Glorificada em socorrer sempre

Na invocação de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, o que se enaltece especialmente não é Maria Santíssima enquanto nos auxiliando com muita frequência, liberalidade e ternura, mas o fato de que esse auxílio é perpétuo.

Por pior que façamos, por mais que abusemos, por mais incríveis que sejam nossas ingratidões, por mais agudo que seja o risco, por mais extraordinário que seja o milagre implorado, por mais extremo e improvável que seja o auxílio pedido, desde que não seja uma coisa má em si, a Mãe do Perpétuo Socorro nos atenderá.
É, portanto, a Mãe que se glorifica em atender sempre, em acudir sempre, em acolher sempre, de maneira a não haver uma hipótese possível em que nós, rezando para Ela, não sejamos socorridos.

Ela pode até atrasar o momento de conceder aquilo que pedimos, mas é para nos dar, depois, o cêntuplo, vindo a nós com as mãos carregadas com dons multiplicados.
Felizes aqueles que Nossa Senhora demora em atender!

(Extraído de conferência de 18/11/1964)

Tesouro da verdadeira Igreja

Célebre por sua imponente beleza e extraordinário significado para a piedade católica, a Basílica de Santo Antônio de Pádua reluz como precioso tesouro da arquitetura engendrada pela Igreja.

Ao considerá-la, vem-me ao espírito, uma vez mais, a comparação com o perpétuo objeto de meu enlevo, de meu encanto e entusiasmo: o mar. Nele, como já tive ocasião de dizer, sempre me agradou contemplar as inúmeras formas de pulcritude com que Deus o criou, os diversos estados em que ele se apresenta a nós, desde a extrema calma até  a extrema agitação, com todas as gamas intermediárias. Ora é o ordenado das grandes ondas que avançam em ofensiva para a terra, sem tumulto nem descabelo, como um  ataque em regra de uma cavalaria nobre. Por vezes as ondas nem sequer arrebentam, apenas se avolumam e se estendem; outras, pelo contrário, estouram na praia ou nos  rochedos, e há um gáudio de gotas pelo ar, bailando alegremente, como se executassem uma lendária dança da vitória. Ora me compraz ver o mar inteiramente calmo, quase  imóvel.

Dir-se-ia que ele se encontra de tal maneira absorto na contemplação do céu, para o qual olha a todo momento, que nem pensa em si mesmo… De repente, a partir de um  ponto qualquer daquela imensidão líquida, algo começa a se mover. Dali a pouco é um vagalhão, é um tumulto aquático, e é outro assalto contra a terra. Dessa vez, porém, as  ondas não se aproximam em fileiras ordenadas, mas parecem vir se empurrando e se acotovelando, cada qual no desejo de tomar a dianteira e conquistar a terra mais  depressa. É a beleza da variedade, do inesperado, do quase susto, do imprevisto, que tem seu encanto próprio. E é essa sucessão de aspectos que torna o mar tão entretido.

Ora, a arquitetura, e especialmente a arquitetura religiosa, pode ter uma variedade de feitios análoga aos movimentos do mar. Será, por exemplo, a calma e a estabilidade de  uma Catedral de Notre-Dame de Paris: irrepreensível, ordenada, perfeita, lindíssima, cheia de lógica, de poesia e candura.

Outras vezes, a arquitetura borbulha e apresenta aspectos meio inesperadas. E é o próprio movimento da alma religiosa, nos seus entusiasmos, nos seus êxtases, nos seus  impulsos, na sua generosidade, nos lances ‘a la’ Santa Teresa de Jesus, ‘a la’ Santo Inácio de Loyola, que nos deixam desconcertados diante de sua grandeza. E isso é o que se  nota no jogo das várias cúpulas e minaretes da Basílica de Santa Antônio de Pádua, borbulhantes como o movediço das ondas do mar.

Olhando-se para o teto da igreja quase se esquece do corpo do edifício. Tem-se a impressão de que todo o resto existe como uma bandeja para carregar bem alto o  movimento musical das coberturas. E assim como podemos imaginar uma melodia num “crescendo” em que as notas se vão sucedendo alegremente umas às outras, assim nos parece que esses minaretes e cúpulas estão jubilosos à espera da hora em que sejam separados da base para poderem subir em direção ao céu. E que essa ansiedade do maravilhoso, uma ansiedade festiva, feliz, é apenas contida por uma corda que mão caridosa a qualquer instante vai cortar.

Noutra analogia com o mar, do mesmo modo como este é também rico e esplendoroso nos mistérios de suas profundezas, igualmente o interior da Basílica de Pádua é um imenso escrínio de tesouros espirituais e artísticos. É, sobretudo, o ambiente criado pela presença do Santíssimo Sacramento, pelas relíquias do grande Santo franciscano, pelas graças de que elas são veículo e que impregnam todo o recinto da igreja, estimulando e condicionando a piedade dos fiéis que ali rezam e se recolhem com edificante  devoção.

Além disso, a profusão de maravilhas que ali deixou a arte cristã, entre abóbadas, colunas e capitéis esplendidamente trabalhados; capelas, altares e murais em que se pode admirar o talento de mestres imortais, e um grande número de pinturas e imagens que datam de diferentes épocas da Cristandade, fazem com que a Basílica pareça um compêndio da história da piedade católica.

Todos esses fatores — beleza arquitetônica, presença do Coração Eucarístico de Jesus, relíquias de Santo Antônio de Pádua, imagens especialmente abençoadas, fiéis que recebem graças e as deixam transpirar de algum modo na sua maneira de ser, de andar e de rezar — concorrem, numa igreja como a Basílica de Pádua, com particular intensidade para conferir uma impressão única de piedade autêntica, e uma sensação de presença verdadeira da verdadeira Igreja, a Esposa Mística de nosso Divino Redentor.

