Nossa Senhora de Guadalupe Padroeira da América Latina

No mundo inteiro fala-se da América Latina como um todo, tendo-se muito clara a noção de que ela constitui uma imensa família de nações, no sentido verdadeiramente católico das palavras.

Esse todo ainda está para ser esculpido pela Providência, a fim de tornar-se uma obra-prima da História. O fato de a América Latina ter uma Padroeira, mostra ser a unidade desse conjunto tão real que, nos domínios de Nossa Senhora, constitui um bloco à parte. E que a Santíssima Virgem tem sobre esse conjunto um desígnio supremo, de glória para Ela, vinculando ainda mais entre si os elementos que o constituem.

Tem-se a impressão de que a América Latina está reservada pela Mãe de Deus para ser a terra da glória do seu Reino. Assim, devemos pedir a Nossa Senhora de Guadalupe que realize o quanto antes em nós este desígnio, para que venha logo o Reino de Maria.

Sublimidade e pureza

O espírito revolucionário, essencialmente igualitário e impuro, execra tudo quanto é sublime e casto; tem amor ao banal, ao trivial, quando não ao degradado. Por isso grande foi o ódio suscitado nos revolucionários por ocasião da proclamação do dogma da Imaculada Conceição de Maria.

 

Temos um trecho de uma encíclica de São Pio X(1) onde, ao tratar a respeito do dogma da Imaculada Conceição, depois de discorrer sobre a atual negação do pecado original e suas consequências, o Santo Padre diz:

Anarquismo, a mais perniciosa doutrina…

Ora, creiam os povos e professem que a Virgem Maria foi preservada de toda mancha de pecado desde o primeiro instante de sua conceição: desde logo torna-se-lhes mister admitir o pecado original, a redenção da humanidade por Jesus Cristo, o Evangelho e a Igreja, enfim a lei do sofrimento. Em virtude disto, todo racionalismo e materialismo que campeiam pelo mundo são arrancados e destruídos em suas raízes, cabendo à sabedoria cristã a glória de ter guardado e defendido a verdade.

Além disto, é vezo perverso e comum a todos os inimigos da fé, sobretudo em nossa época, proclamar que se devem repudiar todo respeito e toda obediência à autoridade da Igreja, mesmo de todo poder humano, na crença de que logo lhes será mais fácil banir a fé dos corações.

Aqui está a origem do anarquismo, a mais nociva e perniciosa doutrina que possa existir, tanto na ordem natural quanto sobrenatural. Ora, tal peste, fatal tanto à sociedade como ao nome cristão, baqueia ante o dogma da Imaculada Conceição de Maria, pela obrigação que lhe impõe de atribuir à Igreja um poder em face do qual tem que se curvar não só a vontade, mas também a inteligência. Pois é em virtude de uma tal submissão que o povo cristão canta este louvor da Virgem: Toda bela és, Maria, e não há em Ti a mancha original.2 Daí se justifica uma vez mais o que a Igreja afirma da Virgem, dizendo que “só Ela extirpou todas as heresias do mundo inteiro”.

…e a extrema ponta da Revolução

Esse trecho é de uma riqueza de conteúdo de pensamento que merece ser explanado e resumido. São Pio X tem em vista mostrar como a aceitação do dogma da Imaculada Conceição, por parte dos fiéis, é um remédio para aquilo que, no ensaio Revolução e Contra-Revolução, nós chamamos a Revolução.

Nessa obra apontamos o anarquismo como a fórmula mais avançada da Revolução. Quer dizer, aquele estado de coisas para o qual o comunismo visa caminhar. Os comunistas dizem que deve haver passageiramente uma ditadura do proletariado. Mas, depois que essa ditadura tenha modelado os homens de acordo com as intenções comunistas, os homens estarão num tal grau de evolução, de “perfeição”, que eles não precisarão mais de leis, de cárceres, não cometerão mais crimes, não farão guerras e não haverá necessidade de governo. E então é uma anarquia. Não no sentido de um pandemônio, de uma desordem, mas de uma ordem sem lei onde todos os homens são reis de si próprios, nenhum obedece a outro e reina uma liberdade, uma fraternidade e uma igualdade completas.

Ora, diz São Pio X – a formulação dele empregada aqui é muito interessante – que não se pode conceber um erro pior do que o anarquismo. Não é uma afirmação de caráter histórico – nunca apareceu um erro tão ruim quanto o anarquismo –, mas de caráter doutrinário. Quer dizer, se um homem mais do que perverso e corrompido procurasse o pior dos erros, na ordem do possível, ele não encontraria um pior do que o anarquismo. Portanto, ele é a extrema ponta da Revolução e, segundo este Papa santo, o pior dos erros concebíveis.

Indignação até em meios católicos

Afirma São Pio X que a admissão do dogma da Imaculada Conceição tem como resultado para os homens a aceitação da autoridade da Igreja, pois o modo pelo qual eles sabem que Nossa Senhora foi concebida sem o pecado original é o ensinamento da Igreja. Ela ensina porque se fundamenta no Evangelho. Logo, é a aceitação do Evangelho e, consequentemente, da Revelação e da ordem sobrenatural. É a submissão a um poder diante do qual se devem dobrar não só os atos externos do homem, mas os internos; não apenas os atos da vontade, mas os da inteligência. Portanto, a atitude mais contrária ao anarquismo que possa existir.

