Mártir vigoroso, varonil, de alma inquebrantável

Temos para comentar uma ficha biográfica de Santo Artêmio, mártir. Comandante das forças imperiais, ocupou, sob Constantino Magno, postos de honra no exército. Juliano, o apóstata, que levantara grande perseguição contra os cristãos, mandou degolá-lo. Sobre ele, diz o Padre Rohrbacher1:

Governador do Egito e da Síria

Enquanto os dois sacerdotes, Eugênio e Macário, eram supliciados, um oficial, que permanecera ao lado do imperador, levantou-se e se dirigiu a ele:

“Por que torturas tão cruelmente esses santos homens consagrados a Deus? Não vos esqueçais de que também sois homem, sujeito às mesmas misérias. Se Deus vos constituiu imperador, se recebestes de Deus o império, acautelai-vos para que satanás, que pediu e obteve permissão para tentar Jó, não tenha pedido e obtido permissão para usar-vos contra nós, a fim de passar pelo crivo o trigo de Cristo e semear o joio por toda parte. Mas sua empresa resultará vã; não tem o mesmo poder antigo. Desde que Cristo veio e foi erguido na Cruz, caiu o orgulho dos demônios, seu poder foi calcado aos pés. Não vos iludais, ó imperador, não persigais, por amor aos demônios, os cristãos protegidos por Deus, pois o poder de Cristo é invencível. Vós mesmo vos assegurastes disto.”

Ao ouvir essas palavras, Juliano, fora de si, exclamou: “Quem é o ímpio que ousa usar semelhante linguagem no nosso tribunal?”

Um meirinho respondeu: “Senhor, é o Duque de Alexandria do Egito.”

Com efeito, era Artêmio Governador do Egito e também da Síria havia longos anos, e que acabava de trazer para Juliano as tropas de duas províncias para servirem na guerra contra a Pérsia.

Juliano prosseguiu: “Como? É Artêmio? Ordeno que o despojem de suas dignidades e de suas roupas, e que seja imediatamente castigado pelas palavras que acaba de pronunciar.”

Depois de despido, o mártir teve as mãos e os pés amarrados com cordas pelos algozes; estes o estenderam no chão e açoitaram-lhe o ventre e as costas com nervos de boi, durante um espaço de tempo tão longo que foram obrigados a se alternarem quatro vezes. Contudo, Artêmio não soltou um único suspiro, nem seu rosto se alterou. Dir-se-ia que não era ele quem sofria, mas outra pessoa qualquer.

Todos os assistentes estavam surpreendidos, o próprio Juliano não escondia a admiração.

A idolatria seria irremediavelmente destruída

Levados para a prisão, os três mártires para ela se dirigiram entoando louvores a Deus. Artêmio dizia a si mesmo: “Agora os estigmas de Cristo já estão impressos no teu corpo; só falta dares tua alma, tua vida, com o resto do teu sangue.”

Depois de muitas tentativas infrutíferas, por meio de torturas e argumentos, para levar Santo Artêmio a apostatar, Juliano condenou-o à decapitação. Antes da execução, o mártir pediu momentos para orar. Agradeceu a Deus a graça de sofrer pela glória de seu divino Nome e suplicou-Lhe que Se compadecesse de sua Igreja, ameaçada com terríveis calamidades pelo apóstata Juliano:

“Vossos altares serão destruídos, vosso santuário profanado, o sangue de vossa aliança menosprezado por causa de nossos pecados e das blasfêmias que Ario vomitou contra Vós, Filho Unigênito, e contra vosso Espírito Santo, separando-Vos da consubstancialidade do Pai e supondo-Vos estranho à sua natureza; afirmando que sois criatura, Vós, o Autor de toda a Criação; subordinando-Vos ao tempo, Vós que fizestes os séculos, e dizendo: ‘Havia o Filho que não era’, chamando-Vos de filho da vontade.”

Depois de dobrar três vezes o joelho voltado para o Oriente, novamente o mártir orou, dizendo:

“Deus de Deus, só de um só, Rei de Rei, Vós que estais sentado nos Céus à direita de Deus Pai que Vos gerou, Vós que viestes à Terra para a salvação de todos nós, Vós que sois a coroa dos que combatem pela piedade, ouvi favoravelmente vosso humilde e indigno servo, recebei a minha alma em paz.”

Uma voz respondeu-lhe do Céu que sua oração seria ouvida; além disso, o imperador apóstata pereceria na Pérsia, que teria um sucessor cristão  e que a idolatria seria irremediavelmente destruída. Depois de ouvir essas palavras, cheio de alegria, Artêmio apresentou a cabeça à espada.

Católico combativo que agride, toma a iniciativa e interpela

Vamos recompor um pouco a cena para dar todo o relevo à narração. Imaginemos num circo romano uma tribuna imperial alta, com colunas, coberta por um tecido precioso, o imperador sentado numa espécie de trono, naturalmente com todo o pessoal de serviço por detrás dele, leques se agitando, ‘flabelli’ para impedir que as moscas pousassem nele, uma série de dignatários dentro da tribuna, depois o povo lotando todo o resto do teatro. Provavelmente, como eram os espetáculos, quer dizer, com as arquibancadas necessárias para os nobres, depois para os burgueses e a plebe. Eu creio que já não havia mais a bancada das vestais, porque estas se tinham extinguido. Ao lado, um oficial revestido do traje próprio aos oficiais romanos, com capacete, couraça, armas, junto ao imperador. Esse oficial é um homem de alta categoria. O livro fala em duque. É um anacronismo, pois não havia ainda duques, mas devia ser um chefe de duas importantíssimas unidades do império romano, que vinha a Roma trazendo tropas para serem utilizadas na luta contra a Pérsia. Ele estava, portanto, na tribuna imperial, quiçá muito mais como uma distinção do que como guarda do corpo do imperador. Era um hóspede de honra.