Palavra confortadora

Assim como São João Batista estremeceu de gáudio no seio de sua mãe ao ouvir a voz de Maria Santíssima, devemos pedir a Nossa Senhora que nos obtenha a graça de igualmente exultarmos ao som da voz d’Ela ressoando em nossos corações. Que, em meio aos sofrimentos e aflições a que todos estamos sujeitos nesta vida, a Mãe de Misericórdia nos diga uma dessas palavras interiores pela qual estremeçamos de santa alegria, e nos dê coragem e ânimo para carregarmos todas as nossas cruzes até o fim da vida.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 2/7/1963)

Supremacia da alma

Como já tivemos ocasião de assinalar, a mentalidade do homem medieval se alicerçava na ideia da existência de uma outra vida e de uma ordem de coisas superior à terrena.

A meu ver, retratos fiéis de pessoas com essa concepção aparecem nas pinturas de Fra Angélico, o qual, embora de uma época posterior, é um artista talhado nos moldes da Idade Média. Em seus afrescos ele costuma representar figuras imbuídas de uma luz, claridade e leveza que não encontramos na vida real, e que nos falam de uma ordem eminentemente superior. Personagens, dir-se-ia, isentos das fraquezas humanas e sem a marca do pecado original, tão grande é a elevação de que o pintor os revestiu.

E não apenas nas figuras humanas, como também nos anjos que retratou, Fra Angélico soube expressar a temperança e a sabedoria do espírito medieval, voltada para as riquezas celestiais. Anjos de alma tão límpida, tão honesta, que estão dispostos a toda espécie de serviço. Tão fortes e conscientes de si, que estão prontos para toda sorte de domínio. Tão pacíficos, que são anjos da paz; tão combativos, que são anjos de combate ao mal. Todos os contrastes, todos os opostos harmônicos neles se acham em estado maravilhoso. São uma síntese magnífica e um símbolo perfeito das melhores disposições da alma medieval.

Outros exemplos, ainda, poder-se-ia ver nas figuras esculpidas nos portais e fachadas das catedrais góticas. Mesmo quando se tratam de imagens que representam pessoas na atitude de exercer sua profissão, percebe-se que têm o espírito povoado por idéias de uma ordem superior, o que lhes confere dignidade, equilíbrio, recolhimento e uma total preponderância da alma sobre a matéria. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 15/9/1966 e 3/6/1967)

Revista Dr Plinio 123 (Junho 2008)

 

Intimidade suprema, distância infinita

Exemplo daquilo que costumava ensinar a seus seguidores, Dr. Plinio se deleitava em contemplar a ordenação das coisas criadas como reflexos de Deus e caminho que a Ele nos conduz. Nas suas palavras aqui transcritas, compara os diferentes reinos da natureza, cujas insondáveis diversidades nos fazem “intuir a infinita grandeza do Criador”.

 

Compraz-me, vez por outra, considerar os vários reinos da criação e as diferenças imensuráveis que os separam.

O Pão de Açúcar e a grama

Imaginemos, por exemplo, que o Pão de Açúcar, rochedo extraordinário, de repente pudesse ter cinco minutos de pensamento e, nesse fulgor de raciocínio, visse um punhado de grama crescer nas suas encostas. Ele, o grandioso e eterno paralítico, que nunca se move nem se moverá, provavelmente, até o fim do mundo, é incapaz de crescer, de diminuir, de se deslocar. Não possui vida. Pelo contrário, a grama cresce, se alastra. O Pão de Açúcar contempla aquele desdobrar da grama, estremece de alegria e pensa: “Que honra para mim carregar uma graminha!”

Essa seria a bela e natural atitude a ser tomada por ele. Como seria igualmente natural e belo que a grama, por sua vez, dotada de pensamento, pudesse olhar para o Pão de Açúcar e dizer: “Que rochedo maravilhoso e colossal! Como sou pequena diante dele! Porém, eu vivo e ele não. Vivam as graminhas!”

Existe, portanto, um abismo entre o reino mineral e o vegetal.

A rosa e a taturana

Subamos outro degrau e imaginemos que a mais esplêndida das rosas, exercitando a faculdade de pensar que lhe fora dada, observasse uma taturana subindo pela sua haste, prestes a se esgueirar no meio de suas pétalas. A rosa então diria: “Sou linda, perfumada, uma obra-prima! Quando me vêem, os homens me colhem, as damas me osculam, e todos me oferecem para ornar o que há de mais precioso, até para os altares das igrejas. Sou a rosa. Em contrapartida, se virem essa taturana, deitam-na abaixo e a esmagam, porque a aparência dela não lhes agrada.

“Contudo — prossegue a rosa — um fato é fato: essa taturana se move e sente. Eu não sinto. Cortam-me, deixam-me secar e fenecer, e não tenho conhecimento disso. A taturana, porém, conhece quando é ameaçada e se encontra em perigo de vida. Como o conhecer é mais valioso do que ser belo! Ó taturana, feia e repulsiva, que honra para mim carregar-te!”

Mais um abismo, pois, entre o reino vegetal e o animal.

Outras distâncias insondáveis

Imaginemos, agora, que um leão pudesse contemplar uma criança que está aprendendo a recitar a Ave-maria, ensinada por sua mãe. Ainda não sabendo articular bem as palavras, a criança apenas tartamudeia a oração. O animal observa aquela criancinha. Ente indefeso, esta seria presa fácil para ele, um aperitivo que a fera estraçalharia quando quisesse. Porém, se pudesse compreender as coisas, o leão chegaria ao seguinte raciocínio: “Essa pequena criatura, que eu deglutiria em poucos minutos, é dotada de razão, de inteligência, de vontade. Ela pensa, ela deseja, ela age. Eu não penso, não quero. Sou um jogo das minhas vísceras que se movem e me impulsionam para frente. Sigo os instintos que me dominam e ordenam o que devo fazer. A criança se governará a si mesma, e eu não me governo. Somente nesse relâmpago de raciocínio me é dado ter conhecimento disso. Ó criança, ó obra-prima!”

O leão, se pudesse, veneraria aquele pequeno ser humano.

