Contemplação do universo sideral

Deus poderia perfeitamente ter feito fogos de artifício magníficos e incomparáveis, perto dos quais os nossos fossem uma caipirada. Entretanto, criando os astros, deu-nos a ideia de um espetáculo pirotécnico, com a possibilidade de projetar no ar uma ordem que, debaixo do ponto de vista lógico e puramente estético, em algo é mais bonita do que a ordem que Ele fez.

 

Ao considerarmos o universo sideral, vemos uma tão grande série de maravilhas que o maravilhoso se multiplica pelo maravilhoso e ficamos sem saber o que dizer à vista de tudo isso.  Os comentários que mais saltam aos olhos são banais e morrem por incertos, indecisos, restando um vagido inexpressivo e insuficiente. Aquilo que é lindo pede uma exclamação: “Que lindo!” Mas isso todo mundo viu. E se começamos a descrever o lindo, quebra-se a impressão do conjunto que ele causa.

Assim sendo, vou apenas esboçar três ou quatro comentários, dos quais um não é de caráter artístico, porém consiste mais em uma reflexão do que num comentário: é a analogia entre o inter-relacionamento dos corpos celestes e a sociedade humana.

Imagem possante da sociedade orgânica

Se formos ao centro de uma grande cidade, olharmos do alto de um prédio para baixo e virmos aquele “formigueiro” de gente que anda de um lado para outro, nossa primeira impressão é de desordem. As pessoas correm com toda espécie de objetivos, entrecruzam-se e, contudo, não se chocam umas com as outras.

Ora, a impressão que se tem ao contemplar os corpos celestes é de que estamos num arranha-céu, olhando muito de longe um mundo de gente andando. Tudo isso é posto em andamento por atrações diversas. Entretanto, nesse todo que parece um magma sem sentido nem estrutura que lhe dê uma significação especial, vemos que há grupos de corpos geminados, irmanados, em relação uns com os outros, formando galáxias e estas, por sua vez, constituindo outros conjuntos nos quais encontramos uma imagem possante da sociedade orgânica.

A sociedade orgânica, como ela existiu nos tempos da Civilização Cristã, era assim. A partir da prodigiosa desordem dos indivíduos, começa a se notar a aglomeração em famílias, em corporações, em municípios, em regiões, em feudos. Depois, esses mesmos se reúnem em outros grupos até dar na estrutura de cúpula que era o Sacro Império Romano Alemão, o qual poderia ser comparado um pouco como uma visão de conjunto da abóbada celeste.

Percebemos, assim, que, para ordenar os corpos do firmamento, Deus usou de um sistema parecido com aquele pelo qual Ele quis ordenar a sociedade humana, dando-nos uma noção de como o princípio da unidade na variedade pode ser aplicado de um modo sumamente conveniente.

Essa unidade, considerada nos seus elementos mais fundamentais e mínimos, dá uma impressão de desordem. Mas à medida que vão se formando vistas arquitetônicas desses e daqueles seres, notamos como eles constituem conjuntos que, por sua vez, encaixam-se em conjuntos sucessivos, dando tudo numa grande ordem total que é a beleza e a sábia disposição de tudo quanto ali se encontra.

Ora, não podia ser ignorada por Deus a possibilidade de, com o avanço da Ciência, o homem vir a conhecer o cosmo com riqueza de pormenores. E essa possibilidade ocorreria quando na Terra esse princípio acima enunciado estivesse mais negado e mais subvertido.

Na ordem sideral há uma negação da mentalidade revolucionária

Vemos na ordenação dos astros uma imagem impressionante dos céus e da Terra de fato cantando a glória de Deus, como diz o salmista (cf. Sl 18). Mas narram-na da seguinte maneira, entre outros aspectos: a ordenação orgânica de todo o universo, e como tudo corre bem sem trambolhões, nem choques, sem desastres e sem catástrofes. Por outro lado, na Terra, quando esse mesmo princípio é negado entre os homens, tudo corre mal. De fato, céus e Terra narram a glória de Deus porque esse princípio ordenativo, admitido no céu, causa essa ordem magnífica; negado aqui na Terra, dá nesse caos pavoroso. Então, no contraste podemos ver a afirmação da glória de Deus.

Ademais, há na ordenação sideral uma negação da mentalidade revolucionária. Sempre me chamou a atenção o modo pelo qual certos problemas sociais, psicológicos, educacionais, pedagógicos são postos em nossa época. Vemos certos especialistas discorrerem, por exemplo, sobre o problema infantil: “Ah, o problema da criança é gravíssimo! Se, de fato, o Estado não tomar essas e aquelas medidas, vai acontecer tal coisa…”

Eu penso: “Meu Deus, que pedagogia é essa que vê em cada criança exclusivamente uma bomba? É um contínuo apagar de incêndio. Tem que extinguir mil labaredas nesse ente, que quase se diria ser uma pequena hiena no mundo, e é uma criança que nasceu. Tudo isso é assim mesmo?”

Além do problema do menor, tem o da velhice; depois dos salários, das comunicações. E a ordem nesta Terra, em vez de ser apresentada principalmente como algo que se liga e anda, embora sujeita a insucessos e catástrofes derivadas próxima ou remotamente da impiedade e do pecado, pelo contrário é vista como sendo por natureza uma coisa sempre em explosão, em perigo de choque. O corolário disso é a necessidade da intervenção do Estado socialista, planejando e dirigindo tudo, para solucionar esse pânico contínuo provocado por certo tipo de Ciência ao considerar os fenômenos humanos.

Um indivíduo dominado por esse espírito, ao analisar o que se passa nos astros, diria: “Há o problema das explosões no céu. Pensamos que de repente haja uma explosão e um corpo celeste pode mover-se em sentido contrário, ocasionando um desastre.”

Nós olhamos encantados para essas explosões trágicas e lindas, sem saber se é a apoteose de um processo que foi se formando na aparência da desordem para dar um magnífico fogo de artifício, ou se, pelo contrário, é um verdadeiro desastre.

Contudo, quer as explosões-desastre, quer as explosões-apoteose, triunfais, em que uma determinada situação se liquida no fulgor de uma bagunça magnífica, não há epidemias de desastres. Esses fenômenos se contêm, se circunscrevem, têm forças contrárias que os compensam, etc. Assim também a verdadeira sociedade orgânica, católica, em que a impiedade e o pecado estão contidos.

Explosões da santidade, do gênio, do talento

Por certo, mesmo em uma sociedade humana virtuosa e ordenada há desastres, choques, e convém atendê-los. Mas não é uma coisa que está a toda hora caindo, sendo preciso um Estado omnipotente, omnisciente, tomando conta de tudo, fazendo prodigiosos institutos, babéis securitárias para tomar conta disso. Deus nos livre dessas “camisas de força” administrativas, dentro das quais quase não se pode respirar nem piscar sem se deixar carimbar, estampilhar, fazer requerimento…

Felizmente ainda não foi dada aos seres humanos a oportunidade de tentar controlar o movimento dos astros, porque se houvesse essa possibilidade, podem ter certeza de que caía o dirigismo por cima disso também. E com ele sairia besteira. Isso tudo corre por si, pois não tem ali o pecado, o mal, nem os fatores de desordem que conhecemos.

Donde se tira uma conclusão que a mim agrada muito: uma sociedade humana da qual a impiedade e o pecado estivessem expulsos poderia ser nobremente livre, cheia de imprevistos magníficos e até, num certo sentido, de explosões benditas, que são as explosões da santidade, do gênio, do talento, da originalidade adequada, que de todos os lados se manifestariam. Originalidade aqui não é extravagância, mas novidade sadia.

De outro lado, constatamos até que ponto a impiedade e o pecado organizaram a desordem para que o mundo pudesse chegar ao ponto em que está. Esse próprio equilíbrio das coisas humanas, pelo qual, dentro do âmbito da virtude, elas podem entrar em desordem, mas se compensam e se consertam; esse equilíbrio magnífico que se pode chamar de saúde do gênero humano, entretanto, foi destruído por uma obra científica intencional, com o intuito de levá-lo até onde rolou e caiu.

Se não tivesse havido uma intenção e uma execução desse método, não teríamos chegado onde estamos em matéria de desordem, e não estaríamos ameaçados de descer ainda mais baixo. É esse o contraste que podemos notar entre o universo sideral e a sociedade humana, como ela nos aparece hoje em dia.

Os céus de Versailles cruzados por fogos de artifício

Imaginem o grande canal de Versailles, tendo ao fundo o castelo magnífico, o parque que se desenvolve ordenadamente de um lado e doutro do grande canal e se desdobra até um emolduramento de florestas, em que cada árvore é uma obra-prima de elegância, de graça, quase como se fosse um marquês ou uma marquesa, a ponto de se poder falar, de certo modo, das florestas como se fossem cortes.

