Visitação de Nossa Senhora a Prima Isabel

Episódio sumamente rico em importantes aplicações para nossa vida espiritual, a Visitação de Nossa Senhora nos mostra como Santa Isabel, prima da futura Mãe de Deus, teve um conhecimento imediato de que o Messias se achava ali presente, encarnado no seio puríssimo de Maria. Ela o soube, não só por uma inspiração da graça, mas também por uma espécie de sentimento, de percepção do divino, excelentes, que a fizeram discernir a presença de Jesus.

Essa percepção, esse sentimento, cada católico deveria ter — em grau proporcionado — para amar todas as coisas que sejam segundo Deus, e para rejeitar aquelas que Lhe são contrárias.

O "Magnificat", cântico de jubilosa despretensão

Após haver recebido a excelsa comunicação de apressou-se em partir ao encontro de Santa Isabel, nas montanhas da Judeia. Ao chegar, exaltada por sua prima e profundamente reconhecida pelo ápice de dons com que fora galardoada, Maria entoou seu imortal Magnificat.

Deus, autor da grandeza de Nossa Senhora

O pensamento fundamental desse cântico poderia ser assim expresso por Nossa Senhora: “Deus realizou em mim coisas extraordinárias, as quais são obra d’Ele e não minha. Não sou a autora de toda essa grandeza. Foi Ele que houve por bem depositá-la em mim, e Eu a aceitei em obediência aos seus superiores desígnios. Essa grandeza, portanto, enquanto habita em mim tornou-se minha, mas a causa dela vem de fora e do alto. Por mim mesma, não sou senão uma pequena criatura”.

De fato, embora concebida sem pecado, e tendo correspondido à graça do modo mais perfeito possível, Nossa Senhora era uma mera criatura, e assim tais grandezas não podiam ter origem na natureza d’Ela. Provinham-Lhe de Deus Nosso Senhor. Este é o pensamento despretensioso e fundamental do Magnificat.

Cabe aqui uma aplicação a nós, filhos e devotos de Maria, que tanto desejamos imitá-La. Se era essa a posição que a Imaculada tomava em face de suas excelências, a “fortiori” deve ser a nossa diante das graças que Deus nos concede, a nós que somos pecadores a dois títulos. Primeiro, porque concebidos no pecado original; segundo, porque agravamos essa condição com as faltas perpetradas em nossa vida, de sorte que, mesmo perseverando no estado de graça, trazemos conosco o fardo dos pecados que outrora cometemos.

De outro lado, as honras que possam nos caber são incomparavelmente menores que as de Nossa Senhora. Desse modo, é preciso nos esforçarmos em adquirir o mais elevado grau de despretensão ao nosso alcance. Não incorramos no erro dos presunçosos, que julgam inerentes à sua própria natureza, e não a um dom ou misericórdia de Deus, todas as suas qualidades e aspectos bons.

Pelo contrário, compenetremo-nos de que todo o bem existente em nós é dado e favorecido pela graça divina, embora conte com nossa voluntária aceitação e nosso empenho em desenvolvê-lo. São qualidades e talentos que não nasceram de nossa natureza decaída, mas foram nela depositados pela generosidade do Criador. Se formos despretensiosos, teremos consciência disso, não nos embevecendo com o que devemos a Deus.

Esse é, precisamente, o ensinamento que nos deixou Nossa Senhora, quando elevou aos céus o seu Magnificat.

Alegre e contínua retribuição a Deus

Diz Ela: “A minha alma engrandece o Senhor”. Ou seja, canta, vê, admira, ama e proclama com amor a grandeza de Deus, Aquele que domina, Aquele que pode, Aquele que é tudo.

“E o meu espírito exulta em Deus meu Salvador”. Então a alma d’Ela se transporta em santas alegrias,

porque Deus “lançou os olhos sobre a baixeza de sua serva”, e por isso “de hoje em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada”.

Nossa Senhora proclama a magnitude de Deus por ter deitado o olhar sobre Ela, por Lhe ter conferido uma tal excelência que todas as nações passariam a aclamá-La como bem-aventurada. E ao reconhecer que isto Lhe vem d’Ele, seu espírito atinge o ápice da alegria!

Como não ver nessa atitude a perfeição da despretensão? Nada de falsa e dolorosa probidade: “Ó Senhor! como gostaria de dizer que tudo vem de mim, mas sou obrigada a declarar o contrário”, etc. Não! “Meu espírito exulta em proclamar que veio de Vós”.

Ao mesmo tempo, porém, Ela afirma a glória que Deus Lhe outorgou: “Todas as gerações me chamarão bem aventurada”. A palavra bem-aventurada encerra um matiz que a faz designar uma pessoa não apenas nimbada de felicidade, mas também aquela que alcançou êxito em todas as suas realizações. Portanto, acertar na vida, ser bem aventurado, é tornar-se santo e servir a Deus.

E Nossa Senhora continua a cantar: “Porque fez em mim grandes coisas Aquele que é poderoso, e cujo nome é santo”. O adjetivo poderoso tem aí todo o cabimento, pois Ela se reconhece objeto de maravilhas tais, que só um Ser onipotente as poderia operar. Ora, Maria se sabia não-onipotente. Logo, proclamava que apenas Deus podia ter feito n’Ela aquelas “grandes coisas”.

É um modo indireto de dizer: “O que foi realizado comigo é tanto que eu, simples escrava, por mim mesma jamais o teria alcançado. O Todo-Poderoso, cujo nome é santo, fez essas maravilhas, essas excelências que só poderiam sair de suas divinas mãos”. Em última análise, trata se de uma contínua e alegre retribuição a Deus da grandeza d’Ela.

Uma cordilheira de misericórdias

“E cuja misericórdia se estende de geração em geração, sobre aqueles que O temem”.

Nossa Senhora manifesta neste trecho a ideia de que a misericórdia da qual Ela foi objeto é o lance supremo de uma imensa série de misericórdias que, desde o início até o fim do mundo, alcança os que têm o temor de Deus. Pode-se dizer que este seria o Everest, o ponto muitíssimo mais alto da compaixão divina, acima de um universo de montículos, colinas, montes e montanhas de misericórdias que ao longo da história têm sido espargidas sobre os homens.

É como se Maria Santíssima dissesse: “Essa misericórdia é ainda mais bela porque é o marco central de um incontável número de excelsas benevolências dispensadas por Ele, o Rei, o Deus, o Pai de todas as misericórdias”.

A soberba é causa de decadência

Continua a Santíssima Virgem: “Manifestou o poder de seu braço; transtornou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos de seu coração”.

Ou seja, ao passo que estende sua misericórdia aos que O temem, Nosso Senhor mostra o poder de seu braço confundindo os desígnios dos soberbos. Quem são estes? Os que se vangloriam e se exibem pretensiosos em relação a Deus, que não consideram a grandeza d’Ele, nem Lhe têm temor. E que, portanto, não O amam. Para estes não há misericórdia. Então Deus os humilha, os quebra, os dissipa, mostrando sua força.

Essa atitude de Nosso Senhor com os que se afirmam independentes d’Ele é um belo convite para estabelecermos uma filosofia da história. Para isto, temos de observar não só os acontecimentos históricos, mas também os fatos de nossa vida cotidiana, e neles verificar a confirmação desta regra: os homens tementes a Deus, conscientes de que não valem nada, atribuindo seus predicados e aptidões à misericórdia divina, progridem na vida espiritual. Os que são voltados a adorar-se a si próprios, a considerar tudo quanto têm como vindo deles mesmos, estes são os soberbos que Deus dissipa, e declinam na prática da virtude.

