Necessidade da devoção à Santíssima Virgem

Continuamos a publicação de excertos de algumas conferências de Dr. Plino sobre o “Tratado da Verdadeira Devoção à  Santíssima=Virgem”, de São Luís Maria Grignion de Montfort, obra que conheceu aos 22 anos e conferiu importante característica à sua espiritualidade: a de ter uma devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo colocada nas puríssimas mãos de Nossa Senhora, Onipotência Suplicante.

 

São Luís Maria Grignion de Montfort escreve o Capítulo I do Tratado da Verdadeira Devoção, intitulado “Necessidade da devoção à Santíssima Virgem”, para demonstrar que a devoção a Nossa Senhora é necessária. Em que sentido?

Procuremos explicar a tese do Santo. Deve-se ler o capítulo com muita atenção para se compreender aonde São Luís deseja chegar. Para tratar da necessidade dessa devoção, ele faz um preâmbulo e depois desenvolve a demonstração.

Nesse prólogo, estabelece qual o alcance da palavra “necessidade”. Não se trata de dizer que Deus precise absolutamente de Nossa Senhora para salvar as almas. Sendo onipotente e perfeito, Ele não precisa de modo absoluto de ninguém. Assim, poderia Ele ter criado uma situação em que Nossa Senhora não existisse e as almas se salvas- sem, pois Deus está acima de tudo.

A necessidade de Maria na vida espiritual é, pois, de outro gênero. Uma vez que Deus A criou, dando-Lhe, por um ato libérrimo de sua vontade, determinadas perfeições e atribuições, entre as quais a mediação universal, a devoção a Ela é necessária. Em outras palavras, a Igreja Católica não sustenta que Deus precise de Nossa Senhora, mas afirma o seguinte: Deus quis que Ela fosse necessária à nossa salvação, e assim o dispôs por uma determinação de seus superiores desígnios.

Importância da Encarnação

A demonstração que São Luís Grignion faz da necessidade da devoção a Nossa Senhora está baseada no papel que Ela teve na Encarnação. Vamos, antes de tudo, impostar bem o assunto.

A primeira tese que devemos recordar é a da suma importância da Encarnação na obra da Criação. Os teólogos discutem entre si um ponto a este respeito. Dizem alguns que, se o homem não tivesse pecado, o Verbo Eterno não teria tomado a nossa carne; outros afirmam que a Encarnação se teria dado mesmo sem a culpa original. Daí concluem os primeiros que, embora tenha sido um mal, o pecado de Adão importou em uma vantagem para o homem; por isso a Liturgia canta no Sábado Santo: “O felix culpa…” — “Ó culpa feliz que nos mereceu um tal Redentor!”. Quer dizer, sem o pecado de nossos primeiros pais, não teríamos a felicidade de possuir o Salvador.

De um modo ou de outro, quer se admita esta ou aquela tese, devemos reconhecer que a Encarnação do Verbo não é um episódio entre outros da História da humanidade, mas sim, como a Redenção, um fato culminante.

Sendo Deus Aquele que é, exceção feita da geração do Verbo e da processão do Espírito Santo, nunca se passara nada que, de longe, pudesse ser tão importante como a Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Trata-se de um fato relacionado com a própria natureza divina, e tudo o que diz respeito a Deus é incomparavelmente mais importante do que tudo que se refere ao homem. A Encarnação de Deus a tudo transcende em importância, e a ela se liga, de modo íntimo, a Redenção.

Papel de Nossa Senhora na Encarnação

Por esse motivo, o papel de Nossa Senhora na Encarnação situa bem o valor d’Ela em todos os planos divinos, e precisamente no que eles têm de mais importante e fundamental.

Achamos admirável, por exemplo, Nosso Senhor ter escolhido Constantino para tirar a Igreja das catacumbas.

Mas, que é isto perto de ter eleito, desde toda a eternidade, Nossa Senhora para n’Ela ser gerado o Salvador? Nada, absolutamente. Admiramos muito Anchieta, porque evangelizou o Brasil. Ora, que é evangelizar um país em comparação com o cooperar na Encarnação do Verbo? Nada!

Digamos que se tratasse de salvar o mundo de sua crise atual e de restabelecer o Reino de Cristo; suponhamos que Nosso Senhor escolhesse um só homem para essa tarefa. Acharíamos esta missão algo de formidável, e com razão. Porém, que seria isto diante da missão de Nossa Senhora? Nada! Ela se situa num plano fora de comparação com o papel histórico de qualquer homem, inclusive com o de São Pedro, apesar de ter sido ele o primeiro Papa.

A respeito de Nossa Senhora, é-se sempre obrigado a repetir a expressão: “fora de comparação”, porque Ela faz estalar todo vocabulário humano. Há uma tal desproporção entre Ela e todas as criaturas, que a única coisa segura a se dizer é — “fora de comparação”…

Lembradas essas noções, devemos concluir que estudar a participação de Nossa Senhora na Encarnação é analisar o seu papel no acontecimento mais importante de todos os tempos, juntamente com a Redenção. E qual foi esse papel?

São Luís Grignion responde, considerando a participação das Três Pessoas da Santíssima Trindade na Encarnação, e depois a cooperação de Nossa Senhora com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo.

Cooperação de Nossa Senhora com o Pai Eterno

Conforme a linguagem das Escrituras, Nosso Senhor foi mandado ao mundo pelo Pai Eterno para salvar os homens. O Antigo Testamento, numa das suas profecias, diz de Nosso Senhor: Eis que Eu venho, como está escrito de Mim no rolo do livro, para fazer a vossa vontade (Sl 39, 8-9). Jesus Cristo fala constantemente de seu Pai Celeste, como sendo Aquele que O enviou, se manifestou n’Ele, considerando-O seu Filho bem amado, a quem Ele invocou quando entregou sua alma dizendo: Pai,

nas tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23,46). Sendo o Pai Eterno Aquele que nos mandou Jesus Cristo, qual foi o papel de Nossa Senhora neste ato?

A oração de Nossa Senhora na vinda do Messias

Em primeiro lugar, devemos considerar que o mundo não era mais digno de receber Nosso Senhor Jesus Cristo. Em conseqüência, o Pai Eterno O enviou, não por causa do mundo, mas de Nossa Senhora. Não só porque foi Ela quem o pediu — e se a Santíssima Virgem não tivesse implorado o ad- vento de Nosso Senhor, Ele não teria vindo — mas Deus Pai O mandou a Ela, porque só Maria era digna de recebê-Lo.

Nessa perspectiva se compreende melhor a queixa contida no Evangelho de São João: veio para o que era seu, e os seus não O receberam (Jo 1, 11). Os seus não O receberiam, mas Nossa Senhora O acolheria de modo sublime, e por isso Ele veio: porque encontrou-A no mundo, caso contrário não teria descido do Céu. O aparecimento d’Ele sobre a Terra é o produto da presença e das orações da Virgem Santíssima.

Dessa forma colaborou Ela com o ato do Pai Eterno pelo qual Jesus Cristo foi mandado ao mundo.

A participação de Nossa Senhora na fecundidade do Pai Eterno

A fecundidade de Deus Pai é infinita, a tal ponto que a ideia formada por Ele de si mesmo já é uma Pessoa Divina. Pois bem, essa fecundidade foi transmitida a Nossa Senhora, para que Ela gerasse Jesus e todos os membros do Corpo Místico de Cristo. Nossa Senhora é, pois, Mãe dos fiéis, não apenas no sentido alegórico e metafórico (Ela nos quer bem como se fosse nossa mãe), mas o é verdadeiramente na ordem da graça. E essa maternidade divina existe, porque o Pai Eterno comunicou-Lhe sua fecundidade.

Aplicações para nossa vida espiritual

Podemos tirar lições para nossa vida espiritual tanto do fato de a oração de Nossa Senhora ter apressado a vinda do Messias, quanto de ter Ela recebido do Pai Eterno sua fecundidade.

Considerando Nossa Senhora capaz de, com sua prece, apressar a vinda do Messias, que ensinamentos podemos tirar? Devemos primeiramente analisar a Santíssima Virgem no seu zelo pela causa de Deus.

Em sua oração, Ela certamente observava a situação de extrema miséria moral em que caíra o povo eleito. Nessa prece Ela desejava ardentemente, pois, que Israel fosse reerguido à sua antiga condição. Considerava

ainda a decadência da humanidade, sabendo melhor que ninguém quantas almas estavam se perdendo naquela era pagã, e vendo Satanás imperar sobre o mundo antigo.

Maria Santíssima fez, então, na Terra, o papel de São Miguel Arcanjo no Céu: sua oração, pedindo que Deus viesse ao mundo, equivale ao “Quis ut Deus? — Quem co- mo Deus?” — do Arcanjo. É Ela que se levanta contra esse estado de coisas; é só Ela que tem a súplica bastante poderosa para desferir um golpe que tudo transforma.

Então, a plenitude dos tempos se encerra: Nosso Senhor Jesus Cristo nasce, e toda a humanidade é reconstruída, regenerada, elevada e santificada. As almas começam a se salvar em profusão, as portas do Céu se abrem, o inferno é esmagado, a morte é destruída, a Igreja Católica floresce sobre toda a face da Terra. E tudo como efeito da oração de Nossa Senhora.

Não é verdade que Nossa Senhora, também sob este aspecto, se apresenta a nós como um verdadeiro modelo? Não devemos querer em nossos dias a vitória de Nosso Senhor, como Maria Santíssima a desejou em sua época? Não há uma analogia absoluta entre o ardor com que Ela quis a instauração do Reino de Cristo na Terra, e o fervor com que o devemos desejar em nossos dias? Não é verdade que, se a oração d’Ela foi necessária para a realização da Encarnação, é indispensável também para que consigamos em nossa época a vitória de Jesus Cristo no mundo? Quando nos esfalfamos na luta pela vitória de Jesus hoje, lembramo-nos de rezar a Nossa Senhora? Quando rezamos a Ela, nos recordamos de pedir essa graça?

