Como corresponder com gratidão ao infinito dom da Eucaristia?

Havendo conhecido o célebre livro do Pe. João Pinamonti sobre a Sagrada Eucaristia, com base nos exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola, Dr. Plinio considerou ter encontrado um tesouro. Damos continuidade aos comentários tecidos por ele a este respeito.

 

Continua  o Pe. Pinamonti:

“Que dirão os anjos do Céu, que conhecem muito bem de um a outro extremo a suma liberalidade de Cristo, e a excessiva estreiteza do teu coração?”

É algo que nos deixa confundidos! Nem os anjos da mais alta hierarquia celeste têm com Nosso Senhor a forma de união que nós homens possuímos, recebendo a Eucaristia. Os anjos não podem comungar, pois não têm corpo. Gozam até da visão bea­tífica, vêem a Deus face a face, estão inundados de dons celestes. Mas, a Sagrada Eucaristia eles não recebem, e nos olham como que “invejando” esta graça.

E nós não haveríamos de recebê-la com maior respeito, meditação, consideração prévia?

Imaginemos uma pequena capela onde um sacerdote dá a algum de nós a Eucaristia. Visíveis apenas o padre, um de nós, e um discozinho de farinha e água. Porém, a fé nos ensina que todos os anjos e santos do Céu adoram cada partícula do Santíssimo Sacramento existente na Terra; e portanto presenciam aquela comunhão, cantando e louvando o Divino Redentor. Nossa Senhora, por sua vez, louva a Nosso Senhor porque Ele está Se dando a nós. De maneira que o Céu inteiro está olhando para aquela cena e pede a Nosso Senhor misericórdia por aquele que está recebendo a Eucaristia.

Pode-se conjecturar algo mais alentador? Quanta alegria e que beleza nessa cena!

Se antes de comungar, pensássemos um pouco nisto, não é verdade que iríamos receber a Eucaristia com mais esperança, mais confiança, mais alegria? É evidente!

Cada comentário  do Pe. Pinamonti ao exercício inaciano é tão denso, que qualquer um deles daria para um sermão. Porém, ele os apresenta esquematicamente. Por isso, não posso deixar de ser também esquemático.

Afirma ele:

“Confunde-te da tua ingratidão: lembra-te que à medida dos benefícios, se abusares deles, serão castigos: propõe de dar tudo a quem te dá tudo sem reserva. Dá graças ao Senhor duma magnificência tão excessiva para contigo e roga-lhe que a tão excessivos benefícios acrescente este de te dar um novo espírito e um novo coração para os estimares e lhes corresponderes quanto deves”.

O pensamento aqui expresso é muito profundo.

Diz ele:

“Confunde-te de tua ingratidão”. O que é “ficar confundido”? É propriamente não saber o que dizer. Entretanto, segundo a doutrina católica a confusão por nossas faltas deve ser cheia de confiança, como quem se ajoelha aos pés do Divino Salvador e diz:

“— Meu Senhor, andei mal e não tenho o que Vos dizer. Mas confio em Vós porque sois a solução de tudo. Vós sois o caminho, a verdade e a vida. Com confiança prostro-me aos Vossos pés, como Santa Maria Madalena. Sei que não me repelireis, nem me abominareis. Vós sois Aquele que a todos emendais e curais. Curai-me e emendai-me a mim também. Estou aqui como o cego, o paralítico ou o leproso do Evangelho: sanai-me das minhas doenças de alma, como sanastes aqueles corpos. Por Vossa Mãe, a quem nunca negastes nada, e a qual nunca recusa de atender ao pecador que a Ela recorre, eu Vos suplico: curai-me!”

Essa é a confusão confiante, cheia de certeza de ser atendido, com a qual se deve comungar.

Inspirado em Santo Inácio, recomenda  o Pe. Pinamonti ainda pedirmos a Deus que mude o nosso espírito. Nosso Senhor pode transformar o espírito de uma pessoa de um momento para outro. A História conhece inúmeros casos de conversões súbitas. Ou aos poucos, gradativamente, convertendo-a ao longo dos anos.

Se em cada comunhão pedirmos a Nosso Senhor que nos converta e nos mude, em determinado dia Ele nos atenderá.

Conta-se que São Francisco de Sales durante trinta anos deu diariamente comunhão a um homem, ao qual precisava ouvir todos os dias em confissão, pois este era muito débil e fraco. O santo o absolvia e lhe ministrava a Eucaristia. Ao cabo desse tempo, o indivíduo se emendou e levou depois vida modelar.

Esse homem recebia a comunhão com confusão confiante. Em cada dia ele ia melhorando e progredindo. Isto porque a Eucaristia é o centro, o foco e a alma de nossa vida espiritual. Assim devemos considerar cada comunhão que recebemos.

Após analisar o dom — que é o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo — Pe. Pinamonti comenta o afeto de quem concede.

“Considera o afeto com que Jesus Cristo te dá este soberano dom. Nisto mais propriamente consiste o benefício, por ser o amor a alma dos dons, sendo o que se dá como o corpo de cada um deles. Foi pois, tão excessivo este amor de Cristo em nos dar a divina Eucaristia, que chegou a tocar o último termo.

“E assim como uma fornalha, pelas chamas que lança fora, dá a conhecer os ardores que em si contém, assim a imensa caridade com que Cristo instituiu este Diviníssimo Sacramento, se dá a conhecer pelo tempo e modo de o instituir, e pelas dificuldades que venceu para esta instituição.”

Para explicar o amor com que Nosso Senhor nos concedeu o Sacramento da Eucaristia, ele mostra o tempo, o modo e as dificuldades que teve para instituí-Lo.

  1. a) O tempo em que O instituiu:

“O tempo foi aquele mesmo em que os homens tratavam de Lhe dar uma morte crudelíssima; então é que quis dar aos homens este manjar de vida, achando modo de ficar sempre conosco, quando os seus inimigos, mais do que nunca, tratavam de O tirar deste mundo.”

A reflexão é das mais comovedoras que se possa imaginar!

A Sagrada Eucaristia foi instituída na Quinta-Feira Santa. E autor cita um trecho de uma epístola de São Paulo: “in qua nocte tradebatur, accepit panem” – “Na noite em que foi traído, Ele tomou o pão”. (1 Cor. 11, 23). Quer dizer, enquanto era traído e os judeus planejavam matá-Lo, Ele instituía um modo de ficar com os homens ininterruptamente.

É um fato muito bonito: Nosso Senhor, depois da instituição da Sagrada Eucaristia, não mais deixou de estar na Terra por um instante sequer.

No momento em que os judeus pensavam armar uma cilada para expulsá-Lo da Terra, O Redentor preparava uma sacratíssima rasteira contra eles. Instituiu a Eucaristia e, quando morreu, Ele ficou sob forma eucarística em Nossa Senhora, assim não abandonou o mundo em nenhum momento.

Vemos o amor dele ao gênero humano, através da maravilha que engendrou para estar com os homens o tempo inteiro: quando os Apóstolos puderam celebrar a Santa Missa, a presença eucarística começou a se multiplicar pela Terra.

Tal maneira de proceder denota uma inteligência suma, um grande amor desejo de estar conosco!

  1. b) O modo como foi instituído:

O Padre Pinamonti explica então, o modo pelo qual Nosso Senhor instituiu a Eucaristia:

“O modo com que instituiu este Divino Sacramento é debaixo das espécies de manjar para se unir tanto a nós que, assim como não há arte que possa separar da nossa substância o nutrimento que se tem já distribuído por todo o nosso corpo, assim não haja arte nem força que possa separar-nos do mesmo Cristo.”

É um raciocínio belíssimo! Jesus quis estar conosco sob a forma de alimento. Quando alguém come um pão, este se integra de tal forma ao corpo, que não se pode separar um do outro. Analogamente, através da Eucaristia, o Divino Salvador quis estabelecer uma íntima união conosco.

  1. c) As dificuldades que venceu:

“Mas sobretudo se manifesta a sua caridade nas dificuldades que venceu para nos fazer tanto bem; porque prevendo uma inumerável multidão de irreverências, de desprezos, de sacrilégios dos infiéis para com o seu Santíssimo corpo, e de tantos cristãos, ou tíbios ou malignos, contudo se expôs a tolerar tudo para chegar a unir-se com tua alma; e a esta mesma tolerância acrescentou desejos, e desejos veementíssimos: “Desiderio desideravi” — ‘Com grande desejo desejei comer esta Ceia convosco’(Luc. 22, 15). E ainda que para vir ao mundo e encarnar-se, se tenha feito desejar e esperar por tantos séculos; agora para vir ao teu coração Ele mesmo te solicita a ti com um desejo digno somente do seu Coração Divino.”

É outro pensamento belo como o sol! Para compreendê-lo é necessário colocar-se no estado de espírito de Nosso Senhor, no momento anterior à instituição da Sagrada Eucaristia.

O Redentor conhecia o passado, o presente e o futuro, previa todos os sacrilégios que iriam ser cometidos até o fim do mundo contra o Santíssimo Sacramento.

Pois bem, diz o autor:

“Nem todos esses pecados foram capazes de impedi-Lo de proceder a esta instituição.

“Um número incontável de injúrias, indiferenças e tibiezas foram as dificuldades que Ele quis vencer para te dar, ó católico, o Santíssimo Sacramento nessa hora.”

É um pensamento esplêndido!

Nós desmaiaríamos diante da perspectiva de receber por Nosso Senhor, um centésimo das injúrias que Ele recebeu por nós… Seu amor e sua bondade são tão grandes, que apesar disto, desejou sofrer tudo quanto sofreu, a fim de que o Santíssimo Sacramento viesse até nós. É algo impressionante!