O Pontífice mostra como o ato de fé na Imaculada Conceição é soberanamente eficaz para extirpar da alma humana todas as raízes da Revolução, e aplica a Nossa Senhora aquela frase muito bonita que se encontra na Liturgia: “Tu só é que extirpaste todas as heresias do mundo inteiro”. Ou seja, a Santíssima Virgem, pela sua Imaculada Conceição, calcando aos pés a cabeça do dragão, pai das heresias, eliminou-as do mundo inteiro e luta, através de todos os séculos da vida da Igreja, para a extirpação de todos os erros. Eis a ideia contida nesse esplêndido trecho de São Pio X.

Quando o dogma da Imaculada Conceição foi definido por Pio IX, houve na Europa uma verdadeira tempestade de ódios, protestos, indignação que atingiu não só os não católicos, mas também os católicos. Em muitos meios católicos houve um furor porque esse dogma tinha sido definido. Como explicar essa atitude?

Ódio igualitário

Segundo esse dogma, a Virgem destinada a ser a Mãe de Deus foi concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser. Essa indignação contra a Santíssima Virgem, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e Mãe da Igreja, explica-se pelo ódio igualitário por vê-La colocada no ponto mais alto em que uma mera criatura possa estar. Ademais, por ser uma mulher, o arbítrio de Deus se apresenta de um modo muito mais forte, porque toma na ordem humana o elemento geralmente considerado secundário e o coloca no alto de toda a pirâmide da Criação. Isso contunde enormemente o espírito igualitário.

Entretanto, fere muito aos igualitários também o fato de que Maria Santíssima tenha sido objeto de uma exceção a uma regra, para a qual nunca houve exceções. A ideia de uma mulher sem pecado original, quebrando uma regra universal e colocada, portanto, numa altura enorme em relação a todos os seres humanos, dá aos revolucionários um verdadeiro furor.

Mas essa fúria tem também outra causa. Não é só por seu aspecto anti–igualitário que a Imaculada Conceição é odiada. Acrescenta-se a isso um ódio do vulgar em relação ao sublime.

Essas verdades – Nossa Senhora concebida sem pecado original, Virgem e Mãe de Deus –, consideradas no seu conjunto, correspondem à sublimidade de um ser de tal maneira puro, imaculado, elevado acima de tudo quanto se possa imaginar, tão virginal no mais recôndito de si mesmo – por não ter nenhum dos impulsos que, mesmo num santo, podem representar o aguilhão da carne.

Nem a isso o ser d’Ela está sujeito, é algo de tão transcendente em matéria de sublimidade, tão alto e requintado em questão de pureza, tão excelso como condição humana, e tão diferente da nossa própria condição, que fica apresentada à nossa admiração uma figura imensamente maior do que nós, pela qual temos uma ideia da sublimidade a que Deus pode elevar a criatura humana, mas à qual nós não fomos elevados.

O requinte da bem-aventurança

Daí decorre para todo o gênero humano uma espécie de honra e de glória que esbarra diretamente no espírito revolucionário, o qual odeia tudo quanto é sublime e elevado, não somente por ser ele igualitário, mas por uma outra expressão do igualitarismo que é o amor ao banal, ao trivial, quando não ao degradado. Por isso os revolucionários têm um verdadeiro ódio à Imaculada Conceição de Maria.

Esse furor contra a Imaculada Conceição encontra outra expressão no ódio que as pessoas, movidas pelo espírito das trevas, têm àqueles que, como nós, procuram praticar a virtude, particularmente no que tange à pureza, compostura e dignidade.

Tais pessoas são capazes de espalhar as piores calúnias a nosso respeito, só porque guardamos a castidade perfeita. A compostura, a nobreza, a distinção de trato, mesmo daqueles que são de uma condição mais modesta, chama a atenção de todos e atrai a simpatia dos bons. Contudo, aos maus causa um verdadeiro ódio à sublimidade da causa que defendemos. Aqueles que gostam da trivialidade nos detestam porque não somos vulgares e procuramos orientar os espíritos para o alto, comunicar às nossas pessoas a atitude e dignidade de filhos de Deus e de Nossa Senhora, no que se reflete algo da realeza da própria Santíssima Virgem. É precisamente isso que os indigna.

Razão para nós de alegria, porque uma das bem-aventuranças é ser perseguido por amor à justiça. Mas dentro desta bem-aventurança há uma especial, que é como o requinte da bem-aventurança: ser perseguido por amor a Nossa Senhora e pelas mesmíssimas razões pelas quais Ela é odiada.

Aproximando-nos da festa da Imaculada Conceição, peçamos a Maria Santíssima cada vez mais essa bem-aventurança de sermos tão unidos a Ela e trazermos em torno de nós de tal maneira a sua expressão, que se possa afirmar ser realmente por causa de nossa semelhança com Ela que somos odiados.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 2/12/1964 e 6/12/1965)
Revista Dr Plinio 237 – Dezembro de 2017

A santa intrasigência, um aspecto da Imaculada Conceição

No presente artigo, publicado pela primeira vez em setembro de 1954, Dr. Plinio descortina ante nossos olhos, as incomparáveis virtudes de Nossa Senhora e a apresenta como perfeito exemplo a ser seguido.