Enquanto dois sacerdotes estão sendo martirizados e o povo olhando para aquilo com uma alegria própria de hienas e de chacais, em certo momento esse homem se levanta: é Artêmio que dirige uma apóstrofe magnífica ao imperador que, embora sendo um indivíduo odiento e impulsivo, não profere uma só palavra e deixa-o dizendo quanto queria.

As palavras de Santo Artêmio mostram bem o caráter de católico combativo que não se limita a deixar-se matar, mas que agride, toma a iniciativa, interpela . O resultado é que, ao invés de dar razões, o imperador pergunta quem é ele . Informado, manda torturá-lo para ver se apostata . Não dando certo a tortura, ordena matá-lo.

A principal força da heresia e do mal está no demônio

A apóstrofe do Santo mártir merece ser considerada um pouco mais detidamente .

Na primeira parte ele pergunta ao imperador qual a razão pela qual ele tortura esses homens santos. Sabendo que o imperador não tem motivo para os torturar, Santo Artêmio o adverte que tenha cuidado porque ele, Juliano, está sendo instrumento de satanás para perseguir a Igreja Católica. Pondera que não adianta persegui-la, porque o poder dos demônios foi quebrado depois de Nosso Senhor Jesus Cristo ter sido elevado ao alto, quer dizer, crucificado. O poder das trevas está quebrado e toda a obra visando conter o Cristianismo fracassará, porque o demônio não tem mais a força antiga.

Vejam a bonita concepção presente por detrás disso: a principal força da heresia e do mal está no demônio cuja força, uma vez quebrada, está também rompida a força do mal. Essa é uma concepção eminentemente nossa, e muito profunda. Depois ele prossegue afirmando que o imperador está fazendo uma obra inútil, além de injusta, porque ele vai ser derrotado.

Então o imperador intervém e manda prendê-lo.

Poder-se-ia dizer que outra cena se abre nesse ou em outro circo romano: Santo Artêmio está sendo martirizado e faz uma oração. Uma voz do Céu lhe diz algo. Podemos imaginar o silêncio na arquibancada e, na arena, aquele homem vigoroso, varonil, de alma inquebrantável pede licença para fazer uma prece, e a recita em voz alta.

O esquema da oração  de  Santo Artêmio é o seguinte: ele declara que a perseguição sofrida pela Igreja é um castigo por causa da heresia de Ario. Então ele faz um duríssimo ato de increpação contra a heresia ariana. Qual é o fundamento dessa concepção dele? Como se pode compreender que a Igreja esteja sofrendo castigo por uma heresia condenada por ela?

A resposta é muito simples: a Igreja a condenou a duras penas; a massa quase completa dos católicos ficou ariana. São Jerônimo, se não me engano, teve essa expressão: o mundo, de repente, acordou e percebeu que se tinha tornado ariano. Para que o arianismo fosse derrotado foi necessária uma luta tremenda, durante a qual os Santos foram perseguidos, verteu-se muito sangue e o mundo não se converteu inteiramente dessa heresia. Depois apareceu o semiarianismo, que era uma tentativa de restaurar a heresia de Ario.

Auxílio para os católicos dos últimos tempos

Por fim, a voz vinda do Céu lhe assegura a morte de Juliano que seria sucedido por um imperador cris tão, e a idolatria irremediavelmente  serviriam de estímulo para pessoas e destruída. Quer dizer, apesar de tudo, vinha o castigo purificador. Poderia ainda haver outras crises, mas a idolatria não renasceria mais nações, as quais ele nunca imaginaria que pudessem vir a existir.

Assim são as coisas na Santa Igreja: nós sofremos e lutamos hoje, mas tendo ouvido isso, Santo Artêmio fez mais ou menos como Simeão, que disse: “Senhor, agora podeis mandar em paz o vosso servo, porque meus olhos viram o Salvador” (cf. Lc 2, 29-30). O mártir certamente pensou: “Senhor, agora podeis mandar em paz o vosso servo, porque estes ouvidos ouviram o anúncio da derrota daquele que é a causa de todos os flagelos, e a afirmação de vossa vitória.” Inclinou a cabeça e foi decapitado. Morreu em paz.

O que Santo Artêmio não viu nem soube é que tantos séculos depois o suplício e a varonilidade dele não sabemos de que auxílio esses sofrimentos serão para os católicos dos últimos tempos, cuja aflição será suprema quando, afinal de contas, estiverem esperando a hora de Nosso Senhor chegar. Talvez eles meditarão nas nossas lutas, nos nossos sofrimentos, na nossa espera pela realização das promessas de Fátima, e encontrarão no que fazemos um conforto que nós mesmos não sentimos, mas que as almas deles receberão pela nossa ação.    v

 

(Extraído de conferência de 19/10/1966)

Admiração e cortesia

A elevação, suavidade e elegância no convívio humano que reluziram de modo especial em outras quadras históricas, constituem um acervo da Civilização Cristã. Segundo Dr. Plinio, os desajustes nos relacionamentos originam-se, sobretudo, do fato de o homem se afastar do amor a Deus e concentrar-se em si próprio.

 

Quando conversamos com alguém, devemos ter em vista as vantagens espirituais de nosso interlocutor e, de outro lado, os interesses da Igreja. Se começamos a pensar em nossos próprios benefícios, surgem mil misérias que não nos é difícil imaginar.

O egoísmo desnatura o convívio humano

Na verdade, os outros têm uma extraordinária sensibilidade para perceber se, em relação a eles, estamos agindo de modo interesseiro ou não. Podem não exprimi-lo nem conscientizá-lo, mas em seu subconsciente algo dessa percepção permanece. Portanto, para agir bem é necessário um completo desinteresse de si e desejar apenas as vantagens da Igreja e da alma com quem tratamos.