Quantas vezes não observamos, nessa ou naquela alma, um processo de decadência cuja causa é a pretensão? Em determinado momento, a pessoa começou a se embevecer consigo mesma: “Que maravilhosa, grande e estupenda criatura sou eu, considerada nos predicados morais de minha natureza!” É o primeiro passo de uma lamentável deterioração.

Portanto, Nossa Senhora lança o princípio: os soberbos não vão para a frente, enquanto progridem os que temem a Deus. Donde tudo nos coloca em relação a Ele numa postura de inteira despretensão.

O triunfo dos humildes

“Depôs do trono os poderosos, e exaltou os humildes.”

Temos aqui uma seqüência do pensamento anterior. O poderoso é o que atribui a si todo o poder, que precede a Deus e não O teme, julgando-se capaz de tudo fazer sem Ele. Esse é deposto de seu trono, ou seja, daquilo do que  se ensoberbece. O humilde, pelo contrário, é glorificado e favorecido por Nosso Senhor, obtém resultados nas suas ações, na sua vida interior, no seu apostolado, etc.

Completando essa linha de pensamento, Maria acrescenta: “Cumulou de bens os famintos, e despediu os ricos com as mãos vazias”.

Os famintos são os necessitados, os que se abaixam diante de Deus e Lhe suplicam auxílio. Estes são atendidos, e saem repletos de bens. Os ricos são os orgulhosos, aqueles que se aproximam de Nosso Senhor dizendo não precisarem de nada. Então são mandados embora sem receberem qualquer benefício.

Cumpre-se a promessa do Messias

Em seguida, a Santíssima Virgem faz uma referência à exaltação do Povo Eleito, por nele ter se verificado a Encarnação do Verbo. Diz Ela: “Tomou cuidado de Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia; conforme tinha dito a nossos pais, a Abraão, e à sua posteridade para sempre”.

Com efeito, Deus havia misericordiosamente prometido que o Messias, seu Filho unigênito, se encarnaria e nasceria do povo de Israel. Ele se lembrou de sua promessa, gerando Jesus Cristo nas entranhas puríssimas de Maria.

A Igreja, muito belamente, completa esse hino maravilhoso com o “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo; assim como era no princípio, agora e sempre, pelos séculos dos séculos. Amém”.

Esta seria uma interpretação do Magnificat como o cântico da despretensão jubilosa de Nossa Senhora.

“Minha alma engrandece a Igreja Católica!”

Para concluir, cabe ainda um último desdobramento dessas considerações.

Como eu gostaria de, com toda  a alma, poder cantar o Magnificat em relação à Igreja Católica! Como é verdadeiro dizer: “Magnificat anima mea Ecclesiam, et exultavit spiritus meus, in matre salutari mea” – A minha alma engrandece a Igreja Católica e o meu espírito exulta na Igreja minha mãe!

E assim por diante, que lindíssima paráfrase do Magnificat poderíamos fazer contemplando a Igreja, que é a Arca da Aliança, a imagem visível de Deus e de Nossa Senhora na terra.

Sirvam, pois, estas palavras de incentivo para que reportemos todos os nossos dons, nossas virtudes e predicados a Deus em Jesus, a Jesus em Maria, e a Maria na Santa Igreja Católica Apostólica Romana, da qual nos vem tudo o que temos de bom. Dessa maneira, o enlevo, o encanto, o entusiasmo, a fidelidade, a dedicação de nossa vida, nossa alma e nosso sangue sejam inteiramente oferecidos para o serviço e glorificação da Esposa Mística de Cristo.

O cavalo de Tróia e a vigilância

Desconfiar, saber ser vigilante contra os aparentes “agrados” da Revolução, e manter o espírito livre de preguiça a fim de não abandonar a luta pela Igreja, é um dos deveres do católico militante face à corrente daqueles para os quais “tudo sempre dá certo”. Precioso ensinamento que Dr. Plinio nos oferece nestes comentários.

 

A situação do mundo contemporâneo, não só em sua globalidade mas também em cada nação, grupo social e indivíduo, poderia ser comparada com Troia nas vésperas da sua queda, quando o cavalo seria introduzido na cidade e produziria a sua ruína.

Dentro de cada uma dessas entidades — humanidade, nação, grupos sociais, indivíduos — há um cavalo de Troia. Ou seja, um inimigo foi infiltrado em nossas almas ou no grupo a que pertencemos, enquanto dormíamos, como aquele gigantesco embuste de madeira foi colocado na cidade adormecida.

A Revolução, cavalo de Troia moderno

Que vem a ser este novo cavalo de Troia?

Como se sabe, a antiga Troia era uma estratégica localidade, situada no noroeste da atual Turquia, próxima ao Mar Egeu. Mais de mil anos antes de Cristo, fazia ela parte de um conjunto de importantes centros urbanos, pela cultura, civilização, riqueza comercial, etc.

Entretanto, apesar do seu progresso cheio de promessas de bem-estar, um cavalo de madeira foi nela introduzido para sua destruição, pois era o próprio adversário, ardilosamente escondido, que penetrava nas suas muralhas.

Assim também em cada um de nós penetrou um cavalo de Troia. Ou seja, o mundo contemporâneo está em possante progresso material, mas traz em seu bojo a negação de muitos princípios ligados ao que é bom, verdadeiro e belo, que conferem sentido à vida.  É a Revolução.

No que diz respeito ao episódio de Troia, seus habitantes tomaram uma atitude má, não querendo esforçar-se em fazer este pequeno raciocínio: “Esse imenso cavalo que nos foi dado de presente pelos gregos deve conter alguma coisa para nossa desgraça. Devemos desconfiar dele, simplesmente porque nos foi oferecido por nossos adversários mortais, que cercam há tanto tempo nossas muralhas, têm provocado a morte de nossos melhores heróis, e visivelmente tentam incendiar nossa cidade, espreitando para isso a ocasião propícia.

“Nossos inimigos nos brindam com uma obra escultural gigantesca (e, provavelmente, devido à arte dos gregos, era um bonito cavalo), que até possui rodas debaixo das patas… Claro, eles desejam que o levemos para dentro de Troia, a fim de destruí-la.”

A atitude que os troianos não tomaram

Um troiano que tivesse o espírito atilado, sobretudo desconfiaria das rodas.  Pois estas obviamente significavam: “por favor, levem o cavalo para dentro da cidade, porque sua missão não se realiza fora das muralhas, mas em seu interior!” E ele pensaria: “Os gregos só se deram o trabalho de construir esse enorme cavalo na esperança de que o levemos para dentro de Troia. Portanto, se há uma coisa que não podemos fazer, é isso. No bojo desse cavalo não terá soldados escondidos? Se não, por que o adversário no-lo teria oferecido?”

Naquele tempo ainda não havia pólvora, porém não faltavam outros artefatos nocivos que poderiam acabar com a cidade.  Se era presente dos gregos, deveria ser prejudicial aos troianos. Se estes, abrindo o cavalo, nada encontrassem, ou se a monumental escultura fosse maciça, era o caso de pedirem a paz. Pois uma vez que os gregos estavam concedendo-lhes tal presente, a inimizade entre os dois povos havia cessado. Então mais valeria a pena acabar a guerra.

Mas, ai! do miserável troiano que pensasse em paz quando as circunstâncias estavam impondo luta! Esse seria considerado um traidor da pátria.

Não me recordo, da leitura que fiz da história da guerra de Troia, se Homero se refere ao estado de espírito de seus habitantes. Porém, é plausível que tenha havido em Troia duas correntes de opinião: uma a favor do cavalo, e outra, contrária. A primeira era dos otimistas, desejosos de ver tudo pelo lado bom, mais simples e cômodo.  Estes deviam achar que os gregos estavam inclinados a se entregar aos troianos, ou ao menos a propor o fim do conflito, dando início às negociações por meio de um presente.