Insisto sobre o respeito e a confiança que isto deve suscitar em nós na hora da comunhão: quanto é poderoso o Deus capaz de tal maravilha, mas também quanto é bom! Devemos pois imaginá-Lo entrando em nossa alma com o afeto correspondente a esta bondade, e não fazendo uma inspeção seca e aborrecida: “Tal defeito, tal falta… Esse tipo não deveria ter-me recebido!…”.

Não! Devemos pensar o contrário.

Quando Jesus entrava na casa dos doentes para curá-los, não tapava o nariz com receio do mau-cheiro; pelo contrário, ia com afeto, vontade de fazer o bem, semblante sereno, ar bondoso, disposto a ouvir. E depois concedia a graça, operando o milagre. Devemos imaginar a Nosso Senhor sempre transbordante dessa bondade.

É impossível não reconhecer a limpidez e o acerto de tais raciocínios.

Então, quando comungarmos, digamos a Nossa Senhora — porque não podemos perdê-La de vista um só instante: “Minha Mãe, estas são razões por demais elevadas para eu compreendê-las inteiramente. Mas Vós, quando comungáveis, as entendíeis plenamente. Vinde espiritualmente à minha alma e tratai a Nosso Senhor como o fazíeis na Terra. Adorai a Deus em meu lugar”.

Assim, com confiança, devemos receber o Redentor alegremente. Se Nossa Senhora O está tratando Ele está sendo esplendidamente recebido em minha alma, e eu estou oferecendo-Lhe uma festa régia.

Por fim, a utilidade:

“Considera a utilidade deste dom da Eucaristia. Por isto se chama comunhão, para significar que faz comuns à alma todos os bens de Jesus Cristo; de sorte que aquele capital imenso de merecimentos, em toda a sua vida e na sua morte, se aplica todo neste Divino Sacramento, no qual pretende o Senhor renovar em cada pessoa particular os efeitos que a sua Santíssima Paixão tem produzido em todo mundo.”

É outro pensamento diante do qual a pessoa não cabe dentro de si.

Imagine-se, cada um de nós, aos seus pés.

Considerando aquele sangue que verte, é uma bonita oração dizer: “Meu Senhor, fazei com que uma gota de Vosso sangue caia sobre mim e me transforme”. No entanto, uma comunhão é muito mais do que isto! Porque através dela, todos os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo são oferecidos por mim para redimir os meus pecados.

Devo, pois, ir confiante à comunhão. O sangue de Cristo pode tudo e, recebendo-O, estou adquirindo o remédio para todos os males e a solução para todos os problemas.

Devo também dizer a Nossa Senhora: “ Oh! Minha Mãe, fazei com que os méritos de Nosso Senhor se apliquem a mim de modo semelhante como se aplicaram a Vós, para que minha alma se entranhe continuamente deles”.

Podemos estar certos de que assim ficaremos “milionários” de méritos, por uma simples comunhão. Se uma pessoa passasse numa gruta a vida inteira sozinha, rezando, e fazendo penitência, ela não adquiriria tanto mérito quanto o obtido em uma só comunhão. Percebemos assim de que dom inapreciável dispomos.

Conclui o Pe. Pinamonti:

“Oh Deus sempre admirável em nos amar e fazer bem! Que coisa te poderá Ele negar, depois de te ter já dado tanto? E tu, que coisa lhe poderás negar a Ele?”

E sugere, que no final da comunhão se faça uma oração a Nosso Senhor Sacramentado. Nós, que somos escravos de Nossa Senhora segundo o método de São Luis Maria Grignion de Montfort, a fazemos por meio d’Ela. Poderia ser uma prece na qual pedíssemos ao Redentor que nos concedesse, dentre Seus inumeráveis dons, mais este: o de darmos tudo a Ele.

 

“Sede perfeitos como o Pai Celeste”

São Cirilo de Alexandria viveu no século V e combateu a heresia de Nestório. Naquela ocasião, estabeleceu-se a clássica distinção entre os ortodoxos, que professavam a divindade da Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo e a consequente Maternidade Divina de Maria, e os heterodoxos, que afirmavam haver em Cristo duas pessoas, sendo ­Nossa ­Senhora mãe apenas da pessoa humana. Como sói acontecer, entre essas duas correntes havia os tais pseudo-equilibrados, que julgavam ser melhor não discutir, pois irritaria o adversário, tornando mais difícil a possibilidade de conversão. Esses se voltavam contra São Cirilo porque ele combatia os hereges.

Essa raça de almas corresponde ao dito na Escritura: “Se fosses frio ou quente Eu te aceitaria, mas como és morno, estou para vomitar-te de minha boca” (Ap 3, 16). São os que mais atrapalham a causa católica, pois o melhor dispositivo de proteção do erro não está entre aqueles que o professam, mas sim entre os que dizem professar a verdade, mas nas suas táticas protegem o erro.

Essa posição intermediária atrai mais a cólera divina do que a definida posição contrária.

Se devemos ser perfeitos como nosso Pai celeste é perfeito (cf. Mt 5, 48) e se é legítima a jaculatória “Sagrado Coração de Jesus, tornai meu coração semelhante ao vosso”, então devemos também ter náusea e horror daqueles de quem o Pai Celeste e o Coração de Jesus têm náusea e horror.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/2/1966)

Luz brilhantíssima da Igreja nascente

Dr. Plinio salienta o papel da Santíssima Virgem enquanto Medianeira de todas as graças, nas etapas iniciais da vida da Igreja.

 

Comentaremos trechos de um livro sobre Nossa Senhora(1) , o qual contém pensamentos muito piedosos e bonitos, próprios a intensificar nossa devoção à Santíssima Virgem.

É um tanto difícil, conhecendo nós as poucas palavras de Nossa Senhora referidas no Evangelho, formarmos inteiramente ideia, do que possa ter sido a mentalidade e o espírito dEla.

Naturalmente, o mais poderoso dos meios que temos para retraçar o perfil moral de Nossa Senhora é compará-La com Seu Divino Filho.

Mas Nosso Senhor é tão alto — Ele é Divino — que, mesmo se referindo à Mãe dEle, a comparação tem qualquer coisa pela qual não se ajusta bem. Aliás, toda comparação claudica, e essa especialmente.

Então, somos obrigados a procurar outras formas para conhecer algo do espírito de Maria e do conteúdo de Seu Imaculado Coração. Um dos meios bonitos consiste em estudar a vida de São João Batista.

Porque São João Batista foi santificado no seio de Santa Isabel pela palavra de Maria Santíssima comunicando ao Precursor, misteriosamente, o espírito dEla. E tudo quanto São João Batista fez em sua vida decorreu dessa graça inicial a qual, pelos rogos dEla, foi constantemente intensificada, até chegar ao auge, quando ele morreu.

E São João Batista, enquanto asceta austero, pregador do Cordeiro de Deus que viria, herói que enfrenta Herodes e morre como mártir sublime de grandeza e de serenidade, é uma das facetas do espírito de Nossa Senhora.

Outra faceta muito bonita, é a seguinte: Nossa Senhora é a Sede da Sabedoria; portanto, nEla está contida toda a sabedoria que vem de Deus para depois ser concedida  aos homens.

E como tal — a respeito disso pouco se fala — estando a Virgem Maria presente entre os Apóstolos, é impossível que estes tenham trabalhado, ensinado a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo sem consultá-La. E que os evangelistas tenham escrito os Evangelhos, sem recorrerem freqüentemente a Ela porque o espírito dos Evangelhos é o próprio espírito de Nossa Senhora.

Essa relação da Virgem Maria com a pregação da Igreja nascente, e mais especialmente com o Evangelho, fica expressa em termos bonitos por este trecho do livro:

“Nossa Senhora foi o oráculo vivo que São Pedro consultou nas suas principais dificuldades.”

São Pedro, o primeiro Papa, o chefe da Igreja.

“A estrela que São Paulo não cessou de olhar para se dirigir em suas numerosas e perigosas navegações.”

Naturalmente, refere-se às navegações, em sentido figurativo.

“Nada se fez senão de acordo com o conselho e a direção de Nossa Senhora.”

Temos então uma linda visualização: a Igreja nascente, com todos aqueles lances maravilhosos, foi inspirada e dirigida por Nossa Senhora.

É verdade que São Pedro era o Papa e detinha o poder sobre a Igreja. Porém, estava ele completamente submisso a Nossa Senhora e, em São Pedro, era a Santíssima Virgem que dirigia os demais Apóstolos.

“Então Ela verdadeiramente preencheu a significação de seu nome simbólico.”

O autor apresenta uma linda interpretação do nome de Nossa Senhora, como Sede da Sabedoria —o foco da ortodoxia e da boa doutrina — que me pareceu muito bonita.

Pois, diz São Boaventura, o nome de Maria pode traduzir se por essas palavras:

Maria é aquela que é iluminada por cima e espalha, por todo lugar, e em todas as direções, a luz. Quer dizer, é verdadeiramente a medianeira da luz. Toda a sabedoria e toda a luz que vem de Deus, passam por Ela e através dEla, como Medianeira, se difundem por todos os homens.

Então, quem quiser receber a sabedoria, e progredir nessa virtude, deve recorrer a Nossa Senhora que é, por definição, pelo mesmo conteúdo de seu nome, um foco de luz celeste que se espalha pela humanidade inteira.

O autor argumenta muito bem: era possível haver entre os Apóstolos este foco, sem que ele não os iluminasse? Tudo quanto os Apóstolos fizeram e os evangelistas escreveram não era senão a luz que procede desse foco!