Importa distinguir aqui o que chamamos de interesse, pois podemos, legitimamente, defender nosso próprio direito. Há, porém, dois modos de fazê-lo. O primeiro consiste em agir em função de Deus, o qual deseja que nosso direito seja respeitado; o segundo, em defender com ferocidade alguma vantagem implícita nesse direito. São atitudes muito diferentes. Exemplifico.

Se alguém comete uma injustiça a meu respeito, tenho dois motivos para reagir. Antes de tudo, sendo a injustiça um pecado e, portanto, contrária à glória de Deus, devo ser incompatível com ela e impugná-la. Outra razão de me indignar é ter em vista, não a causa de Deus, mas meu lucro pessoal. Quer dizer, como meu interesse foi lesado, posso até alegar em meu favor os cânones da moral. Esta, porém, passa a funcionar quase como pretexto e não como o motivo principal de minha defesa.

Em virtude da natureza humana decaída, o interesse próprio facilmente se hipertrofia, degenera-se e redunda numa explosão de egoísmo. E este deturpa, desnatura e corrói o convívio humano.

Ao desapegado, o Espírito Santo inspira a agir retamente

Poder-se-ia, então, perguntar: quais as palavras adequadas para nos defendermos?

Respondo com um conselho do Divino Mestre. Nosso Senhor recomendou aos Apóstolos que, ao serem arrastados à presença das autoridades na sinagoga, não se preocupassem com o que haveriam de dizer, pois o Espírito Santo lhes poria nos lábios as palavras necessárias para responderem dignamente (Mt 10, 17-19).

O mesmo sucede em nosso apostolado ao tratarmos com aqueles que a Providência coloca em nosso caminho, inclusive pessoas influentes na sociedade: se formos desapegados, não precisamos nos perturbar, pois o Espírito Santo — que habita como num templo na alma em estado de graça — de um ou outro modo nos instruirá para agirmos retamente. E se, por qualquer falta de sagacidade ou de tino diplomático, atuarmos de modo não ideal, mas bem-intencionados, Nossa Senhora fará redundar o mal em bem.

Cultivar a cortesia “saint-simoniana”

Outra objeção poderia ainda ser levantada: “Dr. Plinio, de nada adianta então ter a elevação e suavidade de trato do Duque de Saint-Simon [ver quadro em destaque], tão salientado pelo senhor, pois tudo se reduz à vida espiritual”.

Não é correto. Suponhamos o caso de uma pessoa chamada a discutir para defender a doutrina católica. Para tanto existem a teologia e a filosofia (a Suma Teológica de São Tomás de Aquino, por exemplo), as quais fornecem o aparelhamento magnífico de raciocínios que provam a veracidade da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. É a apologética.

Se essa pessoa cultivou seu espírito, ou se não pôde estudar por falta de meios materiais, ou o fez — sem culpa própria — de modo incompleto, imperfeito, o Espírito Santo, a rogos de Nossa Senhora, a ajudará e abençoará para que sua ação se torne útil e fecunda, a fim de salvar as almas. Porém, se por preguiça ela não estudou apologética, o Divino Espírito Santo certamente não a favorecerá, pois ele não supre as mazelas dos negligentes.

Ora, o que se dá com a doutrina sucede também com a cortesia e o “saint-simonianismo”. Quem possui os meios e o tempo para aprendê-los, deve fazê-lo. Quem não tem, confie em Nossa Senhora, seja desinteressado e seu trato fará bem às almas. Insisto: o “saint-simonianismo” não aproveitará ao egoísta nem será útil àqueles que manifestam um tratamento interesseiro, pois este corrompe tudo. Nas relações e conversas com o próximo, cumpre ser abnegado, amar seriamente a Deus e ao nosso semelhante por amor de Deus.

Pela admiração se aprende o “saint-simonianismo”

Como se aprende e se cultiva essa forma de cortesia a que chamamos de “saint-simoniana”?

Posso responder evocando meu exemplo pessoal. Aprendi, primeiramente, de modo vivo e direto — ­aliás, o mais importante —, prestando atenção, admirando, procurando entender, na medida do possível, as pessoas com alguma tradição “saint-simoniana” com as quais convivi desde pequeno. Entre elas a “fräulein” Mathilde, nossa preceptora, alguns parentes e conhecidos que frequentavam minha casa ou que eram visitados por mim, e em cuja educação refulgiam belos traços da formação dos antigos tempos.

Com o passar dos anos tornei-me ávido de conhecer mais, compreendi a beleza desse modo de ser, entendendo tratar-se não apenas de um dote mundano, mas, acima dos defeitos do personagem em si, de um valor da civilização católica. Então, quando me caiu nas mãos uma compilação de textos de Saint-Simon, minha alma teve sede de tomar contato com a obra completa dele. Li, sublinhei e reli os vários volumes, e confesso “invejar” os que ainda não os leram, pois podem ter a alegria — já saboreada por mim — de fazê-lo pela primeira vez…

Portanto, àqueles que é dado ler Saint-Simon, alegrem-se! Os que não o conseguem, não chorem, pois há algo melhor do que isto: se nos ambientes autenticamente católicos encontrarem algumas pessoas “saint-simonianas”, procurem admirá-las e entendê-las. Sobretudo, almejem ser inteiramente desinteressados, e o Divino Espírito Santo lhes ensinará o resto. Máxime se devotos de Nossa Senhora, por meio de quem obtemos todas as graças do Céu.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 22/5/1970)

Revista Dr Plinio 111 (Junho de 2007)

Sagrado Coração de Jesus

Em todas as imagens do Sagrado Coração de Jesus podemos perceber uma nota de suave tristeza, pois em meio à harmonia e formosura da alma d’Ele estavam presentes a cruz e o sofrimento.

Homem-Deus, Nosso Senhor possuía em grau insondável, todos os títulos para ser amado e venerado, aos quais acrescentou as maravilhas de seus milagres e doutrinas.