— Não, cuidado! — diziam os da outra corrente.

— Desconfiar do quê, depois deste presente? — objetavam os otimistas.

— É presente de grego! “Timeo danaos et dona ferentes”: tenho medo dos gregos até quando trazem presentes — respondiam os segundos.

E entretanto, teria sido tão simples resolver o caso: bastava encostarem o ouvido junto ao bojo do cavalo para saber se havia barulho no interior dele, algum sussurro ou som de respiração, etc. Os gregos estavam há horas naquela prisão tremenda, à espera do momento em que pudessem abrir algum alçapão, pular para fora e atacar a cidade. Alguma manifestação de cansaço, qualquer mínimo ruído de corpos se acomodando no amontoado de homens seria percebido por uma escuta atenta.

Uma vez descoberto o ardil, era preciso traçar um rápido plano de contra-ataque. Por exemplo, constituírem três círculos concêntricos em torno do cavalo. O primeiro, formado pelos vigias e alguns poucos troianos com tochas acesas; o segundo, por várias fogueiras, e o terceiro, composto de guerreiros com lanças e espadas. Em dado momento, ateariam fogo na mole de madeira e seria a debandada dos gregos. Os que escapassem ao primeiro círculo, cairiam nas chamas do segundo ou, finalmente, nas espadas e lanças do terceiro. Assim, tudo estaria disposto para a derrota do inimigo e a vitória dos troianos.

A história se repete

Contudo, o partido do otimismo prevaleceu.  O cavalo foi conduzido para dentro da cidade, propiciando o incêndio de Troia. Enéas, príncipe e genro de Príamo, rei de Troia, consegue fugir, carregando aos ombros seu velho pai, juntamente com outros habitantes da cidade que lograram escapar, provavelmente os do partido dos desconfiados. Tomaram barcos ancorados no Mar Egeu e partiram, dando início a uma nova epopeia chamada Eneida. Estes são os vigilantes, que entram a tempo na luta e, quando derrotados, sabem ser os primeiros na fuga, tendo já seus planos elaborados e traçados os caminhos que devem seguir. Conhecem a arte da retirada, e são heroicos nesta como na de avançar.  Este é o verdadeiro homem.

Voltando ao nosso paralelo, face ao mundo atual os homens se dividem igualmente em duas correntes. Uma, a dos defensores da opinião de que tudo, no fundo, dá certo, as coisas se compensam, se compõem, se ajeitam, sem a necessidade de fazer esforço nem correr riscos. Essas são as grandes preocupações, as idéias fixas daqueles que, se estivessem em Troia, seriam a favor do cavalo.

Os que tomariam o partido contrário, os desconfiados, considerando o desabamento do mundo de hoje, diante de tudo quanto tem laivos de Revolução, sabem suspeitar e ser vigilantes, compreendendo que dentro daquilo, na aparência bonito, há um veneno, do mesmo modo como no bojo do cavalo de Troia — realmente belo — escondia-se o inimigo, na espreita do momento azado para atear fogo na cidade.

Assim devemos ser nós, imbuídos da noção de que em todas as coisas revolucionárias há fatores nocivos os quais se desencadearão contra nós. Portanto, cumpre vivermos na desconfiança, na vigilância, a fim de não sermos surpreendidos por esses adversários de nossa alma.

A necessidade de exercitar o espírito pela ascese

Para um homem robusto, uma das atitudes agradáveis a seu corpo é o exercício físico, que o leva a se esforçar e a sentir circular nos músculos, nas suas artérias, uma potência nova, uma capacidade de ir para frente. Ele respira fundo, fita ao longe, deita involuntariamente um olhar de desafio para todas as coisas.

De maneira análoga, o homem ascético, de espírito de sacrifício, tem alegria em exercitar a força moral que ele recebeu de Deus, aplicando-a na luta contra seus defeitos, contra os inimigos internos e externos da sua santificação. Donde o gosto de se entregar às lides apostólicas, à prática da virtude, como verdadeiro combatente de Nosso Senhor Jesus Cristo, disposto a dar a própria vida pela causa d’Ele.

Para o homem assim, uma só coisa não lhe é motivo de alegria: a vida mole, displicente, dorminhoca, sem utilidade, sentado numa cadeira, deixando o tempo passar. Isto é o contrário da existência do verdadeiro católico.

Ora, infelizmente, o que se observa com não pouca freqüência em muitos filhos da Igreja é esse vício do homem ocidental contemporâneo, pelo qual tem cometido, face à Revolução, todos os equívocos possíveis.

Poder-se-ia fazer um catálogo de todos os erros passíveis de ocorrer desde a decadência da Idade Média até hoje, e veríamos que aconteceram.  Por quê?  Por indolência, é certo. Mas os homens se deixaram levar pelos indolentes porque estes recomendaram a atitude fácil, mole, sem esforço nem previsão, entregando-se vergonhosamente ao sono diante dos riscos do amanhã. Essa atitude psicológica de entreguismo é comum se apresentar em nosso caminho.

De fato, até mesmo entre aqueles que procuram ser bons católicos encontramos esse estado de espírito. Embora nos empenhemos em ser o contrário disso, não é o bastante para nos consolar, pois quem, sob alguns aspectos, é um zeloso filho da Santa Igreja, mas sob outros é um relaxado que abandona a luta por Deus diante de qualquer ilusão, neste não se pode confiar. Merece nossa confiança aquele que nunca se entrega, não desanima, não tem preguiça, nem se lamenta face às dificuldades e provações, e sim exclama: “Oh! beleza! Lutarei e vencerei, ou sofrerei, em qualquer dos casos terei servido a Deus como Ele quis!”

Vencer o instinto de sociabilidade decaído

Qual o atrativo da vida contemporânea que nos faz tomar essa atitude de moleza?

O principal deles está ligado a uma deformação do instinto de sociabilidade. Os homens tendem a viver em sociedade, são gregários, e isso os leva a ter existências parecidas, pois se fossem diferentes e se entrechocassem, a civilização seria impossível.

Então eles têm a inclinação de imitar uns aos outros, e de todos serem segundo o mesmo modelo. Entretanto, quando este último é revolucionário, não devemos segui-lo. Do contrário, haveria a mencionada distorção do instinto de sociabilidade. E é preciso vencer esta má disposição, no que ela tem de mais profundo, para podermos dizer ao homem sem fé nem ideal: “Sou católico militante, e quando ouço alguém declarar que estou errado, encontro nisso uma razão ainda maior para me convencer de que sigo a verdade. Sigo em frente! E você, homem da moleza, é o paradigma dos que não se deve imitar. Se alguém quiser andar sempre bem, olhe para você e faça o contrário. Assim, alcançará a vitória.”

É o que podemos e devemos saber dizer aos moles.

Ora, é desagradável agir dessa forma, porque os entreguistas procurarão nos caluniar, causando discussão.  E esta incomoda, causa cansaço e amolação, exige de nós esforço para encontrarmos as palavras certas com que respondermos e refutarmos as difamações, etc. Por essa razão, muitos preferem se eximir do confronto, e repetem o chavão: “ceder para não perder”, sabendo embora que acabarão derrotados. Estes estão acometidos de uma espécie de morfeia, uma lepra moral muito pior do que aquela que apodrece o corpo.

Portanto, se desejamos de fato crescer na vida espiritual e nos aperfeiçoar na condição de autênticos católicos, filhos e servos da Santíssima Virgem, compreendamos a necessidade de sermos sempre vigilantes, zelosos, dispostos a nos esforçar contra nossas preguiças, molezas e imprevidências, bem como no fazer face às más sugestões que de todos os lados nos tentam para o desvio no caminho da santidade.