Então, estudar a Virgem Maria como inspiradora da mentalidade, do espírito dos Apóstolos e evangelistas, aos quais forneceu as informações para pregarem e escreverem é uma coisa que nos faz entrever cenas maravilhosas.

Imaginemos a Mãe de Deus, tendo ao seu lado São Paulo, São Pedro, São João Evangelista, contando, explicando, interpretando, ajudando-os a ver melhor tais e tais fatos da vida de Nosso Senhor, pondo em realce este, aquele outro fato, sendo, portanto, o aroma do bom espírito perfumando a Igreja inteira!

Compreendemos assim o papel de Nossa Senhora presente e visível na Igreja nascente, o que é uma coisa verdadeiramente maravilhosa.

Continua o autor:

“Se os evangelistas quiseram recolher os principais fatos da vida de Jesus e seus ensinamentos mais importantes a fim de nos transmitir os seus escritos autênticos, eles recorreram a Maria.

“Foi a Ela que eles pediram os esclarecimentos necessários sobre a Encarnação.”

De fato, a quem pedir informações e esclarecimentos sobre a Encarnação, a não ser a Ela?

“Pois, disse o Cardeal Hugo, Ela fez de seu coração o tesouro das palavras e das ações de Seu Filho, a fim de os comunicar em seguida aos escritores sagrados.”

Mais uma vez se apresenta esta ideia: Nossa Senhora é o vaso que recolheu todos os ensinamentos de Nosso Senhor os quais foram distribuídos para os Apóstolos e à Igreja desde seu nascedouro até hoje. Não só, portanto, no que está escrito, mas, em importantíssima parte, na Tradição da Igreja.

“Nenhuma criatura, diz Santo Agostinho, jamais possuiu um conhecimento das coisas divinas e do que se relaciona com a salvação, igual à Virgem bendita. Ela mereceu de ser a mestra dos apóstolos e é Ela que ensinou aos evangelistas os mistérios da vida de Jesus”.

É um santo que escreveu isso. Vejamos agora o que afirma um grande autor espiritual, o abade Rupert:

“E os outros, é verdade, diz o abade Rupert, podem ser chamados Doutores. Mas Maria é muito mais do que isso, Maria é a Mestra dos Doutores. É a Doutora dos Doutores.”

Vemos assim o esplendor da alma santíssima de Nossa Senhora, bem como o papel da ortodoxia e da sabedoria em Sua santidade. Não é um papel colateral como a “heresia branca(2)” imagina, mas fundamental. Aí temos um vislumbre que nos pode ajudar a aumentar nosso amor a Maria Santíssima. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 11/7/67).

 

1) Por não ter sido feita a devida anotação quando Dr. Plinio pronunciou esta conferência, desconhecemos o nome do autor e o título do livro citado.

2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

Nobreza, distinção, boas maneiras: frutos do preciosíssimo Sangue de Cristo

A distinção católica, contrarrevolucionária, evidencia a superioridade do Ocidente sobre o Oriente, embora este seja tão mais rico em pedras preciosas, tecidos e outros ornamentos.

 

Folheando uma coleção de fotografias de pretendentes a tronos em diversas nações, constatei haver pelo meio uns marajás, um sultão do Afeganistão e outros personagens assim. Então, chamei a atenção dos circunstantes para a diferença entre a atitude, o porte e a posição dos monarcas ou dos pretendentes a trono ocidentais – descendentes, portanto, das antigas dinastias históricas do Ocidente –, e os do Oriente.

Um preconceito revolucionário: ter medo de parecer por demais maravilhoso

No Oriente as pedras preciosas são muito maiores, mais bonitas, de melhor quilate, o subsolo é muito mais rico desse gênero de esplendores. Também as pérolas que se pescam em alguns lugares do Oriente são de uma beleza incomparável. De maneira que eles podem constituir para si ornatos muito mais ricos do que os príncipes do Ocidente. Além disso, dispõem de tecelões que trabalham com tecidos a mão, e podem encomendar tecidos manufaturados de uma qualidade muito superior à dos industrializados, comuns no Ocidente. Por isso, sob o ponto de vista de indumentária, os dignatários orientais se apresentam muito melhor do que os do Ocidente. Tanto mais quanto eles têm uma certa fantasia e não são inibidos por preconceitos revolucionários, pela ideia de ter medo de parecer por demais maravilhosos.

Um ocidental tem receio de parecer por demais maravilhoso. Examinem, por exemplo, os uniformes oficiais dos diplomatas e dos militares de alto grau – generais, marechais, etc. – do século XIX e os do século XX. É uma degringolada medonha. No século XIX, havia aquele chapéu de dois bicos, com abas que se reuniam em cima, e dentro tinham “aigrettes” brancas; as roupas eram bordadas com alamares e outros adornos muito bonitos, com condecorações, uma coisa que tende ao lindo. Mas o homem de hoje tem vergonha de se apresentar nesses trajes porque o espírito da Revolução achatou todas as tendências para o belo.

Pelo contrário, no Oriente isso não era assim; havia uma classe que sonhava com o maravilhoso. Então, marajás, rajás, xás, sultões, etc., que aparecem com essas roupas lindas. Mas se analisamos os homens, vemos serem eles muito inferiores, como porte, maneiras, posturas, do que os do Ocidente. Por quê? Porque durante séculos, desde que a Igreja Católica penetrou no Ocidente, começou a germinar a Moral católica. E quando consideramos alguém que observa em todos os seus pormenores essa Moral católica, essa pessoa – se não ela, seu filho ou seu neto – acaba sendo de uma educação e de um porte perfeitos.

A Moral católica gera a educação, a distinção e a correção perfeitas

Para uma pessoa que pratica a Moral católica perfeitamente, é instintivo, mesmo não tendo recebido uma educação de salão, praticar, por exemplo, atos como o seguinte: está à mesa tomando refeição com um convidado que merece uma especial honra e atenção, serve o convidado antes de se servir a si própria. Ora, isso que é ensinado como uma regra de educação – “Você, na sua casa, seja o último a se servir; quando estiver na presença de mais velhos, faça com que eles se sirvam antes; diante de pessoas mais graduadas do que você, reconheça de boa vontade essa maior graduação, preste-lhes honras, faça com que se sirvam antes” – são aplicações de princípios de Moral a questões de bom procedimento.

Se numa primeira geração de católicos muito bons não houve tempo de modelar todos esses costumes de acordo com os princípios morais, ao cabo de algum tempo esses princípios filtram e nasce daí uma atitude, uma distinção, uma amabilidade, uma cortesia, que no fundo faz parte da Moral católica. A Moral perfeita deve gerar necessariamente a educação, a distinção e a correção perfeitas.

Às vezes até acontece que uma pessoa pratique a Moral perfeita, mas não tenha uma educação perfeita, porque não houve tempo de aquilo filtrar no ambiente onde ela foi educada, de forma a começar a prestar atenção nessas pequenas questões de boas maneiras e praticá-las. Questões que, evidentemente, em matéria de Moral, estão num plano secundário, não são a essência dela. Mas ao cabo de algum tempo aquilo filtra. Pode acontecer que uma pessoa, pelo contrário, não tenha boa Moral, mas possua uma educação perfeita. Porém ainda aí é um resto de Religião Católica. Ela, sem perceber, cumpre regras da Religião Católica porque percebe ser bonito na prática, na atitude concreta. Infelizmente ela com isso não tem intenção de dar glória a Deus, mas imita os que dão glória a Deus. Imitando-os, involuntariamente ela glorifica a Deus.

O Kaiser Guilherme II e a Sissi  

Em suas memórias, o Kaiser Guilherme II, último Imperador da Alemanha, faz uma descrição que me impressionou muito. Ele estava num jardim do palácio do avô dele, então Imperador da Alemanha. Como a Imperatriz tinha morrido, a mãe do futuro Guilherme II, esposada com o então Príncipe Herdeiro, estava fazendo as honras da casa para uma visitante muito ilustre, a Imperatriz da Áustria, princesa bávara casada com Francisco José, Imperador da Áustria. Esta, além de ser dotada de uma beleza famosa, tinha uma distinção de maneiras, uma linha, uma categoria extraordinárias! 

O Kaiser conta que ele estava no jardim do palácio, vendo sua mãe que, pouco adiante, de costas para ele, recebia a visita da Imperatriz da Áustria. Em certo momento, esta deu sinais de querer partir, e a mãe dele se voltou para trás à procura de alguém para carregar a cauda do vestido da nobre visitante. Não vendo ninguém além do filho, o futuro Imperador Guilherme II, ela disse: “Meu filho, venha portar a cauda do vestido de Sua Majestade, a Imperatriz da Áustria.”

Quando ele se aproximou, a Imperatriz Elisabeth – a famosa Sissi – estava apenas se levantando muito devagarzinho, com as maneiras e todo o protocolo da antiga corte. Guilherme II descreve a inesquecível impressão que ela causou sobre ele. Todo esse protocolo dava a ela uma elegância, uma distinção, realçava de tal modo sua beleza que ele ficou deslumbrado. Todas as regras seguidas por ela – a corte austríaca era muito conservadora –, de perto ou de longe, relacionavam-se com a formação católica, com o ideal de perfeição moral ensinado pela Religião Católica.

Deve-se fazer prevalecer as qualidades do espírito 

Isso se refletia em coisas insignificantes. Houve tempo em que era contrário às regras da boa educação encostar-se no espaldar das cadeiras, em determinadas circunstâncias. Era a imagem da ascese católica, levando a pessoa a dominar-se a si mesma.

