mais um Natal, e na comemoração dos 107 anos do nascimento de Dr. Plinio, meditemos uma mensagem natalina gravada por ele em 1992, cuja atualidade permanece e faz-se, hoje, muito mais clamorosa do que há duas décadas.

Nós nos encontramos numa situação dominada completamente pelo caos. Não há um aspecto da vida política internacional contemporânea na qual não se note a confusão.

Junto ao berço do Menino Jesus não é o momento de estarmos rememorando tantas atitudes mal feitas, mal pensadas, mal planejadas, porque não as presidiu o Espírito de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O segredo da organização adequada de todas as coisas da vida terrena se encontra na canção que os Anjos entoaram, na noite de Natal, para os pastores maravilhados: “Glória a Deus no mais alto dos Céus e paz na Terra aos homens de boa vontade”.

Quando todos os homens reconhecem a majestade, a onipotência, a santidade, enfim, o acúmulo de todas as perfeições que há em Deus, no mais alto dos Céus, e O glorificam por isso, então nascem no coração dos homens aquelas boas disposições de espírito pelas quais eles se tornam homens de boa vontade.

Se nos lembrarmos de que essa noite de Natal é uma noite de misericórdia e de bondade, de perdão e de esperança, que próxima ao berço do Menino Jesus está Nossa Senhora — cuja prece junto a seu Divino Filho é onipotente — e que Ela tem um coração de Mãe que ama mais cada um dos homens do que todas as mães do mundo amariam a seu filho único, e que, portanto, Ela está na disposição de nos obter do Divino Infante o perdão de nossas faltas, a emenda de nossos erros e defeitos, e o propósito firme de seguir em tudo a Lei de Deus, se tomarmos isso em consideração, compreenderemos que, por mais forte que seja o mal, todas as portas da esperança estão abertas para nós, desde que nos voltemos para o Menino Jesus nascido em Belém.

É para essa esperança consoladora que eu quero atrair a atenção de todos.

Desejo que, quando os sinos tocarem à meia-noite anunciando que o Natal chegou, os povos estiverem se dirigindo, tranquilamente, para assistir ao Santo Sacrifício da Missa, e as famílias forem, em grupos, rezar aos pés do Santo Presépio, todos se lembrem dessa grande esperança e, deixando de lado as aflições da hora presente, compreendam o que disse o Apóstolo: “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre”(Hb 13, 8)(1).

 

1) Excertos da mensagem de Natal de 18/11/1992.