Não seria uma boa prece se, por exemplo, ao contemplarmos o Mistério da Anunciação durante a primeira dezena do Rosário, tivéssemos em mente Nossa Senhora que pede a vinda do Salvador? E rogássemos a Ela que Jesus Cristo novamente triunfe no mundo, com uma futura vitória da Igreja Católica? Não temos aí uma boa aplicação desse Mistério para a vida espiritual? Não é assim que esta última deve ser vista, vivida e conduzida? Isto não é muito mais sólido que um arrastado murmúrio piedoso?

Sem dúvida, é com essas verdades de Fé que se alimentam a piedade e toda a vida espiritual.

Contemplemos Nossa Senhora apressando, com sua oração, a vinda do Messias. Ora, se Nosso Senhor vem a nós também no momento da Comunhão, podemos e devemos pedir à Virgem Maria, quando nos preparamos para receber seu Divino Filho, algo dos sentimentos com que Ela O acolheu no momento da Encarnação.

E se desejamos obter para alguém a graça da comunhão diária, não será útil pedir a Nossa Senhora que consiga para aquela alma a recepção quotidiana de Nosso Senhor, lembrando-A da eficácia da prece com que Ela obteve a vinda de Jesus Cristo para o mundo?

Consideremos, por outro lado, a participação de Nossa Senhora na fecundidade do Padre Eterno para gerar membros do Corpo Místico de Cristo. Todo fiel é um membro deste Corpo Místico. Quando passamos perto de algum batistério, devemos nos lembrar de fazer uma oração à Santíssima Virgem, rogando-Lhe que nos conserve, até o momento da morte, na correspondência à graça do Batismo e nela nos confirme a vida inteira. Foi junto a uma pia batismal que entramos para o seio da Igreja Católica, nascemos para a vida sobrenatural e, pela prece de Nossa Senhora e a fecundidade de Deus Nosso Senhor, fomos gerados membros do Corpo Místico de Cristo, do qual Maria é verdadeira Mãe.

E se nos lembrarmos, ainda, de que nascemos para a vida da graça pela mesma onipotente intercessão da Santíssima Virgem, teremos então que tudo nos permite de pedir a Ela nos conserve nas celestiais dádivas do Batismo, e que as cumule com a virtude do senso católico — coroação dessa união extremamente íntima com Cristo.

A piedade deve consistir em formar disposições de espírito que tenham base nesses princípios ensinados pela Igreja e pela Teologia, e não em meros sentimentos. Tais ensinamentos engendram um amor a Nossa Senhora muito sério e muito sólido. Assim é que se constrói a verdadeira devoção a Maria e se alicerça a autêntica vida espiritual.

Maio, Mês de Maria

Na terceira “Edição Típica do Missal Romano”, que acaba de ser publicada pela Santa Sé, o dia 13 de maio fica designado oficialmente como celebração litúrgica de Nossa Senhora de Fátima. É uma razão a mais para tornar este mês excelente ocasião de rogarmos à Santíssima Virgem que Ela intervenha nos acontecimentos para renovar a face da terra, segundo prometeu em Fátima.

 

No mês de maio mês de Maria -, sente-se uma proteção especial de Nossa Senhora estender-se sobre todos os fiéis, e uma alegria que brilha e ilumina nossos corações, exprimindo a universal certeza dos católicos de que o indispensável patrocínio de nossa Mãe celestial se torna, durante esse período, ainda mais solícito, mais amoroso, mais cheio de visível misericórdia e exorável condescendência.

Entretanto, depois de cada mês de maio, alguma coisa fica, se tivermos sabido viver convenientemente esses trinta e um dias especialmente consagrados a Nossa Senhora. O que nos fica é uma devoção maior, uma confiança mais especial, e, por assim dizer, uma intimidade tão mais acentuada com Nossa Senhora, que em todas as vicissitudes da vida saberemos pedir com mais respeitosa insistência, esperar com mais invencível confiança, e agradecer com mais humilde carinho todo o bem que Ela nos faça.

Nossa Senhora é a Rainha do Céu e da terra, e, ao mesmo tempo, nossa Mãe. É esta a convicção com que entramos sempre no mês de maio, e tal convicção se radica cada vez mais em nós, lança claridades e fortaleza sempre maiores, quando o mês de maio se encerra. Maio nos ensina a amar a Maria Santíssima por sua própria glória, por tudo quanto Ela representa nos planos da Providência. E nos ensina também a viver de modo mais constante nossa vida de união filial a Maria.

 

Sofrimento do mundo contemporâneo

Os filhos nunca estão mais seguros da vigilância amorosa de suas mães, do que quando sofrem. A humanidade inteira sofre hoje em dia. E não só todos os povos sofrem, mas quase se poderia dizer que sofrem de todos os modos por que podem sofrer.

As inteligências são varridas pelo vendaval da impiedade e do ceticismo. Tufões loucos de messianismos de toda ordem devastam os espíritos. Idéias nebulosas, confusas, audaciosas, esgueiram-se em todos os ambientes, e arrastam consigo não só os maus e os tíbios, mas até por vezes aqueles de quem se esperaria maior constância na Fé.

Sofrem as vontades obstinadamente apegadas ao cumprimento do dever, com todas as contrariedades que lhes vêm de sua fidelidade à Lei de Cristo. Sofrem os que transgridem essa Lei, pois que longe de Cristo todo prazer não é, no fundo, senão amargura, e toda alegria uma mentira. […] Sofrem os corpos, depauperados pelo trabalho, minados pela moléstia, acabrunhados por todo tipo de necessidades.

Pode-se dizer que o mundo contemporâneo, semelhante ao que vivia no tempo em que Nosso Senhor nasceu em Belém, enche os ares com um grande e clamoroso gemido, que é o gemido dos maus que vivem longe de Deus, e dos justos que vivem atormentados pelos maus.

 

Pedir, por meio de Maria, que o Espírito Santo renove a face da terra

Quanto mais sombrias se tornarem as circunstâncias, quanto mais lancinantes as dores de toda ordem, tanto mais devemos pedir a Nossa Senhora que ponha termo a tanto sofrimento, não só para fazer cessar, assim, nossa dor, mas para maior proveito de nossa alma. Diz a sagrada Teologia que a oração de Nossa Senhora antecipou o momento em que o mundo deveria ser redimido pelo Messias. Neste momento cheio de angústias, volvamos confiantes nossos olhos a Nossa Senhora, pedindo-Lhe que abrevie o grande momento que todos esperamos, em que uma nova Pentecostes abra clarões de luz e de esperanças nessas trevas, e restaure por toda parte o Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Devemos ser como Daniel, de quem diz a Escritura que era “desideriorum vir”, isto é, homem que desejava grandes e muitas coisas. Para a glória de Deus, desejemos grandes e muitas coisas. Peçamos a Nossa Senhora muito, e sempre. E o que sobretudo Lhe devemos pedir é aquilo que a Sagrada Liturgia suplica a Deus: “Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terrae” (“enviai o vosso Espírito e todas as coisas serão criadas, e renovareis a face da terra”). Devemos pedir, por intermédio de Nossa Senhora, que Deus nos envie em abundância o Espírito Santo, para que as coisas sejam novamente criadas, e purificada por uma renovação a face da terra.

Diz Dante, na “Divina Comédia”, que rezar sem o patrocínio de Nossa Senhora é a mesma coisa que querer voar sem asas. Confiemos a Nossa Senhora este anelo em que vai todo o nosso coração. As mãos de Maria serão para nossa prece um par de asas puríssimas por meio das quais chegará certamente ao trono de Deus.

 

(Transcrito da “Ultima Hora”, de 7/5/1984. Subtítulos nossos.)

 

Atitudes erradas em face dos “slogans” da Revolução

Reafirmando a necessidade de se combater a Revolução como esta age em concreto junto à opinião pública, Dr. Plinio alerta os contra-revolucionários sobre o triste equívoco de se apresentarem sob uma luz “simpática e positiva”, esquivando-se de atacar o adversário. Com essa atitude, adverte-os, a Contra-Revolução só tende a perder em conteúdo e dinamismo.

 

O mais importante para combater a Revolução é ler muitos livros?

“O esforço contra-revolucionário não deve ser livresco, isto é, não pode contentar-se com uma dialética com a Revolução no plano puramente científico e universitário.  Reconhecendo a esse plano toda a sua grande e até muito grande importância, o ponto de mira habitual da Contra-Revolução deve ser a Revolução tal qual ela é pensada, sentida e vivida pela opinião pública em seu conjunto.  E neste sentido os contra-revolucionários devem atribuir uma importância muito particular à refutação dos ‘slogans’ revolucionários” (p. 119).

Sem polêmica, diminui a reação contra-revolucionária

Não seria mais eficaz eliminar os aspectos polêmicos da ação contra-revolucionária?

“A ideia de apresentar a Contra-Revolução sob uma luz mais ‘simpática’ e ‘positiva’, fazendo com que ela não ataque a Revolução, é o que pode haver de mais tristemente eficiente para empobrecê-la de conteúdo e de dinamismo” (p. 119).

Poderia desenvolver este ponto?

“Quem agisse segundo essa lamentável tática mostraria a mesma falta de senso de um chefe de Estado que, em face de tropas inimigas que transpõem a fronteira, fizesse cessar toda resistência armada, com o intuito de cativar a simpatia do invasor e, assim, paralisá-lo.  Na realidade, ele anularia o ímpeto da reação, sem deter o inimigo.  Isto é, entregaria a pátria…” (p. 120).

O exemplo do Divino Mestre

Mas às vezes não é necessário empregar uma linguagem matizada?

“Não quer isto dizer que a linguagem do contra-revolucionário não seja matizada segundo as circunstâncias.

“O Divino Mestre, pregando na Judeia, que estava sob a ação próxima dos pérfidos fariseus, usou de uma linguagem candente. Na Galileia, pelo contrário, onde predominava o povo simples e era menor a influência dos fariseus, sua linguagem tinha um tom mais docente e menos polêmico” (p. 120)(1).  v

 

1) Para todas as citações: Revolução e Contra-Revolução, Editora Retornarei, São Paulo, 2002, 5ª edição em português.