Compreendamos, outrossim, que sem essa disposição de ascese e de luta por Deus, nossa existência neste mundo não tem razão de ser.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 86 (Maio de 2005)

Inocência paradisíaca

Continuando a descrição de como a alma de um menino reto se abre para a realidade à sua volta, conhecendo-a com o senso do ser pelo qual ama o belo e rejeita o feio, Dr Plinio concebe esse processo numa criança ideal: Abel, se tivesse nascido sem pecado original, no Paraíso terrestre.

 

Na anterior exposição sobre o tema, ficamos de considerar o exemplo de Abel, imaginando-o inocente no Paraíso, como teria sido sem o pecado de Adão.

Refiro-me de modo intencional a Abel, e não a Adão, porque este foi criado já adulto. Tendo Nosso Senhor Jesus Cristo morrido aos 33 anos, costuma-se dizer que essa é a idade perfeita do homem, e com ela Deus criou Adão. Portanto, um adulto na sua plenitude, que foi tomando conhecimento das coisas durante a vida.

Mas, Abel passou pela infância. Como teria sido esse período na existência de um homem sem pecado original? Como as coisas iriam se apresentando para ele?

O conhecimento na alma inocente

É preciso notar que, após a queda de nossos primeiros pais, a infância é um misto de inocência e imbecilidade, acompanhadas pela fraqueza da mente e do corpo. Essa imaturidade vem do pecado original. Sem este, a criança passaria a pensar desde o início sem as debilidades que trouxe o pecado, dotada de notável discernimento e profundidade de espírito, embora sem a experiência de um homem adulto.

Coisa infinitamente mais maravilhosa se deu com Nosso Senhor Jesus Cristo, na sua natureza humana. E, dizem os teólogos, algo análogo aconteceu com São João Batista, a partir do momento em que — durante sua gestação, mas com sua razão constituída, no claustro materno de Santa Isabel — ouviu a voz de Nosso Senhora e estremeceu de alegria.  Nesse instante, viu-se limpo da culpa original, e conheceu algo de extraordinário na Santíssima Virgem.

Portanto, se não houvesse pecado original, a criança teria um conhecimento maduro, embora incipiente, das coisas. Ao tomar contato com estas, verificar-se-ia nela algo de primaveril, não apenas candidamente limpo, mas com o encanto daquela primeira hora que vai desabrochando e contém todo o futuro. Mais ou menos como a aurora que encerra em si a beleza do dia. É muito bonito vê-la condensada no raio inicial de luz cortando as nuvens, com uma beleza especial que nem ao meio-dia o sol apresentará. O primeiro ósculo do astro-rei na Terra tem uma pulcritude própria.

Os homens nascidos no Paraíso terrestre, sem pecado original, seriam mortais por natureza, porém, por um dom especial de Deus, não morreriam.

Quer dizer, a riqueza da vida no primeiro instante iria se ampliando até atingir a apoteose. E, sob certo aspecto, nada seria mais belo quanto o momento primaveril, inicial, em que um homem nascesse e tivesse a vida diante de si, semelhante a uma cascata na qual a água escachoa com abundância e plenitude formidáveis. Assim seria a criança, com o caráter e os encantos de um principiante já maduro de espírito.

Para formarmos uma ideia dessa condição, imaginemos Nosso Senhor menino ensinando no Templo. Cândido e admirável como uma criança que tinha à sua frente todo o futuro, mas, de outro lado, maduro a ponto de deixar estarrecidos os doutores da Lei. Nosso Senhor, Homem-Deus, nascido da Virgem que tinha sido concebida sem pecado original, quanto Ele era incompatível com qualquer forma de pecado! Guardadas todas as proporções, assim também seria a criança sem pecado original.

Abel passeando pelo Paraíso

Temos na alma um mecanismo de raciocínios, vontade, sensibilidade, instintos, que trabalha continuamente e nos faz conhecer as coisas exteriores, e depois confrontá-las conosco.  E para que essa operação seja mais perfeita, realizamos uma análise e um estudo intelectivo de cada uma, de maneira a conhecermos a coisa melhor e também a nós mesmos. Assim, sabemos o que nos convém.

Uma criança sem pecado original — o nosso hipotético Abel perfeito —, em seu primeiro passeio pelo Paraíso, ao ver as plantas, por exemplo, teria a noção da natureza e das propriedades de cada uma, como também de sua própria realidade física, de suas apetências, conveniências e seu feitio de alma.  E escolheria as frutas adequadas para sua primeira refeição.

Suponhamos uma árvore em estado de frutificação permanente, da qual o homem pudesse facilmente colher frutas ao alcance de sua mão, ou porque tinha tal império sobre a natureza que, por um ato de vontade, poderia obrigar a planta a se dobrar, e do alto descer um galho, reverente, apresentando-lhe uma penca delas à sua escolha. Isso sucedia, aliás, com o primeiro homem,  em virtude de seu domínio sobre as demais criaturas.  Quando passeava pelo Paraíso, todas as coisas se voltavam para ele, a fim de servi-lo, em atitude de corte, como se fosse um rei. E à medida que as observava, em sua alma despertavam-se reações semelhantes às da criança com a bola: é, não é; quero, não quero, mas sem a falta de critério do menino que, por exemplo, deseja comer uma bola de vidro.

Voltemos a Abel. Ele ia conhecendo as coisas lentamente, com exatidão, escolhendo o que lhe convinha; almejando tanto quanto razoável, não se empanturrando com elas nem as esbanjando.  Em determinado momento, quando se alimentava de algo, com a naturalidade de quem toma um copo de água, diria: “Agora basta, estou satisfeito”.

Começaria a conhecer também os panoramas paradisíacos, que se lhes apresentavam ordenados. O Paraíso era uma caixa de surpresas, não porém um labirinto. Podia-se saber o que se encontraria, caminhando nesta ou naquela direção. E, de quando em vez, Deus dispunha uma surpresa maravilhosa lá e acolá. E Abel passearia em busca de paisagens que lhe agradassem, onde, por exemplo, os pássaros gorjeassem de acordo com aqueles cenários, compondo um “son et lumière”(1) especial; as sombras fizessem lindos jogos com a luz, e houvesse musgos magníficos ou pedras suntuosas para Abel sentar-se, a fim de observar melhor e pensar de modo mais profundo, sem sentir fadiga, pois ele não conhecia cansaço físico nem mental.

A glória eterna, sem passar pela morte

Ademais, seu seletivo 2 funcionaria continuamente, quer ele percebesse ou não. Ao observar duas coisas, pensaria: “Desta gosto mais, e daquela, menos. Como Deus é grandioso!  A segunda convém a meu irmão, e a primeira para mim.  Como o Criador é esplêndido em tudo que faz!  Meu Senhor, obrigado pelo que destes a meu irmão, e por aquilo que me ofertastes. Como sois maravilhosos e bom!”

Abel usaria do que lhe era oferecido, deleitar-se-ia e iria se completando, tornando-se cada vez mais ele mesmo.  Sobretudo, compreenderia que, pelo funcionamento desse seletivo, quando alcançasse a plenitude de si próprio, teria a magna recompensa: a apoteose, o céu se abriria, os Anjos desceriam para levá-lo, sem passar pela morte, para a glória eterna.

Essa seria a perspectiva da vida de um homem sem pecado original.

Riquezas do seletivo no inocente

Tendo em vista esses pressupostos, podemos estudar melhor o que se passa nesse misterioso seletivo de uma criança nascida no Paraíso, sem a mácula original: como ele opera, se desenvolve e se enriquece.