Sobre as águas transitam harmoniosamente as gôndolas douradas que Luís XIV ali mandou pôr; embarcações com magníficos veludos que ficam pairando sobre a massa líquida e constituem como que a cauda pomposa da gôndola, algumas delas com lanternas iluminadas. Em algumas se ri, em outras se canta, em outras se toca música, em quase todas se come ou se bebe um pouco.

De repente, os céus de Versailles são cruzados por centenas de fogos de artifício magníficos que sobem e delineiam uma feeria de luzes e corpos celestes, lançados pelo homem para iluminar o firmamento, conforme o próprio homem imaginaria como o céu seria bonito. Portanto, uma imagem do firmamento toda ela artificial, construída pelo homem.

Se confrontarmos esse espetáculo com as figuras que vemos formadas pelos astros na abóbada celeste, poderíamos nos perguntar o que é mais belo. E num primeiro momento responderíamos com ênfase que a obra saída diretamente das mãos de Deus é incomparavelmente mais bela. Entretanto, não se pode negar que a ordenação artística e visível que o fogo de artifício põe, efemeramente, nos aspectos do céu tem para a mente humana algo de mais belo do que nos apresenta o universo sideral.

Esses astros, dispostos na desordem como alguém que enchesse a mão de farinha e esparramasse sobre um tecido, não têm para a concepção humana a beleza dos fogos de artifício, os quais formam geometrias magníficas quando lançados nos céus de Versailles ou de qualquer outro lugar.

Estaremos errados? Há um choque entre a obra divina e a humana? Deus trata o homem com tanto respeito e delicadeza, que fez todas essas maravilhas, mas deu-lhe a oportunidade de superar em algo aquilo que Ele mesmo criou. É um requinte de delicadeza e de misericórdia paterna, por onde o próprio Criador quer aparecer ao homem debaixo de outro aspecto, para que ele O ame mais inteira e plenamente.

Creio que, se não houvesse estrelas no céu, o homem não teria imaginado os fogos de artifício. Deus poderia perfeitamente ter feito fogos de artifício magníficos e incomparáveis, perto dos quais os nossos fossem uma caipirada. Mas não fez. Entretanto, criando os astros, deu-nos a ideia de um espetáculo pirotécnico, com a possibilidade de projetar no ar uma ordem que, debaixo do ponto de vista lógico e puramente estético, em algo é mais bonito do que a ordem que Ele fez.

Nossa Senhora é o centro e o ápice de todas as maravilhas do universo

Alguém poderá objetar: “Mas isso não O diminui? Não nos dá orgulho, fazendo-nos pensar que em algo somos mais do que Ele?”

Ora, Deus é tão poderoso e é tão autêntica a infinitude do seu poder, que Ele fez tudo isso, mas muito mais do que isso: criou almas capazes de pensar, imaginar e compor algo em certo sentido melhor do que aquilo criado por Ele. Ao fazer isso, demonstra um poder incomparavelmente maior, com a delicadeza de quem diz: “Meu filho, complete o desenho!”

Ao mesmo tempo, manifesta Ele essa grandeza fabulosa, como quem afirma: “Meu filho, veja o que tu és! És pensante e capaz de acrescentar uma nota de harmonia a tudo isso, porque és mais parecido comigo do que todo o universo. Essas são minhas semelhanças, tu és a minha imagem. Meu filho, como te amei quando assim te criei e quando aproximei as nossas naturezas, elevando a tua ao unir ambas numa só Pessoa! Veja como tudo isso é zero em comparação com as grandezas intelectuais, espirituais, morais, sobrenaturais para as quais foste criado. Quando um dia passeares por essas vastidões, em comparação com as quais és mais pequenino do que um micróbio, sentir-te-ás um verdadeiro rei, pois compreenderás que por teres existido, pensado, amado, sentido e agido conforme a Mim, teu Deus, te tornaste incomparavelmente mais belo do que todo o universo.”

Ó Sol, ó Lua, ó universo, ó maravilha! Ó poeira… A menor das almas que está no Céu é mais maravilhosa do que tudo isso.

Nosso Senhor Jesus Cristo Se voltaria para Nossa Senhora e diria: “Vós sois minha Mãe, o centro e o ápice dessas maravilhas. Em Vós há mais beleza do que em toda a Criação. Quem contempla o vosso olhar, contempla todo o universo em um grau de beleza e de perfeição como não se pode imaginar.”

Por fim, imaginemos a Santíssima Virgem, do alto do Céu, contemplando todas essas maravilhas e pedindo em nosso favor a graça de fazermos bem esta meditação, e Se interessando mais em ver o movimento da graça em nossas almas do que em conhecer o universo. Para Ela, cada um de nós vale muito mais do que essas imensidões que nos deslumbram. Com isso compreendemos quanto valemos, quanto Deus e Nossa Senhora nos amam, e que possibilidades magníficas, como também responsabilidades, há diante de nós. Assim, estaria feita uma reflexão, entre mil outras que a contemplação do universo sideral nos sugere.       v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/2/1977)

Revista Dr Plinio 254 (Maio de 2019)

O bom conhecimento da alma humana

Tratando com o próximo, não devemos desde logo considerar seus defeitos, mas precisamos ter um conhecimento exato de quais são seus lados positivos, e pensar como seria aquela alma se correspondesse ao que deve ser.

 

Para se ter um bom conhecimento da alma humana não se deve ir desde logo aprofundando na consideração dos defeitos. Essa é uma concepção detetivesca que para efeito de polícia terá sua utilidade, mas para nós não é a verdadeira.

Procurar ver no outro o que ele tem de melhor

É preciso, tratando com o próximo, ter um conhecimento exato de quais são os lados positivos, o que seria aquela alma se correspondesse ao que deve ser. A partir daí se faz uma medida do que a alma deveria ser e o que ela é, e se vê a diferença no que está faltando. Depois pode-se ter a consideração do que a pessoa infelizmente é, do que pode vir a ser, do mal para o qual ela tende. Mas a vista primeira que elucida todo o resto é o conhecimento do melhor aspecto da pessoa. Eu acho que o espírito dos ditos argutos não vê isto, e por essa razão eles acabam vendo muito pouca coisa.

Isso não é ingenuidade, porque não quer dizer que se imagine ser a pessoa como ela deveria ser, mas vê-se como ela deveria ser e não é. O que supõe na base da perspicácia uma generosidade de alma pela qual se é propenso a ver no outro o que ele tem de melhor, e não um rival, mas uma complementação de si próprio. Se a pessoa não tem esse estado de alma nunca chegará à verdadeira perspicácia.

Há, portanto, um certo discernimento na base de todo conhecimento, por onde se vê, antes de tudo, o melhor aspecto da pessoa e algo que tocaria quase na pessoa utópica, em que ela fosse a plena medida de si própria, na promessa de Deus. A partir disso, então, é que vêm os vários graus de conhecimento.

É muito importante esta impostação para conhecer as pessoas e saber agir em face delas, e ter assim o espírito retamente construído. Daí nasce um primeiro passo no caminho de uma ordem ideal realizável, que consiste em não se contentar com a vulgaridade, com a trivialidade, como sendo a própria face autêntica das coisas. Ao contrário, entender que a vulgaridade e a trivialidade são sempre deformações, pois nada é, ex natura própria, vulgar e trivial a não ser certas coisas materiais feitas por Deus para nos despertar a repulsa, pensar no Inferno, outras coisas assim; mas, de si, nada deve ser visto a não ser numa ordem cumeada que faz com que o justo viva de esperança e nunca perca, ao longo de sua vida, esse movimento de alma pelo qual ele trabalha continuamente para que todos e tudo se aproximem daquele ponto alto ideal.

A arte, a cultura, o verdadeiro progresso

Decorre daí uma visão de um plano de Deus sobre o conjunto das pessoas, das instituições, que é uma espécie de primeira elevação, primeiro salto que ainda não é voo, mas um ensaio de voo. A partir desse primeiro salto começa-se a subir para os saltos superiores.

A arte, a cultura, o progresso no sentido bom da palavra são uma tendência para isso. E o encanto da Europa esteve em que ela intensamente teve isso, foi muito modelada para que no contato com cada coisa se visse o ideal dela e que cada uma, sem ser idêntica ao ideal, participasse em algo do ideal que ela tinha consigo. E a alma assim como estou dizendo já acolhe essas participações com simpatia, com bondade, ela não olha para a coisa que apenas participa do seu próprio ideal e afirma frustrada: “Porcaria! Você não participa inteiramente.” Não, ela diz: “É pena você não participar inteiramente, mas em tal ponto eu me encanto”.