Dou outro exemplo: há pessoas que têm o hábito de estalar os dedos. Na intimidade se compreende, mas não se faz isso diante de outros, porque chama demais a atenção para o corpo, quando todas as atitudes de porte, de linha e de distinção do homem devem lembrá-lo de que ele é principalmente alma, fazendo ver com isso o elemento mais nobre de seu ser, que é o elemento espiritual e não o físico.

Isso leva as coisas do Ocidente a serem assim: um engenheiro ou arquiteto católico, ao planejar a decoração externa e interna de um palácio para um rei também católico, que exercerá o poder catolicamente sobre um povo igualmente católico, o próprio “élan” de sua alma católica leva-o a ornamentar de maneira a fazer prevalecer as qualidades do espírito, os elementos que possuem categoria, finura, distinção, nos quais a alma humana aparece na sua excelência. Pelo contrário, o homem sem essa assistência da graça e essa inspiração da Fé não é capaz disso.

Então, vemos marajás, sultões e outros tipos assim refestelados, chupando indefinidamente aquele narguilé, porque não aprenderam da Religião Católica as boas maneiras. Isso se retrata evidentemente também nos prédios, no urbanismo; enfim, em mil coisas de mil modos isso se manifesta.

É o que faz a superioridade do Ocidente, o qual tem menos rubis, pérolas, esmeraldas, safiras, brilhantes; não possui rajás nem marajás, mas tem a distinção católica, contrarrevolucionária, que domina todo o resto.

O resplandecer da graça

Lembro-me de outro episódio ocorrido com a própria Sissi, Imperatriz da Áustria. Antigamente, os potentados do Oriente quase nunca vinham à Europa, porque eram viagens muito longas e sujeitas a risco. Mas quando se estabeleceram, com os meios de comunicação moderna, a possibilidade de viagens seguras e com relativo conforto, nos primeiros transatlânticos, nos primeiros trens do século XIX, os potentados orientais começaram a vir ao Ocidente, trazendo todo o luxo oriental.

Ao recebê-los, as cortes europeias seguiam todo o protocolo com que se acolhia um chefe de Estado estrangeiro. Portanto, cerimonial muito bonito, esplendoroso, rico. Os orientais, por sua vez, vinham com riquezas fabulosas e iam às festas com seus trajes peculiares.

Então, o Xá da Pérsia foi visitar as principais capitais da Europa, entre as quais Viena. A festa se desenvolvia e, em certo momento, chegou a Imperatriz da Áustria, a quem o potentado persa foi apresentado. Ele fez uns salamaleques à moda oriental e ela respondeu com distinção, com graça, um pouco sorrindo, como diante de um “conto de mil e uma noites”, de uma fábula.

Ele ficou deslumbrado com a beleza e a distinção da Imperatriz. Provavelmente ele, um homem, tinha joias muito mais bonitas do que ela, que era uma dama. Entretanto, ela era uma joia da Cristandade! Tudo isso são frutos da Civilização Cristã.

Na Civilização Cristã os homens, possuindo pela graça a virtude da Fé e as demais virtudes teologais e cardeais, acabam tendo toda essa grandeza pessoal que é o resplandecer da graça.

Mas quem nos obteve a graça? Foi Nosso Senhor Jesus Cristo no momento de morrer na Cruz, e já quando Ele começou a sentir tédio e pavor diante do que Lhe aconteceria durante a Paixão, naquela meditação sumamente majestosa e linda no Horto das Oliveiras. Quando a graça penetra nos homens, conquistada para nós pelo Sangue de Cristo, produz todo o resto.                v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/1/1989)

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 231 (Junho de 2017)

A estética e a ideia de Deus

Um dos salientes aspectos da alma de Dr. Plinio era o amor ao belo — “pulchrum”, em latim —, a respeito do qual pronunciou diversas conferências, algumas delas dedicadas a comentar o livro de Edgar de Bruyne, professor da Universidade de Gand (Bélgica), intitulado “L’esthétique du Moyen Age”– A estética da Idade Média. A seguir, transcrevemos a introdução feita por Dr. Plinio àquela série de exposições.

 

A propósito da matéria apresentada no livro de Edgar de Bruyne (ver quadro em destaque), cumpre consignar o pressuposto de que nossa noção de estética é um tanto diferente daquela estabelecida pelas opiniões de outros autores que ele, sem tomar partido, apenas compendiou. Explico-me.

A emoção estética redunda num ato religioso

Segundo se infere de ditas opiniões — que não traduzem, saliento, necessariamente a do autor —, a estética não é senão uma matemática encarnada no sensível, enquanto que para nós a emoção estética desencadeia uma série de fenômenos na alma humana, dos quais o último e mais alto é uma sensação de solidariedade, de harmonia entre a coisa observada e o observador. E, por detrás disso, uma experiência interna, inefável, pela qual sentimos como nosso próprio eu é coerente com o ser enquanto ser, que é bom em si mesmo, pois foi criado por Deus.

Em determinado momento do percurso dessa sensação de harmonia, percebo na coisa observada o que ela tem de objetivamente belo e de afim com algo em mim, um predicado comum pelo qual ela e eu participamos da beleza transcendente de Deus. Nesse instante, o conúbio entre nós dois alcança sua plenitude. Embora continue evidentemente existindo, com toda força, uma alteridade entre ambos, essa noção da participação no Criador representa um ponto de convergência e de transcendência mais alto.

De maneira que, conforme nosso ponto de vista, a emoção estética bem entendida termina substancialmente num ato de caráter religioso e metafísico, ainda que subconsciente.

Pares homogêneos e ímpares heterogêneos

Já sobre o que de Bruyne registra a respeito dos algarismos pares e ímpares, da correlação entre os conceitos de igualdade e variedade indefinida, bem como sobre a indicação das propriedades dos números, poderíamos tecer outras observações.

 Para bem se compreender a teoria dos números, devemos considerar que, ao lado da concepção que toma os ímpares como princípios de igualdade, há também aquela que os entende como símbolos da desigualdade. De maneira que, por exemplo, o algarismo 5 não é apenas a soma 1+1+1+1+1, na qual cada unidade é rigorosamente igual à outra, mas pode ser a união de dois pares de 2 presididos pelo número 1. E dado o caráter indivisível dos ímpares, este 1 será heterogêneo e diverso dos outros “uns”.

Ilustra de modo muito eloquente essa nossa argumentação a arquitetura do conhecido Castelo de Cheverny, na França. Nele há quatro corpos de edifício laterais e um central, diverso, pequeno, porém mais nobre. Por esse exemplo nos é dado entender melhor o significado que atribuímos aos números. Poder-se-ia dizer que o número do Castelo de Cheverny é 5, e sob este aspecto ele estaria perfeitamente definido.

Combinações com fisionomias e qualidades diferentes

Prosseguindo nessa análise do texto do de Bruyne, poderíamos ainda imaginar combinações em que os vários algarismos integrantes do número global tivessem como que fisionomias e qualidades diferentes. Seriam orgânicos, como membros de um mesmo organismo. O que é distinto de uma concepção estritamente numeral e anorgânica, própria de uma aula de aritmética na qual se distribui a uma criança bolinhas iguais até completar, digamos, o número 5.

A teoria que levantamos é inteiramente diversa da que se deduz apenas da igualdade matemática dos algarismos, sem contudo pretender que tal igualdade seja falsa ou má.

Conjugação de conceitos díspares

Concluindo esses breves comentários, convém ressaltar que os números não possuem apenas expressão quantitativa, mas também qualitativa. Embora entre os conceitos de quantidade e qualidade haja um abismo intransponível, existe a possibilidade de conjugá-los, aceitando-se o que acabamos de considerar.

Para tomarmos o exemplo de outro monumento francês, pensemos no Castelo de Chambord, que nos transmite a ideia do incontável.

Apesar de ele ostentar uma quantidade de torres passível de ser estabelecida, ao vê-las temos a impressão do  infindo e incontável.

É outro modo de o número exprimir também qualquer coisa de qualitativo.

 Exemplo de índole diversa, a poesia com sua métrica: os versos se compõem de sílabas contáveis, mas possuem também algo de incontável, livre ao indefinido, que nos remete para o infinito e, de certa maneira, nos conduz à ideia de Deus. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  em 16/1/1973)

Maria fons

No hino “Flos virginum”, Nossa Senhora é chamada “Maria fons”. Ora, como se deve entender esta invocação? Em que sentido Ela é fonte?

Nossa Senhora é simbolizada por uma fonte encontrada por alguém que está vagueando pelo deserto, com sede.

Quer dizer, Ela é a fonte na qual podemos nos dessedentar.

Mas fonte de quê? Ela é a fonte de todas as graças, pois estas nos vêm de Nosso Senhor Jesus Cristo através d’Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/8/1965)

Chenonceaux: um castelo-cisne

Harmonia, equilíbrio e elegância feita de leveza são as características ressaltadas por Dr. Plinio, ao comentar um dos mais célebres castelos do Loire.

 

Creio que o verdadeiro modo de projetar Chenonceaux numa tela, seria o seguinte: não fazer uma longa “statio”(1) olhando para a foto dele, porque todas as emoções desgastam — sabemos bem disso —, mas correr uma cortina e, de repente, levantá-la.

Assim, haveria um primeiro inebriamento e uma espécie de entusiasmo — palavra de origem grega, que significa “estar cheio de Deus” —, uma sensação de algo extraordinário e maravilhoso!

Vejamos qual a razão do feérico que esse castelo apresenta. Imaginemos que ao invés desse rio, houvesse junto dele uma estrada poeirenta, por onde transitassem carroças e automóveis, teríamos a sensação de que o edifício perderia, pelo menos, cinqüenta por cento de sua beleza.

Além de ser muito bonita e elegante, a construção explora particularmente o seguinte princípio: todas as coisas que se refletem na água ganham em pulcritude.