Tudo o que existia no Éden era cognoscível pelo homem, sendo cada coisa imagem, semelhança ou vestígio de Deus. E o Paraíso, no seu conjunto, espelhava o Criador de maneira mais perfeita do que cada criatura em particular. Assim, à medida que a pessoa — Abel, por exemplo — fosse conhecendo as coisas, perceberia a excelência e compreenderia melhor a natureza peculiar de cada uma delas, e como se imbricavam entre si.

Logo depois das sensações concretas, surgiram em seu espírito as idéias abstratas. Imaginemos que ele encontrasse junto a um magnífico lago, uma árvore estupenda a qual, em todos os milímetros de sua superfície, estivesse florescendo e se projetasse sobre a água de um modo maravilhoso. Planta, do seu gênero, sem igual no Paraíso. Sua primeira impressão, puramente sensível, assim se exprimiria: “Que maravilha!”

Em seguida, começaria uma reflexão: “Como é bom para essa árvore dar tantas flores! Que excelente qualidade ela possui!”. E numa terceira etapa, ele se perguntaria: “Como conceituar esse predicado da árvore, pelo qual dá tantas flores?”

Não tendo nenhuma limitação mental, ele comporia imediatamente a palavra perfeita, cunhada como uma moeda: fecundidade.  Esta árvore é fecunda em flor. Então compreenderia melhor o que é flor, sua grande utilidade para encantar a alma e, por isso, superior sob certo aspecto à fruta.  A árvore tem fecundidade, e a flor, beleza.

Voltando-se para outro lado, vê uma flor que é única, brotada na ponta de uma pequena planta, e em torno dela não se acha nenhuma igual.  É maravilhosa!  Ele cogita: “Curioso! Há pouco me agradou a fecundidade.  Dir-se-ia que estou agora apreciando a infecundidade? Não pode ser. Ah! Esta última flor tem outro predicado: raridade!”

Logo após o conhecimento concreto, viria o conceito abstrato e a palavra: “Ah, é rara. Tudo que é raro é precioso. As coisas fecundas, de si produzem muitos efeitos. Mas há outra forma de fecundidade, como a dessa plantinha da qual nasceu uma flor que equivale a todas daquela outra árvore. Isso se chama categoria, classe!”

Um maravilhoso descortino do universo

Assim se poderia imaginar um passeio pelo Paraíso, e as idéias surgindo e se desprendendo umas das outras como se fossem páginas um pouco coladas de um livro que se abre e elas se desvendam. E, naturalmente, viria ao espírito de Abel outra ideia: “Não se pode ser mais fecundo do que aquela árvore, e ter mais categoria do que essa flor? Qual é o “summum” da fecundidade: florescer ou criar?

“Criador… Quem, do nada, fez tudo isso? O que é criar? Como é Aquele em quem todas essas coisas potencialmente estavam e que, de repente, lhes deu vida? Como Ele é único, e n’Ele se fundem todas as qualidades! Deus!”

Percebe-se, então, como o universo vai se abrindo de modo maravilhoso, conduzindo-nos até o Onipotente Senhor da Criação.

A esse propósito, lembro-me de um brinquedo japonês que havia no meu tempo de criança, tão pobre em comparação com essa faustosíssima figuração que estamos imaginando… Punha-se um pouco de água num prato de sopa, por exemplo, e nele se jogava uns papeluchos, espécie de confetes. Estes se umedeciam e começavam a se abrir, formando florzinhas diferentes. As crianças gostavam de ver como as bolinhas bonitinhas se abriam em flores, e depois o prato ficava repleto delas.

Assim se sentiria alguém inocente que fosse vendo o universo se desdobrar, abrindo-se como essas florzinhas, preparando seu espírito para Deus. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 85 (Maio de 2005)

 

1 ) Espetáculo de som e luz.

2 ) Como vimos em anterior artigo, “seletivo” é uma palavra cunhada por Dr. Plinio para indicar o senso pelo qual o homem seleciona as coisas que conhece, aceitando umas e rejeitando outras.

Espírito Santo, alma da Igreja

“Convém a vós que Eu vá; porque se Eu não for, o Consolador não virá a vós, mas se Eu for, enviá-lo-ei” (Jo 16, 7) — prometeu Jesus a seus discípulos, na véspera de sua Paixão e Morte. Essas divinas palavras se cumpririam cinqüenta dias depois da gloriosa Ressurreição do Salvador, durante as festividades de Pentecostes. No Antigo Testamento, essa comemoração judaica recordava a entrega das tábuas da Lei a Moisés, no Monte Sinai. Na era cristã, a Igreja lembra nessa data a descida do Espírito Santo sobre Nossa Senhora e os Apóstolos, reunidos no Cenáculo.

Ao comentar os ricos aspectos dessa festa católica — celebrada este ano no dia 30 de maio —, Dr. Plinio costumava salientar a união perseverante dos discípulos em torno da Santíssima Virgem, como sendo razão preponderante para que sobre eles viessem os dons do Espírito Paráclito e os frutos extraordinários daí decorrentes: “Em Pentecostes se verifica, por assim dizer, a constituição definitiva da Igreja. Antes desse acontecimento, os Apóstolos eram incapazes de conhecer e compreender de maneira cabal a grandiosa obra que lhes foi confiada. Essa incapacidade se dissipou com a vinda do Espírito Santo, passando a Igreja a viver neles de outro modo.

Poder-se-ia pensar que, antes de Pentecostes, a Igreja era como um boneco de barro, que recebeu então o sopro de vida, como o primeiro homem no Gênesis. Tudo se transformou, tudo começou a existir e a pegar fogo no mundo, e a contagiá-lo, até o apogeu dos dias de hoje em que o Evangelho é pregado a todos os povos. Quer dizer, no pior    momento da Paixão e Morte do Mestre, eles, porque se congregaram junto de Nossa Senhora, receberam toda espécie de graças, culminando na maravilha do dia de Pentecostes.”

Ainda sobre esse fundamental papel do Espírito Santo como vivificador da Esposa Mística de Cristo, deixou-nos Dr. Plinio estas outras belas e tocantes palavras: Ao ver as coisas da Igreja, sentia eu uma impressão curiosa. Mais do que uma instituição, Ela me parecia uma alma imensa que se expressa através de mil aspectos, que possui movimentos, grandezas, santidades e perfeições, como se fosse uma só grande alma que se exprimiu através de todas os templos católicos do mundo, todas as liturgias, todas as imagens, todos os sons de órgão e de todos os dobrares de sinos.

Essa “alma” chorou com os Réquiens , se alegrou com os bimbalhares da Páscoa e das noites de Natal; ela chora e se alegra comigo. Pensava eu: “Como eu gosto dessa ‘alma’! Tenho a impressão de que minha própria alma é uma pequena ressonância dela. Trata-se de algo no qual minha alma vive inteira, como dentro de um templo material. Tudo de que eu gosto é como ela é, e ela é como tudo de que eu gosto. À maneira de alma, isto é o ideal de minha vida, para isto quero viver, assim eu quero ser. Eu me sinto com relação a essa alma um pouco como um sol se espelhando numa gota de água. Eu sou a gota de água, essa ‘alma’ é o sol”.

Depois vim a saber que “aquilo” que eu percebera era o Espírito Santo, a alma da Igreja. É Ele quem atua na minha própria alma, templo d’Ele em razão do batismo, para se tornar receptiva à influência da Igreja.

