Misericórdia

Na gloriosa corrente constituída pela Santíssima Trindade, Nossa Senhora e o Papado, este último vem a ser o elo menos vigoroso: porque mais terreno, mais humano e, em certo sentido, estando envolto por aspectos que o podem menoscabar.

Costuma-se dizer que o valor de uma corrente se mede exatamente pelo seu elo mais frágil. Assim, o modo mais excelente de amarmos essa extraordinária cadeia é oscular o seu elo menos forte: o Papado. É devotar à Cátedra de Pedro, em relação à qual esmorecem tantas fidelidades, a nossa fidelidade inteira!

Plinio Corrêa de Oliveira

 

O Anjo das Escolas

Nos últimos dias de sua vida, estando hospedado em uma Cartuxa, São Tomás de Aquino fez um comentário ao “Cântico dos Cânticos”, Livro da Bíblia que canta o amor divino.

Ele, que era o Anjo das Escolas, morreu ensinando a perfeição do amor de Deus a esses religiosos, almas puríssimas, todas feitas para o amor de Deus, cuja função não é tanto de meditar sobre a ciência quanto sobre a caridade, suscitadas para se separarem de tudo no mundo e viverem apenas pensando no divino amor.

Que bela cena: as últimas palavras de São Tomás de Aquino engrandecendo o amor de Deus, e aqueles monges reverentes, bebendo aquelas palavras como se cada um sorvesse uma gota descida do Céu!

Assim se fechou, no extremo da contemplação e do isolamento de todas as coisas do mundo, a vida desse grande Doutor da Igreja.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/3/1967)

Meditação na festa de São Tomás de Aquino

Ao nos apresentar São Tomás de Aquino como o grande luzeiro suscitado por Deus para esclarecer e confortar as almas ao longo dos séculos, Dr. Plinio nos exorta a pedir a intercessão do Doutor Angélico a fim de que alcance para nós um senso católico e uma pureza da sabedoria semelhantes ao deste Santo, sempre submetidos e unidos à Sé de Pedro.

Em todos os recantos do globo celebrou a Santa Igreja (…) a festa de São Tomás de Aquino. Nas basílicas suntuosas da Capital da Cristandade, tanto quanto nos altares improvisados dos missionários perdidos nas selvas, nos mosteiros silenciosos das Ordens contemplativas tanto quanto nas trincheiras das linhas de combate, foi o Santo Sacrifício oferecido inúmeras vezes a Deus, naquele dia, em louvor do grande Doutor que Ele se dignou dar à Igreja. Pelas colunas dos jornais, do alto das cátedras universitárias, através do microfone das rádio-emissoras, através de todos os meios de que o homem dispõe para externar seu pensamento, o Santo recebeu as homenagens da Cristandade agradecida.

A um tão grande número de louvores não é supérfluo que o Legionário some os seus, embora seja pobre como o óbolo da viúva, que Deus recebeu com agrado pela intenção humilde e respeitosa com que era oferecido.

Inteligência possante e piedade ardente

São Tomás de Aquino foi um grande luzeiro posto por Deus no meio de sua Igreja a fim de esclarecer, confortar e animar as almas pelos séculos afora para que mais galhardamente resistissem às investidas da heresia.

Enfrentando com sua inteligência possante e sua piedade ardente todos os problemas que em seu tempo estavam franqueados à investigação da mente humana, percorreu ele as mais áridas, as mais obscuras e as mais traiçoeiras regiões do conhecimento, com uma simplicidade, uma clareza, uma energia verdadeiramente sobrenaturais.

Superando não apenas a sabedoria humana dos filósofos pagãos, mas a própria sabedoria dos Doutores da Igreja que o antecederam, compôs ele entre outras obras a Suma Teológica, em que deixou registradas todas as suas vitórias sobre a heresia, a ignorância ou o pecado. Sua doutrina se conservou sempre tão pura, que a Santa Igreja a aponta como fonte indispensável de toda a vida intelectual verdadeiramente católica.