O vocabulário humano não é suficiente para exprimir a santidade de Nossa Senhora. Na ordem natural, os Santos e os Doutores A comparam ao Sol. Mas se houvesse algum astro  inconcebivelmente mais brilhante e mais glorioso do que o Sol, é a esse que A comparariam. E acabariam por dizer que este astro daria dela uma imagem pálida, defeituosa, insuficiente. Na ordem moral, afirmam que Ela transcendeu de muito todas as virtudes, não só de todos os varões e matronas insignes da Antiguidade, mas — o que é incomensuravelmente mais — de todos os Santos da Igreja Católica.

Imagine-se uma criatura tendo todo o amor de São Francisco de Assis, todo o zelo de São Domingos de Gusmão, toda a piedade de São Bento, todo o recolhimento de Santa Teresa, toda a sabedoria de São Tomás, toda a intrepidez de Santo Inácio, toda a pureza de São Luiz de Gonzaga, a paciência de um São Lourenço, o espírito de mortificação de todos os anacoretas do deserto: ela não chegaria aos pés de Nossa Senhora.

Mais ainda. A glória dos Anjos é algo de incompreensível ao intelecto humano. Certa vez, apareceu a um Santo o seu Anjo da Guarda. Tal era sua glória, que o Santo pensou que se tratasse do próprio Deus, e se dispunha a adorá-lo, quando o Anjo revelou quem era. Ora, os Anjos da Guarda não pertencem habitualmente às mais altas hierarquias celestes. E a glória de Nossa Senhora está incomensuravelmente acima da de todos os coros angélicos.

Poderia haver contraste maior entre esta obra-prima da natureza e da graça, não só indescritível mas até inconcebível, e o charco de vícios e misérias, que era o mundo antes de Cristo?

A Imaculada Conceição

A esta criatura dileta entre todas, superior a tudo quanto foi criado, e inferior somente à Humanidade Santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus conferiu um privilégio incomparável, que é a Imaculada Conceição.

Em virtude do pecado original, a inteligência humana se tornou sujeita a errar, a vontade ficou exposta a desfalecimentos, a sensibilidade ficou presa das paixões desregradas, o corpo, por assim dizer, foi posto em revolta contra a alma.

Ora, pelo privilégio de sua Conceição Imaculada, Nossa Senhora foi preservada da mancha do pecado original desde o primeiro instante de seu ser. E, assim, n’Ela tudo era harmonia profunda, perfeita, imperturbável. O intelecto jamais exposto a erro, dotado de um entendimento, uma clareza, uma agilidade inexprimíveis, iluminado pelas graças mais altas, tinha um conhecimento admirável das coisas do Céu e da Terra. A vontade, dócil em tudo ao intelecto, estava inteiramente voltada para o bem e governava plenamente a sensibilidade, que jamais sentia em si, nem pedia à vontade algo que não fosse plenamente justo e conforme à razão. Imagine-se uma vontade naturalmente tão perfeita, uma sensibilidade naturalmente tão irrepreensível, esta e aquela enriquecidas e superenriquecidas de graças inefáveis, perfeitissimamente correspondidas a todo momento, e se pode ter uma ideia do que era a Santíssima Virgem. Ou antes se pode compreender por que motivo nem sequer se é capaz de formar uma ideia do que é a Santíssima Virgem.

Intransigência absoluta

Dotada de tantas luzes naturais e sobrenaturais, Nossa Senhora conheceu por certo a infâmia do mundo em seus dias. E com isto amargamente sofreu. Pois quanto maior é o amor à virtude tanto maior é o ódio ao mal.

Ora, Maria Santíssima tinha em si abismos de amor à virtude, e, portanto, sentia forçosamente em si abismos de ódio ao mal. Maria era pois inimiga do mundo, do qual viveu alheia, segregada sem qualquer mistura nem aliança, voltada unicamente para as coisas de Deus.

O mundo, por sua vez, parece não ter compreendido nem amado Maria. Pois não consta que Lhe tivesse tributado admiração proporcionada a sua formosura castíssima, a sua graça nobilíssima, a seu trato dulcíssimo, a sua caridade sempre exorável, acessível, mais abundante do que as águas do mar e mais suave do que o mel.

E como não haveria de ser assim? Que compreensão poderia haver entre Aquela que era toda do Céu, e aqueles que viviam só para a Terra? Aquela que era toda fé, pureza, humildade, nobreza, e aqueles que eram todos idolatria, ceticismo, heresia, concupiscência, orgulho, vulgaridade? Aquela que era toda sabedoria, razão, equilíbrio, senso perfeito de todas as coisas, temperança absoluta e sem mácula nem sombra, e aqueles que eram todos desmando, extravagância, desequilíbrio, senso errado, cacofônico, contraditório, berrante a respeito de tudo, e intemperança crônica, sistemática, vertiginosamente crescente em tudo? Aquela que era a fé levada por uma lógica adamantina e inflexível a todas as suas consequências, e aqueles que eram o erro levado por uma lógica infernalmente inexorável, também a suas últimas consequências? Ou aqueles que, renunciando a qualquer lógica, viviam voluntariamente num pântano de contradições, em que todas as verdades se misturavam e se poluíam na monstruosa interpenetração de todos os erros que lhe são contrários?

“Imaculado” é uma palavra negativa. Ela significa etimologicamente a ausência de mácula, e pois de todo e qualquer erro por menor que seja, de todo e qualquer pecado por mais leve e insignificante que pareça. É a integridade absoluta na fé e na virtude. É portanto a intransigência absoluta, sistemática, irredutível, a aversão completa, profunda, diametral a toda a espécie de erro ou de mal. A santa intransigência na verdade e no bem é a ortodoxia, a pureza, enquanto em oposição à heterodoxia e ao mal. Por amar a Deus sem medida, Nossa Senhora correspondentemente amou de todo o coração tudo quanto era de Deus. E porque odiou sem medida o mal, odiou sem medida Satanás, suas pompas e suas obras, o demônio, o mundo e a carne.