Há, portanto, uma espécie de posição benévola da alma que é o ponto inicial. A influência da Igreja ajuda fabulosamente as almas a serem assim. Eu conheci uma pessoa ou outra enormemente assim, que representava um convite contínuo a se colocar em função do próprio ideal. Não com repreensão, mas um convite generoso, bondoso, sem, contudo, ocultar o amargo da decepção.

Assim, há um primeiro movimento de alma por onde se constrói um mundo para o qual se deve tender com uma esperança infatigável, pois vendo existir ali um plano de Deus, tem-se sempre a esperança da misericórdia d’Ele e da realização.

A partir daí a pessoa pode subir, não digo cronologicamente, mas logicamente, para a utopia e depois para o sobrenatural. Há, pois, uma gradação que me parece interessante, mesmo porque não importa só à criança, uma vez que cada idade tem diante de si, a seu modo, essa encruzilhada e essa possibilidade que se abre.

Autêntico idealismo

Por exemplo, o modo de entender a vida de família pode comportar intimidades degradantes como também um respeito mútuo nobilitante, por mais pobre que seja, pois não entra em cena questão de dinheiro. Enfim, o convívio familiar pode elevar ou rebaixar, ter um dinamismo para cima ou para baixo, como também ter cruzadas algumas coisas muito altas e outras muito baixas onde, em geral, o muito baixo prevalece, naturalmente.

Ora, o feitio de espírito bem construído não omite nada disso. Ao pensar em morar no céu azul, não deixa de considerar, em concreto, o ambiente onde está, mas deseja o modelo ideal de todas as coisas que vê, e tende para ele, batalha por ele e é, portanto, um homem imerso nesta vida concreta. É muito diferente do utopista que se lança num voo com uma espécie de horror desta vida concreta, um indivíduo que entre duas leituras de Saint-Exupéry(1) poderia perfeitamente estar numa estrebaria malcheirosa, e para quem a utopia faz as vezes de uma droga. Não é isso! É do alto de uma vida concebida nos seus modelos ideais, na sua arquetipia – os arquétipos têm um grande papel nisso – que se situa o idealismo, palavra conspurcada de todos os modos, mas cujo sentido bom encontra-se nessa faixa; esse é autêntico idealismo.

O indivíduo que, fazendo uma reta análise de si mesmo, tem a noção do que ele deveria ser e procura participar do seu próprio papel na medida em que suas condições lhe permitam, não é um impostor, não visa inculcar a ideia de ser ele o que não é, mas procura ser tudo quanto deve, fazendo-o notar às outras pessoas, não para se estadear, mas por fidelidade aos seus próprios princípios.

Isto é o oposto da teatralidade. O teatral procura fingir ser o que não é, não tem nenhuma vontade séria de ser o que deve e procura até aparentar o que ele não deve ser nem foi feito para ser.

Modos de enfrentar a vida no mundo atual

É preciso levar em conta que o mundo moderno corrente – não o da quarta Revolução, mas da terceira Revolução expirante em que nos encontramos – apresenta a seguinte máxima: olhar para baixo é um pesadelo, olhar para cima é um sonho. Nós devemos rejeitar o pesadelo e o sonho, e viver nessa realidade chata e lisa. Mais ainda, ter sonhos atrapalha uma postura prática da alma por onde se pode evitar o pesadelo.

Eu vejo, por exemplo, o modo de um indivíduo conduzir uma doença. O sujeito tem uma enfermidade qualquer e considera isso um pesadelo e uma inferioridade. Entretanto, uma vez que tem essa doença, ele precisa formar a ideia mais lúgubre de tudo quanto possa lhe suceder de pior e viver na espreita para evitar que isso aconteça. Então, ele transforma sua vida numa batalha contra as hipóteses-pesadelo que o espreitam ao longo da enfermidade. Mas a mesma coisa se dá em relação à carranca que lhe fez o diretor da repartição onde ele trabalha; idem com o tédio que o cliente decisivo sentiu quando conversou com ele e que talvez o faça abandonar o escritório…

De tudo isso o indivíduo prevê as coisas piores que podem acontecer, e fica lutando contra aquilo para evitar uma ruína na sua vidinha e conseguir os interstícios de umas férias gostosas, numa viagem de transatlântico para não sei onde. Isso não é vida, não é ideal, mas é o mundo atual.

Eu vi pessoas dos antigos tempos adoecerem. Elas sabiam que havia as hipóteses extremas, mas as hipóteses médias eram sempre as mais prováveis. Então, preparavam-se para estas e viviam confortavelmente dentro da doença. O que se pode fazer a não ser isso? Hoje, não: consultam-se quinze médicos, fazem não sei mais o quê, conversam entre si sobre Medicina para saber se há mais uma invenção…

Um apelo para o mais elevado

A inocência é uma visão global das coisas que contém o que estou dizendo. Portanto, não estou fazendo outra coisa senão traçar um pormenor da inocência. Por causa disso também, a alma verdadeiramente inocente é benévola, com boa vontade se dá, acolhe, se abre. Com as agruras da vida, a inocência comporta uma decepção muito triste, mas não uma amargura anti-axiológica. Ela vê a realidade, mas tem esperança de que isso se recomponha, se reconstitua, pelo menos em alguma medida, e trabalha generosamente neste sentido, sem ilusões e sem se deixar arrastar nem calcar aos pés. Quer dizer, a inocência espera do mal todo o mal, e quando vê em alguém uma pontinha de mal, começa a recear que aquilo tome conta da pessoa à maneira de um câncer; isto é positivo. Contudo, mesmo na pior decepção aquela esperança fica.

Neste sentido é muito bonito o modo de Nosso Senhor tratar Judas. Aquela pergunta: “Judas, com um ósculo trais o Filho do Homem?” (Lc 22, 48) ainda tem algo, como quem diz: “Eu vejo tudo quanto há em você e lhe dou uma graça suprema para ser o que deveria.” “Amigo, a que vieste?” (Mt 26, 50). Pode haver uma coisa que indique mais a perseverança d’Ele na esperança de que Judas ainda viesse a ser o que deveria? Entretanto, Ele media também, sem ilusões, a infâmia aonde o traidor estava se atirando.

Isso gera um convívio no qual está presente o vislumbre de todo o bem, até o máximo a que pode chegar uma pessoa, e de todo o mal, também até o extremo onde pode afundar, o que traz um relacionamento ao mesmo tempo sem ilusões e nunca desesperançado, que tem sempre algo de condicional, de quem pensa: “Levarei a minha esperança até o último limite do ‘amigo, a que vieste?’, mas não me iludirei e saberei por que escadas tu desces, e o que de ti devo esperar, e também saberei tomar as precauções para me defender.” O que supõe, naturalmente, muito equilíbrio.

Como a maior parte das pessoas não leva em consideração a existência da graça, não interpreta bem o que se passa dentro de si. Quando alguém tem numa parte da alma algum elemento de virtude sobrenatural, que não recusou inteiramente, olha para si e pensa ter reservas morais ilimitadas e muito nobres, sente com isto um apelo para subir, o qual, de fato, vem da graça.

Papel da bondade

Por outro lado, quem tem experiência da vida espiritual é levado a reconhecer o papel da graça neste ponto: não há quem não tenha fossas dentro da alma e que não se sinta incapaz de vencê-las sem um milagre. Uso a palavra “fossas” de propósito. São infâmias, torpezas desconcertantes que a pessoa sente que não tem condições de vencer a não ser pelo milagre. Ora, para isso entra uma ação da graça, e a pessoa espera que esse milagre se opere.

Até vou dizer mais: isso se presta, com certa frequência, a abusos porque acaba dando uma noção errada da estabilidade à beira do precipício, e a pessoa não se dá conta de que, habituando-se a viver à borda do precipício, pode até não cair nele, mas o solo debaixo dos pés pode ir afundando cada vez mais, constituindo um outro modo de afundar num precipício sem se dar conta.

Cada um de nós carrega fossas asquerosas dentro da alma, e é justo, normal, que alguém receie cair nessas fossas. Como é natural também que outro tenha em nós a grande esperança de que alcancemos altos píncaros, e que no relacionamento conosco ele deseje enormemente que atinjamos o nosso píncaro, mas não sem um olhar atento para nos ajudar e se proteger, caso estejamos facilitando com a fossa. Não podemos ter a menor ilusão a esse respeito.