Inteira submissão à Santa Igreja

Se houve um intelectual que nunca teve a menor mácula de heresia, esse intelectual foi São Tomás de Aquino. Seu senso católico foi prodigioso. Ele, de um lado, nunca colidiu com as verdades já definidas pela Santa Igreja em seu tempo. Por outro lado, resolveu um sem número de questões sobre as quais a Santa Igreja ainda não se tinha pronunciado, e, por sua solução, preparou e apressou o pronunciamento infalível da Esposa de Jesus Cristo.

Finalmente, a nota característica e constante de sua vida foi uma submissão tal à doutrina católica que, ainda mesmo que a Igreja viesse a definir ulteriormente, em sentido contrário ao de São Tomás, alguma verdade, ele se tornaria imediatamente o paladino mais humilde, mais amoroso e mais caloroso do pensamento que impugnara, e o adversário mais irredutível do erro que houvesse ensinado como verdade.

Admirável senso católico

Assim, São Tomás realizou plenamente os três graus do senso católico. Há católicos que pensam de modo diverso da Igreja e cuja Fé é tão fraca que é a custo e penosamente que se submetem às determinações que ela estabelece. Outros há, que não sentem relutância em admitir o que a Igreja ensina, mas, postos em presença de um problema qualquer, dificilmente atinam com a verdadeira solução, se não estiverem informados previamente do pensamento católico. Finalmente, o mais alto dos graus consiste em aceitar prontamente e com facilidade amorosa tudo o que a Igreja ensina, em estar tão imbuído do espírito da Igreja que se pensa como Ela ainda mesmo que, no momento, não se conheça o pronunciamento das questões. E, por fim, se pense de tal maneira sobre os assuntos que Ela ainda não definiu, que, quando Ela os definir, estejamos prontos a modificar nossa opinião, o que, aliás, raramente será necessário, porque teremos sabido pressentir na grande maioria dos casos o pensamento da Igreja.

Assim, se há uma virtude que devemos admirar em São Tomás, que devemos procurar imitar, e cuja obtenção devemos ardentemente pedir a Deus por intermédio do grande Doutor, esta virtude é a do senso católico.

Quanto mais unidos estivermos à vinha, maior a seiva que teremos em nós

Todos sabemos como devemos amar a pureza, e qual a magnífica promessa com que a galardoou o Senhor no Sermão das bem-aventuranças. Ninguém ignora a dileção ardentíssima com que o Coração de Jesus ama as pessoas que nunca se macularam com o pecado da impureza. Basta pensar no amor que Ele teve a Nossa Senhora e a São João Evangelista, o apóstolo virginal, para que se compreenda o que significa, para Nosso Senhor, a pureza.

Mas se existe uma pureza que, segundo nosso estado, devemos conservar íntegra em nosso corpo e em nosso coração, existe também uma pureza virginal de inteligência, que devemos cultivar ciosamente, e que certamente agrada de modo incomensuravelmente a Nosso Senhor. É a pureza da inteligência verdadeiramente católica, templo vivo e imaculado do Espírito Santo que nunca sentiu atração e nem deu apoio a qualquer doutrina herética, que detesta a heresia com todo o vigor indignado com que as almas puras detestam a luxúria, e que se preserva de toda e qualquer adesão a um pensamento que não seja o da Igreja, com cuidado com que as almas castas sabem manter longe de si todas as impressões impuras.

Disse Nosso Senhor que Ele é a vinha, e nós os sarmentos. Quanto mais unidos estivermos à vinha, tanto maior será a seiva que teremos em nós. Ora também se pode dizer que a Santa Igreja é a vinha, e nós os sarmentos, e que quanto mais estivermos unidos a ela, tanto maior será a seiva que teremos em nós. E como estaremos tanto mais unidos à Igreja quanto mais unido estiver a ela nosso pensamento, tanto mais intensa será nossa vida espiritual, quanto mais completo for nosso senso católico.