 

Verdadeiros súditos de Maria

Segundo nos ensina São Luís Grignion de Montfort, nosso amor à Santíssima Virgem deve ser tal que conformemos nossa vontade inteiramente à d’Ela, de maneira que os caminhos pelos quais trilhamos e as ações que praticamos, sejam as ações e os caminhos desejados por Nossa Senhora.

Sejamos almas tão unidas à Mãe de Deus, que nossas cogitações e vias com as d’Ela se identifiquem. Assim, Maria estabelecerá em nossa alma o reino de seu Coração Imaculado: será verdadeiramente nossa Rainha e nós, seus verdadeiros súditos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 20/1/1971)

Apóstolo da mediação universal de Maria

Num século em que o jansenismo e outros erros demonstravam aversão à verdade da mediação universal de Nossa Senhora junto a seu Divino Filho, o apostolado e a obra de São Luís Grignion de Montfort — afirma Dr. Plinio no artigo transcrito a seguir — constituiu um dos “maiores monumentos à Santíssima Virgem”.

 

Muitos são hoje (…) os católicos que conhecem e admiram a obra do grande e fogoso missionário popular da França do século XVIII, São Luís Maria Grignion de Montfort, autor do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.

Nasceu ele em Montfort-la-Cane, na região da Bretanha, em 1673. Ordenado sacerdote em 1700, se dedicou à pregação missionária, principalmente na Bretanha, Normandia e Vandeia. As cidades em que pregou, inclusive as mais importantes, viviam em grande medida da agricultura e estavam profundamente marcadas pela vida rural. De sorte que São Luís Maria, se bem que não haja pregado exclusivamente a camponeses, ainda pode ser considerado essencialmente um apóstolo das populações rurais.

Suavidade e santa firmeza

Em suas pregações, que em termos modernos poderiam chamar-se sumamente “aggiornate”, ele não se limitava a ensinar a doutrina católica em termos que servissem para qualquer época e qualquer lugar, senão que sabia dar realce aos pontos mais necessários para os fiéis que o ouviam.

O gênero de seu “aggiornamento” (era muito original). Os erros de seu tempo, ele não os via como meros frutos de equívocos intelectuais oriundos de homens de insuspeitável boa fé: erros que por isso mesmo um diálogo destro e ameno sempre dissiparia.

Capaz de diálogo afável e atraente, ele não perdia de vista, entretanto, toda a influência do pecado original e dos pecados atuais, assim como a ação do príncipe das trevas na gênese e no desenvolvimento da imensa luta movida pela impiedade contra a Igreja e a Civilização Cristã. A célebre trilogia demônio, mundo e carne, presente nas reflexões dos teólogos e missionários de boa lei em todos os tempos, a tinha ele em vista como um dos elementos básicos para o diagnóstico dos problemas de sua época. E assim, conforme as circunstâncias o pediam, ele sabia ser ora suave e doce como um anjo, [ora firme e severo, como apóstolo] incumbido de anunciar as ameaças da Justiça Divina contra os pecadores rebeldes e endurecidos.

Esse grande apóstolo soube alternadamente dialogar e polemizar, e nele o polemista não impedia a manifestação das doçuras do Bom Pastor, nem a mansidão pastoral aguava os santos rigores do polemista. (…)

Mundanismo e jansenismo afastavam as almas da Igreja

A sociedade francesa dos séculos XVII e XVIII estava gravemente enferma. Tudo a preparava para receber passivamente a inoculação dos germens do Enciclopedismo, e desmoronar-se em seguida na catástrofe da Revolução Francesa.

Resumindo um pouco a visão de conjunto da sociedade francesa, pode-se dizer que nas três classes — clero, nobreza e povo — preponderavam dois tipos de alma: os laxistas e os rigoristas. Os laxistas, tendentes a uma vida de prazeres que levava à dissolução e ao ceticismo. Os rigoristas, propensos a um moralismo hirto, formal e sombrio, que levava ao desespero quando não à rebelião. Mundanismo e jansenismo eram os dois pólos que exerciam uma nefasta atração, inclusive até em meios reputados dos mais piedosos e moralizados da sociedade de então.

Um e outro – como tantas vezes acontece com os extremos de erro – levavam a um mesmo resultado. Com efeito, cada qual por seu caminho, afastava as almas do sadio equilíbrio da Igreja. Esta, efetivamente, nos ensina em admirável harmonia  a doçura e o rigor, a justiça e a misericórdia.

O maior louvor à Virgem Mãe de Deus

São Luís Maria Grignion de Montfort, como ardoroso pregador da austeridade cristã genuína, nada tinha da austeridade taciturna, biliosa e estreita de um Savonarola ou um Calvino. Ela era suavizada por uma terníssima devoção a Nossa Senhora. Em torno da mediação universal de Maria, o missionário francês construiu toda uma mariologia  que é o maior monumento de todos os séculos à Virgem Mãe de Deus.

 

(Extraído do “Última Hora”, de 29/5/1984)

 

Santo Anselmo, varão de muitas lutas

Os grandes homens que marcaram a Idade Média — entre os quais se destaca Santo Anselmo — patenteiam a solidez, a força, a grandeza dessa época histórica, que contrastam com a pequenez, o efêmero, a índole de “matéria plástica” de todas as coisas de nossos dias.

Dia 21 de abril comemora-se a festa de Santo Anselmo de Cantuária, bispo, confessor e Doutor da Igreja, cuja biografia apresenta os seguintes traços(1):

Mansidão do cordeiro e vigor do leão

Anselmo nasceu em Aosta, no Piemonte, de família nobre. Como o pai o afastasse da vida religiosa, entregou-se aos prazeres durante alguns anos. Mas aos 26 anos entrou na abadia de Bec, na Normandia, onde se entregou à pratica das virtudes religiosas e ao estudo das Escrituras. Aos 30 anos, tornou-se prior e em seguida abade.

 Governou sua abadia com uma bondade incansável que lhe permitiu triunfar de todas as dificuldades. Os Papas Gregório VII e Urbano II manifestaram-lhe grande estima. “O bom odor de vossas virtudes chegou até nós”, escrevia-lhe Gregório, e Urbano II diz: “Vinde cá o mais depressa possível a fim de podermos gozar juntos da afeição que nos une”.

Chamado à Inglaterra em 1092, não pôde voltar à França, pois foi nomeado Arcebispo de Cantuária. Nesse cargo muito sofreu do Rei Guilherme o Ruivo pela defesa dos direitos e liberdade da Igreja. Exilado, foi a Roma, onde o Papa o cumulou de honras e lhe deu ocasião, no Concilio de Bari, de convencer do seu erro os gregos que negavam que o Espírito Santo procedesse do Filho como do Pai.

Voltando à Inglaterra após a morte de Guilherme, Santo Anselmo morreu a 21 de abril de 1109. Clemente XI, em 1720, o declarou Doutor da Igreja.

Monge, bispo, Doutor, Anselmo reuniu em sua pessoa os grandes apanágios do cristão privilegiado. E se a auréola do martírio não veio completar tanta glória, pode-se dizer que a palma faltou a Anselmo, mas que ele não faltou à sua palma. Sua vida foi toda entregue às lutas pela liberdade da Igreja. Nele o cordeiro revestiu-se do vigor do leão. “Cristo, dizia, não quer uma escrava para esposa. Nada Ele ama tanto no mundo quanto a liberdade de sua Igreja”. O nome de Anselmo lembra a mansidão do homem do claustro unida à firmeza episcopal, a ciência junto com a piedade. Nenhuma memória foi mais suave e, ao mesmo tempo, mais brilhante do que a sua.

Um varão que marcou o século XI

Notem as lutas que esse santo precisou enfrentar em plena Idade Média. Ele parece não ter tido — ao menos segundo esses traços biográficos — especiais lutas em seu convento. Mas ele teve dois grandes inimigos a vencer: um rei prepotente que queria sujeitar a Igreja à sua autoridade; e os cismáticos gregos que, reunidos no Concílio de Bari com os católicos, ele conseguiu persuadir, mas de maneira efêmera, de que a doutrina católica era verdadeira.

Ele ao mesmo tempo foi um homem que viajou muito. Era italiano, depois foi para a Normandia, Inglaterra, Bari, Roma. E numa época em que essas viagens representavam empreender um enorme esforço. Eram feitas em estradas péssimas, com riscos de toda ordem, muita dificuldade, lentidão, etc.

Um homem favorecido por Nosso Senhor por especiais graças, e que levou a bom termo tudo aquilo de que foi incumbido: como abade foi muitíssimo estimado; Arcebispo de Cantuária, ele empreendeu uma luta rigorosa contra o rei e acabou sendo reintegrado na sua sede episcopal; lutando contra os cismáticos, conseguiu persuadi-los de seus erros. Depois, extinguiu-se na alegria e no amor de todos pela vida que tinha levado, porque a morte dos santos é muito mais uma alegria do que uma fonte de tristeza.

Vemos, entretanto, qual a natureza da verdadeira grandeza da Idade Média: esse homem marca o século XI pela sua ciência, sua piedade, pelas suas lutas, e leva a Causa Católica à vitória.

Então, considerando a vida dele, tem-se a impressão de uma fortaleza formidável, de um homem que encheu o seu tempo, venceu, e cuja glória perdura por todos os séculos por causa das vitórias que ele obteve em favor da Fé. Quando se olha isso, fica-se com a sensação da solidez, da força, da grandeza de toda a Idade Média, que contrasta com a pequenez, o efêmero, a índole de “matéria plástica” de todas as coisas de nossos dias. E essa impressão não é falsa; é verdadeira porque nos mostra a solidez da estatura dos grandes homens que marcaram a Idade Média.

Precisamos lutar sempre, com os olhos postos em Nossa Senhora

Mas de fato ele teve muitas lutas. E se não tivesse havido campeões como ele, a Igreja teria perecido. Na Idade Média havia uma batalha contínua; a solidez não consistia em não haver luta, mas em que a boa reação vencia sempre e era, portanto, nesse sentido, sólida. Entretanto, por um pouco que os homens fraquejassem, a coisa poderia cair.