Aqui entra o papel curioso da bondade: quando alguém se aproxima muito de sua própria fossa, mas sente que o outro persevera em esperar que ele suba, recebe um impulso para cima. É uma baforada vinda de fora para dentro que levanta o homem todo; isto devemos fazer com o outro. Por isso Nosso Senhor disse a Judas: “Amigo, a que vieste?” Por que Ele disse “amigo”? Porque se naquela hora Judas dissesse “sim”, entrava na condição de amigo de Nosso Senhor, diretamente. O convite que entrou nesse “amigo” é o que devemos ter para todos, até depois de tudo consumado.

Infelizmente, as pessoas se tornaram insensíveis a esta forma de bondade como, aliás, Judas o foi. Pode-se usar esta bondade como se queira, as pessoas não se incomodam. Elas preferem a cumplicidade. Como não recebem, tornam-se inimigas.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/6/1982)
Revista Dr Plinio 254 (Maio de 2019)

 

1) Antoine Jean-Baptiste Marie Roger Foscolombe, Conde de Saint-Exupéry. Escritor, ilustrador e piloto francês (*1900 – †1944).

 

Jesus vivendo em Maria

Nossa Senhora deseja conceder–nos muito mais do que pedimos e até o que não sabemos pedir. Mas é preciso rogar a Ela com a intimidade e a certeza de sermos atendidos como se fôssemos uma criança de colo.

 

Comemora-se em Blois, na França, a festa de Nossa Senhora das Ajudas, a respeito da qual há a seguinte nota aqui consignada:

Cidade onde a heresia jamais penetrou

A devoção à Santíssima  Virgem da cidade de Blois, onde a heresia jamais penetrou, é grande e sincera. É importante que a heresia jamais tenha penetrado lá, porque houve C um período de calvinismo agudo na França  em que mais ou menos em todas as cidades, no século XVI, o protestantismo penetrou em quantidade maior ou menor. Que Blois tenha ficado isenta dessa lepra é uma coisa excelente e digna de  nota, e se relaciona adequadamente com a grande devoção que essa cidade sempre teve para com Nossa Senhora.

Seus habitantes, reconhecidos a tão magnânima Senhora, deram-Lhe o título de Nossa Senhora das Ajudas, pela proteção constante da Virgem que se faz sentir, não só nos tempos das heresias e  pestes, mas também em outras circunstâncias trágicas.

Portanto, a cidade sempre reconheceu ser especialmente protegida pela Santíssima Virgem. Assim constituiu- se a invocação de Nossa Senhora das Ajudas.

Em 1784, as águas do Loire que banham Blois ameaçavam submergir a cidade. O povo, unido, recorreu à sua intercessora e, durante a Missa, no momento da elevação, as águas começaram
a descer rapidamente, até o rio voltar ao seu leito normal.

Ora, uma inundação decorre de causas complexas que atuam com certo vagar. De maneira que é difícil que a água desça tão rapidamente. Temos, pois, a conjunção de dois fatores: de um lado,  Maria Santíssima protegendo nas necessidades materiais, e de outro, tomando essa proteção como um meio para encaminhar as almas à ideia de que Ela ampara também nas necessidades espirituais. Este é o auxílio de Nossa Senhora, o qual se manifesta aqui especialmente no dom inestimável da ortodoxia concedido a essa cidade preservada de modo insigne.

Maria Santíssima nos socorre nas angústias, tribulações e perigos

Relaciona-se com isso o seguinte pensamento de Santo Ildefonso: Ó Virgem Maria, sois clemente em nossas necessidades, doce  em nossas tribulações, boa em nossas angústias, pronta a nos socorrer em nossos perigos. Esta frase está muito bem calculada, porque em relação às necessidades é preciso ter pena, de onde vem exatamente a clemência, pela qual uma pessoa é tocada pelo infortúnio e apuro que outrem está passando.

Então, torna-se generosa. Nas tribulações, a pessoa quer doçura, encontrar um amparo, um apoio, uma palavra amiga. Eis porque, por exemplo, Nosso Senhor quis que seus Apóstolos estivessem  acordados e vigiassem no Monte das Oliveiras. Ele desejava o apoio, a doçura da amizade na tribulação na qual estava.

Assim, nas angústias Nossa Senhora é bondosa porque nos socorre nas tribulações e perigos. Há em São Paulo uma capelinha com um lindo título: Nossa Senhora dos Aflitos. É a Virgem Maria  invocada enquanto tendo pena, sendo clemente e misericordiosa para aqueles que se encontram em toda espécie de aflições. Quando se trata de uma aflição que Nossa Senhora pode remover sem  diminuir com isso o benefício espiritual da pessoa, Ela remove. Sendo uma aflição que, na sua sabedoria, Maria Santíssima julga necessária para essa mesma finalidade, Ela arranja um jeito de a  pessoa ter mais força, de sentir a doçura d’Ela, de poder resistir melhor àquela aflição. Esta é a ideia que vem externada nesta e em tantas outras devoções à Mãe de Deus.

Um ícone bizantino muito significativo

Mais especialmente esta ideia se exprime no culto a Nossa Senhora Auxiliadora. Para compreendermos cada vez melhor esta devoção, seria interessante fazer aqui o comentário de uma oração  composta pelo famoso Padre Condren, varão de alta espiritualidade da França, completada por Monsenhor Olier e enriquecida por Pio IX, em 1853, com trezentos dias de indulgência.

Esta oração foi objeto de um comentário especial do venerável Padre Libermann, e também Dom Chautard tem alguns trechos em que ele a comenta lindamente, em função de um ícone bizantino  que representa Nossa Senhora com um olhar recolhido em oração, onde se vê que Ela está contemplando ideias, conceitos, voltada para o mundo do espiritual e do imponderável, e não para as coisas contingentes que A cercam.

Ela está de mãos abertas, que era a atitude de quem rezava na antiga liturgia bizantina, e sobre o seu peito aparece um círculo, dentro do qual se encontra Jesus com o halo de santidade na cabeça,  representado ainda como muito mocinho, quase um meninote, tendo um rolo de pergaminho na mão esquerda e a direita em atitude de quem está lecionando. É uma alusão à Encarnação do  Verbo. Tendo em Si o Menino Jesus que, enquanto vivendo n’Ela é um Mestre, Nossa Senhora Se recolhe para ouvir os ensinamentos d’Ele em seu interior.

Por outro lado, a atitude contemplativa da Santíssima Virgem é um ensinamento que Ela dá aos outros. De modo que aqui a mediação se exerce magnificamente. O Menino Jesus ensina a Nossa  Senhora e, através d’Ela, instrui os de fora. O recolhimento d’Ela é docente. Este ícone representa precisamente o princípio de que, se temos vida interior e Jesus Cristo vive em nós pela piedade,  pela vida sobrenatural, pela moral, pelo desejo de nos santificarmos, pela fidelidade à ortodoxia – que é um imperativo do primeiro Mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas –, quando isto  acontece, então Nosso Senhor Se serve de nós como de uma tribuna, um púlpito ou uma cátedra, e através de uma osmose que se nota em nossas palavras e em todo o nosso ser, Ele ensina aos  outros.

Jesus e Maria vivendo em outros

Eu estava lendo uma biografia de São Francisco de Sales, na qual o autor fazia observar que o Santo escreveu alguns livros excelentes, como a “Introdução à Vida Devota”, e outro muito bom, sem  ser tão célebre, que é o “Tratado do Amor de Deus”. Pelas notas de sermões dele, verifica-se que eram exposições de pontos perfeitamente comuns da Doutrina Católica. Entretanto, as pessoas não  e saciavam de ouvir.

Um calvinista daqueles mais horrorosos foi ouvir o que ele dizia, e depois o interpelou, dizendo: — Ouvi o que o senhor disse. Quer que eu lhe diga francamente? Não compreendo sua fama. Não  entendo, sobretudo, porque essas senhoras procuram tanto pelo senhor. Analisando suas palavras, afinal de contas, escrevendo, muitos já disseram o que o senhor afirma. O que há, portanto, de  novo no que o senhor diz? Pois bem. O que havia era Jesus e Maria vivendo em São Francisco de Sales. Existia tal unção, tal vida interior, tal osmose da graça naquilo que ele dizia, que Deus falava  através dele e dava uma fecundidade extraordinária. De onde vinha a fecundidade?

Exatamente deste fato: a presença de Jesus e Maria em alguém, passando por osmose para outrem. São João Batista Maria Vianney era exatamente assim. Dom Chautard conta que uma vez um advogado de Paris foi ver o Cura de Ars e, voltando para a sua cidade, alguém lhe perguntou:

— O que você viu em Ars?

Ele respondeu:
— É muito simples. Eu vi Deus num homem.