Incondicional obediência ao Trono de São Pedro

Não convém, entretanto, que nos conservemos em generalidades. Na época de confusão em que vivemos, não basta que se fale em submissão à Igreja. Convém ser explícito, e falar desde logo na infalibilidade papal. A pureza virginal de nossa inteligência só pode decorrer de nossa afetuosa e incondicional obediência ao Trono de São Pedro. Se estivermos inteiramente com o Papa, estaremos inteiramente com a Igreja, com Jesus Cristo e portanto com Deus.

Que na festa do grande Doutor, nosso senso católico encontre o apoio de graças sempre mais vigorosas, e que estas graças recebam de nossa vontade uma cooperação sempre mais entusiástica: esta deve ser a conclusão prática de nossa meditação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído do “Legionário”, nº 391, de 10/3/1940)

São Paulo Apóstolo

São Paulo soube pôr a serviço da maior das causas, a de Cristo e da sua Igreja, um idealismo abrasador, uma energia inexaurível, uma combatividade invencível, uma audácia viril e realizadora.

O Apóstolo das Gentes não concebia limites para sua atividade evangelizadora. 0 mundo inteiro era pequeno para a grandeza de seu ardor apostólico. Nem a distância dos lugares, nem a dificuldade dos empreendimentos, nem a diversidade dos povos, puderam conter-lhe o passo vigoroso e a palavra de fogo.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Preparando os caminhos…

Embora a Escritura empregue apenas o termo “magos”, segundo a tradição eles eram reis magos. Trata-se de uma tradição tão bonita que deve exprimir a verdade, pois geralmente a mentira não inventa coisas lindas.

Creio que a missão essencial dos três Reis Magos foi preparar seus reinos para a vinda dos Apóstolos ou de seus sucessores. De maneira que quando esses lá chegassem, a população estivesse aberta para acolher sua pregação, e os portadores da palavra de Cristo recebessem uma formidável confirmação na Fé, porque lá encontravam os traços dos Reis Magos.

Quando encontraram a Sagrada Família, imagino que o Menino Jesus, por mais que já soubesse falar — Ele é a Sabedoria Encarnada —, não conversou com os monarcas. Mas, por meio de flashes(1), Ele deve ter tornado mais ou menos presente aos reis magos tudo quanto a Cristandade faria de belo na humanidade, com a promessa de que nas regiões deles isso se realizaria, se seus povos fossem fiéis.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/12/1989)

1) Flash [do inglês: brilho, lampejo], palavra usada por Dr. Plinio em sentido metafórico, indicando maravilhamento ou percepção enlevada de alguma realidade.

Ao contrário do moço rico do Evangelho, Santo Antão disse sim a Nosso Senhor

Em sua mocidade, Santo Antão era muito rico. Quando tinha 18 anos, seus pais morreram, tendo ele herdado enorme fortuna.

Certo dia, ele caminhava para uma igreja, meditando sobre a vantagem de se despojar dos bens terrenos a fim de seguir mais de perto a Nosso Senhor. Ao entrar no templo, encontrou o sacerdote fazendo um sermão sobre o moço rico do Evangelho, o qual recusou o chamado de Nosso Senhor por não querer abandonar tudo quanto possuía.
Diante disso, Santo Antão tomou a seguinte resolução:

“Eu serei o moço rico que vai dizer sim para Cristo; o convite d’Ele não ficará sem uma resposta afirmativa; darei o que o outro não deu”. E entregou tudo, foi para o deserto e tornou-se um gigante do eremitismo antigo.