Se galgarmos mais um patamar nessas comparações, deveríamos ainda imaginar um sábio pagão, inteligente e experimentado, diante de um menino batizado no qual desabrocham a inocência batismal, a vida da graça, a sua participação no Corpo Místico de Cristo, a sua filiação à Santa Igreja Católica. Se pudesse discernir tudo isso na criança batizada, o idoso pagão, movido por sua retidão natural, exultaria de admiração diante daquele grau mais elevado de vida.

O homem e o Criador…

Não é difícil perceber como essa graduação posta por Deus nos diversos reinos e seres criados se reveste de extrema beleza. E esse esplendor reluz de modo particular quando no outro termo de comparação está o homem. Tomemos, por exemplo, de um lado, o mar. Magnífico, interessantíssimo, apresentando-se a nós como se fosse um interlocutor cujo repertório de temas é inesgotável. Ao mesmo tempo grandioso no alto oceano onde toca o céu, e encantador, capaz de dizer coisas afáveis num cantinho qualquer de praia onde ele circunda um caramujo. Estende-se por zonas calmas, assim como por outras em que suas ondas rugem. O mar é uma imensa prosa. Ele imita uma grande mente humana. Mas… como o homem menos afortunado em matéria de inteligência vale mais do que o mar inteiro!

Assim Deus graduou e ordenou todas as coisas na criação, e dispôs entre elas esses abismos, cada um deles constituindo uma imagem do abismo quão mais insondável que separa a criatura do Criador. Essas diferenças abismais nos fazem intuir a infinita grandeza de Deus, Ele próprio diferente de tudo e em tudo refletido.

Então, nós, homens dotados de inteligência, paramos e dizemos: “Meu Deus, eu pensei em tudo, medi tudo. Como sois Vós? Como será  vossa Mãe Santíssima?”

E logo nos silenciamos, mudos de admiração e enlevo diante de tanta magnitude. Em nosso interior formulamos uma súplica ao Onipotente, pelos rogos misericordiosos de Maria: que Ele, terminada nossa existência terrena, nos leve a contemplá-Lo na bem-aventurança eterna, onde O adoraremos numa intimidade suprema e numa distância infinita. E ambas as coisas nos encantarão pelos séculos sem fim.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 123 (Junho de 2008)

Irresistível e régia misericórdia

Todos nós, segundo São Luís Grignion de Montfort, somos “vermezinhos e miseráveis pecadores”. Ou seja, na ordem espiritual, valemos tanto quanto o menor dos vermes, porque somos pecadores miseráveis. Mas! Temos a nosso favor uma Rainha extraordinária, que se encontra acima dos anjos, Aquela que é Filha, Mãe e Esposa,  respectivamente, de cada uma das Três Pessoas da Santíssima Trindade: a Bemaventurada Virgem Maria.

Assim, devemos suplicar a Ela — cuja ilimitada misericórdia nenhum pecado consegue deter, e a cuja materna  vontade jamais pôde resistir seu Divino Filho — que tenha compaixão de nós, pecadores tão endurecidos, e nos obtenha do Sagrado Coração de Jesus o perdão e a salvação para nossas almas.

Altaneria e estabilidade sacrais

Nesse castelo estiveram os cruzados que lutaram contra os mouros. Existe nele um contraste harmônico entre a altaneria e a estabilidade, que de algum modo marca a sacralidade da fortaleza. Quando vier o Reino de Maria e de novo a luz do Espírito Santo brilhar na Terra, que altaneria e estabilidade magníficas terá esse Reino, pois será muito superior à Idade Média!

 

O panorama que vamos comentar compõe-se basicamente de três elementos: o Castelo da Mota – em Medina del Campo, na Espanha –, o céu e a árvore.

Muralhas altas, belas, dignas

No castelo, que evidentemente é a nota dominante, encontramos dois aspectos principais: as muralhas, nas quais se destacam os grandes torreões de ângulo, que  sobressaem como um elemento inteiramente distinto das muralhas, e a torre que, por sua vez, é a nota dominante do castelo.

Parece-me mais interessante começarmos por analisar o castelo, partindo do elemento secundário para depois passar para o principal.

O elemento secundário é constituído pelas muralhas e os torreões que as integram.

As muralhas são altas, bem trabalhadas, belas, dignas, altivas. Entretanto, não têm nada de extraordinário. Elas possuem uma beleza real, mas frequente em muitos monumentos medievais desse tipo.

Aliás, há muralhas muitíssimo mais bonitas do que essas. Ao menos para o meu gosto, a muralha de uma pedra sombria, um granito carregado e “preocupado”, exprime muito mais tudo quanto a muralha tem a exprimir do que essa pedra um pouco branca, tornada ainda mais reluzente pela luz do Sol, com uma aparência festiva, não parecendo propriamente militar, como era a finalidade das muralhas naquele tempo.

Eu até chegaria a chamá-la de uma muralha plácida,  tranquila. Ela se estende à maneira de um retângulo, sem maiores movimentos, com os torreões intercalados simetricamente, sem maior fantasia, obedecendo simplesmente a uma necessidade militar, mas sem nenhuma preocupação de estética mais particular.

Torre altaneira, forte, firme. Em contraste com esse aspecto e, portanto, realçando- o, vem a torre alta, imponente, que desafia e se ergue muitíssimo acima da muralha,  fazendo desta quase como o véu ou manto que pende da cabeça de uma rainha.

A diferença de altura, de poesia, de fantasia, de imaginação que vai da torre para os muros é enorme. Por esta forma, destaca-se extraordinariamente a torre, tornando-a verdadeiramente a nota dominante.