Jesus realizou o inimaginável, e por certo despertou imensa admiração. Porém, seus admiradores se cansaram d’Ele. Essa rejeição, por ser imerecida e constituir um grande pecado, causava profunda dor à sua humanidade santíssima. No fundo do seu Coração Sagrado havia, pois, habitualmente uma nota de pesar, devido a essa  incorrespondência em relação a quem se dava com tanto amor.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

A maior das glórias

Muito se disse da glória da carreira militar, a qual não advém do número de vítimas que o guerreiro faz, e sim dos riscos que ele corre, emoldurados pelo seu esforço pessoal de combatente. Ele não recuou diante do perigo e da iminência da morte, enfrentou todos os obstáculos na sua ofensiva, deitou toda a energia dos seus músculos e todo o vigor da sua alma naquela refrega.

Em geral as nações — é fato comprovado pela História — têm seu período de glória militar e a fase em que tal esplendor se eclipsa, o entusiasmo pelo heroísmo cede lugar ao desejo de acomodação, de se sentir dentro de casa, protegida, sem os sobressaltos de um conflito.

Surge, então, o papel da glória literária. Esta consiste em levantar na alma do povo o apreço pelo maravilhoso por meio da palavra, da argumentação, da letra de um hino, capazes de suscitar nos corações os sentimentos que fazem do homem um herói. A literatura desse porte alcança despertar numa população inteira que vai se tornando lerda, egoísta e moleirona, o brio da coragem e, com este, a força de se reerguer à altura de seu luminoso passado.

Tal é a glória literária, cuja beleza está no ela poder servir o heroísmo, ressuscitando-o. Exemplo característico, os Lusíadas, de Camões. É um poema que exalta a glória dos navegadores portugueses que venceram todos os mares, tocaram nas Américas, na Índia, no Japão…

Esplendor militar, grandezas da literatura, excelências dignas de admiração. Porém, pode-se considerar ainda mais admirável e mais bela a glória religiosa. Compreende-se, pois esta é a glória daquele que deseja conquistar para Deus uma imensa vitória na Terra, isto é, evangelizar o maior número possível de almas a fim de que Deus seja Senhor e Rei delas no Céu por toda a eternidade. O religioso almeja dar ao Criador algo que Ele ama superlativamente, com amor infinitamente superior àquele que qualquer conquistador tenha por seu próprio triunfo.

Se um missionário conseguisse salvar a alma de um só dos seus semelhantes, ofereceria mais a Deus do que se a Ele fosse dado a terra, a lua e todo o nosso sistema planetário. Pois a Igreja nos ensina que tudo quanto Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu na sua Paixão e Morte preciosíssimas, foi em ordem à redenção de todo o gênero humano, mas o Salvador padeceria os mesmos tormentos por qualquer homem individualmente considerado. Quer dizer, se Deus tivesse criado um só homem e este tivesse pecado, Jesus estaria decidido a sofrer tudo o que sofreu para resgatar essa alma.

Imagine-se, então, a grandiosidade da missão de uma pessoa que consegue para Deus a adesão de um país inteiro, o qual permanecerá católico até o fim dos tempos! Quantas almas irão para o céu porque tal pessoa obteve esse prêmio para Deus!

Camões, Vasco da Gama, guerreiros, literatos e conquistadores ilustres: todos expressões de extrema beleza, mas pouco adiantariam se não houvesse homens especialmente voltados para converter as almas e encaminhá-las nas vias da Civilização Cristã, com suas catedrais, ­suas universidades, toda a sua cultura, obras muito mais filhas de missionários e religiosos do que daqueles expoentes da literatura e da glória militar.

Pensemos, entre outros, nos monges beneditinos, insignes evangelizadores da Europa medieval, os quais, sob o impulso irresistível de seu Fundador, se espalharam pelo Velho Continente fundando mosteiros e abadias, promovendo a edificação de imponentes catedrais, a instituição de renomados estabelecimentos de ensino, a construção de monumentos que encantam o mundo até os presentes dias. Mais. Eles desejavam fugir das cidades para se recolherem em locais ermos, e as cidades corriam atrás deles: fundavam conventos, e as populações católicas cresciam em torno dos muros sagrados.

Não será esta glória superior à militar? À literária?

É a primeira das glórias. Porque visa mais diretamente a glória de Deus. Porque conquista algo que vale incomensuravelmente mais do que terras, cidades e tesouros. Conquista almas.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 99 (junho de 2006)

Corações semelhantíssimos

Com grande sabedoria a Igreja instituiu a Festa do Imaculado Coração de Maria no dia seguinte à do Sagrado Coração de Jesus, celebrada este ano na primeira sexta-feira de junho. Assim, a liturgia une no louvor da Terra e do Céu os dois corações que foram sempre inseparáveis, denominados de “semelhantíssimos” (Ladainha do Coração de Maria), pulsando por amor aos homens, e que desde a Assunção de Nossa Senhora se encontram juntos no Céu, em seus corpos gloriosos.

Ao longo de sua vida, Dr. Plinio professou uma ardorosa devoção aos dois Corações. Em sua própria residência venerava as imagens do Sagrado Coração de Jesus que eram de Dona Lucilia, assim como uma estampa do Imaculado Coração de Maria — reproduzida em nossa capa — que o acompanhou desde os primórdios de sua lide profissional, abençoando seus trabalhos e apostolado no escritório de advocacia: “Imagem especialmente piedosa, comentava ele, exprimindo de modo tocante o insondável afeto de Mãe, a bondade, a misericórdia, a pureza e todas as excelsas virtudes que Nossa Senhora possui num grau inconcebível por nós. O quadro A representa no seu resplendor, segurando o coração com a mão, como se este houvesse rompido o peito para se mostrar aparente aos homens e oferecido pela Santíssima Virgem: ‘Ele é vosso; dou, se me pedirdes’. Portanto, é um convite à prece, à súplica ao Imaculado Coração d’Ela, feito por Ela mesma: ‘Sede devotos do meu Imaculado Coração e recebereis graças incontáveis’.”