Assim, o Espírito Santo é um cantor magnífico, que me concede o senso artístico necessário para apreciar o seu canto. E quando eu O louvo ou admiro suas obras, O louvo ou admiro pela luz que Ele mesmo fez incidir em mim…”

Festa de Pentecostes

A Festa de Pentecostes, celebrada neste ano no dia 20 de maio, recorda-nos o magno episódio da Igreja nascente, quando, reunidos os Apóstolos e a Santíssima Virgem no Cenáculo, de repente veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo, que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo (At 2, 2-4).

A importância dessa Festa, própria aos nossos pedidos de renovação espiritual e santidade, imbuídos de inteira confiança na infinita misericórdia do Paráclito, era assim comentada por Dr. Plinio: “Depois de sua dolorosa Paixão e Morte, Nosso Senhor ressuscitou e subiu aos Céus. Embora os Apóstolos tenham acompanhado de perto esses acontecimentos, sua fidelidade ainda precária não significava uma regeneração. Houve, da parte deles, atos de Fé bem expressos, reconhecendo e dando testemunho da ressurreição de Jesus, mas não se tem a impressão de que tenham mudado substancialmente.

“Após a Ascensão, eles se reúnem com Nossa Senhora no Cenáculo e passam os dias em oração. Em determinado momento, desce sobre eles o Espírito Santo, em forma de línguas de fogo, e dá-se então a mudança completa: os discípulos se transformam em luzeiros de ouro. Cada um deles, por assim dizer dotado de nova alma, feita de fervor, de vontade de realização, de sacrifício e de carismas extraordinários, converte-se em coluna viva da Igreja de Deus. No passo seguinte, eles se disseminam pela Terra e levam, às mais diversas regiões do mundo, a glória e o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Para nós, o que quer isto dizer?

“Significa que devemos sempre contar com graças muito especiais do Espírito Santo, sobretudo quando estivermos entravados, estagnados e descontentes na vida espiritual. Peçamos a Ele, a rogos de Nossa Senhora, constantemente, que desça sobre nós com uma abundância de dons, de maneira tal que nos transforme por completo.

“Dessa necessidade vem a linda prece a Ele dirigida: ‘Emitte Spiritum tuum, et creabuntur, et renovabis faciem terrae — Mandai, ó Senhor, vosso Espírito, e todas as coisas serão criadas, e renovareis a face da Terra’.

“Ou seja, antes de tudo, a face dessa nossa “terra” interior, da nossa própria alma, pode ser renovada de um instante para outro, por uma graça do Espírito Santo. Igualmente por uma particular intervenção d’Ele, há de ser regenerada a face do mundo, através do apostolado de autênticos católicos, inspirados pela Sabedoria divina, cheios de força e valor para enfrentar os inimigos da fé, assim como para atrair e fazer o bem a todos que devam pertencer à Santa Igreja.

“Compreende-se que tais graças nos sejam concedidas com maior abundância por ocasião da Festa de Pentecostes e que, portanto, importa-nos rogá-las e esperar que as recebamos nessa data. Sem nos esquecermos de fazê-lo por intermédio de Nossa Senhora, Esposa do Divino Espírito Santo e medianeira onipotente junto a Ele. Que o Espírito Paráclito desça e paire sobre nós, cumulando-nos dos dons celestiais que tanto desejamos. Amém.”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 2/6/1965)

Vinde, consolador das almas desoladas!

Tocado de modo especial pela prece de Santo Agostinho ao Espírito Santo, Dr. Plinio no-la comenta, aproveitando a oportunidade para nos incutir uma fervorosa e humilde confiança no auxílio do Divino Esposo de Maria — tanto mais humilde e fervorosa, quanto mais sentirmos o peso de nossas debilidades e carências.

 

No ensejo da Festa de Pentecostes, creio que seria oportuno considerarmos algumas das belas invocações que Santo Agostinho dirige ao Divino Espírito Santo, na oração por ele composta [em destaque na página 21].

Amparo e remédio em nossas aflições

Vinde, vinde doce consolador das almas desoladas, refúgio no perigo e protetor na aflição desamparada.

Nesse pensamento do santo se nota a ideia de uma doçura forte ou de uma força doce. Com efeito, é próprio ao sabor das coisas celestes nos fazer sentir a bondade e a suavidade de Deus, ao mesmo tempo que nos comunicam uma grande firmeza espiritual.

Por exemplo, quando somos tocados por uma graça especial que nos comunica algo da doçura do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, nos tornamos mais resistentes às tentações, mais fortes no perigo, mais perseverantes na Fé.  Quer dizer, trata-se de uma doçura que comunica força.

Doce consolador das almas desoladas, diz Santo Agostinho. A desolação é uma espécie de auge de tristeza. Quando, na linguagem comum, alguém se mostra desolado, significa que experimenta um grande pesar, e nele não há quase senão tristeza. Para momentos de desolação, é o Espírito Santo que nos consola, ou seja, nos recobre de força para enfrentarmos a dificuldade.

Por outro lado, é nosso refúgio nos perigos.  Quais perigos?  Não são, primordialmente, os que afetam o corpo, mas a alma. Nossa salvação depara, a todo momento, com circunstâncias adversas que a comprometem. Nessas horas de incerteza, nosso refúgio e protetor é o Espírito Santo, com suas graças e sua ação nas profundidades de nossa alma.

Essa verdade nos deve incutir extrema confiança no Céu e, particularmente, na intercessão de Nossa Senhora. Quantas vezes, ao considerarmos nossos problemas e defeitos, nos pomos desanimados e hesitamos no caminho da salvação! Pois bem, cumpre termos então em vista que o Espírito Santo é o Esposo da Virgem Santíssima, e não recusa coisa alguma a Ela. Portanto, nossas preces, feitas por meio da Esposa Imaculada, serão sempre ouvidas pelo Esposo Divino. Tenhamos ânimo e coragem, pois em todas as nossas necessidades, encontraremos remédio no Espírito Santo.

Além disso, Ele é também o que nos protege em nossas desventuras, em nossos desamparos semeados de aflição. Quantas situações de vida espiritual não existem assim?  Rezamos, imploramos, e quando menos imaginamos, qualquer coisa nos toca a alma e nos sentimos aliviados. É a ação do Espírito Santo no fundo de nossos corações, ordenando-os e os tranquilizando.

Purificador das nossas misérias

Vinde, Vós que lavais as almas de suas sordices e que curais suas chagas.

Assim se exprimindo, Santo Agostinho quis assinalar como o Espírito Santo é, por excelência, quem lava as almas de suas misérias e as cura de suas chagas.

Mais uma vez aparece a ideia de um alento cumulado de doçura. Compreende-se: não raro, as pessoas consideram o interior de suas almas e as percebem tomadas de tantas chagas purulentas, de tantas sordices, que tendem ao desânimo. Como não desanimar? Não sentem forças para vencer a si mesmas!

Ora, esse é o momento de intervir a graça do Espírito Santo. Ele nos traz aquela força do Céu, com imensa suavidade, como uma luz dulcíssima, que penetra no âmago da nossa alma e a cura, a rejuvenesce. Tenhamos a certeza desse auxílio, e sentiremos outro ímpeto, outra coragem para subir, para continuar em frente no caminho da virtude.

Doutor das almas humildes

Vinde, doutor dos humildes e vencedor dos orgulhosos.

Outra bela invocação: Doutor dos humildes. O Mestre que esclarece e ensina às almas humildes, antes de tudo em face d’Ele. Ou seja, aquelas que reconhecem as próprias limitações e sabem que somente o Divino Espírito Santo possui a solução para todos os nossos problemas.