Como eu disse acima, as muralhas erguem-se altivas. Entretanto, a altaneria da torre é realçada pelos torreões de ângulo que lhe dão a fisionomia especial. A torre se ergue altaneira, mas ao mesmo tempo atarracada, forte, firme, como quem diz: “Eu olho de cima, desafio, mas resisto. Não tenho medo de nada. Meu ângulo está disposto a cortar os vagalhões dos adversários como a proa de um navio fende os mares. Para mim n

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ada oferece insegurança. Estou disposta a resistir de todo jeito, a todo transe. A mim ninguém derruba. Nem sequer depois de abandonada e isolada, tendo sido retirado de mim qualquer uso militar, deixarei de ser uma proclamação viva dos ideais aos quais servi.” Dir-se-ia que por cima dos séculos ela espera outros adversários para prestar novos serviços aos mesmos ideais. Ela está intacta.

Para ela o tempo, o abandono dos homens, a mudança das circunstâncias não querem dizer nada. Ela espera, serena, o fim do mundo e não teme o juízo de Deus. É uma afirmação de um estado de espírito de consciência tranquila que caminha para a morte e a eternidade sem se preocupar com elas. Assim vejo eu a fisionomia dessa torre.

O céu muito azul e a luz que bate no castelo, de que maneira colaboram para compor o panorama?

Fortaleza ufana, mas triste

A meu ver, esse castelo, como se encontra, dá a impressão de um esqueleto calcinado pelo Sol. Nota-se que a vida de todos os dias não se desenrola mais nele. Tem-se a impressão de que, por dentro, ele está pouco mais ou menos abandonado. Por causa disso, tem-se também a sensação de uma espécie de imenso naufrágio, cuja tristeza e cujo abandono são acentuados pelo esplendor da luz solar, como quem diz: “A luz bate, a natureza toda se alegra indiferente à tristeza do castelo.”

A fortaleza é ufana, mas triste. Há nela qualquer coisa que não tem nada de ruína, mas anuncia a ruína de uma ordem de coisas que dentro dela houve.

Porém, esse é apenas um aspecto. De outro lado, há uma certa alegria que a luz do Sol comunica ao castelo.

Alguma coisa que dá a impressão de uma esperança de reviver. E há uma melancolia e um élan que, juntos, produzem uma sensação um pouco indefinida. Não se sabe bem se é de vitória ou de tragédia. A meu ver, no fundo, é a conjugação das duas coisas.

A árvore comunica um pouco de vida ao conjunto da paisagem. Se a imaginássemos sem a árvore, essa impressão de desolação se acentuaria ainda mais. Dir-se-ia que um pouco de seiva, de sorriso de vida concreta se recosta junto ao velho castelo e dá um pouco de animação àquilo que é tão hirto e de tal maneira calcinado pelo Sol.

“Represento a sacralidade contra as hordas de maometanos que invadem”

Lembro-me de uma exclamação do Marechal Mac Mahon, durante a Guerra da Crimeia, a qual eu  cito por causa da concisão francesa que a caracteriza: “J’y suis, j’y reste – Aqui estou, aqui permaneço.” Essa afirmação, que em sua simplicidade é muito sobranceira,  poderia ser aplicada a esta torre. Ela, por assim dizer, olha muito de cima todos os adversários, mas está agarrada ao chão, como a afirmar: “Este chão é meu e daqui  ninguém me tira. Eu fico!”

Mas não é só isso. Uma coisa é a altaneria do Mac Mahon, outra é a de uma torre medieval. Quer dizer, é preciso compreender a altaneria, a persistência, a estabilidade, não como a de um homem – por exemplo, Mac Mahon – durante uma guerra, mas a de uma era, de uma civilização, de uma cultura. É, em última análise, a estabilidade e a altaneria da Fé católica. Ou seja, gente que não crê na vida eterna não é capaz de ter esse tipo de altaneria e estabilidade simbolizadas por essa torre.

Não é a sobranceria de quem se compara com o adversário para declarar: “Eu sou mais!” Mas daquele que, por assim dizer, toca no céu e afirma: “O céu em que eu toco é incomparavelmente mais. Represento aqui o Céu, Deus Nosso Senhor, a sacralidade contra as hordas de maometanos que invadem.” É, portanto, uma altaneria e uma estabilidade sacrais. A sacralidade me parece estar fortemente presente aí.

Assim eu definiria esse castelo.

Contraste harmônico entre altaneria e estabilidade

Devemos procurar lembrar que aqui estiveram os cruzados; esse castelo foi utilizado na luta contra os mouros. Vemos bem a alma católica que nele se exprime, por exemplo, na parte superior da torre. Ela é quase toda lisa, em cima, as ameias e os torreões se acumulam, e há qualquer coisa de carregado no topo que leva para o alto, meio difícil de exprimir. Esse contraste harmônico entre a altaneria e a estabilidade de algum modo marca também a sacralidade do castelo.

Donde se poderia dizer: “Ó altaneria católica, ó estabilidade católica, ó Divino Espírito Santo estável e altaneiro!” E imaginar, por exemplo, Pentecostes, com as línguas de fogo caindo, em que todas as virtudes estavam simbolizadas, como seria ali a altaneria e a estabilidade.

É uma verdadeira maravilha. Ou então conjeturar, quando vier o Reino de Maria e de novo a luz do Espírito Santo brilhar na Terra, como será a altaneria e a estabilidade. Se  o Reino de Maria será mais do que a Idade Média, que altaneria e que estabilidade magnífica terá?

Para isso é que devemos ter os nossos olhos voltados. É a transcendência que vai até o Espírito Santo, e tem uma projeção profética para o futuro.

Desaparecimento gradual dos castelos

Com o passar do tempo, foram-se fazendo fortificações cada vez menos bonitas e menos elevadas, até chegar ao anódino, até precipitar-se na feiura. Há todo um problema de arte militar para discutir, sobre se verdadeiramente esses castelos se tornaram inúteis com as armas de fogo; eu discuto isso. Por exemplo, quando do alto das torres da  Bastilha os canhões dispararam a serviço da Fronda, eles foram muito mortíferos. Por que então uma arma de fogo não é útil do alto de uma torre? É uma questão para se  analisar.