Esse amor que tributava aos Sagrados Corações de Jesus e Maria e a confiança plena que neles depositava, fonte de sua invariável e inabalável serenidade, Dr. Plinio procurou alimentá-los igualmente na alma de seus discípulos. Perante um Sacrário, rezava sempre três vezes: “Cor Iesu Eucharisticum”, para venerar o Sagrado Coração na Eucaristia. Ao Coração da Mãe de Deus, costumava louvar com um tríplice “Dulcis Cor Mariae”. E a essa união dos dois Corações assim se referia:

“Se considerarmos o Coração de Jesus formado no seio virginal de Nossa Senhora, com a matéria-prima que a mãe fornece para a constituição do corpo do filho, temos que a carne e o sangue preciosíssimos do Redentor, ligados à divindade em união hipostática, são a própria carne e o próprio sangue de Maria. Portanto, o Coração de Jesus é, de algum modo, o Coração de Maria.

“Se evocamos esse processo de geração tão admirável pelo qual a Mãe como que se desdobrou e deu de si mesma tudo para compor o corpo do Filho, se nos lembramos que a humanidade do Verbo Encarnado foi assim engendrada no claustro da Santíssima Virgem, num incêndio de amor e adoração a esse Filho Divino, entenderemos ainda mais como o Coração de Nosso Senhor está unido ao Coração Imaculado de Maria. E como, em conseqüência, podemos nutrir uma confiança sem reservas na eficácia da intercessão de Nossa Senhora junto a Jesus, pois Este nada recusará a essa Mãe perfeitíssima que O cumula de superlativo e total contentamento, cuja carne sabe ser a própria carne d’Ele, e cujo Coração — por assim dizer — é o seu próprio Coração.

“A meu ver, não existe devoção mais significativa para nós do que esta aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, fonte de inesgotáveis favores, dons e misericórdias celestiais.”

 

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 87 (Junho de 2005)

Santo Eliseu

Na celeste sinfonia entoada pelos santos da Ordem do Carmo, sobressai a voz de Santo Eliseu, Profeta, discípulo e sucessor de Santo Elias. É a voz da fidelidade, da continuidade, da incondicionalidade; é a voz da união completa com aquele que Deus lhe concedeu por guia, senhor e mestre, e do qual herdou, como seu mais precioso legado, uma fervorosa devoção à futura Mãe do Verbo Encarnado, Maria Santíssima.

Santa Edeltrude Vigor e beleza da alma medieval

Como nos mostra Dr. Plinio, a rainha Santa Edeltrude e suas irmãs — também canonizadas — são luminoso exemplo do que foi outrora a “Ilha dos Santos” (o atual Reino Unido), no alvorecer de uma era onde a virtude heróica se fazia freqüente até nos mais altos degraus da sociedade, a partir dos quais se estendia às outras camadas sociais, dando forma àquele conjunto chamado de Cristandade.

 

No dia 23 de junho a Igreja lembra Santa Edeltrude, Rainha e virgem do século VII. Filha de um monarca do Leste Inglês — um dos sete reinos que constituíam a Inglaterra de então — teve ela três irmãs santas: Saxburga, Edilburga e Virtburga. Como sói acontecer naquela época povoada de heróis da Fé, a virtude resplandecia no seio das famílias, e muitos parentes possuíam em comum, não apenas o sangue, mas também a santidade. Neste caso, poder-se-ia construir um esplêndido templo católico no qual houvesse quatro belos altares em honra dessas irmãs bem-aventuradas.

Ousadia e fundação de mosteiro

A respeito de Santa Edeltrude, alguns autores nos apresentam os seguintes dados biográficos:

Nasceu provavelmente por volta de 630 e morreu em Ely, a 23 de junho de 679. Quando ainda muito jovem, foi dada em casamento por seu pai, Anna, Rei de East Anglia, a um certo Tonbert, príncipe a ele subordinado. Deste primeiro marido, Edeltrude recebeu como dote algumas terras na localidade conhecida como a Ilha de Ely.

A santa viveu cinco anos com Tonbert em perfeita continência. Após a morte prematura do príncipe, viveu um pe­río­do de paz com sua vocação religiosa. Seu pai, entretanto, quis que ela se casasse novamente e lhe arranjou a união com Egfrido, filho e herdeiro de Oswy, Rei da Nortúmbria.

 De seu segundo esposo, que consta ter então apenas 14 anos de idade, recebeu mais terras, desta feita em Hexham. Por meio de São Wilfrido (634-709), monge beneditino e Bispo de York, cedeu ditas propriedades para a fundação do mosteiro de Santo André. São Wilfrido tornou-se amigo e guia espiritual de Santa Edeltrude, aprovando e lhe incentivando a guarda da virgindade. Porém, foi a ele que Egfrido recorreu, quando sucedeu seu pai, para fazer valer seus direitos maritais contra a vocação religiosa de Edeltrude.

Primeiramente, o bispo conseguiu persuadir Egfrido a deixá-la viver por certo tempo em sossego, como freira no convento de Coldingham, fundado pela tia dela, Santa Ebba. Mas ante o perigo iminente de ser levada à força pelo rei, Edeltrude fugiu em direção ao sul do país, com apenas duas companheiras, buscando suas terras em Ely. Ali, favorecida por milagres e misericordiosas intervenções divinas, num lugar cercado de pântanos, areias movediças e pelas águas do rio Ouse, iniciou a fundação do mosteiro de Ely.

Como o lugar ficava na região onde Edeltrude nascera, seus parentes de sangue real lhe forneceram os meios necessários para a execução de seus planos. São Wilfrido ainda não havia retornado de Roma, onde lograra obter do Papa Bento II privilégios extraordinários para aquela fundação, quando Edeltrude morreu vítima de uma epidemia a qual ela mesma havia predito.