Embora a teoria grega dos quatro elementos não possua nenhum valor científico, ela, por assim dizer, tem um significado sensitivo: de fato, para se tocar e ver há quatro elementos: o ar, a terra, o fogo e a água.

Dentre os quatro elementos, a água tem algo de especial: tudo quanto se “debruça” sobre ela, reflete, e tudo quanto nela se reflete toma um caráter de beleza celeste. Uma beleza quase irreal, de sonho, de mundo das maravilhas, para dizer tudo numa palavra só, de paraíso perdido.

Tem-se uma sensação paradisíaca vendo as águas do rio Cher correrem, tão plácidas, cristalinas, marcadas pelo azul do céu, e a imagem do castelo que nelas se reflete. Percebe-se que a sua maior beleza provém da ideia de construí-lo sobre uma ponte, de maneira tal que ele, por assim dizer, está como um cisne na superfície da água.

Pode-se dizer que é um castelo-cisne. Está “flutuando” com leveza, parece uma fantasia, algo de irreal, um sonho…

Imaginemos numa bonita noite de luar, o castelo todo iluminado, as janelas abertas, e em seu interior havendo uma festa. Os risos, a música, os perfumes, os luzir das lâmpadas refletindo no rio que corre, transmitem a sensação de uma espécie de nau na qual se leva uma vida de elevação, de requinte, de distinção, de nobreza, de grande classe; em suma, uma vida totalmente diferente da contemporânea.

Se há algo contrário a um arranha-céus “moloch”, a uma construção escarrapachada, ao cimento armado, é exatamente esse castelo, que parece não ter base e flutuar.

Vemos quanta harmonia o espírito francês introduziu nesse conjunto, composto de três elementos distintos.

O primeiro é a ponte, sobre a qual foi construído. Há uma parte maciça, que contrasta com outra muito leve; se apenas existisse a primeira, o edifício perderia a graça. A parte mais “leve” ainda é medieval, como se nota pelas torrezinhas agudas. Trata-se de um período de transição entre a Renascença e a Idade Média; as pequenas torres que flanqueiam o castelo dão ideia de uma velha fortificação.

Percebe-se o contraste entre os arcos diáfanos leves de um lado, e a base pesada onde se tem a impressão de que passa uma água que sai das masmorras e banha prisioneiros causando-lhes tormentos, devido à umidade, com lagartixas, rãs, mofo; é uma espécie de reino tenebroso. As janelinhas da parte inferior parecem dar acesso a horríveis porões ou cárceres.

Esse misto de firmeza e estabilidade com a delicadeza, forma um contraste harmônico de qualidades opostas que acentuam o encanto que há no castelo.

A chaminé tem um papel extraordinário; é uma espécie de ponto final vivo e agudo para dar a entender que o altaneiro castelo acabou. Imaginemo-lo sem ela…

Chenonceaux se prolonga por uma ponte levadiça que conduz à outra margem. E, como uma espécie de último eco do castelo, um torreão, que deve ser o resto de uma velha fortaleza medieval, sólido, atarracado, grande e levando a sensação de estabilidade ao último ponto.

Então, estabilidade máxima, estabilidade média, leveza diáfana.

São os três elementos sucessivos que dão encanto ao castelo e explicam sua beleza.

Imaginemos que não houvesse essa torre, faltaria algo que é imponderável. Ficaria leve demais, sem graça.

Aqui se percebe o espírito de medida do francês. Todo mundo costuma dizer que esse espírito consiste na simetria. Na verdade, porém, a simetria é apenas um dos modos pelos quais os franceses externam sua capacidade de medida. Nesse castelo vemos outro aspecto da medida: leveza e estabilidade.

Há ainda outro contraste: junto à parte, que bem pode ser uma masmorra ou um arquivo, encontra-se um jardim esplêndido. É um quadrilátero com desenhos em vegetação, lindíssimos e grama esmeraldina própria da Europa.

Depois de uma interrupção se vê, mais ao longe, outro jardim, penteado de tal maneira que não poderia a natureza ser mais arranjada e governada do que está ali. Em compensação, do outro lado existem os encantos de uma arborização puramente silvestre.

Suponhamos que nesses locais não houvesse mato, mas grama. Perder-se-ia o panorama. Quer dizer, tudo que parece espontâneo foi estudado com uma sagacidade extraordinária para um efeito de conjunto. Porém, com uma tal perfeição que a noção de harmonia nasce sem que a maior parte das pessoas saiba dizer de onde ela surgiu.

O bonito da harmonia está em que não se consiga precisar exatamente no que ela consiste. E é preciso muita atenção e explicitação para se definir onde a harmonia se encontra.

Nesse castelo há uma sinfonia de harmonia feita de um conjunto de coisas que produzem um primeiro entusiasmo; mas depois resistem a uma demorada visão, porque sua análise satisfaz o espírito.

Não é uma sensação irracional, mas sim de acordo com a razão, repentinamente satisfeita por algo de ótimo e que repercute nos sentidos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  em 2/1/1969).

1) Período preparatório

 

Solidão e convívio

Quando todas as relações sociais se impregnam do verdadeiro espírito católico, o homem nas suas solidões é introduzido no convívio humano de um modo reto, proporcionado, amoroso; dessa sociedade evola-se o bom aroma de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Embora o homem seja um ser fundamentalmente sociável, por sua natureza, nas profundidades de si mesmo ele pensa, sente e elucubra só, ou seja, tem uma vida de solidão. Essa solidão é para ele, ao mesmo tempo, sumamente aprazível, mas em algo penosa, porque sente certa insegurança perguntando-se a si próprio — não é uma pergunta que ele se faça explicitamente — se o consenso universal está de acordo com o pensamento dele. Isso porque ele é levado a achar que o consenso universal é acertado.

Segurança e insegurança decorrentes do instinto de sociabilidade

Por exemplo: gostar muito de música. Se for um homem muito cauto, ele se perguntará se o seu gosto está na linha do equilíbrio humano verdadeiramente. Ele apreciará ver que outros arqui-gostam de música, tanto quanto ele. Esta noção de que há outros com ele dá-lhe uma espécie de segurança naquilo para onde ele ruma.

Por outro lado, essa segurança compensa de algum modo o instinto de sociabilidade que fica chocado por não ter essa forma de apoio. Ademais, ele percebe que no seu isolamento não é suficiente para abarcar tema nenhum. E, portanto, o próprio abranger global de um assunto não é praticável sem essa comunicação.

Mais ainda: quando se tratam de altas cogitações, o homem nota que aquilo que ele cogita segundo a ordem do universo mereceria ter outros que também pensassem. E que aquilo que ele sozinho estima fica meio depreciado. Há uma violação da ordem do universo que só ele admirará.

Assim, por exemplo, se um homem se visse o único admirador do Monte Saint-Michel na Terra, além de ter a insegurança quanto ao seu próprio bom senso, e da necessidade de outras repercussões para compreender bem o monte, ele teria uma espécie de frustração de notar que o monte não se fez venerar como deveria. E como aquele monte representa para ele um absoluto, seria um pouco como se o absoluto se tivesse deixado relativizar. E daí uma frustração perturbada que atinge a alma dele no fundo.

Se um homem, no fim do mundo, chegasse à conclusão de que o Monte Saint-Michel não tem mais condições de se fazer venerar pelos homens — não porque tivesse perdido a beleza, mas porque a humanidade mudou irreversivelmente —, se esse homem tivesse um senso axiológico(1) reto, fosse inocente, concluiria: “Vai acabar o mundo”.

Contudo, se for alguém sem um senso do ser reto, máxime se pertencer a uma religião ou corrente filosófica que não lhe tenha dado o ensinamento a respeito do fim do mundo, ele pensará que o mundo vai rolar eternamente, e nessa pessoa entrará um sentimento contra o Monte Saint-Michel, como quem diz: “Embora eu não saiba e não consiga ver, há em ti, ó Monte Saint-Michel, alguma coisa falha que não percebo”.

Um dos prazeres mais prenunciativos do Céu

Poder-se-ia perguntar: Por que o ressentimento não se volta contra os outros?

Pela ideia de que o senso universal não pode estar errado. E nesse caso o senso universal venceu.

Isso por que essa pessoa não está inteiramente convencida do absoluto. Seria alguém não compenetrado da ideia de que a opinião pública é versátil, falível. E há muita gente com mentalidade assim.

Se formos nos aprofundar no tema do convívio, notaremos que temos uma tendência a achar que as ideias ao encalço das quais nós caminhamos devem simbolizar-se de um modo excelente em algumas tantas pessoas. E descobrir as pessoas-símbolos de nossas ideias é o grande encontro da vida.

Isso constitui um dos prazeres mais internos que o homem possa ter na vida, realmente mais prenunciativos do Céu; é cercar-se de condições por onde essas várias formas de isolamento sejam harmonicamente rompidas. Isso vale muito mais do que ter um automóvel, um barco etc. É a busca do absoluto, da verdade e do bem, em função também do instinto de sociabilidade.

Compreendemos, assim, o caráter desinteressado do teor das relações no Reino de Maria. Não é, portanto, um relacionamento para fazer carreira, para arranjar um bom negócio, ou para qualquer outro interesse. É uma relação boa para conduzir a estados de alma assim. E que devem dar, por causa disso, também numa coisa inerente à natureza humana: faz parte do instinto de sociabilidade querer ser amado. O ser humano deseja que aquilo que o rodeie tenha um tipo de compreensão dele, por onde, entendido como ele é, nas suas retidões, seja querido como deve ser.