Nossa Senhora da Conceição é Nossa Senhora da santa intransigência.

Verdadeiro ódio, verdadeiro amor

Por isto, Nossa Senhora rezava sem cessar. E segundo tão razoavelmente se crê, Ela pedia o advento do Messias, e a graça de ser uma serva daquela que fosse escolhida para Mãe de Deus.

Pedia o Messias, para que viesse Aquele que poderia fazer brilhar novamente a justiça na face da Terra, para que se levantasse o Sol divino de todas as virtudes, espancando por todo o mundo as trevas da impiedade e do vicio.

Nossa Senhora desejava, é certo, que os justos vivendo na Terra encontrassem na vinda do Messias a realização de seus anseios e de suas esperanças, que os vacilantes se reanimassem, e que de todos os países, de todos os abismos, almas tocadas pela luz da graça levantassem voo para os mais altos píncaros da santidade. Pois estas são por excelência as vitórias de Deus, que é a Verdade e o Bem, e as derrotas do demônio, que é o chefe de todo erro e de todo mal. A Virgem queria a glória de Deus por essa justiça que é a realização na Terra da Ordem desejada pelo Criador.

Mas, pedindo a vinda do Messias, Ela não ignorava que Ele seria a Pedra de escândalo, pela qual muitos se salvariam e muitos receberiam também o castigo de seu pecado. Esse castigo do pecador irredutível, esse esmagamento do ímpio obcecado e endurecido, Nossa Senhora também o desejou de todo o coração, e foi uma das consequências da Redenção e da fundação da Igreja, que Ela desejou e pediu como ninguém, “Ut inimicos Sanctae Ecclesiae humiliare digneris, Te rogamus, audi nos”, canta a Liturgia. E antes da Liturgia, por certo, o Coração Imaculado de Maria já elevou a Deus súplica análoga, pela derrota dos ímpios irredutíveis.

Admirável exemplo de verdadeiro amor, de verdadeiro ódio.

Onipotência suplicante

Deus quer as obras. Ele fundou a Igreja para o apostolado. Mas acima de tudo quer a oração. Pois a oração é a condição da fecundidade de todas as obras. E quer como fruto da oração a virtude.

Rainha de todos os apóstolos, Nossa Senhora é entretanto principalmente o modelo das almas que rezam e se santificam, a Estrela Polar de toda meditação e vida interior. Pois, dotada de virtude imaculada, Ela fez sempre o que era mais razoável, e se nunca sentiu em Si as agitações e as desordens das almas que só amam a ação e a agitação, nunca experimentou em Si, tampouco, as apatias e as negligências das almas frouxas que fazem da vida interior um para-vento a fim de disfarçar sua indiferença pela causa da Igreja. Seu afastamento do mundo não significou um desinteresse pelo mundo. Quem fez mais pelos ímpios e pelos pecadores do que Aquela que, para os salvar, voluntariamente consentiu na imolação crudelíssima de seu Filho infinitamente inocente e santo?

Quem fez mais pelos homens do que Aquela que conseguiu se realizasse em seus dias a promessa do Salvador?

Mas, confiante sobretudo na oração e na vida interior, não nos deu a Rainha dos Apóstolos uma grande lição de apostolado, fazendo de uma e outra o seu principal instrumento de ação?

Aplicação a nossos dias

Tanto valem aos olhos de Deus as almas que, como Nossa Senhora, possuem o segredo do verdadeiro amor e do verdadeiro ódio, da intransigência perfeita, do zelo incessante, do espírito de renúncia completo, que propriamente são elas que podem atrair para o mundo as graças divinas.

Estamos numa época parecida com a da vinda de Jesus Cristo à Terra. Em 1928 escreveu o Santo Padre Pio XI que “o espetáculo das desgraças contemporâneas é de tal maneira aflitivo, que se poderia ver nele a aurora deste início de dores que trará o homem do pecado, elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto” (Encíclica Miserentissimus Redemptor, de 8 de maio de 1928).

Que diria ele hoje?

E a nós, que nos compete fazer? Lutar em todos os terrenos permitidos, com todas as armas lícitas. Mas antes de tudo, acima de tudo, confiar na vida interior e na oração. É o grande exemplo de Nossa Senhora.

O exemplo de Nossa Senhora, só com o auxílio de Nossa Senhora se pode imitar. E o auxílio de Nossa Senhora, só com a devoção a Nossa Senhora se pode conseguir. Ora, a devoção a Maria Santíssima no que de melhor pode consistir, do que em Lhe pedirmos não só o amor a Deus e o ódio ao demônio, mas aquela santa inteireza no amor ao bem e no ódio ao mal, em uma palavra, aquela santa intransigência, que tanto refulge em sua Imaculada Conceição?

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de “Catolicismo” de setembro de 1954)

Imaculada Conceição, intransigência e combatividade

Uma incomparável noção do bem e do mal. Nascidas desta altíssima noção, a intransigência e a combatividade de Maria servem de modelo para toda a humanidade.