Podemos vislumbrar, de antemão, qual vai ser a solidez e a precariedade do Reino de Maria. A solidez será enorme enquanto houver homens de uma grande firmeza, dispostos a lutar em todos os sentidos. Então, o Reino de Maria poderá durar séculos e séculos.

Se encontrar homens fracos, ele soçobrará imediatamente, porque o reino do demônio se tornará forte, pois estamos numa humanidade marcada pelo pecado original e num mundo imerso na presença dos tais demônios dos ares de que falava São Paulo(2).

Portanto, é preciso estar lutando sempre, com uma energia inquebrantável, uma atividade contínua, um desprendimento de si inteiro, tendo os olhos postos completamente em Nossa Senhora, para que a luta seja levada a bom termo. Mas encontrando autênticos lutadores, verdadeiramente dependentes da Santíssima Virgem, a causa é solidíssima, ela vence mesmo. A questão é haver quem lute por Ela. 

Peçamos a Nossa Senhora que nos dê forças e nos compenetre da verdade, para entendermos bem o seguinte: agora, como durante o Reino de Maria, a nossa vida deve ser de luta constante, e no dia em que não tivermos lutado precisamos nos compenetrar de que não carregamos a Cruz de Cristo, e que esse foi um dia frustrado em nossa existência.

Não lutar é não sofrer; não sofrer é não carregar a Cruz de Cristo. Para um católico, um dia passado longe da Cruz de Cristo, longe de Maria Santíssima, é um dia cancelado, um dia em branco.

Ordenado arcebispo, apesar de seus protestos

Temos agora uma nota sobre a sagração de Santo Anselmo, extraída da “Vida dos Santos”, do Padre Rohrbacher(3).

Decidiram os bispos ingleses sagrar Santo Anselmo Arcebispo de Cantuária, mas ele recusou terminantemente porque sabia da intromissão real neste cargo.

Mostraram-lhe os prelados as consequências de sua negativa para a Inglaterra. Replicou o Santo que conhecia tais problemas, mas que era velho, mal conseguindo carregar a si próprio; como poderia levar o fardo de toda uma Igreja? Por outro lado, não era de sua índole cuidar de negócios temporais.

“Conduzi-vos somente nos caminhos de Deus, nós nos encarregamos dos negócios temporais”, replicaram os prelados.

Alegou Anselmo suas múltiplas obrigações e a impossibilidade de abandoná-las. Resistindo ainda, levaram-no ao soberano que se encontrava gravemente enfermo.

O rei aflito disse-lhe: “Anselmo, que fazes? Por que me envias ao Inferno? Lembra-te da amizade que meus pais tinham por ti e não me deixes perecer, porque sei que estou condenado a morrer conservando este Arcebispado”. Todos os assistentes, comovidos, insistiam com Santo Anselmo acusando-o de matar o rei.

O Santo voltou-se para os dois monges que o acompanhavam e disse: “Meus irmãos, por que não me socorreis?”

Um deles respondeu: “Se esta é a vontade de Deus, quem somos nós para resistir-Lhe?”

“Ai! — disse Anselmo — Vós vos rendestes mui prontamente”.

Vendo-o assim obstinado, acusaram-no de covardia. Buscaram uma cruz, tomaram-lhe o braço direito e o aproximaram do leito. O rei lhe apresentou a cruz, mas ele fechou a mão. Os bispos empenharam-se em abri-la até fazê-lo gritar. Por fim seguram-lhe a mão com a cruz dizendo: “Viva o bispo!”; e entoaram o “Te Deum”. Levaram-no à igreja vizinha e, sob seus protestos, sagraram-no.

Fato estranho e magnífico ao mesmo tempo!

Maus reis queriam eliminar a liberdade da Igreja

Para compreender um pouquinho o conjunto dos acontecimentos, é preciso tomar em consideração o seguinte: Cantuária é a mais antiga diocese, portanto a sede primacial, da Inglaterra. E naquele tempo, mais do que hoje, os arcebispos e os primazes tinham certa jurisdição, certa influência sobre os bispos de seu país.

Estava-se num período de comunicações com Roma, devido à distância, muito difíceis, e não havia um corpo de núncios apostólicos inteiramente organizado. De maneira que se fazia sentir, mais do que hoje em dia, a necessidade dos bispos de um determinado país se apoiarem sobre um que fosse a pedra de ângulo de todos, e este era o Arcebispo de Cantuária.

Esse arcebispo tinha muita importância; por outro lado, estava-se num período em que a Revolução — em sua forma absolutamente ancestral e original; nem se pode ainda falar de Revolução —, ou melhor, os germes dos quais futuramente a Revolução nasceria, se exprimiam sob a forma de um desejo do poder temporal. Quer dizer, dos chefes de Estado, em concreto dos reis, de se apoderarem da liberdade, dos atributos da Igreja, transformando-a num instrumento de dominação material.

Os soberanos não queriam, por exemplo, que os bispos os censurassem, porque havia naquele tempo muitos bispos que repreendiam os reis e os poderosos. Eles queriam se assenhorear dos bens com que a Igreja socorria inúmeros pobres e mantinha o esplendor do culto divino.

O medo do Inferno leva muitas pessoas para o Céu

Por outro lado, os bispos eram muitas vezes senhores feudais e constituíam um elemento de imparcialidade dentro do jogo da vida feudal. Certos reis, movidos por mau espírito, queriam se assenhorear dos feudos eclesiásticos para, por esta forma, combater os outros senhores feudais.

E isto tudo fazia com que os reis tivessem uma preocupação constante de nomear, para os cargos importantes, bispos que fossem seus instrumentos.

Então, Santo Anselmo, monge já idoso, com inúmeros serviços prestados à Igreja, era desejado ardentemente pelo rei e pelos bispos para ser Arcebispo de Cantuária.

Pelos bispos porque era um líder natural para defendê-los contra o rei. Pelo rei, porque este já tinha tido dificuldades com a Igreja, mas estava doente e temia morrer. E ele achava que ia para o Inferno se, antes de falecer, não evitasse para a Igreja a catástrofe de uma má nomeação; por isso ele queria nomear um bom arcebispo para Cantuária.

Quer dizer, o rei estava com a espada da ameaça do Inferno colocada no peito, e nós sabemos que o medo do Inferno tem levado muita gente para o Céu. Para a grande maioria dos homens, poucas coisas fecham tanto a porta do Inferno quanto o medo de ir para lá. 

Então todos queriam que Santo Anselmo ficasse Arcebispo de Cantuária.

Uma violência tipicamente medieval

Aí se dá a cena muito curiosa. Os bispos pedem, ele recusa dando um argumento que está à altura de um Santo. Não é um argumento baseado em falsa modéstia, mas é uma coisa verdadeira. Sendo um homem velho, que mal se carrega a si próprio, exausto por anteriores serviços à Igreja, é natural que ele tenha receio de não conseguir desempenhar satisfatoriamente um cargo tão pesado; e, portanto, procure tirar o corpo.

Tanto mais que ele devia conhecer bem o rei e sua entourage, e o Santo poderia conjecturar que o rei, tendo já criado encrenca com a Igreja, criaria outra, caso ficasse curado — como diz o ditado: cesteiro que faz um cesto, faz um cento.

Os sucessores do monarca, que faziam parte daquela entourage do palácio, tinham a mesma mentalidade. Santo Anselmo teria que travar uma luta, portanto, contra o poder temporal, coisa muito mais difícil do que qualquer outra batalha. E ele naturalmente temia por sua própria fraqueza; achava que um homem moço estaria mais em condições de conduzir essa luta.

Mas tal era a força da virtude dele, a confiança que tinham no auxílio que a graça lhe prestaria, que todos queriam que ele ficasse arcebispo.

Então se dá esta cena: Os bispos, não conseguindo nada, levam Santo Anselmo ao quarto onde o rei estava doente. Depois de muita insistência, acaba havendo uma espécie de violência bem medieval.

Pegam uma cruz e dizem ao rei: “Põe na mão dele!” O Santo declara: “Não, não quero!”

Com força, abrem a mão dele, a ponto de doer; ele segura a cruz e levam-no, então, para ser sagrado.

Por meio dessa violência material, que talvez tivesse tido um caráter afetuoso e feita no meio de sorrisos — a crônica é muda a respeito deste particular —, o que houve foi isto. Mas o fato é tão estranho que não é de se repelir como absurda a hipótese deste ter sido feito no meio de sorrisos.

Houve um momento em que Santo Anselmo, pelo extremo desejo dos outros, que chegou até à violência, resolveu ceder. Ceder não mais coagido fisicamente, mas moralmente persuadido de que ele não deveria resistir a um anseio tão unânime.

E, então, ele mesmo aceitou a sagração, a qual não aceitaria se estivesse convencido de que outra era a vontade de Deus. Ele teria certamente — sendo um Santo — morrido mártir, mas não se deixaria sagrar, se tal fosse a vontade do Altíssimo. Seria o primeiro caso de martírio de um padre que se faz matar para não ser bispo.

Uma vez que Santo Anselmo está no Céu, devemos estar persuadidos de que ele de fato quis, em determinado momento e por esta forma, ele foi Arcebispo de Cantuária.

Devemos ser insistentes em nossas orações

Podíamos nos perguntar se essa violência feita na pessoa dele é censurável. Às vezes a graça, na sua sabedoria e imensa liberdade de movimentos, se serve de meios muito estranhos. Meios imorais ou ilegítimos jamais. Meios surpreendentes e desconcertantes, bem possivelmente.

Quem sabe se a graça quis que a insistência chegasse até esse ponto para mostrar o desapego deste homem, e depois lhe dar mais liberdade de lutar contra o rei, mostrando que ele tinha sido forçado a aceitar o cargo?

De qualquer forma, lembramo-nos das palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo no Evangelho: “O Reino dos Céus padece violência”(4). É preciso fazer violência para se entrar no Céu.