Por muitos séculos, o corpo da santa foi objeto de devota veneração na famosa catedral de Ely, construída precisamente no local do antigo mosteiro fundado por ela. O atual edifício católico é considerado uma magnífica mostra dos vários estilos góticos, acrescentados durante diversas renovações desde o século IX, sendo que a última parte — o famoso octógono — foi adicionada em 1400.

Uma das mãos da santa é atualmente venerada na igreja católica de Santa Edeltrude, na Ely Place, em Londres. Trata-se do mais antigo templo católico da capital britânica, e durante a Idade Média era considerado uma espécie de feudo dos bispos de Ely, herdeiros daquelas terras de Santa Edeltrude.

Na Idade Média, ao lado da rudeza, autêntica virtude

Percebemos aqui um flash(1) da Inglaterra primitiva, bem como da aurora da Idade Média que contém algo de selvagem e, ao mesmo tempo, de extraordinariamente sobrenatural. Este contraste encerra, a meu ver, uma intensa beleza.

Após a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, os povos que surgem têm príncipes e princesas evidentemente com resquícios de barbárie. Quanto ao aspecto, ao porte, ao estilo, não podermos imaginar Santa Edeltrude e suas três irmãs semelhantes às filhas de Luís XV, pintadas por Nattier, sobre um fundo azul claro: Madames Henriette e Adélaïde, frágeis, como se fossem de porcelana, quase evanescentes, vestidas com sedas vaporosas. Devemos figurá-las como damas vigorosas, cujas mãos estavam afeitas a árduos trabalhos domésticos, embora fossem orgânica e autenticamente princesas de grande valor nos países onde surgiam.

Cumpre salientar, aliás, que elas eram por assim dizer os berços de posteriores dinastias, e seus povos, os pontos de partida de futuras civilizações. Como lembrei acima, habitava ali certa grandeza e a semente de uma alta santidade. Haja vista a confluência de muitos bem-aventurados: somente na corte da nossa biografada encontravam-se ao mesmo tempo quatro santas, ademais de um diretor espiritual igualmente santo! Além disso, uma disseminação tal da virtude que foi possível a Santa Edeltrude convencer aos seus dois sucessivos maridos — um príncipe e um rei — de guardarem a continência na vida conjugal.

Admirável perseverança

Juntamente com tais virtudes, não se pode ignorar algumas manifestações de primitivismo. Por exemplo, uma princesa que deixa seu esposo por este querer romper o voto de castidade, refugia-se num convento e o marido não ousa ir atrás dela nem invadir o recinto sagrado, o que, naquele tempo, era julgado um fato explicável. Hoje seria considerado um escândalo, com notícias espalhafatosas nos jornais, etc.

Seja como for, é admirável a perseverança de Santa Edeltrude na prática da castidade perfeita. O abandono da vida da corte, com todas as suas glórias, para adotar o estado religioso, a sabedoria com que ela governou seu mosteiro (num país então pequeno, isso representava algo muito importante para a própria vida da nação), encaminhando as religiosas para o Céu, tudo isso forma um conjunto de traços fisionômicos iluminados pela santidade, e justifica plenamente a devoção que os fiéis possam ter para com ela.

Assim, nada mais aconselhável e rico em benefícios para nossa alma do que nos recomendarmos às orações de Santa Edeltrude, Rainha e virgem, no dia de sua festa.  v

 

1) Sobre o termo flash, cf. Dr. Plinio número 55.

 

 

Sagrado Coração de Jesus

Salve Maria!

 

Junho é o mês escolhido pela Igreja para reparar o Sagrado Coração de Jesus e retribuir o amor que Ele tem por nós.

Isso teve início quando Jesus apareceu a Santa Margarida e mostrou o Seu Sagrado Coração coroado de espinhos, dizendo:

“Eis o coração que tanto amou os homens e foi tão desprezado por eles”

A partir daí, quem abraçou com fervor essa devoção recebeu torrentes de graças. E milagres estupendos aconteceram.

Ainda mais beneficiados foram aqueles que passaram a usar o Escudo do Sagrado Coração, fazendo um ato concreto de reparação às ofensas contra esse amor misericordioso.

Eu sempre tive desejo de que a Campanha lhe pudesse oferecer a possibilidade de praticar essa devoção para que você também pudesse receber essas graças. Hoje, esse dia chegou.

Pelos anos de 1673/1675 Santa Margarida Maria Alacoque teve visões e revelações do Sagrado Coração.

Durante anos, Jesus mostrou a Margarida o amor que tem pelos homens e seu ardente desejo de salvar os pecadores.

Mas lamentou-se também de que esse Coração que tudo fez para salvar os homens, é esquecido e desprezado por eles.

E fez magníficas promessas a quem consolasse o Seu Coração e reparasse as ofensas cometidas contra o seu amor:

  • Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
  • Eu os consolarei em todas as suas aflições.
  • Serei seu refúgio seguro na vida e principalmente na hora da morte.
  • Darei bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e empreendimentos.
  • Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte inesgotável de misericórdia.
  • Minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de meu Coração.
  • As pessoas que propagarem essa devoção terão seus nomes inscritos para sempre no meu Coração.

E nós precisamos da graça de Deus! Muitos riscos nos esperam todos os dias: assaltos, seqüestros, acidentes de automóvel, sem contar os perigos morais, não é verdade?

Por essa razão, neste mês de junho, seguindo o conselho de Jesus, vamos rezar uns pelos outros.

Além disso, o Secretariado da Campanha lhe dará um presente especial. Mandaremos celebrar em todos os dias de junho uma missa especial por você e sua família.

Mais ainda, você poderá dar as suas próprias intenções para serem incluídas nessas santas missas.

De minha parte, prometo incluir o seu nome nas intenções das missas que mandarei celebrar durante todo o mês de junho pelos participantes da nossa campanha.

Certo de que o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria derramarão tesouros de graça e misericórdia sobre você e toda a sua família, despeço-me com muita estima.