Aqui está a ideia da “inabitação” que não é física, evidentemente, não tem relação nem sequer com a presença real, mas é receber a graça e irradiá-la. A graça vem exatamente desta “inabitação” de Deus que Nossa Senhora teve com presença física, real e sobrenatural, em todos os graus e modos possíveis.

Devemos ser leões que rugem contra o mal

A este propósito, pediram-me para comentar a seguinte oração, e depois falarei de Nossa Senhora como Auxílio dos Cristãos, em função disso.

Ó Jesus, que viveis em Maria, vinde e vivei em vossos servos: no espírito de vossa santidade, na plenitude de vossas forças, na perfeição de vossas vias, na verdade de vossas virtudes, na comunhão de vossos mistérios. Dominai sobre toda potestade inimiga em vosso espírito, para a glória do Padre. Amém.

Jesus viveu em Maria e, por Maria, Ele se comunica aos homens. Nossa Senhora é o sacrário, o santuário de dentro do qual todas as graças se difundem para os homens. Ela é o templo do Espírito  Santo, o tabernáculo onde está Nosso Senhor, e por causa disso devemos pedir a Jesus, enquanto vivente em Maria, pois é de dentro deste Templo que Ele quer receber nossas orações.

Pedir o quê? Que Ele viva em nós. Ou seja, que tenhamos o espírito de Nosso Senhor Jesus Cristo, um espírito todo ele santo, que é o espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. 

Portanto, o espírito contrarrevolucionário, expressão mais característica e radical do espírito da Santa Igreja.

Além disso, roguemos a plenitude das forças de Nossa Senhora. Maria Santíssima é a Virgem forte, combativa, intransigente e absolutamente inflexível diante do demônio, do mundo e da carne. 

Devemos pedir essa força, que é intransigência, vigilância e iniciativa dentro da combatividade. Contra o quê? Primeiro, contra o que há de mal dentro de nós. Em segundo lugar, contra o mal que  está fora. De maneira tal que sejamos leões rugindo contra o mal, como exatamente Nosso Senhor Jesus Cristo foi o Leão de Judá, e como sua Mãe Santíssima, de Quem se diz que, sozinha, esmagou todas as heresias do mundo inteiro.

Seguir de modo perfeito as vias de nossa vocação

Depois, pedir a perfeição das vias de Jesus. Nosso Senhor é quem traça a via para cada um. E para nós indicou a via de nossa vocação. Muitos não sabem qual é a sua vocação e rolam pela vida  como seixos do fundo de um rio. Nós, graças a Deus, sabemos qual é a nossa . A via para nós está clara. Devemos pedir a graça de segui-la de um modo perfeito, “na verdade de vossas virtudes”,  portanto, não uma virtude fofa, balofa, inconsistente, mas autêntica, verdadeira e sincera. Esta é a vida de Jesus que se comunica a nós.

Agora vem o pedido de uma ação contra nosso adversário: Dominai sobre toda potestade inimiga… Dominai o demônio, as forças do mundo que tentam arrastar-nos para o mal. Nós pedimos para  nosso bem, é evidente, mas para a maior glória de Deus, pois queremos isto por amor a Ele.

Mais do que o êxito do apostolado, precisamos querer nossa santificação

Que relação tem esse comentário com a festa de Nossa Senhora Auxiliadora? O maior dos auxílios que Maria Santíssima pode nos dar é exatamente o de nos comunicar este espírito de santidade,  esta força, esta perfeição de via, esta autenticidade de virtudes, esta comunhão de mistérios, esta vitória contra o demônio; e comunicar-nos tudo isso para nossa santificação.

Acima de tudo, mais até do que o êxito do apostolado, queremos que cada um de nós se santifique. E para esta santificação, o auxílio de Nossa Senhora se opera por essa forma.

O pensamento “Jesus vivendo em Maria” está muito ligado à noção de Nossa Senhora Auxiliadora. Ela apresenta-Se a nós, na imagem, com o Menino Jesus no braço para indicar a relação  materna que Ela tem com seu Divino Filho, aquela relação de intimidade absoluta, de atender as últimas e menores dificuldades de uma criança, com aquele afeto, aquela bondade, que se tem, não para com o grande  e o forte, mas para com o pequenino e o fraco.

Já pensaram o que representava para Nossa Senhora ver uma criança chorar? Perceber que ela tinha frio ou fome, e saber que era Deus infinitamente poderoso, nobre, Criador d’Ela, ali chorando  dentro do berço e pedindo o auxílio d’Ela, querendo ser tratado e adorado por Ela enquanto pequenino?

De tal maneira está entranhada nessa intimidade entre ambos a ideia de que Ele é Filho d’Ela, que Jesus quis receber de Maria um culto meigo, miúdo, acessível, todo feito de carinho, porque na  essência divina há um fundamento para isso.

Como se fôssemos uma criança de colo…

Isto fez da Santíssima Virgem a Mãe de todo o gênero humano. Nossa Senhora, Mãe de Jesus Cristo e de todos os cristãos, é Mãe do Corpo Místico de Cristo. E em relação a cada um de nós, a  posição d’Ela é de querer que sejamos como meninos, como o filho carregado no colo que Lhe pede toda espécie de coisas, e a quem Ela dá muito mais do que pede, até mesmo o que não sabe pedir. Mas a condição é de rezar com aquela intimidade, com a certeza de ser atendido por Ela, como se fôssemos uma criança de colo. É a este título que Maria nos auxilia. É aquela multidão de  auxílios concedida aos pequenos, muito mais do que aos grandes.

Aqui está bem o traço filial da devoção a Nossa Senhora Auxiliadora e que estabelece uma linha de comunicação, de afinidade ou de identidade com a pequena via de Santa Teresinha do Menino   Jesus. É a criança, o pequeno que cultua a Virgem Maria por esta forma, e com quem Ela quer ter relações assim. Debaixo deste ponto de vista se poderia dizer que o Reino dos Céus é dos  meninos, e quem não for pequenino não entra nele.

Na Igreja, as almas mais grandiosas, mais majestosas, mais fortes, mais extraordinárias, sempre que trataram da Santíssima Virgem Maria, falaram nesse diapasão. Mesmo quando disseram as  coisas mais altas sobre Ela, tinham bem em mente ser a Mãe que desejava tratar a cada um deles com aquela bondade, aquela solicitude, aquele sorriso com que se trata um menino. Aqui está um “aperçu” da devoção a Nossa Senhora enquanto Auxiliadora.

 

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 254 (Maio de 2019)

A guerra psicológica revolucionária

Nos tópicos aqui selecionados, Dr. Plinio nos explica como, na impossibilidade de instaurar seu domínio imediato e de mostrar seu hediondo rosto por inteiro, a Revolução se vê obrigada a utilizar diversos estratagemas, um dos quais é a guerra psicológica, impalpável, que atua de modo insidioso na mentalidade do homem.

 

Que é o comunismo?

É uma “seita filosófica que deduz de seus princípios uma peculiar concepção do homem, da sociedade, do Estado, da História, da cultura, etc.  Exatamente como a Igreja deduz da Revelação e da Lei Moral todos os princípios da civilização e da cultura católica. Entre o comunismo, seita que  contém em si a plenitude da Revolução, e a Igreja, não há, pois, conciliação possível” (p. 139-140).

Rancor dissimulado

Qual a grande esperança atual do comunismo?

“A guerra  revolucionária psicológica.

“Embora nascido necessariamente do ódio, e voltado por sua própria  lógica interna para o uso da violência exercida por meio de guerras, revoluções e atentados, o comunismo internacional se viu compelido por grandes modificações em profundidade da opinião pública, a dissimular seu rancor, bem como a  fingir ter desistido das guerras e das revoluções”.

Porém, o comunismo “não extingue a violência, mas a transfere do campo de operação do físico e palpável, para o das atuações psicológicas impalpáveis” (p. 172- 173).

Guerra psicológica, mas total

Qual o principal objetivo da guerra psicológica revolucionária?

“Alcançar no interior das almas, por etapas e invisivelmente, a vitória que certas circunstâncias lhe estavam impedindo de conquistar de modo drástico e visível, segundo os métodos clássicos” (p. 173).

Tal guerra realiza tão-somente operações esparsas?

“Bem entendido, não se trata aqui de efetuar, no campo do espírito, algumas operações esparsas e esporádicas. Trata-se, pelo contrário, de uma verdadeira guerra de conquista — psicológica, sim, mas total — visando o homem todo, e todos os homens em todos os países” (p. 173).

Mal que visa todas as potências e fibras da alma humana

Poderia nos explicar melhor esse objetivo?

“A guerra psicológica visa a psique toda do homem, isto é, ‘trabalha-o’ nas várias potências de sua alma, e em todas as fibras de sua mentalidade.