 

(Extraído de conferência de 7/3/1970)

Os Reis Magos

Na vida espiritual pode haver momentos em que pensamos trilhar um caminho incerto, sem vislumbrarmos o almejado objetivo. Dizemos: “Afinal, andamos, andamos, andamos, como se à nossa frente estivesse a estrela que guiava os Reis Magos, mas, até agora, não chegamos a Belém…”

Ora, nesse instante de dúvida procuremos nos convencer de que, se diante de nós reluz a estrela, importa confiarmos, pois logo a Providência nos confirmará em nossa certeza, assim como os Magos se viram confirmados na sua esperança: ajoelharam-se aos pés do Menino Jesus, a Quem ofereceram ouro, incenso e mirra.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 13/3/1984)

São João da Cruz, mestre do amor a Deus

Baluarte e cofundador da Ordem Carmelita Descalça, São João da Cruz sublimou-se numa vida entregue à ascese e à contemplação, ensinando aos homens, como Doutor da Igreja, não existir “trabalho melhor nem mais necessário que o amar a Deus”. Algo do perfil e da doutrina desse grande Santo nos é dado a conhecer este mês, através das incisivas palavras de Dr. Plinio.

Duas almas extraordinárias foram suscitadas por Deus, no século XVI, para juntas empreenderem a reforma da Ordem do Carmo. Uma delas, a grande Santa Teresa de Jesus. A outra, São João da Cruz, contemplativo insigne, confessor e Doutor da Igreja, cuja festa é celebrada no dia 14 deste mês.

“Uma das almas mais puras que há na Igreja”

Dele sabemos que, assim como Santa Teresa, nasceu na província de Ávila, Espanha, e sua primeira formação se deu em Medina Del Campo, onde estudou com os padres jesuítas. Desejava, porém, tornar-se carmelita e nesta Ordem ingressou aos 21 anos, recebendo sua educação teológica em Salamanca. Em 1567 ordena-se sacerdote e celebra sua primeira missa.

Chamado a uma austera e sublime vida contemplativa, o jovem religioso logo se decepcionou com o relaxamento monástico dos conventos carmelitas. Quando tencionava procurar a Ordem dos Cartuxos, na qual poderia expandir seus anseios de alma, encontrou-se com Santa Teresa e aceitou dela o desafio de promoverem a reforma do Carmelo.

Como sói acontecer, o zelo com que trabalhou pela observância religiosa lhe angariou maus tratos e difamações, chegando mesmo a ser encarcerado em Toledo. Nesse período de duras provações acendeu-se nele a labareda de sua poesia mística. Datam de então os célebres escritos, como a “Subida do Monte Carmelo”, Noite escura da alma”, “Cântico Espiritual”, “Chama de amor viva”, etc.

Por mais de vinte anos consagrou-se à uma existência semeada de ascese e fecunda contemplação, vindo a falecer aos 49 anos de idade, no dia 14 de dezembro de 1591. Canonizado em 1726, é também cultuado como o Patrono dos poetas espanhóis.

Santa Teresa o considerava “uma das almas mais puras que Deus tem em sua Igreja”, e outro de seus contemporâneos assim o descreve: “Homem de estatura mediana, de boa fisionomia, rosto sério e venerável. Seu trato era muito agradável e sua conversa bastante proveitosa para os que o ouviam. Foi amigo do recolhimento e falava pouco. Quando repreendia como superior, que o foi muitas vezes, agia com doce severidade, exortando com amor paternal”.

Quem saboreia ninharias não pode deleitar-se com Deus

Tendo conhecido esses breves traços biográficos e morais de São João da Cruz, analisemos agora algumas de suas máximas espirituais, valiosos ensinamentos que ele nos legou ao lado de seus grandes escritos.

Não conhecia eu a Vós, meu Senhor, porque queria ainda saber e saborear ninharias. Secou-se meu espírito porque se esqueceu de se apascentar em Vós. Essa sentença é uma verdadeira maravilha.

De fato, o amor à ninharia é das coisas mais invisceradas no gênero humano. E mesmo quando se trata de assunto sério, este geralmente é considerado sob o ponto de vista da bagatela. E não será exagero afirmar que muitos se comprazem em conversar sobre trivialidades.

Por exemplo, os que se acham num restaurante, numa praça pública, num veículo de transporte coletivo, etc., ou estão quietos, pensando em ninharia, ou conversam sobre a bagatela na qual cogitavam quando em silêncio. Mas, o gosto, o apego é pensar a respeito de ninharias.