Quando a vida espiritual de uma sociedade é bem organizada, e todos em geral vivem essa vida, as relações naturais das pessoas — o ambiente familiar, a escola, a paróquia que elas frequentam devem oferecer-lhes, a vários títulos, jogos mais ou menos completos de relacionamentos assim.

Analogia entre as muralhas das cidades medievais e o relacionamento humano

Certos aspectos retratados em pinturas, iluminuras representando as sociedades medievais, cidades cercadas pelos próprios muros e com casas umas junto às outras, me dão uma ideia deste relacionamento. Eu sei que aquele muro tem como razão de ser o adversário que vai chegar. Mas percebe-se que ali se levava uma vida tão aconchegada, que se tem a impressão de que a muralha é uma condição para o aconchego de todas essas solidões bem ordenadas ali dentro, e que davam uma organicidade à vida, que era um motor, ou o próprio motor do resto da organicidade. Por isso também a destruição das muralhas traz-me uma dupla impressão: de um lado, o advento da era do otimismo em que tudo se resolveu, não vai mais haver dramas, as cidades não precisam de muralha; de outro lado, a impressão de uma cidade que se dispersa afetivamente, perde essa proximidade de um com o outro e se desconjunta, e a vida de individualismo começa.

Tudo tem que ser concebido a partir de pessoas que se relacionam desse modo.

Assim como há um perfume que se evola do turíbulo, quando falamos de Cristandade sentimos também um perfume que provém fundamentalmente deste relacionamento. Quer dizer, quando todas as relações sociais se impregnam disso, tomam o homem nas suas solidões, introduzem-no assim na sociabilidade e o instalam dentro do convívio humano de um modo reto, proporcionado, amoroso, evola-se, a meu ver, o bom aroma de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Uma coisa fantástica para mim é constatar como, ao considerar Nosso Senhor Jesus Cristo e tudo quanto Ele disse e fez, a pessoa se sente atendida neste relacionamento de todos os modos, formas e graças possíveis. Quer dizer, é um dos traços que nos fazem sentir na presença d’Ele mais “em casa” do que diante daquilo que nos for mais chegado.

Então, a Cristandade, antes de ser uma federação, uma união, uma coligação de povos para expandir a Fé, redigir os estatutos para uma mesma lei, originariamente era uma sociedade da qual se evolava esse perfume sem o qual não adianta falar em Civilização Cristã.

Entretanto, há nisso uma determinada ordenação, porque o homem bem constituído, embora seja sequioso de romper o seu isolamento, é sedento, sobretudo, de não destruir as muralhas e não se perder no meio da sociedade. Ele quer ser inteiramente ele mesmo, com sua legítima individualidade.

“Élans” de alma representados na arquitetura

A arquitetura medieval, elaborada por intenções de caráter estratégico, tático e econômico, tem esses “élans” de alma que representam o contrário harmônico do que estou dizendo.

Por exemplo, um castelo-fortaleza com a casa do senhor feudal. A certa altura encontra-se o “donjon”. Na muralha, de vez em quando, se erguem torres também. O “donjon” se levanta, mas há outras torres que não são “donjons”, nem estão nas muralhas. De cá, de lá, de acolá, erguem-se como uma espécie de desafio de torres que querem ir para o céu.

A torre representa, em relação ao corpo do castelo, algo como é a alma quando ela se destaca para cima, de dentro da coletividade, onde ela está perfeitamente bem instalada. Ela por alguns lados tem a necessidade de subir sozinha. Este isolamento não é uma ruptura do convívio, mas quase um produto deste. Está em harmonia com o convívio.

No “donjon” há algo que fala disso ainda mais: é um torreãozinho suspenso do lado de fora. Fica um encanto! É como quem diz: “Em relação a esse castelo para o qual fui feito, sem o qual não existo e em função do qual me explico, há certos lados de minha alma que me levam a me isolar legitimamente.”

Não se trata de ser inimigo do pátio, onde está a entrada da casa do castelão, um homem pregando a ferradura do cavalo e uma mulher lavando roupa, e onde se vê o vigário entrando na capela. Não é isso! É amar a harmonia dessas coisas posta por Deus.

Creio que tudo quanto falei da sociabilidade do homem ficaria meio adulterado se eu não fizesse esta ressalva. É preciso ter esse equilíbrio, e ao mesmo tempo entender que a guarita e a torre rompidas com o castelo viram prisões, mas que o castelo concebido como uma mera aldeia super-fortificada por construções horizontais atrás de muralhas, não corresponde ao instinto de sociabilidade bem ordenado.

Não obstante, há um elemento nas construções mais recentes que dá uma impressão parecida com a da guarita: em certas casas há mansarda na qual se abre de repente uma janela e há um quarto dentro da mansarda, com uma espécie de autonomia dentro da casa, onde quem mora pode levar a sua própria vidinha, entretanto, muito ligado à casa. Ali há uma condição que simboliza esse desejo da alma de ser só ela mesma, onde existe uma solidão bendita.

Na Roma antiga há umas coisas assim pitorescas. Umas casas, mas leprosas, sobre as quais faltou espaço para mais dois ou três “bambini” que nasceram. Então, construíram em cima uma casa de pedra que pode datar dos romanos, mas junto a um muro que talvez tenha pertencido a um palácio imperial. Puseram em cima um andar de madeira e, para aproveitá-lo melhor, fizeram uma projeção sobre a rua, apoiada em duas vigas aparentes.

Gáudios do convívio e do isolamento

Uma manifestação muito curiosa, pitoresca, desses vários estados de alma é a existência de frisas e camarotes nos teatros antigos. O que faz para a audição da peça aquele biombozinho à altura da cintura de um homem, que separa uma família da outra? Se em vez daquilo houvesse um cordão de seda, ou não houvesse nada não seria a mesma coisa? Aquilo indica uma vida própria dentro da vida geral. A família está contente de estar com todos, mas ela tem seu espaço.

Todos esses gáudios juntos, do isolamento e do convívio, nós teremos no Céu. Nas nossas relações com Deus somos, ao mesmo tempo, elementos vivos desse imenso castelo que é o Céu, mas somos torre, e até guarita, em alguma coisa de confidencial entre Deus e nós e que só nós sabemos, e é o ponto da requintada intimidade com Ele, e que não podemos contar aos outros.

Se uma pessoa, voltando-se a Nosso Senhor Jesus Cristo — representado nas boas imagens como, por exemplo, a de Turim — se ajoelhasse diante daquele Varão tão inflexível e tão soberano que está no Sacro Volto e dissesse o que tem de mais “guarita” na alma, tenho certeza de que seria compreendida por Ele a cem por cento, como ninguém, e encontraria n’Ele o Arquétipo daquele aspecto de sua alma.                v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/3/1982)
Revista Dr Plinio 219 (Junho de 2016)

 

1) Termo derivado de “Axiologia”: ramo da Filosofia que estuda os “valores”, isto é, os motivos e as aspirações superiores e universais do homem, as condições e razões que dão rumo à sua existência, para os quais ele tende por insuprimível impulso da sua natureza.

 

 

Nobreza, severidade e dignidade

A praça onde se encontra o Paço Municipal de Siena — juntamente com a Praça de São Marcos, a de São Pedro e a Place Vendôme — é uma das mais bonitas da Cristandade.

 

Um dos prédios mais bonitos que existe é o Paço Municipal da cidade de Siena, situada a uma distância considerável de Orvieto. Há ali uma grande praça pública e veem-se uns prédios de construção mais ou menos antiga. A praça no seu conjunto forma uma moldura adequada para o Paço Municipal. O prédio merece uma análise.

Equilíbrio arquitetônico

O edifício se compõe de três corpos diferentes: um principal, que é o prédio propriamente dito, composto por sua vez de uma parte central guarnecida de uma de torre, com um círculo bem no meio. Em cima, ameias, e nos dois extremos da fachada, como que dois torreõezinhos vazados.

Como essa construção data aproximadamente do fim da Idade Média, e as guerras entre senhores feudais, entre cidades, estavam terminando, o aspecto de castelo fortificado que o Paço Municipal conserva é mais uma reminiscência artística do que uma necessidade tática para defender o paço. As ameias continuam no alto, e terminam agradavelmente o prédio.

Há um equilíbrio arquitetônico muito bonito entre os dois lados, os dois corpos de edifício mais abaixo e, no centro, um mais alto onde se encontram os tais torreõezinhos.

A torre grande forma praticamente um edifício separado do Paço Municipal e possui um relógio, o qual, para o tempo em que foi instalado, representava um grande progresso. No alto está o campanário dos sinos do Paço Municipal, por meio dos quais se davam os avisos aos habitantes da cidade, em caso de perigo, de incêndio, etc.

Em baixo, encontramos uma espécie de tribuna de mármore branco encostada na torre, mas não constitui um só todo com a torre. É também uma beleza!

Esses três elementos juntos formam uma verdadeira maravilha.

Nessa praça realiza-se a famosa festa do Pálio de Siena, que atrai turistas do mundo inteiro. Vários bairros da cidade, denominados “contradas”, comparecem a cada ano com seus trajes, bandeiras e hinos característicos, e realizam uma corrida de cavalos em honra de Nossa Senhora, em meio a uma festa tão fabulosa que todas as janelas em torno da praça são alugadas a um preço enorme, e com muita antecedência.

Este é um dos aspectos dessa praça que faz dela, junto com a Praça de São Marcos, a de São Pedro e a Place Vendôme de Paris, uma das mais bonitas da Cristandade.

Severidade e dignidade do Palácio

Mas o que é muito menos conhecido e perfeitamente notável é a parte interior do edifício municipal, o qual é um palácio com lindas ogivas e salas com alguma coisa ainda do arranjo medieval. De maneira que se pode saborear com toda a intensidade o que seria um palácio medieval no período em que a Idade Média estava caminhando do meio para o fim.