Um comentário que poderíamos fazer a respeito da Imaculada Conceição de Maria seria considerá-La enquanto modelo de insuperável combatividade e intransigência. No que consiste a combatividade e a intransigência, e por que podemos dizer que Nossa Senhora é, enquanto concebida sem pecado original, o modelo dessas virtudes?

Da compreensão e do amor a um nobre ideal nasce a intransigência

A intransigência consiste no seguinte: quando temos inteiramente claro no espírito o que é o bem e como algo deve ser para podermos considerá-lo bom; e quando temos essa noção levada até o ponto de sublimidade, compreendendo a mais alta expressão do bem a respeito daquilo, nasce, então, na defesa desta ideia, a intransigência.

Tomemos, por exemplo, a figura de um bom sacerdote. Uma pessoa que compreenda, em toda a sua sublimidade, a vocação sacerdotal, a virtude de que deve estar imbuído o sacerdote, e forme uma ideia profunda — não uma mera impressão colhida superficialmente — da alta realidade contida nesse estado de vida, ela se torna verdadeiramente intransigente em relação a tudo quanto toca no sacerdócio. Porque, como a pessoa compreendeu e amou um ideal altíssimo, necessariamente ela lançará uma condenação severíssima sobre aquilo que contradiga esse ideal. Por ter compreendido e amado esse bem até o fim, a pessoa pode perceber e sondar toda a malícia que há no contrário, rejeitando este completamente, de modo intransigente, ou seja, não o tolerando.

No contraste com o mal se percebe melhor a excelência do bem

Esta é a intransigência que procede, precisamente, dessa elevada concepção e nobre aceitação da coisa verdadeira e boa, e que gera, então, a rejeição daquilo que é ruim.

Por causa da estrutura do espírito humano, pode-se dizer que de algum modo, formada a intransigência, a visão e a consideração do mal reforçam o amor ao bem. Porque, no contraste com o mal, a pessoa percebe melhor a excelência do bem, encontrando assim um meio de amá-lo ainda mais.

O contrarrevolucionário, entendendo bem, nos seus mais altos aspectos, toda a grandeza da causa à qual se dedica, pode também perceber perfeitamente a dignidade e a excelência dessa vocação, e o que ela exige de quem a recebe. Por isso, ele forma dessa vocação uma ideia altíssima e muito amada por ele, o que o torna intransigente em relação a todas as fraquezas, todas as deficiências na vocação, e para com todos aqueles que, de fora, procuram atrapalhá-la.

Portanto, dessa alta ideia nasce uma recusa ao oposto, mas, na consideração do mal, essa mesma ideia ainda recebe um reforço.

Combatividade, filha da intransigência

A combatividade é uma consequência da intransigência. Quem é inteiramente intransigente deve querer o extermínio completo do mal que ele tem em vista. Do contrário, ele não seria intransigente. Por isso, o desejo de extinguir aquele mal deve encher sua vida como um verdadeiro ideal, não sossegando enquanto não tiver liquidado aquele erro que, de fato, ele queria liquidar.

Surge, então, a combatividade, isto é, aquele desejo de eliminar o mal efetivamente, sem deixar vestígios nem raízes, de maneira que nunca mais possa renascer. Derrotar o mal a ponto de envergonhá-lo, causando em quem considere essa derrota, um horror ao mal e um amor ao bem ainda maiores. Esta posição é, propriamente, a combatividade, filha da intransigência.

”Reduzir a pó pelo fogo”

No Direito português antigo havia uma expressão que indicava de um modo muito sintomático essa execração ao mal: “reduzir a pó pelo fogo”. Na época em que se aplicava a pena de morte, quando um réu era condenado por um crime horroroso, matavam-no — às vezes de um modo cruel, aos poucos, com pauladas ou por meio do tormento da roda —, queimavam seu corpo até reduzi-lo a cinzas, as quais eram, depois, jogadas no mar. Quer dizer, não sobrava nada.

Eis uma imagem da combatividade verdadeira que não quer que reste nem as cinzas, mas apenas uma recordação de horror daquele mal praticado.

Não me refiro à eliminação da pessoa, mas tenho em vista algo muito mais importante e difícil: é a extinção de um mau costume, de uma lei iníqua, de uma ideia má, de uma doutrina falsa. Matar um homem, numa hora de cólera, qualquer um é capaz de matar; há muitos criminosos que assassinam pessoas por aí. Mas querer acabar com uma instituição perversa, uma ideia errada, enfim, com o mal, este é o ponto característico da combatividade nascida da intransigência. Por vezes, essa combatividade poderá ser fria, porém será sempre inexorável.

Modelo de intransigência e combatividade

Qual a relação entre o que até aqui foi exposto e a Imaculada Conceição?

Nossa Senhora, sendo concebida sem pecado original, não tinha em Si absolutamente nada que fosse ruim. E possuía, nesta Terra, todas as facilidades para dar à graça de Deus uma correspondência perfeita a todo momento. De maneira que n’Ela a grandeza natural e a grandeza sobrenatural entravam em uma fusão, em uma harmonia profunda e estupenda.

Em consequência, a Santíssima Virgem estava dotada, como ninguém, de uma elevadíssima noção da glória e da santidade de Deus, da obrigação que têm todas as criaturas de darem glória a Deus; e, por causa disso, um altíssimo horror àquilo que o pecado representa. Donde uma combatividade acendrada, no sentido de execrar toda forma de mal.