Então, diz São João Cruz com muita propriedade: Não vos conhecia eu a Vós, meu Senhor, porque ainda queria saber e saborear ninharias.

Quer dizer, quem degusta ninharias, não pode se deleitar com Deus. Porque não é possível gostar de duas coisas opostas ao mesmo tempo. Ora, Deus é infinito, altíssimo, insondável, transcendente. A ninharia, pelo contrário, é a insignificância, a bagatelinha. Assim sendo, compreende-se que uma pessoa afeita às trivialidades não tem o espírito voltado para saborear Deus. Quem notar em si mesmo esse defeito, não deve tomar uma atitude mesquinha, dizendo: “Ah, então não tem remédio, porque gosto tanto de ninharia, que nunca me descolarei dela”. Importa, sim, fazer uma oração: “Meu Deus, dai-me o vosso espírito, o Espírito Santo, que me fará sentir apetência das coisas grandes e horror da ninharia”.

No Evangelho, Nosso Senhor diz que, de todas as orações, a mais certamente atendida é aquela na qual pedimos o Espírito Santo, o bom espírito. Portanto, o oposto à bagatela e à ninharia. Esta deve ser a nossa súplica.

Secou-se meu espírito, porque se esqueceu de se apascentar em Vós.

Qual é o espírito que se apascenta em Deus? Aquele que se compraz em pensar nas belezas da Igreja Católica, na doutrina e na vida de nosso movimento, que são expressões da Igreja e seus princípios. Este se apascenta em Deus, ou seja, é como uma ovelha que se nutre da relva divina e das maravilhas do Criador. Ao contrário daquele cujo espírito secou porque não se deteve na contemplação dessas grandezas, preferindo saborear ninharias.

A alma unida a Deus incute temor ao demônio

Outro ditame de São João da Cruz:
Se queres chegar ao santo recolhimento, não hás de ir admitindo, mas negando.

Frase magnífica. Quer dizer, os espíritos polêmicos, que negam tudo quanto seja revolucionário, isolam-se, rompem com as coisas más e chegam ao recolhimento. Porém, aqueles que aprovam, admiram e se abrem para tudo que é mau, esses são incapazes de recolhimento.

Sejas avesso em admitir em tua alma coisas destituídas de substância espiritual, para que não te façam perder o gosto da devoção e o recolhimento.

É o mesmo princípio enunciado na sentença anterior. A alma que está unida a Deus incute temor ao demônio como o próprio Deus.

Mais uma linda afirmação do Santo carmelita. Realmente, vê-se que o demônio teme o verdadeiro católico, e o ódio que demonstra contra este último é feito de temor. Ele estremece diante do que pratica a religião de modo íntegro, pois é uma alma unida a Deus.

Não devemos nos fiar de nós mesmos

Outra extraordinária proposição é esta:
O mais puro padecer traz e produz o mais puro entender.

Com tal pensamento São João Cruz nos ensina que só entendem profundamente as coisas aqueles que sabem sofrer até o fim. Aqueles aos quais aborrece o sofrimento, não compreendem coisa alguma.

Quem se fia de si mesmo é pior que o demônio.

Uma frase dura aos nossos ouvidos, mas brotada do coração e dos lábios de um Santo, Doutor da Igreja.

Fiar-se de si mesmo significa julgar não ser necessário recorrer a Nossa Senhora, porque tudo se consegue pelo próprio esforço. Por exemplo, quanto à virtude da castidade, a pessoa diz: “Ah, eu consigo praticá-la por mim mesmo. É só uma questão de força de vontade. Diante da ocasião perigosa, eu me transformo num colosso, e não preciso pedir auxílio à Virgem Maria. Vocês são um beatério e ficam implorando a ajuda d’Ela. Mas eu, com a minha força de vontade e minha inteligência, não tenho necessidade de pedir. Na hora eu enfrento!”