“Ela visa todos os homens, isto é, tanto partidários ou simpatizantes da III Revolução, quanto neutros ou até adversários” (p. 173).

De que meios ela se utiliza?

“Ela lança mão de todos os meios, a cada passo é-lhe necessário dispor de um fator específico para levar insensivelmente cada grupo social e até cada homem a se aproximar do comunismo, por pouco que seja.  E isto em qualquer terreno: nas convicções religiosas, políticas, sociais e econômicas, nas impostações culturais, nas preferências artísticas, nos modos de ser e de agir em família, na profissão, na sociedade” (p. 173-174)(1).  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 134 (Março de 2019)

 

1) Para todas as referências: Revolução e Contra-Revolução, Editora Retornarei, São Paulo, 5ª edição em português, 254 páginas.

São Fernando de Castela

Rei e arquétipo do batalhador incansável, São Fernando de Castela foi extraordinário exemplo do homem forte e herói, completado pelas antíteses harmônicas: alma mais vigorosa que o corpo, ímpeto maior que a musculatura; ideal ainda maior que o ímpeto; e uma total abnegação de si, em aras desse ideal.

De tal maneira que não se tratava de um César imaginando-se nos triunfos de Roma, mas de um verdadeiro santo que pensava no Céu…

Reflexão na festa de Pentecostes

No Cenáculo, um crepitar de ardor. Apóstolos e discípulos se encontram reunidos em torno de Maria Santíssima. De súbito, um grande estalo, “harmonioso e angélico”. O Espírito Santo desce e ilumina a todos, por meio da Virgem, sua Esposa. Dr. Plinio, com os olhos da fé, descreve Pentecostes.

 

É excelente comemorar a Festa de Pentecostes, a vinda do Divino Espírito Santo sobre toda a Igreja Católica, a qual naquele tempo era pequena. Constituíam-na Maria Santíssima, os Apóstolos e algumas pessoas que haviam permanecido na fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, apesar de tudo quanto se passara na sua Paixão e Morte. E graças ao Pentecostes, o número de cristãos multiplicou-se de repente, além de toda a medida do excogitável.

Uma explosão harmônica e angélica

Quando desceram as labaredas, produziu-se dentro do Cenáculo um grande estalo, ouvido em toda a cidade de Jerusalém. Podemos supor que esse estampido tenha sido muito bonito, pois aquilo que Deus faz vem acompanhado, normalmente, de beleza e magnitude.

Não havendo — que seja do nosso conhecimento — dados concretos a respeito da natureza daquele estalo, e sem que nossa imaginação contrarie em algo a Sagrada Escritura, é-nos lícito conjecturar o seguinte: deu-se ele não sob a forma de um troar de artilharia (que ainda não existia), mas como uma explosão harmônica e angélica.

A palavra “explosão” traz consigo a ideia de desordem, de caos, pois significa a demolição de algo através da decomposição de seus elementos internos. Trata-se de uma destruição, gerada e seguida de desordens.

Na descida do Divino Espírito Santo houve precisamente o contrário: foi a vinda d’Aquele que é o Criador, a Ordem, a boa disposição das coisas. Seria natural, portanto, que naquela explosão (empregada no sentido da irrupção brusca, forte e enfática) os sons fossem angelicamente belos e concatenados, à semelhança de certas músicas iniciadas com uma retumbante abertura.

Podemos também imaginar que perfumes deliciosos se difundiram pelo ambiente! Nada ou muito pouco teriam a ver com o conceito comum de fragrância vendida em lojas comercias.  Seriam odores mais espirituais que materiais, espalhando-se por todo o universo palpável daqueles arredores, partindo do lugar onde se situava o Cenáculo.

Além dos sons harmoniosos e dos aromas, terão havido lindas reações da natureza como, por exemplo, pássaros que se reuniram e se puseram a entoar seus mais belos trinados. Enfim, pode-se supor que toda a Criação se rejubilou com a descida do Espírito Santo. Ele veio a Nossa Senhora e, por meio d’Ela, aos Apóstolos, sob a forma de línguas de fogo, transformando suas mentalidades e os santificando.

A partir de então, os Apóstolos passaram a atear esse fogo — ou seja, a ação da graça divina e a expansão da Igreja Católica — no mundo inteiro, e até hoje ele se difunde entre nós, fruto do milagre de Pentecostes.

A presença do Espírito Santo nos edifícios sagrados

Esse influxo do Espírito Santo podia ser percebido em certas igrejas, por exemplo a de Santa Cecília, onde fui batizado. Quando menino, ao entrar nesse templo, tinha a impressão de que ali pulsava uma vida difusa repleta de bênçãos as quais podiam como que ser seguradas pelas mãos. Tratava-se de uma mera impressão, porém muito palpável, comparada a uma chuva feita só de orvalho.

Essa igreja possuía uma acústica muito boa, e quando andávamos — minha irmã, uma prima nossa e eu — no recinto sagrado, nossos passos repercutiam harmoniosamente naquela atmosfera. Era um som bonito, do caminhar de três crianças inocentes, e tudo ali me proporcionava uma satisfação extraordinária.

Assim eram em geral as igrejas católicas, cujas bênçãos vêm de Deus através dos órgãos, dos vitrais, das imagens, colunas, arcos, etc. Tenho certeza de que muitos sentiram sensações semelhantes ao entrarem nos templos católicos, essa unção e essa graça especiais que não encontramos em nenhum outro lugar do mundo.

Tudo isso teve seu início no Cenáculo, no meu entender o primeiro ambiente da Terra inteiramente abençoado e sacrossanto, onde esta impressão permaneceu enquanto durou o prédio original e nele foram realizadas cerimônias sagradas. Essa presença de um certo imponderável em todas as coisas católicas é uma manifestação do Divino Espírito Santo, percebida pela primeira vez em Pentecostes.

Graças obtidas por Nossa Senhora

Podemos imaginar que, naquela ocasião, estava Nossa Senhora sentada numa cadeira de braços como se fosse um trono, colocado num estrado, tendo diante d’Ela os doze Apóstolos sentados em tronos menores, dispostos mais ou menos em semicírculo.

Todos rezavam, pois haviam feito um longo recolhimento espiritual e suplicaram graças, as quais desceram sobre cada um deles em torrentes, a rogos de Maria Santíssima, medianeira de todos os dons divinos. Segundo nos ensina a doutrina católica, Nosso Senhor sempre atende os pedidos de sua Mãe em nosso favor, e Ela tem para conosco toda espécie de misericórdias e bondades, alcançando-nos não apenas as graças de que necessitamos, como também o conhecimento exato e a justa ponderação de nossas faltas e imperfeições. Em seguida, o pesar, ou seja, a contrição. Esta é preciosa, pois torna agradável a Deus a alma até há pouco carregada de pecados.

Continuando a se dirigir a Deus, sempre por meio da Virgem Maria, a alma recebe graças e mais graças.

Quantos e que espécie de favores divinos os Apóstolos terão alcançado, estando assim juntos de Nossa Senhora, participando de seu convívio e com Ela conversando?

Podemos imaginar que, nessa situação, um deles talvez tenha se levantado, feito-Lhe uma vênia profunda, ajoelhou-se, acusou-se de seus pecados e pediu perdão.  E a Mãe de Deus, fitando-o com bondade e delicadeza inigualáveis, lhe diz: “Filho, vou rezar por ti. Tem certeza, teus pecados serão perdoados”. Permanecendo mais um tempo genuflexo, ele afinal se ergue e retorna ao seu lugar…

“Grand-retour”, a Pentecostes nos dias de hoje

Crepita um ardor na sala. E um a um, os demais Apóstolos procedem da mesma forma. Aproveitam para contar fatos da vida de Nosso Senhor, ocorridos no convívio deles com o Divino Mestre, que os outros ouvem com avidez extraordinária. Nesse ambiente — de um silêncio eloquente, ou eloquência silenciosa — o fervor aumenta e em determinado momento todos se sentem mais no Céu do que na Terra.

O espírito de Nossa Senhora paira a uma altura inimaginável, sem perder contato com os filhos d’Ela. Em certa hora, uma luz começa a aparecer. Quando ela se torna mais intensa e se generaliza, há um estouro harmônico e perfumado. Os anjos cantam, Nossa Senhora está recolhidíssima, como no instante em que se deu a Encarnação do Verbo em seu seio puríssimo, ou quando Ela segurou em suas mãos o Menino Jesus, logo após Lhe ter dado à luz, e seus olhares pela primeira vez se cruzaram.