Mas, enfim, começaram por fazer castelos sem torres. E depois, naturalmente, a não fazer mais castelos. Então verificamos essa coisa curiosa: nas batalhas do século XIX – de Napoleão, por exemplo –, de vez em quando houve combates encarniçados para a posse de uma aldeia presente no meio de um campo de batalha. Por que a posse da  aldeia?

Porque aquelas construções são estratégicas para o ataque ou para a defesa. Mas então, como um castelo não seria? O desaparecimento gradual dos castelos, das fortalezas, deu lugar à arte militar baseada em trincheiras. Começava, assim, a guerra das baratas e das lesmas. É evidente que isso tudo tem uma razão técnica. Porém, haveria apenas   razões técnicas? Isso seria discutível…

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/1/1975)

O zelo por tua casa me devora!

Em sua elevada devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria, Dr. Plinio hauriu tanto a bondade e a misericórdia para com os pecadores verdadeiramente arrependidos, quanto o zelo ardente pela defesa da Igreja e da Civilização Cristã. 

 

No conduzir a Contra-Revolução, como historicamente ela tem sido conduzida por mim ao longo dos anos, entra algo que se pode dizer ser obra de pensamento, mas também de guerra, no sentido psy-war evidentemente, mas é uma guerra até na acepção mais elevada da palavra.

Postura diante do combate

Assim, toda a tenacidade, a confiança, a esperança, o jeito, enfim, tudo quanto eu possa ter posto de aptidões para a condução dessa longa ação foi inspirado por um determinado espírito.

Imaginem um cruzado cujo espírito tenha sido formado na Igreja do Coração de Jesus, que recebeu análogas graças e investe para a Cruzada daquele jeito, ou seja, movido por aquelas razões: é a defesa daquilo contra um adversário que quer destruir e é o desejo de aproveitar a vitória para impor a expansão daquilo. É como um cruzado que partiria para a guerra santa.

Esse cruzado levaria ao mesmo tempo uma carga de afeto, de bondade, de doçura quase iluminados, no melhor e mais ortodoxo sentido das palavras. Portanto, entraria em combate não por birra: “Esses turcos não me deixam em paz… Vou acabar com eles! Esses árabes miseráveis!”

Nada de condições dessa natureza, mas outra postura: Eu deles aceitaria tudo, não quereria nada desde que não tocassem naquele ponto, não trabalhassem para a destruição desse ponto . Pelo contrário, se tendessem a assumir aquele espírito, seriam meus amigos, meus irmãos e meus filhos .

Eu vejo como o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria os atraem, por onde saem das almas deles como que ganchos passíveis de serem elevados, percebo que podem ser ainda atraídos e, de toda a alma, eu os quero por causa disso. Mas acontece que, por culpa deles – porque não se faz uma coisa dessas sem uma culpa gravíssima –, puseram-se na inimizade mais implacável com aquilo que os ama e para cujo amor eles existem: o Sagrado Coração de Jesus, o Imaculado Coração de Maria, a Santa Igreja Católica.

É o ódio revolucionário que corresponde à recusa completa, ao fechamento total, com uma certa carga de pecado contra o Espírito Santo, em relação ao qual é difícil haver um arrependimento. E, portanto, eles estão nessa cegueira, agressivos e servindo de instrumentos para o pior inimigo da Cristandade. E durante o tempo em que ficarem assim, eu os odeio com toda a intensidade com a qual os amaria. E enquanto eles atacarem, lutarem, recusarem o amor que vai de encontro a eles, eu quero realmente liquidá-los e exterminá-los. E esse querer toma minha pessoa de lado a lado: Zelus domus tuæ, Domine, comedit me (Sl 68, 10) – Senhor, o zelo por tua casa me devora!

Ou seja, eu quero tanto que não tenho um instante, uma cogitação, sou incapaz de fazer qualquer coisa, até mesmo uma brincadeira em que não se encontre como causa remota, pelo menos, o desejo de exterminá-los. De maneira que dessa raiz de pecado e de maldição não sobre nada, para que o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria reinem, porque precisam reinar.

A verdadeira combatividade

De onde implacabilidades inesgotáveis! Totalidades de propósitos beligerantes irredutíveis e gosto requintado das coisas mais truculentas! E, na medida em que for operacionalmente útil, encanto pela proeza! Mas a proeza não pode ser vista só como uma obra de arte, nem como uma atitude, eu quase diria, escultoricamente bonita. Não. Ela é bela na medida em que for conduto para o amor do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria. Fora disso, não venham com conversa porque não me interessa. Não estou para perder tempo com “espadachinadas” e coisas análogas. Sou um homem tranquilo e cordato, e só faço isso na medida em que diga respeito a Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Igreja, porque, do contrário, eu não faria. Mas a serviço deles realizo qualquer coisa e vou até o fim.

Se quiserem chamar de fanatismo, desfira-se um pontapé na boca de quem chamou e acabou-se! Não tenho que dar satisfação de nenhum jeito. Então, volto-me contra esse também e não me incomodo de ficar um verdadeiro miliardário de inimigos, que tem inimigos como outros possuem dólares aos milhões, desde que eu possa obter essa vitória.

O pulchrum disso vem da beleza infinita do Sagrado Coração de Jesus e da beleza insondável do Imaculado Coração de Maria. Eles têm uma pulcritude moral que, passando por esses reflexos, mostram-se ainda mais belos. Se fizéssemos uma ladainha do Coração de Jesus, incluiríamos outras invocações. E, portanto, ao lado de “Coração de Jesus, fonte de toda consolação”, eu poria: “Coração de Jesus, fonte de toda combatividade inexpugnável”; “Coração de Jesus, fonte de toda incompatibilidade insanável”; “Coração de Jesus, fonte da guerra santa, tende piedade de nós e dai-nos força!” Então aí fica uma combatividade que não é a do Bismarck, nem do Moltke. Eu elogio muito aquele vorwärts do Moltke. Mas, passando pela minha alma, quem vai para a frente é Ele, é Ela! É uma coisa completamente diferente. E o vorwärts d’Ele e d’Ela é o avançar de uma outra índole.