Compreendemos, assim, por que Nossa Senhora é comparada a um exército em ordem de batalha: “castrorum acies ordinata”. E também a razão pela qual d’Ela se diz que, sozinha, esmagou todas as heresias em toda a Terra: é exatamente porque Maria Santíssima é o modelo da intransigência e da combatividade, virtudes estas que podemos compreender melhor através do privilégio de sua Conceição Imaculada.

Ao comemorarmos, pois, a Imaculada Conceição de Maria, devemos pedir um altíssimo grau de amor que nos leve a querermos ser intransigentes de um modo insondável, a um ponto inconcebível.

Lembro-me de Santa Teresinha do Menino Jesus manifestar, na “História de uma alma”, o pesar que ela sentia por não poder ser um guerreiro que, até nos confins da Terra, estivesse manejando a lança contra os inimigos de Deus. É assim a alma de um santo! Em todo lugar, quer verdadeiramente combater nas formas mais adequadas e legítimas do combate.

Portanto, nós devemos pedir hoje esse lampejo de combatividade ligado à santidade, correspondente à forma especial de pureza daqueles que verdadeiramente são filhos e procuram ter o espírito de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/12/1966)

Santo André, Apóstolo: imitador do Divino Mestre em sua Paixão na Cruz

Ao ler a narração da morte de Santo André, Apóstolo, Dr. Plinio incentiva, uma vez mais, seus filhos espirituais ao amor à Cruz.

A Igreja comemora no dia 30 de novembro a festa do Apóstolo Santo André. Extraídas do Pe. Rohrbacher, como também do Abbé Daras, são as seguintes notas biográficas que passaremos a comentar.

“Santo André, primeiro Apóstolo a reconhecer Cristo, ao qual levou seu irmão Pedro, futuro primeiro chefe da Igreja, teve sempre um grande amor à Cruz. Na hora de sua morte, ao ver o madeiro no qual iriam pregá-lo, saudou-o com alegria.”

A saudação de Santo André à Cruz, feita neste momento, não deve ser considerada como pura literatura, pois cada palavra contém uma gravidade e um significado. Depois de açoitado, e ensanguentado, diante de sua cruz, a qual era em forma de “X” — por isto conhecida como Cruz de Santo André — está postado o Apóstolo mártir. Diante dela ele profere as seguintes palavras:

Cruz belíssima, desejada e amada com doçura

“Ó Cruz belíssima, que foste glorificada pelo contato que tiveste com o Corpo de Cristo! Grande Cruz, docemente desejada, ardentemente amada, sempre procurada, e afinal preparada para meu coração apressado, desejoso de ti.”

Eis a beleza da exclamação de um homem para a hora do sofrimento que Deus preparou para ele, e para a aceitação do cálice que ele tem de beber, a fim de obter sua glória no Céu. Cálice este, que, quando não sorvido, não alcança o prêmio celeste. Chega afinal a hora de seu máximo sofrimento, de seu martírio. Ele conhece o sofrimento, pois refletiu incontáveis vezes sobre a Paixão de Nosso Senhor, que assume sua alma nessa circunstância.

A cruz, que era um objeto de desprezo, um instrumento de punição para criminosos, contudo é por ele intitulada como “cruz belíssima”.

Por que belíssima? Ela foi glorificada pelo contato que teve com o Corpo de Cristo. Então ele acrescenta que a desejara com doçura.

Neste gesto é possível notar os inúmeros anos de amor ao martírio, que lhe tinha sido previsto e profetizado, a espera do momento em que ele faria por Deus este ato de holocausto desinteressado. Por amor a Jesus, ele deixou-se matar, assemelhando-se ao vaso de Santa Maria Madalena, quebrado com unguento junto aos pés do Senhor, sem utilidade prática, num ato de amor  desinteressado, em holocausto que não tinha outra razão de ser, senão seu próprio sacrifício. De forma tal que mesmo não sendo útil às almas, ou edificante para muitos, e ainda que não fosse uma humilhação para os adversários da Igreja, para manifestar a Deus que ele levava seu amor até aquele ponto, desejou a Cruz docemente, como algo suave.

Que beleza é a alma de um mártir, e quão belos sãos os esplendores existentes na alma de um mártir!

O que dá sentido à vida não é o prazer, mas a Cruz

“Grande Cruz, docemente desejada, ardentemente amada,…”

De todos os modos os homens fogem do sofrimento. O sofrimento é exatamente o que não desejam. Qualquer forma de luta contra as paixões, qualquer forma de renúncia ao mal, causa-lhe horror. A ideia predominante é de que a vida foi dada ao homem para que ele possa obter proveitos e vantagens, e que é preciso gozá-la, e o que não é fruir a vida, é morrer.

Pelo contrário, Santo André amava ardentemente sua cruz, compreendendo que o verdadeiro sentido da vida de um homem não é o gozo ou o prazer que tem, mas o sacrifício que pratica. Isto dá sentido à vida de um homem e, portanto, todo homem verdadeiramente sobrenatural, verdadeiramente homem, almeja o encontro com sua grande Cruz, com seu grande martírio.

Este é o filho da Cruz, o amigo da Cruz, como fala São Luís Grignion de Montfort.

Amar a Cruz, da qual todos fogem

“… sempre procurada…”

Não são muitos os homens que no momento de prestar contas a Deus, podem dizer que sempre buscaram a Cruz, e que em todos os acontecimentos de sua vida procuraram o sacrifício. Pelo contrário, geralmente os homens fogem da Cruz, pois não desejam de forma alguma o sacrifício. Entretanto, Santo André pôde dar de si mesmo o testemunho: “sempre procurada”. Assim, no instante de ele aproximar-se de sua cruz, estava disposto ao sacrifício.