Vejam a nobreza — eu quase diria a severidade e a dignidade — desse prédio, curiosamente côncavo.

Notem na parte alta da torre o mármore branco próprio à região, como é bonito! Por outro lado, como essas reminiscências de ameias e de contrafortes para escorar as ameias tornam bonita a cena do campanário. No alto encontramos ainda o local para pendurar os sinos, que tocavam para dar avisos à cidade.

No interior do Paço Municipal, o único objeto moderno é o lustre com lâmpadas elétricas encarapitadas ali. Percebe-se a indústria do latão e do bronze do século XIX, com muito menos nobreza do que as tochas que na Idade Média se colocavam. O resto é estritamente medieval e muito bem conservado, com chão encerado de modo exímio e as pinturas das paredes muito bem conservadas também.

Percebe-se a riqueza do ambiente. Essa impressão de fausto é causada, por exemplo, pelas pinturas. É de notar também a grossura das paredes. Basta percorrer com o olhar as pilastras que separam os arcos para ver como as paredes são grossas e como todo o edifício é sólido. Isso corresponde, até certo ponto, à ideia de edifício-fortaleza, por causa da guerra urbana. Pode-se imaginar o esplendor de uma festa noturna dentro de uma sala dessas…

Há ali uma capela separada do restante da sala por um gradeado lindíssimo. Nas paredes, belas pinturas de cunho religioso, muito adequadas à capela. Depois, por outro lado, a sala se prolonga para outros fins.

No pátio interno do Paço Municipal vemos as lindas ogivas e bandeiras colocadas em um dos corpos de edifício. Já o outro corpo de edifício mais adiante é digno, mas menos bonito e mais recente, e também está adornado por alguns estandartes.

A catedral e as residências fortificadas

A Catedral de Siena é lindíssima, construída segundo a mesma técnica da matriz de Orvieto. Nela encontramos lindos mosaicos, por exemplo, nos tímpanos das portas, esculturas, e a torre listrada de mármore branco de acordo com o estilo existente em Florença e em outras cidades mais ou menos dessa região.

Em certas igrejas antigas, a pia batismal ficava colocada num apêndice do edifício sagrado. É o caso da Catedral de Siena.

Outro aspecto interessante é o púlpito, inteiramente destacado de qualquer coluna ou parede, e amplo, possibilitando ao pregador mover-se em todas as direções. Havia para isso uma razão prática: essas igrejas eram muito grandes e se enchiam de fiéis inteiramente. E não havia luto-falantes e coisas desse gênero. Então, o pregador tinha que se colocar em posições diversas no púlpito para fazer ouvir sua pregação ora para um lado, ora para outro, evitando desfavorecer excessivamente uma parte do público que estava na igreja.

Em Siena veem-se prédios antigos que, embora não sendo palácios, possuem ameias. Não se trata apenas de uma reminiscência da Idade Média. As lutas de cidade com cidade tinham cessado, mas as querelas entre famílias na mesma cidade ainda existiam. Então eram lutas de casa contra casa. Por isso, às vezes, as residências eram fortificadas.

Em muitas casas encontramos lindas janelas medievais, junto às quais são colocadas, por vezes, bandeiras, todas muito originais. Quiçá são as bandeiras das tais “contradas” que ali permanecem até o momento de serem entregues aos que participam daquele espetáculo.

As ruas da cidade são sempre pitorescas. São as antigas ruas da velha Itália.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/11/1988)

Revista Dr Plinio 219 (Junho de 2016)

 

São Guilherme: A beleza dos extremos harmônicos

Comentando a vida de São Guilherme, Dr. Plinio aponta o sublime modo de proceder da Igreja, encaminhando a sociedade e as almas por um determinado sentido, enquanto a algumas almas eleitas indica o rumo oposto, obtendo assim o equilíbrio e a harmonia social.

 

Gostaria de comentar uma ficha biográfica tirada do livro “La Vie des Saints”, de autoria de Daras.

São Guilherme nasceu no ano de 1085, numa cidade do Piemonte. Seus pais eram nobres e ricos.

Muito jovem ainda, decidido a viver para Deus, fez uma peregrinação a Roma, retirando-se depois a um monte abrupto e elevado, chamado Virgiliano, para lá viver como solitário.

Guilherme reuniu discípulos e ergueu no local um mosteiro e uma igreja a Nossa Senhora. O santuário deu um novo nome à montanha: o Monte da Virgem.

Um dia, os monges indispuseram-se contra seu superior por causa de sua liberalidade para com os pobres.

Guilherme não deixou de orar por eles. Fundou outra casa e visitou o reino de Nápoles, onde aconselhou sabiamente o soberano. Perto de morrer, voltou à sua primeira fundação, na qual encontrou grande disciplina e paz, devido, supõe-se, às suas infatigáveis preces.

Morreu no dia 25 de junho de 1142, em Guilhemeto. A Congregação chamada do Monte da Virgem não existe mais. Porém, o mosteiro não desapareceu. Pertence à reforma de Nossa Senhora do Monte Cassino. Os religiosos usam o hábito branco de São Guilherme para lembrar a sua união com esse grande santo.

A grande atividade da Idade Média

Esta ficha é muito bonita. Sobretudo quando vista em seu contexto, nela se notam admiráveis harmonias. Recordemos os tempos da Idade Média, onde esse santo constituiu seu mosteiro e onde levou a vida que passo a comentar.

A Idade Média, contrariamente ao que muitos imaginam, tinha uma vida de atividade intensa. Tal atividade era sobretudo agrícola, pois, apesar de o Império Romano ter conseguido aproveitar agricolamente boa parte de seu próprio território, restando somente algumas partes incultas devido à insuficiência de população, quando o Império foi invadido pelos bárbaros quase toda a agricultura sofreu grande ruína, a ponto de só restar o suficiente para manter miseravelmente a população local. Por outro lado, havia a parte selvagem e bárbara da Europa para ser cultivada.

Por isso, a atividade agrícola na Idade Média precisou ser muito intensa, e o foi de tal maneira, que de uma ponta a outra da Europa havia plantações, as quais se estendiam até mesmo pela Rússia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Norte das Ilhas Britânicas, e outras regiões de cuja existência os romanos nem sequer tinham noção.

Naturalmente, a agricultura trouxe consigo o comércio. A abundância das plantações traz consigo a exportação e a permuta de seus frutos com outros artigos. Assim, iniciou-se também uma indústria caseira, a qual se transformou mais tarde numa indústria verdadeira, dotada de estabelecimentos especiais, desligados da atmosfera doméstica.

Abriam-se, então, estradas, iniciava-se uma organização à maneira de polícia, como os cavaleiros andantes e outras forças locais, as quais se encarregavam de manter a segurança das vias, impedindo roubos e assassinatos. Os medievais viajavam muito. Para só analisar as peregrinações que então se faziam, consideremos o seguinte:

De toda a Europa, peregrinos acorriam a Santiago de Compostela a ponto de, em certas épocas do ano, alguns trechos tornavam-se verdadeiras ruas, devido à intensidade do tráfego.

De outro lado, havia na Idade Média a atividade intelectual, da qual muito já se conhece. Mas havia também a atividade guerreira, sumamente glorificada por alguns historiadores, do ponto de vista das Cruzadas, mas tão denegrida e exagerada por outros no que diz respeito a guerras domésticas entre famílias, casas e feudos.

Isso tudo forma a verdadeira imagem da Idade Média: uma época borbulhante de vida.

A Igreja, centro e ponto de equilíbrio da Idade Média

Na raiz dessa vida estava a Igreja, enquanto fonte de toda harmonia e perfeição. Seu modo de proceder consistia em impulsionar a sociedade em determinada direção, o que fazia com tanta serenidade, sabedoria e naturalidade, que poderia até mesmo causar a impressão de irrefletida. Contudo, era ainda capaz de, ao mesmo tempo, incentivar alguns a seguirem o rumo extremamente oposto dos demais, conservando assim a harmonia do corpo social.

Um claro exemplo disso encontra-se no fato da Igreja ter estimulado extraordinariamente o desenvolvimento intelectual na Idade Média, ao mesmo tempo que impulsionava vigorosamente o trabalho manual, o extremo harmônico daquele.

Assim, toda a movimentação do corpo social na Idade Média era largamente estimulada pela Igreja; mas também, Ela estava constantemente suscitando a formação de grandes famílias de almas, as quais procuravam retirar-se a lugares ermos, a fim de viverem no completo isolamento.

A Igreja inspirava algumas almas a se afastarem inteiramente do convívio humano, vivendo a sós. Desta forma, perpetuava-se na sociedade o hermetismo absoluto, surgido na antiguidade e mantido, de certa forma, até os dias atuais.

Era grande o contraste entre o borbulhar de vitalidade que havia na sociedade medieval, e a vida tranquila, serena e meditativa de um número impressionante de eremitas, os quais abandonando tudo, iam viver em lugares distantes, na exclusiva consideração das coisas de Deus enquanto Motor imóvel, da eternidade e de outros assuntos cuja cogitação é geralmente evitada pela superficialidade de espírito de muitos homens.

Desta forma, como fruto da verdadeira Igreja, constituiu-se o ponto de equilíbrio da sociedade medieval, bem como de cada alma individualmente.

Pelo contrário, a atitude de uma igreja falsa seria a de estimular exclusivamente o hermetismo, ou a atividade, causando assim a desestabilização.