Tenho vontade de chorar quando ouço alguém dizer, por exemplo, “Dr . Plinio é combativo”, entendendo mal o significado dessa palavra. Eu sei que sou combativo, mas isso não diz nada. Será que não percebem qual é o ponto de partida dessa combatividade? Eis o que se deveria ver, e não se vê: o Santíssimo Sacramento, Nosso Senhor realmente presente entre nós. Se forem tocar ali, a combatividade não é a mesma daquela de um homem que está defendendo seu cofre! Então seria preciso comparar isso com as formas erradas de combatividade.

Abundância, precisão e riqueza das observações de Dr. Plinio

Outro lado seria o do pensamento. Mas ainda é o mesmo ponto de partida. A inocência primeira, o gosto de todas as coisas que nós temos proclamado, é apenas uma disposição de alma que, levada às últimas consequências e posta diante desses dados sobrenaturais, entrega-se ao sobrenatural inteiramente como sendo o cume do que existe, o qual, se negado, todo o resto perde o sentido.

Para mim tudo se desfaria, nada tomaria significado. Nenhuma coisa bela ser-me-ia atraente e nada de hediondo me seria repulsivo, se esse cume não existisse, porque, de fato, só amo aquilo, e só aquilo me explica. Examinem-me em tudo quanto conhecem de mim, no meu passado. Pessoas que me conhecem há tantos anos presenciaram fatos, ditos meus, expressões fisionômicas, afirmações, viram-me avançar, recuar, descansar, raras vezes brincar um pouquinho, gracejar, dormir. A esses pergunto: No que, uma vez e um pouco que seja, notaram que eu, no fundo, não tinha isso em vista?

Por exemplo, mamãe. Eu queria tão bem a ela, e no momento em que me refiro a ela já a estou querendo bem. Mas na realidade, eu amava nela esse cume. Se a alma dela não fosse como que um relicário disso, eu teria o afeto e o respeito devidos à minha mãe. Mas não o afeto e o respeito que eu tenho a ela, que é muito maior por sentir nela isso.

É muito bonito aliar o pensamento à ação, a meditação à observação. A observação enriquece a meditação e esta esclarece a observação; isso forma um círculo muito bonito. Essas coisas para mim são verdadeiras, mas vazias. Não me moveriam.

Mas se a meditação e o pensamento estão inspirados no Sagrado Coração de Jesus, no Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, se têm como ponto de partida, como inspiração, como conteúdo, como dinamismo e ponto de chegada esse cume, então me explico. Porque sou um homem muito observador, mas em função desse ponto. Se não for em função disso, não me interessa.

Isso explica a abundância, a precisão e a riqueza de minhas observações. Porque é a partir desse ponto onde se observa que as coisas tomam sua fisionomia e se explicam. Assim vale a pena observar, porque elas não se explicam nem se classificam sem isso.

Há quem me diga: “O senhor é muito inteligente, veja quantas coisas o senhor observa!” Sobretudo, fui favorecido com essa graça. Observo com critério verdadeiro, a partir do único critério, do único ponto de vista, do único elemento seletivo, e esse eu tenho aos borbotões porque Nossa Senhora teve a misericórdia de me fazer vir à ideia de dizer “Salve Regina, Mater Misericordiæ”, e sorriu para mim. Veio tudo da bondade d’Ela.

Escravo dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria

Notem como de tal maneira estou querendo exaltar o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria que, aos poucos, até fui deixando de falar da Igreja Católica, para deixar este ponto bem claro. Mas foi a Santa Igreja que transmitiu essa fisionomia, tinha um reflexo dessa fisionomia. Sem ela, eu não teria isso de nenhum modo. Mas eu queria que a fisionomia moral do Sagrado Coração de Jesus e do Coração Imaculado de Maria fosse bem ressaltada, antes de nossa atenção pousar, como deve, nesses outros elementos. Como homem de ação, eu me vejo como um escravo do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria que não tem vontade e faz, a todo momento, o que é necessário para que Eles triunfem; sem preferências, idiossincrasias, amores-próprios, sem recusar nenhuma humilhação, sem fugir diante de nenhum rebaixamento, sem disputar nenhuma honraria. Contanto que não seja uma autodemolição, a qual moralmente não posso praticar, eu cedo de bom grado, desde  logo, tanto quanto queiram. Aquilo que chamam habilidade, vista do lado da vontade é, sobretudo, uma flexibilidade para nunca fazer o que eu gostaria, mas sim o dever do momento. Avançar, recuar, dar jeitinho, investir, etc ., inteiramente flexível. A única coisa que me preocupa é que aquele amor vença!

Quem me conhece pode dar testemunho. Nunca me viram fazer algo sem ter isso por meta. Mas também, tão logo eu perceba haver vantagem para a Causa Católica, faço sem atrasar nem antecipar inutilmente. Estar ociosamente perdendo tempo, por exemplo, folheando uma enciclopédia e por causa disso dizer “esperem que eu já vou”, nunca viram nada de parecido com isso.

Isso é bonito porque caracteriza um homem muito capaz? Vamos deixar o homem capaz de lado. Há capacidades dentro disso, vejo bem, mas isso não é nada. O que vale é o amor com que isso é feito, ou seja, valem Aqueles a quem eu amo. Aí estou explicado. Se em algo não sou assim, peço a Nossa Senhora que me perdoe, mas não vejo no que eu não o seja.

Está resumido, dito em duas palavras o que era preciso dizer. Não tenho o mínimo receio de alguém ser tentado a achar que é gabolice de minha parte. A minha posição é muito simples: é a alma sedenta de conhecer a perfeição suprema e, tendo-a conhecido, aderir a ela inteiramente. Há, portanto, uma sede de perfeição e um encontrar a fonte de água viva na qual a pessoa se dessedenta. Então, se eu a encontrei, não arredo pé. Aqui eu vivo, aqui eu morro. É isto!  