Na realidade, essa pessoa se estatela no chão; são derrubados cavalo e cavaleiro. E, segundo uma expressão arcaica que conheci, “cai de costas e quebra o nariz”, tão grande é o tombo. Por quê? Porque confiou em si mesma.

Melhor sofrer por Deus que fazer milagres

Quem opera com tibieza, perto está da queda. É um fato evidente.

Certa vez alguém me disse (referindo-se a outro, e no fundo fazendo o elogio de si próprio): “Fulano é tíbio, mas é muito correto”. Retruquei-lhe: “Sim, muito correto, porém está se desmilinguido”. Seria uma situação análoga à de quem, considerando um agonizante, afirmasse: “Ele está vivinho e inteiro”. Realmente o moribundo ainda não faleceu, mas a vida o está abandonando…

Como é possível negar a evidência? Por isso São João da Cruz adverte os tíbios: estão próximos da queda.

Escreve ainda o Santo:
É melhor vencer-se na língua, do que jejuar a pão e água.

Outra grande verdade. E esta nos leva a perguntar quais vitórias devemos conquistar no uso de nossa língua.

A primeira é não dizer coisas impuras; mas a maior é não falar algo que represente uma fraqueza diante da Revolução. Agrados, gentilezas, atitudes que deem a impressão de sermos filhos deste século, isso é que se trata de não dizer. E é esta a imensa vitória sobre a utilização da língua que devemos obter.

Por fim, essa bela e não menos verdadeira sentença de São João da Cruz:
É melhor sofrer por Deus do que fazer milagres.

Pode haver pessoas que realizaram milagres e, após a morte, foram para o inferno. Mas, não é possível que alguém sofra a vida inteira por Deus e depois se condene.

E o maior, o mais evidente é o milagre moral que se opera quando o homem padece de todas as maneiras, mas, por Deus, aceita o sofrimento e não volta atrás. Esse é o milagre por excelência!  Devemos, portanto, ter sempre em vista essa máxima do insigne São João da Cruz, expoente da ascese e da mística católicas: é realmente melhor sofrer por Deus do que fazer milagres.

Plinio Corrêa de Oliveira

Santa Adelaide: pecadora por natureza, imperatriz pela graça

Geralmente tem-se a ideia de que uma santa sempre se conforma com a situação na qual se encontra, por pior que seja, e nunca ousa enfrentar as dificuldades com heroísmo. Bem o contrário disso, Santa Adelaide empregou todos os meios legítimos para libertar-se do jugo em que se achava.

No dia 16 de dezembro celebra-se a memória de Santa Adelaide, Imperatriz, a respeito da qual Omer Engerbert, na “Vida dos Santos”, diz o seguinte:

Esposa do Imperador Oto I

Santa Adelaide foi uma maravilha de graça e de beleza, segundo escreveu Santo Odilon de Cluny, que foi seu diretor espiritual e biógrafo.

Filha de Rodolfo II, Rei da Borgonha, nasceu em 931, casando-se aos 15 anos com Lotário II, Rei da Itália. A filha deste casamento foi, mais tarde, Rainha da França. Adelaide tinha 18 anos quando seu marido morreu, segundo se crê envenenado por seu rival Berengário. Este, em breve, proclamou-se Rei da Itália e ofereceu a mão de seu filho à viúva de sua vítima. Recusando-se Adelaide a fazer-lhe a vontade, Berengário apoderou-se de seus Estados e conservou-a presa no castelo de Garda. Aí ela sofreu os maiores ultrajes, mas ninguém conseguiu demovê-la.

Conseguindo fugir, dirigiu-se ao castelo de Canossa, propriedade da Igreja. Dessa fortaleza inexpugnável enviou um apelo a Oto I, Rei da Germânia, que correu em seu auxílio com um poderoso exército. Cingiu ele a coroa da Itália em Pavia, e foi mais tarde sagrado Imperador em Roma. E casou-se com Adelaide. O filho desse segundo casamento, Oto II, sucedeu seu pai e, a princípio, revoltou-se contra sua mãe. Temendo pela vida, ela refugiou-se na Borgonha. Foi então que conheceu Santo Odilon, e espalhou benefícios pelos mosteiros franceses. Mais tarde, voltando à Alemanha, mandou ao túmulo de São Martinho o mais rico dos mantos usado por seu filho, já então arrependido.