Às vezes é necessário fazer até uma santa violência com Deus. O próprio Redentor contou aquela parábola admirável de um homem que está deitado na cama junto com seus filhos,

 e um indivíduo cacete bate do lado de fora pedindo pão.

O dono da casa explica que já está deitado e não pode atender. Afinal, o outro é tão cacete que o primeiro se levanta, abre a porta e lhe dá os pães.

E Nosso Senhor afirma que o dono da casa atendeu por causa da importunidade do outro; e acrescenta que isto é o modelo daquele que reza.

Quer dizer, quando não temos méritos, devemos ser muito insistentes. Porque à força de insistência, como que caceteamos a Deus Nosso Senhor e obtemos aquilo que nós queremos.

No caso ocorrido com Santo Anselmo, houve qualquer coisa de parecido com isso, e vemos as vias superiores de Deus, insondáveis, nem sempre inteiramente explicáveis e que formam uma das belezas da História da Igreja.

Mistérios de Deus e da vida da Igreja

Se na História da Igreja tudo fosse explicavelzinho, clarinho, limpinho, não seria a História da Igreja de Deus. Faltaria a ela uma das notas daquilo que é verdadeiramente divino.

Naquilo que é autenticamente divino precisaria haver mistério. E vou dizer mais, quanto mais claro que determinada coisa é divina, tanto mais convém que nela haja mistérios. Porque a presença do mistério é uma marca de superioridade divina, que impõe respeito aos homens.

Aqui também, são os mistérios da vida da Igreja, os fatos misteriosos por onde Deus mostra a sua divina grandeza. Depois as coisas se explicam.

Com certeza, para alguns contemporâneos de Nosso Senhor, a Paixão há de ter parecido um mistério inexplicável, e foi preciso a Ressurreição para que se compreendesse esse mistério.

Atualmente, nós estamos em presença do maior mistério dentro de vinte séculos de vida da Igreja. Creiamos na divindade dela e amemos a Santa Igreja Católica mais do que nunca… eu jamais diria apesar do mistério, mas sim por causa deste mistério.

Só uma Igreja santa e divina pode ter uma fortaleza, uma grandeza tal que nela caiba um mistério tão profundo, tão tenebroso. É preciso ser uma Igreja divina para não morrer deste mistério, para atravessar a era de mistério e, do outro lado, se mostrar gloriosa e resplandecente como se tivesse ressuscitado.

Nós, desse pequeno fato misterioso da vida de Santo Anselmo, devemos voar para regiões muito mais altas dos grandes mistérios da Igreja Católica. E então façamos hoje à noite, a Nossa Senhora, um ato de amor pelo mistério tremendo diante do qual nós vivemos, certos de que os grandes mistérios têm depois as suas grandes explicações.

Nunca um homem se defrontou com um mistério tão terrível quanto São José, mas depois, que explicação, que esclarecimento! É a explicação das explicações.# v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 20/4/1966 e 20/4/1967)

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da obra citada por Dr. Plinio.

2) Cf. Ef 6, 12.

3) Cf. ROHRBACHER, René François. Vies des Saints pour tous les jours de l’année. Volume II. Paris: Gaume frères, libraires-éditeurs, 1853. p. 401-410.

4) Mt 11, 12.

São Luís Maria Grignion de Montfort e a devoção capaz de renovar a face da Terra

O exemplo do grande apóstolo da devoção mariana, São Luís Grignion de Montfort, inspirou e bafejou a piedade de Dr. Plinio, desde o momento em que este encontrou, numa livraria católica de São Paulo, o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Às vésperas da canonização do santo autor, Dr. Plinio escreveu as palavras transcritas a seguir, exaltando as virtudes e a obra desse ardoroso missionário da Mãe de Deus.

 

Como condição de vitória, sem se desprezar nem de leve as providências concretas, devemos contar essencialmente com os recursos sobrenaturais. A História demonstra que não há inimigos que vençam um país cristão que possua três devoções: ao Santíssimo Sacramento, a Nossa Senhora e ao Papa. Investigue-se bem a queda de nações aparentemente muito fervorosas em sua adesão à Igreja: alguma broca secreta a minava em uma dessas três virtudes-chave.

A vitória, pois, depende de nós. Tenhamos em dia nossa consciência, estejamos tranquilos em Deus, e venceremos.

O livro dos tempos novos

Isto explica o extraordinário relevo que damos a uma notícia apagada, que os jornais reproduziram há pouco: a canonização iminente do Bem-aventurado Luís Maria Grignion de Montfort [ver quadro em destaque].

A notícia nada significa para o comum das pessoas. Ela significa tudo, para os que conhecem o verdadeiro fundo das coisas. A Providência resolveu jogar sua bomba atômica contra os adversários da Igreja. Perto desta bomba, as convulsões de Hiroshima e Nagasaki não passam de inocentes tremedeiras. Há dois séculos que está pronta a bomba atômica do Catolicismo. Quando ela explodir de fato, compreender-se-á toda a plenitude de sentido da palavra da Escritura: “Non est qui se abscondat a calore ejus [Não há quem se esconda de seu calor (Sl 1)]”.

Esta bomba se chama com um nome muito doce. É que as bombas da Igreja são bombas de Mãe. Chama-se O Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Livrinho de pouco mais de cem páginas. Nele, cada palavra, cada letra é um tesouro. Este o livro dos tempos novos que hão de vir. (…)

Por meio de Maria, unir-se a Deus

O Beato Grignion de Montfort expõe em sua obra, no que consiste a perfeita devoção dos fiéis a Nossa Senhora, a escravidão de amor dos verdadeiros católicos à Rainha do Céu. Ele nos mostra o papel fundamental da Mãe de Deus no Corpo Místico de Cristo, e na vida espiritual de cada cristão. Ele nos ensina a viver nossa vida espiritual em consonância com essas verdades. E nos inicia em um processo tão sublime, tão doce, tão absolutamente maravilhoso e perfeito, de nos unirmos a Maria Santíssima, que nada há na literatura cristã de todos os séculos que o exceda neste ponto.

Esta devoção, diz Grignion de Montfort, unindo o mundo a Nossa Senhora, uni-lo-á a Deus. No dia em que os homens conhecerem, apreciarem, viverem essa devoção, nesse dia Nossa Senhora reinará em todos os corações, e a face da Terra será renovada.

De que forma? Grignion de Montfort esclarece que seu livro suscitaria mil oposições, seria caluniado, escondido, negado; que sua doutrina seria difamada, ocultada, perseguida; que ela daria automaticamente uma antipatia profunda nos que não têm o espírito da Igreja. Mas que um dia viria em que os homens por fim compreenderiam sua obra. Nesse dia, escolhido por Deus, a restauração do Reino de Cristo estaria assegurada.

Mais poderoso que todas as forças humanas

Durante séculos, a canonização do Beato Grignion vem caminhando. Por fim, ela chegou a seu termo. É absolutamente impossível que esse fato não tenha um nexo profundo com a dilatação da Verdadeira Devoção no mundo.

E, nós o repetimos, é essa Verdadeira Devoção, a bomba atômica que, não para matar, mas para ressuscitar, Deus pôs nas mãos da Igreja em previsão das amarguras deste século.

Pois bem, nosso otimismo é este: confiamos imensamente mais na bomba atômica de Grignion de Montfort, e em seu poder, do que receamos da ação devastadora de toda as forças humanas. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído do “Legionário”, de 21/10/1945) 18, 7).

São Conrado: Abnegado apóstolo porteiro

Quando menino, a simples presença de São Conrado entre seus colegas afugentava aqueles que diziam palavras imorais. Esse Santo, por ser inteiramente abnegado de si mesmo era um homem puro.

O inteiro desapego de nós mesmos é a condição de nossa perseverança e da fecundidade de nosso apostolado.

Sobre  São Conrado de Parzham, em Schamoni, O verdadeiro rosto dos Santos, nós encontramos alguns trechos biográficos.

Meu livro é a Cruz

Conrado de Parzham, no século Johann Birndorfer, nasceu no dia 22 de dezembro de 1818, em Parzham, perto de Passau, na Alemanha, descendente de uma piedosa família de camponeses. Quando menino ainda, seus colegas falavam coisas menos dignas e, ao vê-lo aproximar-se, exclamavam: “Calemos, aí vem o João”. Sentiam já respeito pela majestade de Deus. E nas tarefas do campo, em pleno calor estival, recusava cobrir a cabeça porque, estando continuamente em oração, acreditava que somente com a cabeça descoberta podia rezar.

Aos 31 anos, tendo certeza de sua vocação religiosa, abandonou a casa e a herança e entrou como leigo na Ordem Capuchinha. Depois dos votos,  o Irmão Conrado foi destinado a ao convento de Altötting, junto ao qual há um santuário da Virgem, visitado anualmente por milhares de peregrinos. Em tal mosteiro, que no ambiente do campo não encontra um mo-mento de repouso, o cargo de porteiro é sumamente difícil.

O Irmão Conrado cuidou da portaria do convento por quarenta e um anos e, aplicando-se em sua missão com tato e atenção, teve inalterável paciência, sempre cheio de deferência, humilde, serviçal, piedoso, laborioso. Nunca foi visto mal-humorado, jamais pronunciou uma palavra inútil. Assim converteu–se num pregador silencioso, que infundia respeito aos visitantes, convertia os pecadores, consolava os aflitos e ajudava os pobres.

Escreveu uma vez a um amigo: “Minha regra de vida consiste em amar, sofrer e maravilhar-me em êxtases e orações pelo amor de Deus para conosco, pobres criaturas. Nunca termina esse divino amor. Nada há que me impeça, em minhas  ocupações, de me afastar de minha união com Deus. Meu livro é a Cruz, basta-me um olhar para ela para saber em cada ocasião qual há de ser minha conduta”. Três dias antes de morrer, renunciou a seu cargo de porteiro, falecendo a 20 de abril de 1894.

Ele morreu, portanto, bastante idoso.