Aquelas que compreendem a necessidade da oração perseverante, a importância de pedir, implorar, e de fazê-lo com humildade. Eu, Plinio, sozinho, nada resolvo, porque não sou capaz de solucionar todas as dificuldades. Mas, se eu rezar ao Espírito Santo, por meio de Nossa Senhora, Ela, que é Mãe de Misericórdia, pedirá por mim e me alcançará as graças de que preciso. Esse é o caminho fácil, seguro e rápido para ser atendido. Essa verdade deve me manter alegre e de pé no meio das aflições pelas quais  todo homem passa nesse vale de lágrimas.

Somos órfãos na peregrinação por este mundo

Vinde, pai dos órfãos, esperança dos pobres, tesouro dos que estão na indigência.

Essa invocação também nos leva a considerar o ponto que Santo Agostinho teve em vista ao compor a prece: a santificação daquele que a reza. Então, implora ao Pai dos órfãos.

De fato, quanto órfão há em matéria de vida espiritual! Se pensarmos, por exemplo, em todos aqueles que, num bendito dia, encontraram a vocação de servir a Igreja em nosso movimento, podemos dizer: “Se não fosse o fato de terem sido tocados pela graça e seguido o chamado de Deus, o que seria deles? A quantos riscos de se extraviar nos caminhos desse mundo estariam expostos? Como haveriam de, no fundo, sentir‑se órfãos?”

O pensamento é mais pungente: como o homem, ao longo da viagem nesta terra, é um órfão! Ainda que ele atinja os 80 ou 90 anos, é um órfão. Donde, essa bela invocação ao Divino Espírito Santo, como Pai daqueles que sentem a terrível orfandade dessa vida.

Esperança dos pobres, tesouro dos que estão na indigência. Antes de tudo, os pobres de espírito, que não têm nada a esperar e que, internamente, sentem sua própria carência, sem título nem méritos que os autorizem a pedir alguma coisa. Vivem somente da misericórdia. Desses é o Divino Espírito Santo o Pai de bondade e acessibilidade infinitas. É o seu tesouro inesgotável: peçamos, com confiança e humildade, e Ele, a rogos de Maria, nos ouvirá.

Estrela dos navegantes, porto seguro dos náufragos

Vinde, estrela dos navegantes, porto seguro dos náufragos.

Santo Agostinho expressa aqui dois conceitos que se relacionam. Primeiro, refere-se ao Espírito Santo como a estrela dos navegantes. O que lembra a invocação a Nossa Senhora como Estrela do Mar, o norte dos que navegam pelas águas turbulentas desta vida. Ora, pergunta-se: convém aplicar a Nossa Senhora o que Santo Agostinho afirma do Espírito Santo?

Sim, pois o que se diz do Esposo, se diz ao mesmo tempo da Esposa. Maria é a estrela dos navegantes por ser a Consorte mística daquele que é, por excelência, o astro de luz divina que nos guia pelo mar da existência terrena, com seus riscos, problemas, aflições.

Em segundo lugar, Santo Agostinho se refere aos náufragos. Quer dizer, o navio se estraçalha, o passageiro se agarra a um destroço e vai por onde as águas tocam. De repente, as correntes marítimas o levam para junto de um porto. Este porto é o Divino Espírito Santo.

Quer dizer, os vagalhões das tentações e das paixões impelem a alma do homem de um lado para outro. Ele se vê entregue às apetências mais desregradas, aos assomos de orgulho mais tumultuados, aos desregramentos sem remédio. Para ele, não há mais porto. Não? Engano. Sempre haverá, graças à intercessão misericordiosa da Santíssima Virgem junto a seu Divino Esposo. São Eles o porto seguro dos que naufragaram.  Rezem. Entrem nesse porto, e tudo se resolverá.

Salve, ó Deus, o que vai morrer te saúda!

Vinde, força dos vivos e salvação dos moribundos.

Outro belo jogo de conceitos: força dos vivos e salvação dos que morrem. Para o vivo, a existência terrena é uma luta na qual ele necessita de forças sempre renovadas.  Mas, ao morrer, precisa de uma graça especial, própria àquele supremo momento, a graça da boa morte. E essa salvação do moribundo está ao alcance de todo aquele que a implora ao Espírito Santo.

Essa circunstância lembra a pungente cerimônia que, na Roma antiga, desenrolava-se nas arenas onde se davam os jogos de gladiadores. Estes entravam em ordem, cada qual com suas armas de combate, paravam diante da tribuna do Imperador e bradavam, em latim: “Ave Caesar, morituri te salutant — “Ave, ó César, os que vão morrer te saúdam!”

Pungente! O César — o mais das vezes um soldado tosco e cheio de vícios, acomodado na segurança da tribuna imperial — vê se aproximarem dele, em passo de marcha, jovens robustos, munidos de espadas, tridentes, redes e lanças, para começar o combate, e que lutarão apenas para diverti-lo. Situação triste na vida, mas infelizmente assim se apresentava: aqueles eram os “morituri”.

Ora, numa comparação não desprovida de beleza, todo homem, na iminência da sua morte, pode dizer, não a um César impudico, mas a um Deus infinitamente perfeito:  “Ave, ó Deus, o que vai morrer te saúda!”  É a derradeira saudação antes da morte. Pois bem, para que essa saudação seja ouvida como um pedido de clemência e salvação, façamo-la ao Divino Espírito Santo, sempre a rogos de Maria, sem a qual nada alcançamos.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 20/5/1990)

 

Não perdi nenhum!

As considerações a respeito da solenidade de Pentecostes, por vezes se ignora um aspecto essencial, tão bem salientado por São Luís Grignion de Montfort no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem: “Quanto mais, em uma alma, Ele [o Espírito Santo] encontra Maria, sua querida e inseparável Esposa, mais operante e poderoso Se torna para produzir Jesus Cristo nessa alma, e essa alma em Jesus Cristo” (n. 20). Somente dessa maneira se tornará efetiva a renovação da face da Terra.

 Renovação que deve ser iniciada na alma de cada fiel, de maneira a ele se tornar uma tocha ardente de amor a Deus para atear em toda parte o fogo do Espírito Santo. Sem essa iniciativa misericordiosa da graça, com a vinda do Paráclito sobre as almas, pouco poderemos esperar do insuficiente esforço humano. “Em Pentecostes — comenta Dr. Plinio — os Apóstolos estavam reunidos em torno de Nossa Senhora, e eles rezavam. Se não fosse eles rezarem, podiam fazer a ascese que quisessem, não chegariam ao ponto onde chegaram num minuto, quando, atendendo aos rogos de sua Mãe, Nosso Senhor cumpriu a promessa enviando o Espírito Santo. Num minuto eles se transformaram”.(1)

É, pois, a difusão da verdadeira devoção a Nossa Senhora condição indispensável para o novo Pentecostes desejado pelas almas santas e requerido pela glória divina. É Maria que “produziu, com o Espírito Santo, a maior maravilha que existiu e existirá — um Deus-homem; e Ela produzirá, por conseguinte, as coisas mais admiráveis que hão de existir nos últimos tempos. A formação e educação dos grandes santos, que aparecerão no fim do mundo, Lhe está reservada” (n. 35), afirma São Luís Grignion.

Em consequência, tomando as palavras do santo mariano, podemos afirmar que a grande questão de nossos dias, na perspectiva sobrenatural, não é outra senão saber: “Quando chegará o dia em que as almas respirarão Maria, como o corpo respira o ar? Então, coisas maravilhosas acontecerão neste mundo, onde o Espírito Santo, encontrando sua querida Esposa como que reproduzida nas almas, a elas descerá abundantemente, enchendo-as de seus dons, particularmente do dom de sabedoria, a fim de operar maravilhas de graça” (n. 217).