Tudo isso se pode imaginar com cuidado, para não se cair em erro. Porque a imaginação voa, e é capaz de nos levar a sérios enganos. Assim, nunca devemos conjecturar algo que não esteja de acordo com a doutrina da Igreja baseada na Escritura, a qual foi redigida sob a inspiração do Espírito Santo. Contudo, nossa alma pode supor coisas que alimentem seu próprio fervor, e nos proporcionem a ideia de como os fatos se teriam passado.

Se houvesse hoje um milagre semelhante ao de Pentecostes, o que aconteceria?

Um dado fundamental distingue nossa época daquela. No tempo de Jesus Cristo existia o mal, como o prova a Paixão e Morte de Nosso Senhor tramada pelos seus adversários, que tinham sido reprovados pelo Redentor com veemência em suas pregações. Havia o mal, não porém a Revolução.  Esta é uma forma organizada, articulada, estruturada do mal, como se fosse um país invisível. Existe por toda a parte, trama contra o bem e procura atacar tudo quanto o represente.

Se em nossos dias sobreviesse fenômeno parecido com o de Pentecostes, teríamos de imaginar — com quanta alegria! — os anjos esmagando a Revolução pelo mundo afora. Seria, então, o nosso Grand-Retour, uma conversão completa, um total repúdio a todo o mal que havíamos feito, e um amor inteiro às virtudes e a todo o bem que éramos chamados a praticar e a realizar. Em suma, um voo à santidade, que abarca o perfeito amor a Deus e ao próximo, com o deliberado propósito de extinguir a Revolução sobre a face da Terra.

Temos assim uma proveitosa reflexão para a Festa de Pentecostes. 

São Simão Stock recebe a libré de Nossa Senhora

No momento em que tudo parecia perdido para a Ordem do Carmo, Maria Santíssima aparece a São Simão Stock e lhe concede o Escapulário, assegurando, assim, o florescimento e desenvolvimento da Ordem no Ocidente, e sua continuidade até os nossos dias.

 

Hoje é festa de São Simão Stock, confessor. Ele era da mais alta nobreza da Inglaterra, e foi Prior Geral da Ordem do Carmo. Recebeu o Santo Escapulário das mãos de Nossa Senhora, como sinal da predileção d’Ela pela Ordem. Deu o primeiro grande impulso à vida contemplativa carmelitana. Século XIII.

Ponte desde os primórdios da devoção mariana até o fim do mundo

A respeito de São Simão Stock e da Ordem do Carmo, é preciso termos bem em mente a importância da obra deste santo numa linha muito alta das coisas, para compreendermos bem quão grata nos deve ser a festa que hoje se comemora.

Tendo o Profeta Elias fundado os antecedentes da Ordem do Carmo, esta representou o primeiro filão da devoção marial no mundo. Elias simboliza o extremo da devoção a Nossa Senhora e lutará, no fim do mundo, contra o Anticristo e contra os últimos inimigos de Nosso Senhor. E constitui, portanto, uma espécie de ponte, desde o início da devoção a Maria Santíssima, séculos antes d’Ela ter nascido, até a luta contra os últimos inimigos de Nossa Senhora, que estarão acabando com o Reino de Maria, e contra os quais vai lutar precisamente Santo Elias.

Compreende-se, portanto, a importância dessa ponte que se estabelece desde os primórdios da devoção mariana até o fim do mundo, e dessa continuidade, para o espírito contrarrevolucionário e para a verdadeira piedade marial.

Ordem do Carmo transformada em destroços

Consideremos a emergência diante da qual São Simão Stock foi levado a realizar o seu apostolado.

Tinha havido as invasões dos sarracenos, e a Ordem do Carmo, que existia no Oriente, estava perseguida, enxotada e muitos religiosos passaram a viver no Ocidente.

Mas no Ocidente eles não se aclimatavam. Havia indiferença para com eles, não se compreendia o que eram, e estavam meio dispersos. São Simão Stock era o Geral deles, mas não exercia uma autoridade efetiva sobre uma Ordem propriamente constituída; podemos dizer que a Ordem do Carmo estava transformada em destroços que boiavam sobre um mar revolto, e não era mais um navio, com uma estrutura jurídica coesa e uniforme, capaz de conservar um espírito, de promovê-lo e transmiti-lo à posteridade.

E foi nessa situação que ele, rezando a Nossa Senhora com muita devoção, pediu que Ela não deixasse morrer a Ordem do Carmo.

No auge dessa aflição em que se encontrava o santo, a Mãe de Deus lhe apareceu e deu-lhe o Escapulário do Carmo. Não é propriamente esse bentinho que se usa comumente, mas aquele escapulário grande, à maneira de uma libré, que se colocava sobre a túnica.

Tratava-se de uma época em que ainda se usava muito a túnica, como traje civil comum. E os homens que pertenciam a alguém vestiam, por cima de sua túnica, uma espécie de túnica menor — com a forma do atual escapulário do Carmo — a qual indicava, pela cor e por outras características, o senhor a quem aquele homem servia. Portanto, a Virgem Santíssima indicou aquela veste como libré d’Ela, que os carmelitas deveriam portar sobre a batina.

Depois dessa intervenção de Nossa Senhora, a Ordem do Carmo começou a florescer e a se desenvolver extraordinariamente no Ocidente. E para falar apenas em três frutos desta Ordem, citemos Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz e Santa Teresinha do Menino Jesus. Quer dizer, três sóis no firmamento da Igreja.

Lição de confiança

Entretanto, mais do que isso — e não hesito em afirmar que é mais —, assegurou a continuidade da Ordem até os nossos dias. Foi, portanto, uma missão enorme que esse santo cumpriu.

Ele foi o traço de união entre a vida ocidental e a vida oriental da Ordem. E no momento em que, nessa espécie de istmo entre esses dois continentes históricos, a Ordem se adelgaçava a ponto de parecer sumir, precisamente nesse momento, Maria Santíssima intervém para salvar e dar muito mais do que havia antes. A Ordem teve, no Ocidente, uma prosperidade muito maior do que tivera no Oriente.

Nas obras que Nossa Senhora ama, as coisas podem chegar a ponto de se despedaçarem, se estraçalharem quase completamente. Tudo parece perdido, mas é o momento que Ela reserva para intervir.

As grandes intervenções de Deus são precedidas por uma fase onde tudo parece destruído, para ficar inteiramente claro que nenhum socorro humano adianta de nada. Depois de provado que tudo quanto era humano fracassou, na hora da desolação e do caos, Deus intervém, por meio de Nossa Senhora, e salva a situação. Foi o que se deu com a história da Ordem do Carmo. Ou seja, uma lição de confiança magnífica dada para todos os carmelitas no decurso dos séculos.

Vamos, então, nos recomendar hoje a São Simão Stock.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/5/1966)

 

O início de uma epopeia!

Reunidos em torno de Nossa Senhora no Cenáculo, Apóstolos e Discípulos são tomados de ardor quando, de súbito, o Espírito Santo desce e os ilumina. A partir de então, tudo mudaria em suas vidas.

 

Depois da morte de Jesus, os Apóstolos passaram alguns dias meio estonteados. Porém, permaneceram no Cenáculo aos pés de Nossa Senhora, e com isto foram recobrando as graças que mesmo as almas mais infiéis readquirem ao se porem junto à Virgem Maria.

Quando Nosso Senhor apareceu-lhes após a Ressurreição, houve uma espécie de processo de conversão, ao longo do qual o Redentor apareceu-lhes várias vezes, tornando evidente o seu triunfo e patente o seu caráter divino.

O ápice glorioso e definitivo deste período de ascensão — durante o qual foram como que se quebrando as crostas que havia na alma dos Apóstolos e Discípulos — foi o dia de Pentecostes, quando estavam reunidos, em recolhimento e oração muito elevada, no Cenáculo. Nossa Senhora presidia a reunião; junto a Ela estava São Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, bem como todos os demais Apóstolos, aqueles que por excelência são o sal da terra e a luz do mundo.

Sob a forma de chamas, desce o Espírito Santo

Cada vez mais o Espírito Santo agia sobre eles de um modo profundo, e a oração tornava-se mais elevada; em determinado momento, produziu-se um enorme estrondo e o Paráclito entrou naquela sala, sob a forma de chamas. Uma grande chama pousou sobre Maria Santíssima e depois se dividiu em várias outras sobre os Apóstolos.

Eles saem do Cenáculo e começam a pregar, produzindo um verdadeiro acontecimento na cidade. Encontram-se de tal maneira entusiasmados com o fogo do Espírito Santo, tão alegres, contentes, com tanta força, que muitos pensam estarem eles embriagados.