A Revolução hoje vai progredindo como um câncer

É muito interessante a figura desse Santo. Eu já vi em livros com gravuras de Santos uma reproduzindo seu perfil, oposto ao de São Leão IX que era um aristocrata, homem de grande formosura e talento. Um varão superior, debaixo do ponto de vista de suas qualidades naturais, no qual se inseriu, como um facho de luz maravilhoso, a vida sobrenatural e a sua própria santidade.

São Conrado de Parzham é o contrário. Um humilde irmão franciscano, que na gravura aparece muito branco, de barba e cabelos brancos, com um maço de chaves na cintura, indicando a sua função de porteiro. Com toda essa inferioridade humana em relação a um São Leão IX, por exemplo, é, entretanto, uma figura esplêndida, de tal maneira que poderia ser colocada como par desse Papa Santo, pois todas as qualidades naturais se eclipsam e desaparecem quando estão em jogo os valores de caráter sobrenatural.

Temos aqui vários dados da vida de São Conrado a considerar.

Em primeiro lugar, como ele afugentava – sendo simples camponês – os colegas que diziam palavras imorais. Vemos aí uma preservação daquela época, ao menos no lugar em que ele vivia. Porque hoje eu duvido que até um Santo consiga afugentar os meninos de colégio que falam palavras obscenas. Vê-se por aí como a Revolução vai progredindo à maneira de um câncer, invadindo tudo. Naquele tempo ainda havia gente amedrontável; hoje não existe mais.

O mal se mostra completamente desatado e inteiramente triunfante. É exatamente um dos elementos que tornam necessários os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima. É também digno de nota a intensidade da piedade dele, rezando de tal maneira, de um modo contínuo, que durante o período de trabalho no campo  ele orava também. E por isso não queria cobrir a cabeça porque, como estava falando com Deus, ele preferia receber todo o calor, mas permanecer numa atitude de respeito diante de Nosso Senhor.

Observa-se, por um lado, a falta de respeito humano e, por outro, uma piedade ininterrupta e acendrada, um grande espírito de mortificação. Porque o trabalho manual já é de si penoso; realizá-lo com o sol incidindo na cabeça descoberta o torna mais difícil ainda. E no meio disso ele conseguia se concentrar. É uma capacidade de atenção, de oração, digna de nota. Sobretudo para os homens de nossa época tão fáceis de se dissiparem.

Um porteiro edificante, solícito, digno, respeitoso

Ele entrou como irmão leigo na Ordem Capuchinha aos 31 anos de idade, e foi destinado como porteiro do convento junto a um santuário de Nossa Senhora. E tornou-se aí o contrário dos porteiros de convento que habitualmente se conhecem. Manda-se telefonar, chamar um frade, passa meia hora…; em parte devido à lentidão do porteiro em chamar o frade, em parte à demora deste em vir ao telefone. São as duas coisas que se conjugam: displicência e desinteresse.

Em São Conrado vemos o oposto: era um mero porteiro de convento, mas tão edificante, tão solícito, tão digno, tão respeitoso, que todo mundo se edificava com ele. E então a ficha diz muito bem que, sendo um mero porteiro de convento, pela sua ação de presença, pela sua virtude, ele pregou uma grande lição de quarenta e um anos, se transformou num grande missionário, num grande pregador.

Isso nos faz ver que os homens eficientes para o apostolado de nenhum modo são apenas aqueles que têm capacidades intelectuais, como a de falar em público. Esses também podem ser eficientes, mas a chave da eficiência deles não está no talento, e sim na vida sobrenatural que habita neles e se comunica aos outros.

Por causa disso, vemos um simples porteiro, irmão leigo, ter feito pela Causa Católica um apostolado enorme no mais obscuro dos cargos, um homem com uma ciência mui to pequena. Apostolado de portaria. Como isso indica qualquer coisa de restrito, de circunscrito em matéria de apostolado! Entretanto, o êxito do brilho desse apostolado deve-se à vida interior.

O apostolado seriamente conduzido exige abnegação e renúncia completas

Eis o pensamento dele a respeito da oração contínua: “Minha regra de vida consiste em amar, sofrer e maravilhar-me em êxtases e orações pelo amor de Deus para conosco, pobres criaturas”.

É uma ilustração da tese de Dom Chautard, em seu livro A alma de todo apostolado: Se queremos que nosso apostolado seja fecundo, tratemos de fazê-lo por amor de Deus e não por nosso amor, não para aparecermos nem sermos importantes, mas considerando a Causa de Nossa Senhora e mais nada. Se fizermos isso, nosso apostolado será um canal de graças. Por tentar qualquer forma de desejo de nos mostrar, de recebermos aplausos, nosso apostolado será como um canal obstruído por onde as águas não passam, e as almas terão fome de graça e não serão nutridas por causa de nossa falta de correspondência. Essa é a abnegação inteira, a renúncia completa que o apostolado seriamente conduzido exige. É muito duro isso.

Eu compreendo que, para a natureza humana, a vontade de se mostrar é uma coisa primeira, elementar e veemente, como o desejo de respirar, mas é preciso a todo custo vencer isso. Quem quer ser um verdadeiro apóstolo precisa ser uma pessoa abnegada, cheia de renúncia; se for tirada de qualquer cargo ela não geme, não sofre, não protesta. E que, sendo desconhecida pelo seu chefe, dá graças a Deus, porque assim ela está imitando a Nosso Senhor que também sofreu o desprezo dos outros. Uma pessoa, enfim, inteiramente abnegada de si mesma.

Deem-me um homem inteiramente abnegado de si mesmo e eu lhes darei um homem puro. No fundo, as tentações contra a pureza provêm de orgulho, falta de abnegação, vaidade, apego si mesmo.

Se consideramos um homem abnegado, ele não só será puro, mas um apóstolo perfeito; seu apostolado produzirá resultados por vezes surpreendentes. Mas se ele tiver um apego, o seu apostolado não dá nada; é uma tristeza.

Pode haver uma frustração pior para um apóstolo do que, tendo deixado tudo para dedicar-se ao apostolado, ver que sua vida não teve fecundidade?

Não tenhamos ilusão: nossa vida será estéril, infecunda, nosso apostolado inútil, passam-se os anos sem que conquistemos nada. Tudo isso decorrente de um apego a nós mesmos.

O inteiro desapego de nós mesmos, de que São Conrado de Parzham foi um exemplo, é condição de nossa perseverança e da fecundidade de nosso apostolado.

(Extraído de conferência de 19/4/1967)

Lembranças de uma visita à Catedral de Notre-Dame

Quem foi a Notre-Dame não a esquece jamais. Quem a conheceu, admirou-a e passou a amá-la. E, porque a amou, evoca com saudades sua beleza, sua grandeza, sua importância, sua história…

Foi o que ocorreu com o professor Plinio Corrêa de Oliveira. Ele a conheceu e a amou. Desde então, qualquer oportunidade que tinha, recordava a famosa Catedral de Notre-Dame e transmitia suas impressões sobre ela. Reproduzimos abaixo palavras dele dirigidas a um grupo de jovens:

*   *   *

[…] Eu não posso me esquecer que em uma das viagens que eu fiz a Paris eu cheguei à noitinha. Jantei e fui imediatamente ver a Catedral de Notre-Dame.

Era uma noite de verão, não extraordinariamente bonita, comum, a Catedral estava iluminada, e o automóvel em que eu vinha passava da ‘rive gauche’ para a ilha. E eu via a Catedral assim de lado, e numa focalização completamente fortuita. Ela me pareceu desde logo, naquele ângulo, tomado assim – se acaso existisse, e em algum sentido existe – eu diria que é tomado ao acaso, olhei e achei tão belo, que eu fiquei com vontade de dizer ao automóvel pára, que eu quero ficar aqui!

Eu sei que o resto é muito belo, mas eu creio que poucos olharam essa Catedral desse ângulo e pararam. E eu quero ser dos poucos, para dar a Nossa Senhora o louvor deste ponto de vista aqui, que os outros talvez não tenham louvado suficientemente.

Ao menos se dirá que uma vez um peregrino vindo de longe, amou o que muitos outros por pressa, ou por não terem recebido uma graça especial naquele momento para aquilo, não chegaram a amar. E em todos os grandes monumentos da Cristandade, depois de admirar as maravilhas, eu tenho a tendência a ir admirando os pormenores, num ato de reparação, porque estes pormenores talvez não tenham sido amados como eles deveriam ser amados.

E então, fazer ao menos isto: amar o que deveria ter sido amado e que foi esquecido. É sempre a nossa vocação, de levar a todas as verdades esquecidas que os homens põem de lado.

Eu fiquei encantado com a Catedral naquele ângulo. Depois dei a volta e voltei para o hotel com a alma cheia. E se alguém naquele momento me lembrasse da palavra da Escritura “eis a Igreja de uma beleza perfeita, alegria do mundo inteiro”, eu teria dito: Oh!, como está bem expresso! É bem o que eu sinto a respeito da Catedral de Notre-Dame.

E aí do fundo de nossas almas, do fundo de nossas inocências, vem uma outra […] sobe uma coisa que é luz, super luz, mas ao mesmo tempo é penumbra ou é obscuridade sem ser trevas, e é a ideia de todas as catedrais góticas do mundo, as que foram construídas e as que não foram construídas, dando uma ideia de conjunto de Deus. Que entretanto ainda é infinitamente mais do que isso. Aí, o espírito que inspirou todas essas catedrais, nos aparece. E aí realmente mais nós vivemos no Céu do que na terra.

E aí o nosso desejo de uma outra vida, de conhecer um Outro, com “O” maiúsculo, tão interno em mim, que é mais eu do que eu mesmo sou eu, mas tão superior a mim, que eu não sou nem sequer um grão de poeira em comparação com ele, esse meu desejo se realiza e de lá eu compreendo, o Céu deve ser assim.