Do auge da atividade ao máximo recolhimento

São Guilherme é um característico exemplo deste modo de proceder da Igreja, enquanto propulsora dos contrários harmônicos. Ele, por sua condição de nobre, era naturalmente destinado a uma vida de guerra, de corte, de governo e de movimento. No entanto, com o consentimento de seus pais, ele abandonou tudo e se retirou para um lugar ermo e solitário a fim de glorificar Nossa Senhora. Para ter garantia de não ser importunado por ninguém, dirigiu-se a uma alta e fria montanha, onde pretendia levar vida de penitência. Porém, é admirável verificar como as almas que se isolam por amor a Deus, acabam tendo muito mais poder de atração.

Assim, como tantas vezes aconteceu ao longo da História da Igreja, em torno dos eremitas se constituem comunidades, a ponto de, muitas vezes, aqueles que tinham deixado tudo para viver isolados acabam por se transformar em cenobitas, levando vida comunitária.

Tal foi o que se deu com São Guilherme, cujo exemplo atraiu muitos outros.

Certamente, muitas pessoas passavam aos pés daquela montanha: cavaleiros, estudantes que caminhavam conversando, rindo e cantando, peregrinos entoando canções sacras. Pode-se supor que no alto do monte houvesse um cruzeiro junto ao qual se encontrava a choupanazinha de São Guilherme.

Os que por lá passavam, inevitavelmente, deviam procurar saber quem vivia no cume daquela montanha, sendo-lhes respondido tratar-se de Guilherme, um nobre, que deixou tudo para viver em oração.

Com isso, cada vez mais pessoas desejavam poder um dia subir aquela escarpada montanha a fim de conhecer o nobre Guilherme.

Além disso, deviam circular notícias de que alguns, estando em dificuldades, foram ter com Guilherme, e este rezando por eles obteve-lhes imediata solução.

Assim crescia o número de pessoas que subiam ao monte para rezar. Em baixo havia o bulício próprio às estradas medievais, enquanto em cima se gozava da quietude e da serenidade da companhia de Guilherme.

Ao longe, talvez alguns permanecessem contemplando São Guilherme rezar ou preparar lenha para fazer sua refeição, após a qual começa a varrer sua pobre habitação. Tudo isso feito de modo tão direito, sábio, calmo, piedoso e composto, que devia dar às pessoas uma indizível paz, ânimo e arrojo interior.

Aprendendo pela contemplação

Conta-se a respeito do Bem-aventurado Miguel Rua, segundo Superior Geral dos salesianos, sucedendo a São João Bosco, que sendo ainda seminarista, este frequentemente era destacado para servir de secretário a São João Bosco. Perguntaram-lhe, então, certa vez, se não lhe incomodava o fato de não poder estudar durante esses dias. Ele respondeu: “Em três dias que passo servindo a D. Bosco eu aprendo mais Teologia do que estudando em livros o ano inteiro”.

Do mesmo modo, quantos podiam contemplar por alguns momentos a São Guilherme, deviam em sua presença aprender mais a respeito da Igreja do que através de muitos estudos e pregações.

Então começaram a surgir alguns que decidiam permanecer na companhia do santo. Estes talvez dissessem aos que os tinham acompanhado: “Ficarei aqui. Diga àqueles com quem tenho relações que eu fiquei ao lado de Guilherme, mas que no Céu nos encontraremos. Aqui estarei rezando por eles.”

Desta forma, aos poucos foi se constituindo um cenóbio, depois uma Ordem Religiosa, e começavam então as maravilhas de Guilherme.

A força de um santo

Porém, não tardou em acontecer-lhe algo de muito trágico e doloroso. Sendo pai de uma família religiosa, dela foi expulso por seus próprios filhos espirituais, os quais certamente andavam mal e não davam contentamento a ele. Porque, sobretudo o que é muito mais sério, eles não davam a glória devida a Nossa Senhora. São Guilherme, aos olhos de seus discípulos, devia atrapalhá-los na vida torta que tinham adotado. Apesar de terem vindo morar no alto da montanha a fim de gozar da companhia de São Guilherme, chegaram ao desvario de expulsá-lo.

Então, o santo desce sozinho a estrada, apoiado num bordão. Enquanto a porta se bate à sua saída e um monge revoltado grita: “Afinal, estamos sós e independentes desse homem demasiado severo!” São Guilherme, tranquilo e rezando, vai descendo por caminhos desconhecidos, até chegar a uma estrada que o conduziria a Nápoles.

Mas, quem pode expulsar um santo quando este quer ficar? Qual a força que nessa vida é comparável à de um santo?

São Guilherme não quer a perdição daqueles monges; por isso, ao andar pelas estradas, ele vai rezando por eles. Ele pede a Nossa Senhora, sob cuja égide o mosteiro estava construído, a expulsão dos demônios que ali entraram, promovendo assim a volta de seus discípulos ao bom caminho.

Rejeitado pelos discípulos e acolhido pelo Rei

Tranquila e serenamente, por alguma razão ignota, o santo vai a Nápoles. Lá ele encontra um cenário muito diverso. Antes de tudo pela vista da célebre baía de Nápoles, tendo ao fundo o Vesúvio fumegando; depois, por ser uma cidade populosa, com um porto movimentado, donde se vislumbra o palácio do Rei de Nápoles, um dos potentados da Península Itálica, essa cidade era um centro de cultura e de civilização, certamente uma corte em franco progresso e expansão da arte e do bom gosto.

Não tardou para o Rei ser informado da presença deste santo. Mais uma vez sua vida passaria por uma transformação: de abade tornou-se peregrino, agora passaria a ser conselheiro do Rei.

Porém, com a mesma serenidade, tranquilidade e sabedoria, ele continua rezando, mas também aconselhando o Rei, o qual nutria grande apreço por aquele que a loucura de uns monges desvairados tinha sido a causa de sua presença junto a ele. Muitos tiveram que galgar uma alta montanha para encontrar Guilherme, enquanto o Rei o encontrou ao lado de seu trono.

Em meio ao esplendor do cenário da corte de Nápoles, com suas belas tapeçarias, feéricos vitrais e magníficas construções em granito, pode-se imaginar o Rei despachando, com os olhos postos em Guilherme, atento a seus conselhos. Quando, em certo momento, surge-lhe uma dúvida, apressa-se em perguntar a opinião de Guilherme. Assim, aquele santo humilde, apagado e posto de lado, reina por sua influência sobre o soberano.

Contudo, as saudades vibram no coração de Guilherme e o fazem tomar a resolução de ir visitar seus monges. Perdoando-os como o Bom Pastor que ama suas ovelhas, a ponto de ir à procura das que se desviaram, e mais ainda se revoltaram contra ele, expulsando-o do meio delas, ele, como uma espécie de anjo da guarda, paira sobre o convento, para que ele não desapareça.

Alegria do superior pelo progresso dos subalternos

Assim, após algum tempo, ele volta para visitar os monges ingratos. Suas preces venceram a dureza daqueles corações, encontrando-os, cheios de fervor. O contentamento que Santa Mônica terá sentido ao ver seu filho convertido deve ter sido muito menor do que a deste abade e fundador ao ver convertida toda a sua Ordem Religiosa. Algum tempo depois, ele morreu naquele monte onde tinha constituído seu convento.

Dir-se-ia estar terminada a história. No entanto ela continua, pois a Ordem fundada por São Guilherme, por diversas razões, não consegue manter-se sozinha, acabando por extinguir-se, enquanto o convento foi dado aos beneditinos, cuja sede principal, o Monte Cassino, ficava a pouca distância de lá.

O suave perfume de uma flor conservada pela Tradição

Os padres beneditinos deram uma prova da boa recordação que conservaram de São Guilherme. Pois os beneditinos que foram morar no monte onde este santo fundou seu mosteiro, continuaram usando o hábito da Ordem Religiosa fundada por São Guilherme, manifestando assim um lindo espírito de tradição. Deviam ter a ideia de que lá não se podia usar outro hábito a não ser o de São Guilherme, para dar a entender que os que lá vivem estão como hospedes, pois o dono da casa é São Guilherme; por isso, eles só residem lá para manter a ordem do local, à espera do dia em que filhos do dono, suscitados pela graça, venham para restaurar a Ordem e reocupar a casa paterna.

Como seria bonito que, em meio aos desvarios do mundo moderno, um europeu suscitado por Nossa Senhora, tomasse a resolução de restaurar a Ordem Religiosa de São Guilherme, fazendo reviver dentro da Igreja essa flor conservada pela piedade beneditina dos grandes tempos.

Morrer sob o amparo de Maria

Os dados biográficos não narram a morte de São Guilherme. Alguns poderão imaginá-la como tendo sido repentina, a qual para um santo tem sua beleza, pois ele de repente passa das agruras desta Terra para a visão direta de Deus.

Porém, outros podem figurar uma morte lenta e longa, na qual o santo passa para o Céu, mais ou menos como um grande rio entra no oceano, vagarosamente, até exalar o último suspiro.

Pode-se também conceber um tipo de morte, o qual sempre me impressionou, e que vi representada num vitral do Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Nele estava São Bento, em pé, acabando de dar a seus discípulos uma última lição, a qual alguns ouviam entusiasmados, outros recolhidos. Na legenda embaixo, lia-se: “Eflavit spiritum — Ele rendeu seu espírito”. Após as últimas palavras de edificação ele foi para Deus!

Enfim, a morte de São Guilherme pode ser imaginada de múltiplas formas, porém, certo é que, tendo ele fundado um convento dedicado a Nossa Senhora, Ela o protegeu especialmente na hora de sua morte.

Por isso, nós não devemos nos importar como morreremos, mas somente devemos desejar neste momento estarmos postos nas mãos de Maria Santíssima.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/6/1976)