Em Jesus e Maria

 

 

João Sérgio Guimarães

coordenador de campanhas

 

Acesse este PDF e conheça um pouco da mensagem de Jesus a Santa Margarida Maria e o que é o Detem-te: Clique aqui

Novena do Sagrado Coração de Jesus: Clique aqui

Medalha do Detem-te: Clique aqui

Medalha do Detem-te para o retrovisor do carro: Clique aqui

Escreva seu nome no Coração de Jesus, e receba o Poster em sua casa: Clique aqui

Coração de Maria: Imaculado e Sapiencial

Maria Santíssima é verdadeiramente Mãe de uma bondade incomensurável. Seu desvelo para conosco excede a todo amor conhecido, pois não apenas é generoso, terno, envolvente e até heroico, mas parece ultrapassar todos os limites.

Em Fátima, mesmo quando se referiu às punições reservadas para o mundo impenitente, a Mãe de Deus revestiu suas admoestações de profunda tristeza, demonstrando também, por seu modo de se expressar, uma grande pena dos “pobres pecadores”.

Apesar do anúncio da salutar punição, Nossa Senhora encontra-se pronta a nos obter de seu Divino Filho o perdão.

A condição é que utilizemos os meios por Ela indicados: o aumento na devoção a Ela, a oração e a penitência.

Não há por que estranhar o caráter condicional dessa promessa de perdão, vinda de Mãe tão bondosa e misericordiosa. Pois, uma vez que alguém está ameaçado de castigo por causa de seus pecados, o modo de ser poupado é deixar de cometê-los.

Devoção ao Imaculado Coração de Maria

Para salvar as almas “dos pobres pecadores, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração” – dizia a Santíssima Virgem na aparição de 13 de julho de 1917, ao tratar do cerne de sua mensagem.

Porém, não foi esta a única ocasião em que Nossa Senhora se referiu à importância dessa devoção. Mencionou-a diversas outras vezes nas suas mensagens, e tal insistência não pode deixar de ser seriamente considerada.

Quem se tomar de verdadeiro e sincero amor por essa boa Mãe, puríssima e inigualável, e pôr em prática a devoção ao seu Imaculado Coração, será favorecido por seu contínuo amparo.

Por maiores que tenham sido os pecados cometidos, Nossa Senhora intercederá pelo fiel devoto junto a seu Divino Filho, obtendo-lhe todas as graças de emenda de vida e perseverança no bom caminho.

A devoção ao Imaculado Coração de Maria é, portanto, um dos principais remédios para a ruína contemporânea.

Coração Imaculado, cheio de Sabedoria

O Coração de Maria Santíssima, ou seja, sua alma, é soberanamente elevado, soberanamente grande, soberanamente sério, soberanamente profundo, porque é sapiencial.

Ela é o vaso de eleição no qual pousou o Espírito Santo, para nele gerar a Nosso Senhor Jesus Cristo. E o único hino que conhecemos como proferido por Nossa Senhora em sua vida terrena, é uma verdadeira maravilha de sabedoria: o “Magnificat”.

O “Magnificat”

“Minha alma engrandece o Senhor; e o meu espírito exulta em Deus meu Criador; porque considerou a humildade de sua serva, por isso todas as gerações me chamarão bem-aventurada”. (Lc. I, 47-48)

Quanto é possível a uma mente criada, Nossa Senhora mediu, por sua sabedoria, toda a grandeza de Deus, e nisto se alegrou. De outro lado, considerou sua pequenez, e então disse:

“Eu me alegro em Deus meu Salvador, porque Ele olhou para a baixeza de sua escrava”.

Isto é um poema! É a escrava que se encanta de ser escrava, de ser pequena, de ver como Deus é infinitamente superior a Ela, e do fundo de seu nada glorifica o Senhor. É o pequeno que reconhece, com agrado, a sua posição.

O escravo não tem direitos, e está colocado abaixo da condição comum dos homens. Pois bem, Nossa Senhora se proclama escrava de Nosso Senhor Jesus Cristo, precursora de todos os escravos que Ela iria ter ao longo dos séculos.

E foi sobre a humildade desta criatura escrava que aprouve ao Senhor deitar os olhos, e por isso Ela exulta: porque a grandeza amou a pequenez.

Eis a verdadeira humildade que ama seu lugar inferior, adorando a grandeza que a eleva. Eis Imaculado Coração de Maria, que também é Sapiencial.

 

Conferência de 21/8/1968 de Plinio Corrêa de Oliveira

Imaculado Coração de Maria: lições de santidade

Refletindo a respeito de uma piedosa invocação da Ladainha do Imaculado Coração de Maria, Dr. Plinio não se prende aos esquemas devotos tradicionais, mas tira  conclusões inesperadas a respeito do materialismo que pode nos escravizar…

 

Como em geral acontece com as ladainhas compostas ao longo dos tempos pela piedade católica, as jaculatórias da Ladainha do Imaculado Coração de Maria sugerem, cada uma, desdobramentos e considerações que muito enriquecem nossa vida espiritual e nossa devoção à Santíssima Virgem.

Procuremos analisar, por exemplo, a invocação “Cor Mariae, in quo Jesus sibi bene complacuit”, que em português poderíamos traduzir assim: Coração de Maria, no qual o Coração de Jesus bem se compraz.

Plenitude de satisfação

Devemos começar por observar que este “bem” salienta a ideia do inteiro e perfeito comprazimento de que nos fala a jaculatória. Ou seja, o Coração de Maria possui uma tal excelência que, tanto quanto é possível à natureza criada, nada lhe falta, e por isso nele Nosso Senhor encontra uma satisfação completa, que não conhece névoa, que não tem limites nem máculas. Excetuando o fato de que o contentamento infinito de Jesus é e só pode ser com o próprio Deus, em tudo o mais Ele acha total alegria no coração e na pessoa de sua Mãe Santíssima.