Continua:
“… e afinal preparada para meu coração apressado, desejoso de ti.”

Manifesta-se aqui que Deus afinal concedera a Cruz para o coração que tinha grande afã da crucifixão.

O martírio significa o último holocausto. Nosso Senhor afirmou: “Ninguém tem um maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo 15, 13).

Ninguém pode dar maior prova do amor de Deus, do que desejar desta forma a Cruz.

“Cruz preparada para o meu coração, desejoso de ti, recolhe-me, ó cruz! Realmente abraça-me, retira-me dos homens, leva-me depressa, diligentemente, ao Mestre. Por ti Ele me receberá, Ele que por ti me resgatou.”

Pode haver uma oração mais bela do que esta? Existirá uma alma mais pronta para a visão beatífica do que uma alma que no momento da morte fala de tal forma?

Pode haver cátedra semelhante à Cruz?

“Por três dias esteve pregado na cruz, e durante três dias, do alto da cruz, ensinou aos homens”.

O fato é tão impressionante que pertence àqueles aos quais não competem comentários… Ficar dias preso à cruz, pregando ao povo, e ao cabo desses dias morrer, é um milagre extraordinário.

Apresenta a cruz como a mais grandiosa e augusta de todas as cátedras, cátedra do homem que sofre e, em nome de seu sofrimento, fala ao povo e produz enorme impressão. É uma tão grande plenitude de apostolado, que verdadeiramente não se sabe o que dizer.

Imaginemos um homem que era idoso, atado à cruz, no desconforto tremendo daquela situação, com açoites marcando seu corpo, possivelmente com as mãos e os pés perfurados. Nessa dor tremenda é mantido em vida por um verdadeiro milagre. Continua pregando ao povo, e a um povo ardoroso, contrito, provavelmente genuflexo, que lhe “bebia” as palavras, uma por uma. É uma das mais belas cenas de pregação católica de todos os tempos e de todos os lugares.

Pode-se imaginar quais foram as palavras, os ensinamentos, as graças, enfim, o martírio de Santo André? Que cátedra! Quem durante a vida possuiu uma cátedra semelhante à Cruz?

“Senhor, Rei Eterno da glória, recebei-me assim pendido como estou ao madeiro, à Cruz tão doce. Vós sois meu Deus, Vós a quem vi. Não permitais que me desliguem da Cruz; fazei isto por mim, Senhor, que conheci a virtude da Vossa Santa Cruz.”

E com estas palavras expirou.

Prêmio no Céu e nesta terra

Uma morte tão pulcra, da qual poder-se-ia dizer que apenas a de Nosso Senhor superou em beleza, era merecedora das maiores honras por parte da Santa Igreja, como de fato constatou-se séculos depois.

“Santo André foi sempre objeto de grande devoção por parte dos católicos. Assim foi, com indescritível entusiasmo, que a cabeça do santo foi recebida em Roma por Pio II, a 11 de abril de 1462. O Papa dirigiu-se ao encontro da preciosa relíquia. O cardeal grego, Besarion apresentou-lhe a caixa que a continha, e que estava colocada sobre um estrado. Antes de receber o sagrado depósito, Pio II pronunciou tocante alocução. Depois, beijou, chorando, a cabeça do Apóstolo, rezou diante dela; em seguida tomou-a nas mãos, segurando-a bem no alto, fez a volta no estrado para mostrá-la a todos os assistentes. Neste ponto, cantos e gritos dessa imensa multidão elevaram-se de todas as partes como uma única e grande voz, implorando a misericórdia de Deus.

A cabeça do Apóstolo foi depositada em São Pedro.”

Vê-se a descrição da linda cerimônia com que o Papa Pio II recebeu a relíquia de Santo André. O crânio de Santo André estava no Império Bizantino, infelizmente cismático. E à medida que os turcos invadiam o Império, algumas das relíquias insignes foram sendo retiradas do Império e levadas por mãos fiéis para terras católicas, onde pudessem ser adequadamente veneradas. Assim ocorreu com o crânio sagrado de Santo André.

Esse crânio foi recebido pelo Papa com toda a veneração narrada. Ele mesmo toma o relicário onde estava o crânio, e dá a volta no estrado para mostrar ao povo que o crânio de Santo André estava em Roma. Depois, o crânio, com enorme veneração, é levado até à Basílica de São Pedro e é colocado num relicário embutido numa das colunas da Basílica Vaticana.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 30/11/1964 e 29/11/65)

Bendita Mãe de Deus

“Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus” — dizemos a Nossa Senhora quando recitamos a Ave-maria, depois de A exaltarmos como bendita entre todas as mulheres.

Ela, excelência do gênero feminino, transmitiu essa maravilhosa primazia ao Esperado das Nações, o Messias, o Redentor do mundo.

A Escritura nos apresenta grandes heroínas da fé e da virtude, virgens e mães santas, cujo elogio os autores sagrados se comprazem em cantar. Porém, nenhuma outra mereceu o incomparável louvor que o Anjo trouxe do Céu para manifestá-lo a Maria Santíssima. Ela é o pináculo das mulheres, o píncaro das mães.

Entre todas Bendita, deu-nos o Bendito entre todos.