“Quando chegardes ao túmulo do glorioso São Martinho — escreveu ela àquele a quem encarregara dessa missão — dizei: ‘Bispo de Deus, recebei esses humildes presentes de Adelaide, serva dos servos de Deus, pecadora por natureza, imperatriz pela graça. Recebei também esse manto de Oto, seu filho único, e vós, que tivestes a glória de cobrir com vosso próprio manto Nosso Senhor na pessoa de um pobre, orai por ele.”

Logo que pressentiu chegar o seu fim, Adelaide se fez transportar a um mosteiro para morrer e repousar junto ao túmulo de Oto, o Grande, seu segundo marido.

Encarcerada, consegue fugir da prisão

Vemos aqui um outro tipo de iluminura medieval. Não é mais a da santa que vive no convento, portanto, no recolhimento e na paz do claustro, mas a da heroína. A Idade Média é fecunda em heróis e heroínas que passam pelas maiores aventuras, pelos maiores riscos, e não têm nenhum ideal de segurança social, de aposentadoria, mas querem e veem no risco, na luta, na incerteza — quando a serviço de uma causa elevada, em defesa de direitos efetivos e legítimos —, algo que dá à vida o seu sentido.

A existência de Santa Adelaide foi uma sucessão de altos e baixos. Era filha de Rodolfo II, Rei da Borgonha, e casou-se com Lotário II, Rei da Itália; teve uma filha que foi Rainha da França. Quando a santa tinha 18 anos, seu marido morreu, e Berengário, ao que parece, havia mandado envenená-lo.

Este se proclamou Rei da Itália e quis que ela se casasse com um filho dele. Ela deveria, portanto, contrair matrimônio com o filho do assassino do seu próprio esposo; teria uma vida fácil, agradável, e certamente não sofreria o que sofreu. Tendo ela recusado, foi encarcerada e durante muito tempo ficou exposta aos piores ultrajes. Mas, de repente, fugiu.

Como me agrada a fuga dessa santa! Como isso é diferente da ideia que habitualmente se faz de uma bem-aventurada! Segundo essa concepção, a santa presa fica sentada de lado, chorando, pensando em tudo, menos em fugir, e incapaz de fazê-lo; ela tem dificuldade em se mover, e não tem esperteza nenhuma, não sabe iludir os carcereiros, nem ter um gesto hábil para pular um obstáculo qualquer e sair correndo.

Inocência da pomba e astúcia da serpente

Mas essa é uma santa diferente. Infelizmente, o autor não nos conta como foi sua fuga. É uma santa que corresponde à imagem verdadeira dos santos, e não a essa figura caricaturada que eu fiz. O santo tem a virtude da fortaleza e a da prudência. E com fortaleza e prudência a pessoa foge de todos os lugares de onde deve e possa fugir. Santa Adelaide, portanto, precisava fugir do lugar onde estava presa, desde que materialmente fosse possível. Ela foge, e assim liberta-se do tremendo jugo em que se encontrava.

Entretanto, ela soube para onde fugir, porque em vez de ir para um lugar qualquer, dirigiu-se para Canossa, a terrível fortaleza da Idade Média, a qual se tornou ilustre pelo fato de que São Gregório VII ali recebeu Henrique IV, que lhe foi beijar os pés, pedindo-lhe perdão. Canossa era um feudo da Igreja e, por isso, não podia ser invadido por um soberano temporal. Santa Adelaide ali estava, portanto, inteiramente tranquila; ela não só sabia fugir, mas também onde refugiar-se. Era boa política; tinha a inocência da pomba e a astúcia da serpente.