Nós amamos ainda mais o puríssimo espírito, eterno e lindíssimo, que criou tudo aquilo para dizer: “Meu filho, Eu existo. Ame-me e compreenda, isto é semelhante a Mim. Mas, sobretudo, por mais belo que isto seja, Eu sou infinitamente dissemelhante disso. Por uma forma de beleza tão quintessenciada e superior que é só quando me vires, que verdadeiramente te darás conta do que Eu sou. Vem, meu filho, vem que Eu te espero. Luta por mais algum tempo que Eu estou me preparando para te mostrar no Céu belezas ainda maiores, na proporção em que for grande e dura a tua luta. Espera, que quando estiveres pronto para ver aquilo que Eu tinha intenção de que vísseis quando Eu te criei, Eu te chamarei. Meu filho, sou Eu a tua Catedral, a Catedral demasiadamente grande, a Catedral demasiadamente bela, a Catedral que fez florescer nos lábios da Virgem um sorriso como nenhuma joia fez florescer, nenhuma rosa e nem sequer nenhuma das meras criaturas que Ela conheceu”.

Essa Catedral é Nosso Senhor Jesus Cristo, é o Coração de Jesus, que tirou do Coração de Maria harmonias como nada tirou. Ali tu conhecerás. Ele disse dEle: “serei Eu mesmo vossa recompensa demasiadamente grande”.

Plinio Corrêa de Oliveira

Uma graça que marcou a vida de Dr. Plinio

Em 5 de novembro de 1967, Dr. Plinio compareceu, em lugar de muito destaque, a uma Missa solene celebrada na Catedral de São Paulo. Diversos aspectos da cerimônia e do público foram filmados no interior do templo e nas suas escadarias.

Poucos dias depois, Dr. Plinio foi convidado a assistir ao documentário. Ao ver-se na tela, espantou-se por verificar quanto o seu vigor físico estava minado por alguma grave enfermidade. Ao mesmo tempo, causou-lhe pasmo a falta de percepção dos amigos mais próximos, que nada pareciam ter notado em relação a seu estado de saúde.

A ponto de completar 59 anos, em 13 de dezembro, Dr. Plinio tinha sido até então um homem robusto. Porém, o mal que nesse momento o abalava se agravaria rapidamente nos dias seguintes.

A descrição do que se seguiu é extraída, com ligeiras adaptações, da excelente obra “Dona Lucilia”, de autoria de João Clá Dias:

No dia 1º de dezembro daquele ano, Dr. Plinio cancelou sua costumeira conferência semanal, saindo de casa somente à tarde, para comungar no Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Ao descer do automóvel, causou surpresa ao ser visto caminhar com o auxílio de bengala e calçando no pé direito um leve chinelo. Tinha a fisionomia muito abatida. Entretanto, com sua invariável finura, em nada deixava transparecer, aos que o cumprimentavam, seu mal-estar físico.

No dia seguinte, um domingo, não encontrou forças para sair de casa a fim de cumprir o preceito, sendo-lhe levada a Sagrada Comunhão. Uma pessoa que teve a oportunidade de estar com ele de manhã e à tarde, contou ter-se impressionado, ao cumprimentá-lo, com a elevada temperatura de sua mão. Nos dias subsequentes, a febre ultrapassaria a casa dos trinta e nove graus. Apesar disto, Dr. Plinio mantinha inalterável amenidade, nobreza e distinção de trato, tal qual aprendera de sua extremosa mãe, Dona Lucilia.

Narrações feitas por ele próprio, tempos depois, revelam a grande provação que nessa ocasião enfrentava:

“Quando me apareceu esta espécie de abscesso, imediatamente me lembrei do pensamento que tivera assistindo ao documentário. Parecia-me que algo de absurdo se realizava. Vi-me obrigado a passar alguns dias em casa, envidando, porém, todos os esforços para que mamãe nada percebesse. Minha penosa deambulação era feita com o auxílio de alguns apoios. Lembro-me que uma vez mamãe estava sentada à mesa, à minha espera, e eu, ao passar pelo hall, escorreguei e caí. Minha febre já estava altíssima. Pensei: O que eu pressentia está se realizando. Estou com uma grave enfermidade, serei obrigado a chamar médicos, que me apresentarão um terrível diagnóstico…”

De fato, na manhã do dia seguinte, segunda-feira, Dr. Plinio recorreu aos médicos e viu-se introduzido num túnel, à primeira vista, sem saída. Os resultados dos exames de laboratório revelaram uma forte crise de diabetes. Foi-lhe determinado repouso absoluto, regime alimentar restrito, remédios e controle glicêmico para rapidamente serem debelados os distúrbios orgânicos produzidos pela enfermidade. Entretanto, restava um problema não menos trágico: uma gangrena em seu pé direito.

“Deus qui ponit pondus…”

Os primeiros curativos foram feitos pelos médicos na própria residência de Dr. Plinio. Depois chamaram um especialista, que concluiu ser necessária uma urgente cirurgia para extinguir a grave infecção.

Naquela mesma noite, com os devidos cuidados, Dr. Plinio foi transladado ao Hospital Sírio-Libanês, onde foi operado. Ali permaneceria ele para alguns dias de convalescença.

Às vezes, as graças mais insignes nos são dadas em meio aos males que, com a permissão da Providência, sobre nós se abatem: “Deus qui ponit pondus, supponit manum” — “Deus ampara com a mão aquele a quem prova”. Em 16 de dezembro, Dr. Plinio recebeu de um amigo, vindo de Roma, um quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano. Ele próprio descreve, com palavras impregnadas de filial e amorosa gratidão à Santíssima Virgem, esse episódio de transcendente significado para sua vida espiritual:

“Algum tempo antes desses fatos, eu me pusera a ler incidentemente o livro “La Vierge Mère du Bon Conseil” (“A Virgem Mãe do Bom Conselho”), de Mons. Georges F. Dillon 1 . E, durante a leitura, experimentava em minha alma uma sensível consolação.

“Tendo viajado à Itália, antes que eu adoecesse, meu amigo, Dr. Vicente Ferreira, teve a gentileza de me trazer de Genazzano uma estampa representando o venerando quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho. Essa estampa me chegava no momento de uma provação espiritual que me fazia sofrer muito mais do que a enfermidade física. […]

“Circunstâncias que não vêm a propósito mencionar davam-me a certeza de estar nos desígnios da Providência que [nossa] entidade realizasse uma larga ação no Brasil e em toda a América do Sul, e ainda nos demais continentes, em prol da Cristandade.

“De outro lado, estava eu certo de que meu falecimento naquela conjuntura acarretaria a ruína do esforço que começava a vicejar com vigor. E que eu desejava ardentemente levar a cabo para a maior glória de Nossa Senhora, antes de morrer. Daí um estado de verdadeira ansiedade a propósito das incertezas de minha situação clínica e cirúrgica”.

Nesse momento de grande perplexidade é que veio ter às mãos de Dr. Plinio a aludida estampa. Continua ele a narração:

“Quando a fitei, tive a inesperada impressão de que a figura de Nossa Senhora, sem mudar embora em nada, exprimia para comigo inefável e maternal doçura, que Ela me confortava e me incutia na alma — não sei como — a convicção de que a Santíssima Virgem me prometia que eu não morreria sem ter realizado a obra desejada. O que me invadiu de suavidade a alma.

“Hoje em dia conservo intacta essa convicção. E, pelo favor de Nossa Senhora, essa obra tem prosperado admiravelmente, autorizando a esperança de que alcance sua meta.

“Quando fui agraciado com o sorriso-promessa de Nossa Senhora de Genazzano, nada disse aos circunstantes. Só muito mais tarde falei disto a amigos. Dois destes, que me faziam companhia no hospital quando recebera a estampa, ao ouvirem minha narração, disseram que haviam notado que a figura da Mãe do Bom Conselho me fitava com muito comprazimento, o que lhes chamara muito a atenção”.

Pedindo a graça da perseverança

Até aqui, a narração extraída da obra “Dona Lucília”, de João Clá Dias. Eis um dado que convém notar: a devoção a Nossa Senhora do Bom Conselho, que caracterizaria as últimas três décadas de vida de Dr. Plinio, havia lançado muito antes uma semente na alma do virtuoso varão.

Sim, pois já na sua infância, conhecera Dr. Plinio a devoção à Virgem de Genazzano, quando estudava no Colégio São Luís, dos jesuítas. Na capela do estabelecimento se encontrava uma reprodução, aliás milagrosa (ver box 2), do famoso afresco da Mãe do Bom Conselho. Vejamos como, certa vez, Dr. Plinio o recordou:

Eu me lembro de que várias e várias vezes, nos meses de maio, todos os alunos eram convidados a comparecer à capela para festejar o mês de Maria, o que se fazia com uma bênção do Santíssimo Sacramento e cânticos em louvor da Santa Mãe de Deus. Recordo-me ainda bem que um dos hinos começava assim: “Neste mês de alegria, tão lindo mês de flores, queremos de Maria celebrar os louvores…”.

Toda a minha geração de alunos do São Luís passou por essa imagem. E eu numerosas vezes rezei com aflição diante dela, pedindo a graça da minha perseverança.

Contudo, essa devoção de Dr. Plinio a Nossa Senhora do Bom Conselho no tempo de infância não lhe havia marcado a vida como ocorreu cinqüenta anos mais tarde, em dezembro de 1967. Foi uma ação tão profunda da Santíssima Virgem em sua alma, que ele, quando instado por seus discípulos, o recordará cheio de gratidão, sempre aproveitando para incutir em todos a mesma confiança inabalável e filial na Mãe do Bom Conselho. As palavras seguintes são de uma de suas últimas conferências, feita poucos meses antes de falecer:

Aquela foi uma situação estritamente individual, que exigiu de minha parte um ato de confiança todo especial. Há provações que são do gênero do que esperávamos, e por isso achamos natural atravessarem o caminho de nossa vida. Mas há outras que nos perturbam particularmente, porque são de um gênero não axiológico. Tais provações — sempre permitidas por Deus para o nosso bem — cortam nossa vida como um tropel de demônios e parecem arrasar todas as nossas esperanças.