Maternidade de Maria

A importância da maternidade divina de Nossa Senhora para a piedade católica, é que todas as graças extraordinárias que Ela recebeu e que fizeram d’Ela uma criatura única em todo o universo e na economia da salvação, têm como título e ponto de partida o fato de Maria ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, envolvida nesse fato, a afirmação da Igreja de que Ela é Mãe de Deus!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/1965)

GLÓRIA A DEUS NO CÉU, E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE

As reflexões sobre o Natal es-critas em 1936 por Dr. Plinio parecem feitas, de algum modo, mais para os dias de hoje do que para aquela época, tanto no tocante às nuvens negras que toldam o quadro dos acontecimentos, quanto aos raios de esperança que o perpassam.

Enquanto os Anjos de nossos piedosos presépios ostentam dísticos em que se lê: “Glória a Deus nos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade”, a imprensa diária está cheia de notícias  terríveis que destoam tristemente da promessa angélica. […] Por toda parte só encontramos ódio, rancor, perseguição.

E, no entanto, cumpre que não desanimemos. Não seríamos dignos da graça inestimável do Batismo que recebemos, se permitíssemos que o pânico se apoderasse de nós. Nem na ordem natural, nem na ordem sobrenatural, há motivos que justifiquem a inércia e o pessimismo.

Cristo, como único Salvador do mundo: lição do Natal

O que a Igreja espera, hoje em dia, de seus filhos, é a realização de uma tarefa ao mesmo tempo muito grande e muito simples. Ela quer que todos os católicos (os católicos dignos deste nome, e  não a turbamulta dos pagãos que usam rótulo católico), com uma persuasão vigorosa e magnífica, se ergam no tumulto do mundo contemporâneo, proclamando o cristianismo como seu único Salvador.

Único, dissemos. E insistimos sobre esta palavra. Erraria crassamente quem supusesse que o Cristo só veio salvar a humanidade de seu tempo. Em todos os tempos, em todos os países, para todos os povos, em todos os perigos, em todas as dificuldades, apesar de todos os pecados, Cristo é o ÚNICO Salvador.

[Alguns países] pensam que podem atingir a prosperidade e a paz, por meio de pequenas receitas políticas em que misturam, em doses variáveis, a autoridade e a liberdade. Loucura e ilusão. Se  eles não aceitarem as normas sociais e morais da Igreja, se não derem ao catolicismo a influência preponderante a que tem direito, não escaparão à ruína. De reforma em reforma, rolarão para o abismo.

[Outros países] pensam que o braço vigoroso de um ditador lhes pode restituir a felicidade. Loucura, ainda, e ilusão. Porque o maior homem do mundo, dotado da mais lúcida inteligência, da mais alta moralidade, da mais vigorosa energia, do mais formidável poder, não conseguiria organizar convenientemente um povo que vivesse entregue à anarquia intelectual e efetiva que, fora da Igreja, é inevitável. Um povo é um conjunto de homens. Um povo disciplinado não pode ser composto de homens anarquizados no mais íntimo do seu ser, como um copo de água pura não pode constar de um conjunto de gotas de água impuras.

Cristo como base da civilização, e as formas do governo como aspectos secundários e acidentais da vida de um povo, eis aí uma das grandes lições do Natal.

Trabalhar, lutar, sofrer e rezar pela Igreja

Mas, dirá alguém, Cristo é um Salvador ausente. Eternamente mudo, atrás da cortina de nuvens que o escondem no Céu. Ele não se mostra à humanidade aflita. E esta então corre à busca de outros pastores.

É horrível dizê-lo, mas há entre católicos quem fale assim. Há ainda quem não ouse falar, mas pense assim. E há quem não ouse pensar, mas sinta assim! Daí o existirem católicos que têm mais  esperança na ação da política do que na ação do Cristo.

Ah! São esses os corações que recebem a visita eucarística do Cristo, mas não recebem o seu Espírito: “in propria venit, et sui eum non receperunt” (veio para que era seu, e os seus não o receberam).

Ah! São esses os corações que ouvem a palavra do Cristo, vinda do Vaticano, e não conhecem na voz do Papa o timbre da voz de Deus. A palavra do Papa ecoa no mundo, e o mundo não a conhece:  “lux in tenebris lucet, et tenebrae eam non conprehenderunt” (a luz brilha nas trevas, e as trevas não a envolveram).

Cristo, para o bom católico, não está ausente. Na Eucaristia, Ele está tão realmente quanto esteve na Judeia. E do Vaticano fala tão verdadeiramente quanto falou ao povo de Israel. A Igreja é tão  seguramente guiada por Cristo em 1936, quanto o eram os Apóstolos, antes da Ascensão.

O que Cristo quer fazer, fá-lo por meio da Igreja. O que Cristo quer dizer, di-lo por meio do Papa. Logo, a Igreja em certo sentido é onipotente e onisciente porque é instrumento da onipotência e porta-voz da onisciência de Deus.

Se Cristo é o Salvador único, a Salvação virá da Igreja. Trabalhar, lutar, sofrer, rezar, imolar-se ou sacrificar-se alegremente pela Igreja, deve ser o fruto desta meditação de Natal. Porque todas as  causas e todos os ideais devem vir depois da suprema Causa e do supremo ideal da Igreja.

GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS, E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE.

Plinio Corrêa de Oliveira (Excertos, com ligeiras adaptações, de artigo do Legionário nº 224, de 27/12/1936. Subtítulos nossos.) 
Revista Dr Plinio 57 – Dezembro de 2002