Quer dizer, Nosso Senhor fita a Santíssima Virgem, olha-A, e ao vê-La, ao contemplá-La, ao analisá-La, experimenta o maior dos prazeres, um deleite indizível, que sobrepuja todas as outras delícias que Lhe proporciona a consideração de suas demais criaturas.

Não poderia ser diferente, em se tratando d’Aquela que foi escolhida, desde toda a eternidade, para engendrar em suas entranhas virginais o Filho de Deus; d’Aquela, portanto, em que tudo haveria de ser absolutamente puro e perfeitamente magnífico. Em todos os momentos de sua vida terrena, Ela não deixou de crescer em santidade, de um modo inimaginável. Cada graça que Deus lhe concedeu para se adiantar na virtude era correspondida com tal excelência que todo o progresso feito por Ela é insondável para a mente humana.

Assim, em todos os instantes da existência de Nossa Senhora neste mundo, Jesus teve com Ela um contentamento completo.

Mesmo nas ocasiões mais difíceis como, por exemplo, quando Ela se viu chamada a consentir na morte de seu Divino Filho, e através de uma anuência inteira, heroica, da qual não sobrasse nenhum resíduo, mesmo em situações como essa o procedimento de Maria foi perfeito, no sentido mais exato da palavra. Porque Ela era, enquanto mera criatura, absolutamente exímia. E, como reza a Ladainha, Nosso Senhor encontrou n’Ela a sua complacência.

Uma lição da sabedoria divina

Do fato desse comprazimento podemos tirar uma bela lição que Deus dá aos homens.

Com efeito, criou Ele magnificências materiais extraordinárias. Quantos mistérios haverá por todas as galáxias do universo? E quando nos detemos na análise dos micro-organismos, dos seres pequenos, quantas novidades imensas se descobrem ao nosso maravilhamento! Todo esse fabuloso conjunto, incluindo os homens e os Anjos, constitui para Deus o objeto de uma eterna contemplação.

Ora, tendo Ele tanto a apreciar, todavia coloca acima de tudo, como fonte do supremo gáudio que pode tirar de suas criaturas, a consideração de Nossa Senhora. Ela que, enquanto ser criado, não é o mais alto pois na ordem da natureza o homem vem abaixo do espírito angélico, porém, do ponto de vista graça, virtude e santidade, não só está acima de todos os Anjos, como é deles Rainha. É essa incomparável santidade, portanto, que Deus se compraz em considerar, e em auferir dela uma especial e completa felicidade.

Qual a lição que daí devemos colher?

É um ensinamento que combate o nosso fundamental materialismo. Infelizmente, a grande maioria dos homens está imbuída da ideia de que o verdadeiro prazer nesta vida consiste na posse de bens materiais, de qualquer natureza que seja: dinheiro, saúde e uma série de outras coisas que estão fora das vias da verdadeira felicidade do homem nesta terra.

Com efeito, sem engano podemos dizer que, nesta vida, encontra a felicidade autêntica quem é capaz de seguir o exemplo de Deus e fazer a sua alegria da consideração das outras almas e da virtude que nelas exista. O homem que passa pelo mundo procurando a virtude e a santidade para admirá-las, amá-las e servi-las, onde ele as encontra, aí se detém e põe seu prazer e seu júbilo. De maneira tal que ele tenha mais satisfação em estar numa choupana ou num leprosário conversando com um verdadeiro santo, do que no local mais magnífico em meio a pecadores.

Por quê? Porque o santo representa um particular reflexo, uma transparente manifestação de Deus. A alma de um santo possui uma perfeição que nenhuma beleza criada tem, e, por causa disso, aquele que sabe procurar os verdadeiros valores da vida, vai atrás da santidade, da perfeição moral dos seus semelhantes.

E quando a encontra, ele dá graças a Deus, eleva sua alma a Nossa Senhora e agradece também a Ela, porque é pelo seu maternal auxílio e intercessão que aquela santidade existe numa alma, e foi por meio d’Ela que ele, homem humilde e admirativo, teve a alegria e a honra de encontrar essa alma virtuosa. Ele teve a glória de experimentar um antegozo do céu, que é o conhecer, nesta vida, um verdadeiro santo.

Sigamos o exemplo de Nosso Senhor

Tratemos, então, de imitar a Deus, que se compraz na alma perfeitíssima de Maria.

Devemos procurar, em nossa existência terrena, as almas honestas, conhecê-las, amá-las e saber discernir nelas o esplendor do bem. Devemos nos alegrar com essa bondade, até mesmo comparando-a e contrastando-a com o que há de mal em torno dela. Devemos ter genuíno comprazimento ao ver que Nosso Senhor recompensa a virtude dessas almas que Lhe são tão diletas, assim como importa que compreendamos e aceitemos a reprovação que Ele, em sua infinita justiça, reserva à maldade impenitente. É o Deus três vezes santo, absolutamente puro e superior, que condena o que é errado, porque não é conforme a Ele.

Quantos ensinamentos a se tirar de apenas uma das mencionadas invocações! Essa é a beleza inexcedível de tudo o que é de Deus, é a insondável formosura de Nossa Senhora, é o maravilhoso tesouro dos princípios da doutrina católica!

Embora muito houvesse ainda por se aprender com as preciosas verdades contidas nessa jaculatória, creio não poder deixar de ressaltar o seguinte e importante aspecto: o enlevo de Jesus em relação à sua Mãe Santíssima, infinitamente inferior a Ele e por Ele amada com amor inexprimível, mostra-nos bem como devemos procurar ver a santidade até naqueles que são inferiores a nós. Amar essa perfeição, enlevar-se com ela, é, mais uma vez, imitar o exemplo de Deus olhando para Nossa Senhora.

E no fim dessas breves considerações, só nos resta elevarmos uma prece filial e confiante ao objeto da inteira complacência de Jesus:

“Ó Coração Imaculado de Maria, fazei o meu coração sem mancha, cheio de fé, de força, de heroísmo e santidade, como o vosso!”