Veremos, então, a transformação de povos inteiros por meio do que São Luís Grignion denomina o Segredo de Maria. Será, comenta Dr. Plinio, “uma operação da graça tal que se diria que a alma, objeto dessa operação, não tem mais livre-arbítrio, embora isto seja o auge do livre-arbítrio. Eu já vi almas passarem de repente por transformações tais, que me pareciam estar privadas do livre-arbítrio, de tal maneira elas mudavam e floresciam […]. Esse dia, creio eu, virá afetuosamente, amorosamente, pacientemente, de maneira que Nossa Senhora olhará para todo o rebanho d’Ela e dirá: ‘Eu Vos dou graças, meu Deus, porque de todos os que Vós me destes, Eu não perdi nenhum.’ Ela nos acompanhou pelos extravios, pelas infidelidades, pelas prostrações, pelas conspurcações, pelos olvidos, pelas ingratidões, por toda a poeira e lama do caminho. Mas a todo o mundo e a cada um, em determinado momento, Ela terá dito a palavra que os salvou”.(2)

 

1) Conferência de 1/9/1973.

2) Conferência de 26/4/1974.

Pentecostes

“Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terrae! — Senhor, mandai o vosso Espírito e todas as coisas serão criadas, todas as coisas reviverão, e a face da terra será mudada.”

Onde o Divino Espírito Santo se faz presente, Ele vence, assim como venceu no dia de Pentecostes, depois de descer sobre os doze Apóstolos reunidos no Cenáculo. Transformados, estes passam a pregar aos habitantes de Jerusalém. As conversões se tornam torrenciais. O inesperado se realiza. Homens de todas as partes do mundo se deixam tocar e mudam completamente, como outros tantos pregoeiros da grande nova: “Um Deus nasceu, um Deus se encarnou numa Virgem; morreu por nós e nos resgatou. As portas da salvação se abriram para nós!”

Tinha início a aurora da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, nimbada de glória a partir de Pentecostes.

Auxiliadora na defesa da Fé

A invocação de Nossa Senhora Auxiliadora lembra-nos, antes de tudo, a sua ação em defesa da Fé Católica.

 

A invocação de Nossa Senhora Auxiliadora dos Cristãos foi introduzida na Ladainha Lauretana por São Pio V, em comemoração à vitória alcançada contra os turcos, em Lepanto. A festa foi instituída por Pio VII em ação de graças por sua volta a Roma depois de ter sido preso por Napoleão.

Auxiliadora sobretudo na dilatação da Fé

Sobre a devoção a Nossa Senhora Auxiliadora, temos aqui uma ficha tirada da “Vida e Obra de D. Bosco”(1).

Os companheiros de D. Bosco notaram que desde o ano de 1860, ele começou a chamar e invocar a Santíssima Virgem com o título de Maria Auxiliadora, “Maria Auxilium Christianorum”. Ele era devotíssimo — e o foi sempre — da Imaculada Conceição. Todas as suas grandes obras começaram num dia 8 de dezembro. Agora, unia sempre os dois títulos dizendo: Maria Imaculada Auxiliadora. Era que em novos sonhos a Virgem lhe havia ordenado que este devia ser o distintivo da congregação.

Num dia de dezembro de 1862, diante de um grupo de meninos que jogava disse:

— Vede aquele lado do pátio? Ali vamos construir uma igreja magnífica à Mãe de Deus. Como devemos chamá-la? Chamá-la-emos Maria Auxiliadora. Até agora temos celebrado com solenidade e pompa a festa da Imaculada Conceição, e continuaremos a fazer o mesmo. Mas, além disso, a mesma Virgem Santíssima quer que a honremos com o título e a invocação de Auxiliadora. Os tempos que correm são tão tristes e temos verdadeira necessidade de que a Santíssima Virgem nos ajude a conservar e defender a fé cristã como em Lepanto, como em Viena, como em Savona e Roma. Ela o quer e aqui virão multidões imensas implorar o auxílio onipotente da Virgem Santíssima.

Alguém objetou:

— Mas isto custará muito dinheiro.

Respondeu D. Bosco:

— A Virgem é quem paga. Ela quer sua igreja, e é natural que pense em pagar seus gastos. Mas para isto temos que merecer.

Nossa Senhora, enquanto auxiliadora, gloria-Se de dar aos cristãos toda espécie de auxílio, tanto nas necessidades espirituais quanto nas materiais, desde que esteja de acordo com a vontade de Deus e seja em benefício de nossa alma. A questão é pedir. Quando se pede com afinco se obtém. E se não obtemos aquilo que pedimos, obtemos qualquer outra coisa muito melhor.

Entretanto, vemos que D. Bosco entendia Nossa Senhora como Auxílio dos Cristãos principalmente para a defesa da Fé e para a luta em prol da Causa Católica. Ele fala dessa necessidade lembrando Lepanto, o grande cerco de Viena contra os turcos, Savona e as complicações de Pio VII com Napoleão.

Devemos, então, invocar Nossa Senhora Auxiliadora e pedir sua intercessão muito frequentemente em nosso apostolado, nas situações difíceis, que vão andando de um modo lento, casos complicados de alma, etc.

Ela é Auxiliadora dos cristãos na dilatação da Fé, na luta pela Fé. E as coisas difíceis que empreendemos pela Fé devemos pedir a Nossa Senhora que nos ajude a levar a cabo

Auxílio nas grandes e pequenas coisas

  1. Chautard(2) condena o erro das pessoas que pensam: “Deixe que Deus me ajude nas circunstâncias excepcionais, que nas situações comuns eu me arranjo sem Ele”. Isso é errado; devemos contar com o auxílio de Deus e de Maria Santíssima em todas as circunstâncias, inclusive nas muito pequenas. Naturalmente, esta necessidade cresce nas situações importantes e nas mais improváveis.

Há uma invocação a Santa Rita de Cássia, que eu gosto muito: “Santa Rita dos impossíveis”. Outra forma de nos referirmos a Nossa Senhora Auxiliadora seria “Nossa Senhora dos Impossíveis”, que obtém aquilo que humanamente falando é impossível, sem saída. Isso Ela obtém, sobretudo, em ordem à vitória da Igreja e à salvação das almas.

Certas revelações particulares nos falam dos últimos tempos e nos apresentam Nossa Senhora como auxiliadora. Haverá um determinado momento em que certo pugilo católico estará completamente perdido. E então um chefe invocará São Miguel Arcanjo que, por ordem de Nossa Senhora, virá auxiliar os católicos, ganhará a batalha, cairá o poderio do demônio e nascerá o Reino de Maria.

Devemos ter isto em mente: é a Santíssima Virgem quem auxilia, intervém. A todo momento devemos pedir a Ela esse auxílio. Recomendo esta intenção para ser muito ardentemente visada no dia da Festa de Nossa Senhora Auxiliadora.

Oração a Nossa Senhora Auxiliadora

Vamos agora ler uma oração composta por São João Bosco a Nossa Senhora Auxiliadora:

“Ó Maria, Virgem poderosa, Vós, grande e ilustre defensora da Igreja; Vós, auxílio maravilhoso dos cristãos; Vós, terrível como um exército em ordem de batalha; Vós, que destruístes as heresias em todo o mundo, nas nossas angústias, nas nossas lutas, nas nossas aflições, defendei-nos do inimigo e na hora da morte acolhei nossa alma no Paraíso. Amém.”

É uma linda oração que mostra como o pensamento dele estava nessa ideia de que Nossa Senhora é a auxiliadora da Igreja. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/5/1967)

 

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da referida obra.

2) Dom Jean-Baptiste Chautard (*1858 – †1935), monge trapista e Abade do Mosteiro de Sept-Fons.