Foi numa situação assim, enquanto eu me encontrava em perigo de vida — de uma vida que me parecia não dever terminar naquele momento, pois ainda teria muito a fazer e realizar — que me defrontei com a imagem de Nossa Senhora de Genazzano no hospital. Esta imagem, em certo momento, sem mover-se, sem que houvesse o menor milagre, entretanto exprimiu algo que me deu a certeza de que a própria Nossa Senhora comunicava estar lá, envolvendo-me com sua celestial proteção.

Mãe e conselheira nas aflições e nas penumbras

Se analisarmos a noção de Nossa Senhora do Bom Conselho, entende-se que ela se refere à Santíssima Virgem enquanto obtendo de Deus, por sua intercessão onipotente, graças para as almas perturbadas, que não sabem o que fazer diante de certa emergência, e precisam, portanto, de um conselho.

E Nossa Senhora do Bom Conselho é a Mãe que se compadece dos homens desorientados, e lhes obtém a graça de uma iluminação interior, de um discernimento especial, de uma palavra que lhes vem de um bom amigo, de um bom diretor espiritual ou da leitura de um bom livro, etc. Enfim, Ela sempre lhes alcança o conselho que se queria, o conselho que se pedia, a solução que se procurava e se julgava impossível encontrar.

Tudo no mundo contemporâneo, no mundo do caos, parece falar contra nós, parece mentir-nos, dizer-nos coisas que nos levarão para o erro e o mal. Que remédio há para isto a não ser um bom conselho? E quem há-de nos dar bom conselho neste mundo desvairado? Ninguém mais e ninguém melhor do que Nossa Senhora do Bom Conselho. Ela é, pois, por excelência a mãe e a conselheira nas aflições e nas penumbras do mundo de hoje.

Assim, em nossos momentos de dúvida e apreensão, saibamos que nos está reservada a alegria — da qual tão poucos homens na terra desfrutam! — de nos voltarmos para Maria e Lhe dizer: “Mãe do Bom Conselho, Vós não me desamparareis. Tende pena de mim e dai-me uma orientação.”

1) Desclée de Brouwer, Bruges, 1885.

2) Plinio Corrêa de Oliveira, prefácio in: João S. Clá Dias, Nossa Senhora do Bom Conselho, Ed. Brasil de Amanhã, São Paulo, 1992, pp. XIX a XXII.

Assim relata Dr. Plinio o essencial da história da augusta imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano:

Na Albânia, no século XV, a religião corria grave risco: de um lado, o fervor da população católica estava em declínio; de outro lado, assaltavam-na com crescente furor as hordas dos invasores maometanos, cujo objetivo era destruir até à raiz a Fé católica em território albanês. Para evitar a catástrofe, a Providência suscitara um herói comparável, pelo destemor e pela Fé, aos pares de Carlos Magno e aos batalhadores mais salientes das Cruzadas e da Reconquista luso-hispânica: Scanderbeg. Enquanto ele viveu, a Albânia resistiu. Ele morto, em seguida a feitos heroicos e gloriosos, a resistência albanesa se esboroou. Explicável castigo para uma população atolada na tibieza.

Além de Scanderbeg — e quão superior a ele! — havia na Albânia outro pilar da Cristandade abalada. Era a Imagem — um afresco — de Nossa Senhora então chamada ‘dos Bons Ofícios’ (invocação análoga à de Nossa Senhora Auxiliadora, hoje generalizada em todo o mundo católico). Essa Imagem, venerada em santuário próximo de Scútari, ocasião de tantas e tão preciosas graças para aquele povo corrompido pela tibieza, cairia nas mãos do invasor maometano?

Era o que se perguntavam com ansiedade dois devotos albaneses, Georgio e De Sclavis, dignos representantes do que a Albânia ainda conservava de fiel.

A resposta a essa pergunta não tardou. A Imagem se destacou lentamente da parede, ante os olhos atônitos dos dois devotos, compatriotas do grande Scanderbeg. Ela se alçou e foi prosseguindo em direção às águas do Mar Adriático. E se foi deslocando sempre em igual direção, ao mesmo tempo que fazia entender aos dois albaneses que queria ser seguida por eles. Com Fé e estofo moral análogos aos de Scanderbeg, ambos os albaneses não hesitaram. Foram caminhando milagrosamente sobre as águas, até que a Imagem atingisse o território da catolicíssima Itália. (…)

Enquanto ambos os albaneses continuavam a seguir a Imagem pelo território italiano, esta… desapareceu. E foi encher de celestes consolações a alma de Petruccia, (…) grande figura de mulher forte do Evangelho, que Nossa Senhora elegera para Lhe erguer o santuário mil vezes abençoado em que a Imagem d’Ela está exposta à veneração de incontáveis fiéis, desde há cinco séculos.

Era ela uma viúva dotada de alguns bens. Muito piedosa, fora favorecida com uma visão na qual a Santíssima Virgem a incumbia de restaurar a igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, em Genazzano, então ameaçada de ruir.

Para tal fim, Petruccia recorrera à caridade dos fiéis. Mas o atendimento destes deixara a desejar. E as esmolas obtidas por Petruccia de modo nenhum bastavam para a execução da obra. Animosa, resolvera ela então aplicar na construção o restante de seu patrimônio pessoal. Mas até mesmo este fora insuficiente, pelo que as obras ainda estavam longe de ter chegado ao termo.

Tal insucesso atraía sobre a Beata os sarcasmos injustos dessa mesma população que dera tíbio atendimento aos pedidos dela. Mas Petruccia continuava animosa, apesar de seus oitenta anos, confiando com firmeza no auxílio da Santíssima Virgem.

Foi, pois, imensa e maravilhosa a surpresa dela, e a de toda a população de Genazzano, quando, na tarde do sábado 25 de abril de 1467, viram pousar sobre o lugarejo uma nuvem de aspecto admirável, da qual partiam os sons de uma música não menos bela. Aos poucos, destacou-se da nuvem o quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho, o qual foi pousar sobre o altar que, na previsão da futura conclusão das obras, Petruccia fizera erguer.

Estava confirmada a visão da Beata Petruccia. Tornava-se manifesto que a Santíssima Virgem desejava a conclusão das obras. E a população, que acorrera enlevada para prestar culto à Imagem, haveria de contribuir generosamente, de então em diante, para a reconstrução da igreja. Esta não tardou em ser concluída. E, enquanto nela os fiéis veneram o quadro da Virgem e do Menino, maravilhosamente transportado de Scútari pelos anjos, nela também dormem o sono da paz os restos mortais da Beata Petruccia, à espera da ressurreição final.

Os dois albaneses, que haviam ficado desconcertados pelo desaparecimento de sua tão querida Imagem, ignoravam o aparecimento desta última em Genazzano. E andavam sem rumo pela Itália, na vã procura de seu tesouro perdido.

Quando lhes chegou aos ouvidos a notícia do ocorrido no lugarejo em que residia Petruccia, para lá se dirigiram. É fácil calcular quanto se maravilharam e se alegraram ao reencontrarem ali o quadro celestial. Estava assim terminada a missão deles, que consistia, neste lance final, em atestar a identidade entre o quadro venerado em Scútari e o que empolgava toda Genazzano.

Um quadro entregue pela Providência

Entre as múltiplas reproduções do santo afresco, uma há que mostra ter sido o Brasil objeto de especial predileção, pois foi a própria Mãe do Bom Conselho quem quis enviá-lo para este país.

Em 1760, o Rei de Portugal expulsou de seus domínios de aquém e além-mar a Companhia de Jesus. Dois noviços brasileiros, os irmãos Miguel e José de Campos Lara, decidiram acompanhar no desterro seus irmãos de vocação, partindo para Roma.

Na Itália, ao terminarem seus estudos, receberam a ordenação sacerdotal. Pouco tempo depois, faleceu Miguel. Quanto a José, foi enviado por seus superiores a vários lugares. Porém, cedendo a fortes pressões dos governos da época, em 1773 o Papa Clemente XIV fechou a Companhia de Jesus.

Era uma situação inesperada para o Pe. José, após treze anos de desterro. A vida não foi fácil desde então. Era preciso ter uma fé alcandorada e um alto heroísmo para perseverar em condições tão adversas. E apesar dos anseios de sua família pelo retorno dele à pátria, o jovem sacerdote não desejava voltar ao Brasil.

Em 1785, fazia doze anos que José de Campos Lara vestira pela última vez a batina da milícia de Santo Inácio. E fazia vinte e cinco anos que deixara o país natal!

Certo dia, passeava ele pensativo por uma praia deserta, onde o rumorejar das ondas era suave lenimento para suas dores e preocupações, quando, de súbito, depara com um jovem que o aborda. O rapaz lhe oferece um quadro a óleo que representa a Mãe do Bom Conselho (acima), dizendo-lhe que o levasse para o Brasil. E lhe anuncia que, no lugar onde ela fosse venerada, erguer-se-ia um dia um grande colégio jesuíta. No fim da conversa, o Pe. Campos Lara vê seu interlocutor desaparecer ante seus olhos, ficando convencido de que se tratava de um Anjo.

Após algumas peripécias, volta ele ao Brasil, indo para a chácara herdada dos falecidos pais, na cidade de Itu (SP). Ali erigiu uma capela onde pudesse ser venerada a imagem. Em 1814, ele ouve comovido a notícia de que Pio VII restaurara a Companhia de Jesus! Mas faleceu em 1820, sem ver cumprida a profecia da volta dos jesuítas à Terra de Santa Cruz. Regressaram, porém. E em 1868 ergueram um colégio exatamente naquela chácara.

Em 1872, o quadro da Mãe do Bom Conselho foi entronizado no altar-mor da igreja recém-construída, anexa ao colégio. Oitenta e sete anos haviam transcorrido desde sua entrega miraculosa, sobre as areias da praia italiana, ao jesuíta brasileiro.

E quando este colégio da Companhia foi transferido para a cidade de São Paulo, em 1918, com ele foi também a cópia da imagem de Genazzano. Toda a minha geração de alunos do São Luís passou pela imagem da Mãe do Bom Conselho….

(O menino Plinio é o primeiro, na terceira fileira, da esquerda para direita)