É o que a linguagem da liturgia chama de “a casta embriaguez do Espírito Santo”: um entusiasmo que não vem da intemperança, mas de uma plenitude da temperança, que faz com que a alma, inteiramente senhora de si e dominada por Deus, profira palavras tão sublimes e diga coisas tão extraordinárias, com tanto fogo, que muitas dessas coisas nem são adequadamente captadas pelos outros. Mas são coisas que arrebatam a todo mundo. Começa, então, a expansão da Igreja com uma plenitude do Espírito Santo, que nunca a abandonará.

A plenitude do Espírito Santo penetra na Igreja Católica

Desde aquele momento, onde houver autênticos católicos haverá uma presença do Divino Espírito Santo que se faz sentir pela infalibilidade da doutrina, pela continuidade da santidade, pelo vigor apostólico, e por um certo ambiente indefinível que é a alegria da alma do católico, por onde sabe-se que a Igreja Católica é a única verdadeira, eternamente a Igreja verdadeira, independente de provas ou de apologéticas.

Quantas vezes, entrando em alguma igreja, temos de repente uma sensação sobrenatural de recolhimento, enlevo, que nos leva a dizer: “Esta é a verdadeira Igreja! O que não for isto é erro, mentira e impostura. A ela quero me dar inteiramente!”

Essa sensação é uma centelha do fogo de Pentecostes, desta permanência definida e definitiva do Espírito Santo entre os verdadeiros fiéis.

Em Pentecostes, o início de uma epopeia…

Durante sua vida, Nosso Senhor fundou a Igreja. Mas, quando Ele morreu, ela era ainda como um edifício inacabado.

Morrendo na Cruz, Jesus regou a Igreja com seu Divino Sangue. Até então, ela era como uma planta que apenas começara a germinar, a se desenvolver, mas que não tinha dado ainda nem frutos nem flores. Com a descida do Espírito Santo, os frutos e as flores aparecem, e a Igreja começa a se mostrar com a sua força e sua beleza definitivas. A partir desse momento, com alguns Apóstolos que se dispersam, se inicia a grande epopeia da Igreja Católica.

Alguns permanecem no Oriente Médio, outros vão pregando nas mais variadas regiões da Terra; uns fracassam, outros têm êxito. Os que têm êxito fundam a Cristandade, a qual se eleva acima de todas as nações da Terra e a domina.

A obra de Nosso Senhor Jesus Cristo adquiriu em Pentecostes a sua plenitude, pois até então os Apóstolos não viam, não entendiam, não agiam bem; com Pentecostes, de repente, tudo mudou.

Essa graça lhes veio por meio de Nossa Senhora. O fogo pousou sobre a cabeça d’Ela para depois se dispersar sobre todos os outros, a fim de dar a entender que a Virgem Maria é a Medianeira de todas as graças, tudo nos vem por meio d’Ela.

Desejo de um novo Pentecostes

Pentecostes, só houve um e não existirá outro até o fim do mundo. Mas poderá haver fatos análogos a Pentecostes. Quer dizer, aqueles que se juntam a Nossa Senhora para rezar, em determinado momento podem ser visitados por uma graça súbita, extraordinária. E mesmo os mais opacos, os mais tíbios e os mais transviados podem, de repente, ficar cheios da embriaguez do Divino Espírito Santo.

Nós estamos numa época em que cada vez mais o espírito das trevas progride, avança e parece dominar tudo. Não seria lógico, simétrico, razoável e proporcional que, no momento onde o Espírito Santo parecesse completamente enxotado da Terra, Ele de repente voltasse? E voltasse com um grande estrondo e todas as coisas começassem a se modificar? Seria uma coisa concebível.

Quem sabe se o “Grand Retour” que nós esperamos terá essa forma? Quem sabe se um acontecimento, um fato, uma graça nos mudará a todos num instante e, afinal de contas, seremos aquilo que devemos ser?

Aos pés de Nossa Senhora se recebe o Espírito Santo

É bom termos em mente a noção de que, aos pés de Nossa Senhora, se recebe o Divino Espírito Santo; e quem obtém o Divino Espírito Santo possui a própria fonte de todas as graças, e assim se converte completamente. Portanto, pedindo em união com Maria obteremos repentinamente a graça que tanto penamos para conseguir, mas por nossa maldade não correspondemos suficientemente e ficamos na nossa cegueira. Exatamente como os Apóstolos, que lutaram algum tanto para ter essa graça, mas corresponderam de um modo incompleto e ficaram no estado em que sabemos.

Devemos apresentar, por meio de Nossa Senhora, esta oração a Nosso Senhor Jesus Cristo: “Enviai para este mundo revolucionário, corrupto, transviado, cego, abobado, o Divino Espírito Santo, e todas as coisas serão como que novamente criadas; tudo reflorescerá. E Vós, meu Deus, tereis renovado a face da Terra.”

Peçamos a Nossa Senhora que Ela obtenha para nós o Divino Espírito Santo, e assim tomaremos uma nova vida. É isso que, com confiança, com espírito fiel, precisamos pedir no dia de Pentecostes. Tenho certeza de que essa oração será atendida. Porque, se é verdade que para quem bate se abre, para quem pede se dá, isto é sobretudo aplicável à oração na qual rogamos o Divino Espírito Santo.

O que, acima de tudo, Nossa Senhora quer nos conceder é o bom espírito, do qual o Espírito Santo é a fonte. Todas as outras graças são colaterais. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/5/1972)

 

O cone do Fuji-Yama

O aspecto emocionante do Fuji-Yama é que ele faz surgir a ideia de como seria um cone perfeito. Vê-se nesse cone, sobretudo, o sublime. O fato de ele não existir, mas ser imaginário, insinua um cone de uma beleza como que irreal, que vai diretamente para o maravilhoso. A louçania da inocência vem disso: contemplar o “cone do Fuji-Yama” naquilo que nos rodeia.,

 

Ao contemplar uma fotografia representando o Fuji-Yama, procura-se, quase instintivamente, colocar com a mão a ponta do cone. Mas ninguém faz ali o cone perfeito, que daria toda a beleza à montanha.

Um sublime com clarões paradisíacos Embora seja uma coisa física, é à maneira de um  conhecimento metafísico, sob a forma de negação – não é este cone, nem aquele, nem aquele outro –, que aparece uma ideia de como seria um cone perfeito. E, a meu ver, o aspecto emocionante do Fuji-Yama é esse.

A Tenho a impressão de que se vê no “cone do Fuji-Yama”, sobretudo, o sublime. O fato do cone  não existir, mas ser imaginário, insinua um cone de uma beleza como que irreal, que vai diretamente para o maravilhoso. E é claro que, no imaginar o cone maravilhoso, entra por detrás uma nota de sublimidade.

No “cone do Fuji-Yama” há um sublime com clarões paradisíacos. Cada grau de beleza tem lampejos do grau superior, e o mais tênue dos graus possui um fulgor de sublimidade.

Talvez nem todo o mundo veja o “cone do Fuji-Yama” das coisas. De onde me parece perceber que a louçania da inocência venha disso: ver o “cone do Fuji-Yama” naquilo que nos rodeia.

A Civilização Cristã

É uma alegria ver todas as coisas na sua ordem ideal, achar que foram feitas para essa ordem e perceber que clamam por ela; todo o movimento da natureza no Paraíso seria uma realização do “cone do Fuji-Yama”.

E há nesta Terra uma civilização, não digo incompleta, mas com lacunas, que tende para a  realização desse “cone do Fuji-Yama” da natureza: é a Civilização Cristã.

Daí decorre que tudo se apresenta numa ordem magnífica, que seria certo “otimismo” se não fosse o fato de haver pelo meio o inimigo do homem, o demônio e todo o resto.

A Igreja Católica e a doutrina por ela ensinada facilitam a dar o “cone do Fuji-Yama” de tudo, e  apresentam o universo, toda a natureza, nessa ordem. Não está dito formalmente, mas é isto.

Daí vem a certeza de que, ou acaba o mundo, ou as coisas têm de caminhar para essa ordem.  Porque há um clamor de todas as coisas para isso, e esse clamor ruge e pede a Deus por vingança quando é contrariado.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 5/9/1974, 5/5/1975 e 10/11/1980)

Visita de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel

Ao entoar o seu Magnificat, Nossa Senhora se alegra pelo fato de Deus, tendo considerado a sua pequenez, querer exaltá-La, estabelecendo com Ela uma gloriosa relação. “Engrandeceu-me, e nisto agiu santamente Aquele que é poderoso, pois o me ter feito grande redundará em benefício e obra de misericórdia para todas as gerações, em todas as épocas da História” — é o pensamento que A inspirava.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 27/9/1990)