 

(Extraído de conferência de 2/11/1985)

Fontainebleau – esplendor, riqueza e simplicidade – II

Tratando dos mais diversos assuntos, Dr. Plinio procurava ver o aspecto religioso. Analisando o castelo de Fontainebleau, aponta ele para a tendência de se construir algo que superasse a natureza e compensasse um pouco o que esta Terra tem de exílio. Há dentro disso um apelo para algo maior do que as coisas terrenas, e que é o começo do movimento rumo ao Céu.

 

O mobiliário dessa sala é elegante, leve, também constituído de tapeçarias, e habilmente disperso pela sala, de maneira que se tem, ao mesmo tempo, impressão de muita mobília, mas há vazios importantes. Um dos segredos de uma sala bonita é ter vazios importantes. Eu já tenho visto sala empetecada de móveis, não se pode dar um passo sem esbarrar num cacareco. Não tem propósito! O vazio bonito faz parte da boa decoração.

Orquestração fabulosa de riquezas de espírito

Os vazios são indispensáveis para o ornamento de uma sala. Mas nessa sala do castelo de Fontainebleau, que estou analisando, tem-se a impressão, ao mesmo tempo, de muita mobília e de nada de atravancamento; isso é agradável. A beleza cromática da sala é a seguinte: os vidros das janelas são transparentes, a luz que entra por eles é, inteiramente, a luz do dia. Não é aquela luz leitosa da galeria.

Mas essa luz do dia, no que ela tem de cru, é compensada por um mundo de cores. Quase se poderia dizer que todas as cores possíveis estão representadas aqui, mas para não ficarem sobrecarregadas, todas elas em estado muito pálido. E um mundo de cores muito pálidas não dá a ideia de feeria de cores, pois elas quase que se fundem umas nas outras, mas divertem e descansam os olhos maravilhosamente.

Creio ser indiscutível que essa sala dá uma ideia de fausto. A principal noção de fausto que dela se depreende é da prodigiosa policromia, mas de cores delicadas que se fundem umas nas outras; é uma orquestração fabulosa de riquezas de espírito, de riquezas culturais. No meio de mil coisas empalidecidas, ficaria um pouco insípido não ter uma nota viva. E, a ter uma nota viva, o vermelho é o mais bonito. O vermelho-cereja, dado um pouco para sangue, no meio das cores pálidas, é um jato. Como um cozinheiro, que entende das coisas, sabe pôr na elaboração de um prato um pouco de pimenta, para realçar todo o resto.

A porta é feita com a preocupação de constituir um elemento decorativo a mais dentro da sala. Então ela mesma é tratada com uma série de painéis, todos muito delicados, leves, que contrastam com o sobrecarregado das laterais. O contraste de sobrecarregados e leves forma a harmonia da sala, que sem isto ficaria empetecada. 

Manifestamente, nota-se aí a tendência a construir uma coisa que superasse a natureza, e compensasse um pouquinho o que esta Terra tem de exílio, com a ideia de que o homem é feito para coisas maiores do que as coisas terrenas. Há dentro disso um apelo para algo maior do que esta vida e esta Terra, e que é começo de movimento rumo ao Céu. Esse é o lado religioso do assunto.

Esplendor do luto com certa nota de severidade

A sala de estar da Rainha-Mãe, quase não se sabe se é mais bonita do que a Sala do Conselho. É mais severa do que a Sala do Conselho, e se explica porque a Rainha-Mãe — por definição a viúva e tudo quanto acompanhava a viuvez — tinha uma certa nota de severidade. Donde o aparecimento dessas portas escuras, que trazem uma vaga reminiscência de todo o esplendor do luto. É uma sala de avó, tendo um certo compassado que a alegria e o esplendor da outra sala não possui.

Isso corresponde à ideia daquele tempo de a viúva usar até o fim da vida os sinais de viuvez, sobretudo quando se tratava da rainha. O que a moldura dessa sala tem de muito sério é compensado por inúmeros arabescos finos. Então, há aqui um mundo de formas, flores, grinaldas, guirlandas, de figuras mitológicas, de quadros.

E uma coisa que fica muito bonita é o espelho, certamente feito em Veneza — onde se fabricavam espelhos enormes, profundos — e que é como uma janela aberta, o que também torna alegre o ambiente. Depois, tapeçarias colossais, que também dão gáudio à sala.

Os quadros sobre as portas dão à passagem quase a majestade de um arco de triunfo. Fica uma coisa riquíssima, muito bonita. Porta sempre com duas folhas, por causa do protocolo da corte. Para os filhos ou netos de um rei, as duas folhas da porta se abriam, o alabardeiro dava uma pancada no chão e gritava: “Sua Majestade, a Rainha, ou Sua Alteza Real…” Quando era para um príncipe de sangue real, mas não filho ou neto de rei, abria-se uma só face, como também se fazia para todo o resto da nobreza.

De maneira que era de grande estilo a pessoa, digamos a Rainha-Mãe, ser precedida pelos alabardeiros que abriam a porta, colocavam-se de ambos os lados e gritavam: “Sa Majesté, la Reine!” Então, reverências, etc. Quer dizer, a porta era ocasião de um cerimonial, quase um pano de boca de um palco; daí seu caráter triunfal.

Isto estava nos hábitos do tempo, porque entrar e sair eram uma arte. Não se faziam esses movimentos como um frango entra ou sai do galinheiro. A entrada e a saída de uma pessoa marcavam a sala.

Observem a beleza dessa mesa, com as pernas trabalhadas e sobre ela uma taça de porcelana policromada muito bonita. Tudo em nível mais discreto do que o jogo de cores feérico.

A Revolução vai se adensando: melancolia e moleza

Sala de Conselho de Luís XV. O gênero de beleza evoluiu do tempo de Luís XIV para Luís XV. Enquanto a nota do raffiné(1) de Luís XIV era imponente, em Luís XV, que já marca uma certa decadência, o raffiné é gracioso. Então, é um esplêndido de gracioso, mas o gracioso é um valor menor que o imponente, e nisto está a decadência.