Força de alma, denodo, intrepidez

E nesse lugar ela fez uma coisa que também não se esperava de uma santa: arranjou um marido e bem escolhido. Escreveu para o Rei da Germânia, que era o herdeiro presuntivo do Imperador do Sacro Império Romano Alemão, rogando-lhe para ir defendê-la. Ele foi e depois a pediu em casamento. Então começa para ela uma nova vida.

Notem quantas mudanças nessa existência, quanta força de alma, quanto denodo, quanta intrepidez essas alterações supunham e quanta verdadeira virtude nessa magnífica santidade!

Ele foi sagrado Imperador em Roma e casou-se com a santa. O filho desse casamento, entretanto, foi um homem mau e começa aí mais outra tragédia; revoltou-se contra sua própria mãe, e por isso ela teve novamente que fugir e dirigiu-se para a Borgonha. Foi nessa região da França que ela conheceu Santo Odilon, e se tornou célebre; com certeza Santa Adelaide possuía bens, pelas liberalidades que fez aos conventos da Borgonha.

Mas seu filho se arrependeu, e creio que foi devido às orações de Santa Adelaide. Porque o fato de ela mandar um manto para São Martinho tem todo o aspecto de um pagamento de uma promessa, como quem dissesse a esse santo: “Se vós converterdes o meu filho, eu vos enviarei o manto dele”.

Tomar a iniciativa da luta

Então ela escreveu uma magnífica mensagem, da qual o fato mais bonito é o título que ela arranjou para si: “Adelaide, pecadora por natureza, imperatriz pela graça”. É um tal contraste de títulos, há uma tal grandeza na simplicidade desse contraste, que mereceria ser o epitáfio dela: “pecadora por natureza”, porque todos os homens por natureza são pecadores; ainda quando santos e não pecam, na sua natureza são pecadores; “imperatriz pela graça”. É uma coisa que ficaria bem num vitral, debaixo da figura nobre, serena e forte dela: “Santa Adelaide, pecadora por natureza, imperatriz pela graça”.

Peçamos a Santa Adelaide que nos dê uma graça que tenha relação com isso: é o espírito de luta, de intrepidez e — não hesito diante da expressão — o espírito de aventura.

São Tomás de Aquino diz que o suprassumo da virtude da fortaleza ocorre quando, sendo necessário, oportuno e criterioso, o homem não espera o inimigo vir a ele, mas toma a iniciativa da luta, cria a situação e investe contra o adversário.

Devemos pedir esse espírito de fortaleza, mas ao mesmo tempo, esse espírito de prudência, essa sagacidade, essa capacidade de discernir, de perceber, de escolher as situações, de dispor dos meios adequados para chegar aos fins que temos em vista.

E então, no nosso epitáfio, poderá ser escrito: “Nós fomos lutadores e amamos inclusive o risco, levado não até a temeridade, mas a um extremo que os tontos diriam ser temeridade. Teremos sido pecadores por natureza; mas, pela graça soldados intrépidos de Nossa Senhora”.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/12/1968)

Nossa Senhora de Guadalupe Padroeira da América Latina

No mundo inteiro fala-se da América Latina como um todo, tendo-se muito clara a noção de que ela constitui uma imensa família de nações, no sentido verdadeiramente católico das palavras.

Esse todo ainda está para ser esculpido pela Providência, a fim de tornar-se uma obra-prima da História. O fato de a América Latina ter uma Padroeira, mostra ser a unidade desse conjunto tão real que, nos domínios de Nossa Senhora, constitui um bloco à parte. E que a Santíssima Virgem tem sobre esse conjunto um desígnio supremo, de glória para Ela, vinculando ainda mais entre si os elementos que o constituem.

Tem-se a impressão de que a América Latina está reservada pela Mãe de Deus para ser a terra da glória do seu Reino. Assim, devemos pedir a Nossa Senhora de Guadalupe que realize o quanto antes em nós este desígnio, para que venha logo o Reino de Maria.