Os ângulos retos desaparecem, ou como que desaparecem; o ângulo reto exprime muito mais a força do que o arredondado, que representa o jeito, a conciliação, o sorriso. Por outro lado, as cores se tornam — sob algum ponto de vista — mais delicadas, e um certo ar triunfal, que tinham as salas de Luís XIV, desapareceu. Não é uma sala feita para um rei vencedor do mundo, como Luís XIV pretendia ser e, em alguma medida, foi; mas é para um rei que leva uma vida gostosa e, nas horas vagas, realiza uma reunião do Conselho.

Desta sala não sai a conquista do universo, nem a prevenção da Revolução que vai se formando e adensando. Considerada sob o aspecto da pulcritude, ela exprime o maravilhoso gracioso e, neste sentido, ela o exprime magnificamente. E a linha da feeria continua inteiramente afirmada. Dir-se-ia que, de algum modo, ela é até mais raffinée do que as salas de Luís XIV.

E notem uma coisa curiosa: dentro de todo esse gracioso há qualquer coisa de mais tristonho. Não há aquela alegria matinal. É um gracioso crepuscular, embora com todos os encantos do crepúsculo, mas já não é aquela coisa maravilhosa da aurora.

Essa sala, com todo o seu maravilhoso, poderia ser de lazer, ou de jogo, num palácio real. Não poderia ir além disso. E mesmo assim, ela tem qualquer coisa de perigoso, porque se uma pessoa fica muito tempo aqui dentro, não tem vontade de passar para as outras salas. Ela tem qualquer coisa de anestésico, que é o anestésico do otimismo. Está tudo arranjadinho, redondinho.

As cadeiras já são um pouco dadas ao anatômico, por incrível que pareça. A civilização que gosta da cadeira com pernas baixas é decadente. Então, nessa sala as cadeiras têm perninhas baixinhas.

Poder-se-ia dizer que o melancólico e mole são as notas dominantes nessa sala.

 

(Extraído de conferência de 31/10/1966)

 

(1) Refinado, requintado.

 

 

 

 

A bela devoção das três Ave Marias

Entre as devoções a Nossa Senhora, existe uma muito especial: rezar todos os dias as três Ave Marias.

Mas, onde nasce esta devoção?

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Sua origem data do Século XIII e está ligada a Santa Matilde de Hackeborn, uma freira alemã beneditina, a quem Nossa Senhora revela um modo de elevar uma ação de graças à Santíssima Trinidade pelos privilégios concedidos à Virgem Maria.

Santa Matilde nasceu em 1241 em uma nobre família. Pensando em sua morte suplicou com grande fervor “a Mãe de Deus que a assistisse nos últimos momentos de sua vida.

Ela ouviu que Nossa Senhora lhe dizia:

“Sim, eu farei o que pedes, mas quero que, de sua parte, me rezes todos os dias três Ave Marias.

A primeira, pedindo que assim como Deus Pai me elevou a um trono de Gloria sem igual, fazendo-me a mais poderosa no Céu e na Terra, assim também eu te assista na Terra para fortificar-te e afastar de ti toda potestade inimiga.

Pela segunda Ave Maria me pedirás que assim como o Filho de Deus me cumulou de sabedoria, a tal extremo que tenho mais conhecimento da Santíssima Trindade que todo os Santos, assim te assista eu no transe da morte para encher tua alma das luzes da Fé e da verdadeira Sabedoria, para que não a escureçam as trevas do erro e ignorância.

Pela terceira, me pediras que assim como o Espírito Santo me encheu das doçuras de seu amor, e me fez tão amável que depois de Deus sou a mais doce e misericordiosa, assim eu te assista na hora da morte enchendo tua alma de tal suavidade de amor divino, que toda pena e amargura da morte transforme-se para ti em delícias” mude para te muerte se cambie para ti em delicias”.

Esta não seria a única revelação que teria uma santa em relação à devoção das três Ave Marias.

Outra religiosa contemporânea de Matilde, Santa Gertrudes, conhecida como “A Grande”, teve uma visão que confirmaria a outra revelação.

Assim aconteceu: eram as vésperas da festa da Anunciação, e ao cantar a Ave Maria, Gertrudes viu, de repente, como emergiam do Coração do Pai, do Filho e o Espírito Santo três fontes de água que penetravam no Coração de Maria Santíssima.

Neste instante, ela ouviu uma voz que lhe disse:

“Depois do Poder do Pai, a Sabedoria do Filho e a ternura Misericordiosa do Espírito Santo, nada se compara ao Poder, Sabedoria e Ternura Misericordiosa de Maria”.

A Santa Matilde a Virgem prometeu que quem rezar diariamente as três Ave Marias, receberá seu auxílio durante a vida e uma especial assistência no momento de sua morte, apresentando-se a Virgem com um brilho e uma beleza tal que só de vê-la receberá o consolo e as alegrias do Céu.

Além destas Santas, outros santos foram especiais difusores desta devoção, como Santo Afonso Maria de Ligório, que aconselhava com frequência esta bela prática de piedade; ou São João Bosco, que a recomendava aos jovens.

São Pio de Pietrelcina disse também que muitos se converteram só por praticar essa devoção.

Modo de rezar as três Ave Marias:

-Maria minha Mãe; livra-me de cair em pecado mortal. Pelo poder que lhe concedeu o Pai Eterno.

Ave Maria…

-Pela sabedoria que lhe concedeu o Filho.

Ave Maria…

-Pelo Amor que lhe concedeu o Espírito Santo.

Ave Maria…

Termina-se a oração com um Gloria… e a jaculatória: “Por Vossa Conceição Imaculada, ó Maria, purificai meu corpo e santificai minha alma”

(Com as indulgências outorgadas por São Pio X). (JSG)